Capítulo 8



Hermione não conseguiu livrar-se das cordas. A situação lembrava uma de suas novelas. Só que no livro, àquela altura, a heroína já estava livre, vingando-se dos malfeitores.
Naquele momento, ela detestou a realidade.
Ouviu o som da lancha voltando e temeu pela própria vida. O homem estava furioso por causa do fracassado seqüestro e na certa a mataria.
Pensou nos pais, em Kurt e em Harry. A morte nunca fora uma preocupação, mas agora Hermione não conseguia pensar em outra coisa. Morreria ali, de camisola, sem sequer ter a chance de se despedir das pessoas a quem amava.
E o pior era que a continuação da novela O segredo da catacumba ainda estava no início. Decerto o editor iria entregá-la a outro escritor, para que a terminasse. Que horror!
Tentou desesperadamente se soltar ao ouvir vozes no convés. Instantes depois, a porta abriu-se e o homem mais alto entrou na cabine. Usava capuz e luvas, mas ela de imediato o reconheceu. Obviamente, achou que iria encontrá-la consciente. Hermione sentiu um certo alívio. Se pretendesse matá-la, não estaria escondendo o rosto.
Ele se aproximou. Tinha uma pistola na mão. Num inglês grosseiro, ordenou-lhe que se levantasse e a conduziu ao convés. Lá, com o revólver às costas, levou-a até o parapeito.
— Pule! — ordenou.
A lancha não se encontrava no costado da embarcação, e a altura, dali até a água, era assustadora. Além disso, as mãos de Hermionecontinuavam amarradas.
— Assim? Com as mãos presas? — esbravejou ela.
Sentiu uma pressão nos pulsos. A corda havia sido cortada.
— Ou pula ou morre. E sua única chance — disse o homem, secamente.
Hermione nem pensou em contrariá-lo. Era boa nadadora, e a distância até a praia não era grande. Podia avistar as luzes das casas à beira-mar. Estranho... Luzes àquela hora da madrugada...
O cano da pistola tornou a cutucar-lhe as costas. Hermione fez uma curta prece e mergulhou.
A água estava fria quando fechou-se em torno dela. Seu coração disparou ao ocorrer-lhe que homem pudesse atirar assim que emergisse. Se pretendia seqüestrar uma criança, o que o impedia de matar uma provável testemunha?
Nadou vigorosamente em direção à praia, sem parar sequer para tomar fôlego, mas logo cansou. A batida na cabeça, a falta de sono, a desorientação, tudo contribuía para deixá-la vulnerável a tanto esforço. Então, resolveu flutuar. De costas, pôs-se a observar a lua, enquanto tentava lembrar-se de alguns versos sobre o luar.
De repente, ouviu movimentos por perto e em seguida sentiu que um braço a rodeava. O susto a fez gritar.
— Hermione! — Era Harry. — Graças a Deus você está bem!
— Minha cabeça dói — sussurrou ela. — Eles me atingiram.
— Relaxe e deixe que eu a conduza.
Harry era um excelente nadador, e logo alcançou a praia. Deitou-a na areia, para que descansasse.
— Ouvi um grito e saí para verificar — contou ele. — Você não estava em casa e em nenhum lugar. Procurei-a por quase uma hora. Foi quando me ocorreu que poderiam tê-la levado para o iate que se encontrava ancorado. Olhei com o binóculos e a vi no convés com alguém. Em seguida você pulou na água.
— Não pulei. Fui empurrada.
— Os miseráveis já partiram, mas a polícia está atrás deles.
— Ainda nem me curei direito da enxaqueca e aquele animal me bateu justamente na cabeça!
— É um milagre você ter sobrevivido, mas alguém pagará por isso!
— Estão atrás de Carly — sussurrou ela, aninhando-se. — Ouvi o homem mencionar o nome dela. E aquele que andava espionando as crianças.
— Marie! Só pode ser coisa dela! Como não concordei em pagar o que pediu, resolveu seqüestrar Carly para me obrigar dar o dinheiro.
— Ela não machucaria a própria filha.
— Não intencionalmente. Mas os seqüestradores não bateram em você julgando que fosse Carly?
— Tem razão.
Harry resmungou mais alguma coisa e em seguida a carregou até sua casa, que se encontrava às escuras. — Kurt está acordado? — perguntou ela, preocupada.
— Está dormindo. Nem percebeu sua ausência. — Levou-a para o quarto e a fez sentar-se na cama. Ajudou-a a despir as roupas molhadas, deitou-a e cobriu-a com o lençol. — Fique aqui até eu voltar. Vou me trocar e iremos ao hospital.
— Mas Carly...
— Ela vai conosco. Vou acordar Kurt. Você está bem? — perguntou ele, parando na porta do quarto antes de sair, Hermione notou que estava descalço,
— Estou, sim.
— Volto logo.
Ouviu-o bater à porta do quarto de Kurt e em seguida escutou a resposta sonolenta do garoto. Sua cabeça doía tanto que nem lhe permitia pensar direito. Pouco depois Kurt chegou, com ar preocupado.
— O que houve? Você está tão pálida.
— Fui seqüestrada.
— Seqüestraram você? Mas quem fez isso?
— Julgaram que eu fosse Carly. Me pegaram e me levaram para um iate. Pulei na água e vim nadando. Harry me viu e foi ao meu encontro na água. Por favor, pegue uma camisola na gaveta da cômoda. Atingiram minha cabeça, e está doendo muito.
— Mas como foi isso? Eles entraram aqui?
— Não. Foi quando saí. Notei que havia alguém rondando a casa dos Potter. Vi algo brilhar ao luar, como se fosse metal, e podia ser um revólver. Temi que alguém planejasse atirar em Harry.
— E foi salvá-lo... — concluiu ele, sacudindo a cabeça. — Quando é que vai se convencer de que não é Diane Woody?
— Acho que dessa vez aprendi a lição. A camisola, por favor.
Kurt entregou-lhe a peça e tratou de levar a outra para a lavadora. Harry retornou antes que ela se vestisse, com ar impaciente.
— Onde estão suas roupas? — perguntou e, sem esperar pela resposta, começou a procurar no armário. — Estas devem servir. — Atirou-lhe a lingerie. — Vista-se. Não há tempo para tomar banho. Vai ter que ir como está.
Ajudou-a a vestir-se como se tivesse feito isso a vida inteira. Colocou-lhe um vestido de algodão e sandálias. Foi tudo muito rápido para que ela se sentisse embaraçada.
— Quero minha bolsa e minha maquiagem — pediu Hermione antes de sair de casa.
— Não vai precisar. Está ótima.
— Fico horrível sem batom.
— E uma questão de ponto de vista.
Harry chamou Kurt e o garoto veio correndo. Trancaram a porta e saíram.
Carly já os aguardava no carro, meio sonolenta, porém preocupada.
— Hermione vai ficar boa? — perguntou ao pai.
— Claro que sim — respondeu ele, ajudando Hermione a sentar-se no banco de trás. Kurt acomodou-se ao lado da irmã.
Dirigiu velozmente até o hospital, avançando sinais fechados e ignorando outros motoristas. Sua tensão manteve os garotos de boca fechada.
Entrou apressado pela porta de emergência, com Hermione no colo, dando ordens em espanhol. Em pouco tempo ela estava acomodada em um dos quartos particulares. Já havia feito os exames e tirado radiografias.
— Sem maiores complicações — avisou Harry, afundando o corpo em uma das poltronas. Acabara de falar com o médico. — Você sofreu apenas uma leve contusão.
— Onde estão as crianças? — perguntou Hermione, meio zonza.
— Na sala de espera.
— E quanto a você?
— Estou bem e não pretendo deixá-la nem por um segundo — murmurou ele, pegando-lhe a mão fria.
Hermione sentia uma certa sonolência, certamente devido aos medicamentos. Fechou os olhos e logo adormeceu.
Já era dia quando ela acordou. Deu com Harry recostado à janela, observando-a. Sentiu como se o conhecesse a vida toda, e o curioso pensamento a fez sorrir ternamente.
— Como se sente? — ele quis saber.
— Melhor, creio.
Ele mantinha as mãos nos bolsos e não se aproximou da cama. Seu rosto estava sério e tenso.
Enquanto Hermione tentava compreender a brusca mudança de atitude, uma enfermeira entrou no quarto. Aproximou-se da cama, com um livro na mão.
— Não quero incomodá-la, mas comprei O segredo da catacumba assim que foi publicado. É a melhor história de mistério que já li. — Sorriu timidamente. — Reconheci você assim que a vi, embora esteja um pouco diferente da foto. Disse ao Sr. Potter que foi uma grande emoção conhecê-la pessoalmente. Pensei que, se deixasse o livro aqui, você poderia autografá-lo mais tarde. Anotei meu nome num pedaço de papel e coloquei entre as páginas. Se não se incormodar, claro.
— Será um prazer — disse Hermione com um sorriso apagado.
— Obrigada! — A jovem enfermeira deixou o livro sobre a mesinha. — Espero que se recupere depressa. Você é igualzinha ao que eu imaginava!
A moça saiu do quarto com os olhos brilhando de emoção. Só então Hermione se deu conta do que a esperava.
— Por que não me contou? Sabe que leio seus livros. Deve ter visto algum sobre minha mesa.
— A verdade é que eu não sabia como contar. Você mesmo disse que detestava mulheres famosas, escritoras e atrizes. — Ele não respondeu. —- Soube por intermédio da enfermeira?
— Não — disse ele, olhando para cima. — Foi Kurt. Ele estava triste porque a machucaram e disse que você se mete em encrencas porque se confunde com sua heroína. Quanto à enfermeira, trazia seu livro a tiracolo, para ler nas horas de folga.
— Uma verdadeira conspiração contra mim.
— Acredito que tenha sido pura fatalidade.
Hermione não soube o que dizer. Harry parecia nada mais querer com ela. Lamentava que ele houvesse descoberto tudo daquele modo. Mas tinham um problema mais imediato a resolver.
— E quanto aos homens que me seqüestraram? Descobriram algo? — perguntou ela, mais para mudar de assunto.
— Estão sendo procurados.
— No final, não estavam atrás de meus pais... — comentou Hermione apôs um longo silêncio. — Mas lamento que tenham tentado roubar Carly.
— Já tomei providências. Contratei um segurança.
— Boa idéia.
— Você pensou que o homem tivesse um revólver apon¬tado em minha direção?
— Era o que parecia. Provavelmente, tratava-se apenas de um par de binóculos. No escuro, não pude ver direito.
— Então, em vez de procurar ajuda, você o atacou. Que idéia brilhante!
— Você podia ser morto! — resmungou ela, corando.
— Você também, sua maluca! — devolveu ele, perdendo a calma.
— Não tem o direito de me criticar!
Harry caminhou ameaçadoramente em sua direção e Hermione olhou para a coisa mais próxima de sua mão, um balde cheio de gelo. Tentou erguê-lo.
Ele recuou. Naquele instante, Kurt e Carly entraram no quarto e perceberam o que estava acontecendo.
— Pare com isso! — ordenou o garoto, aproximando-se da irmã e tirando-lhe o balde da mão. — Já vi que está se sentindo melhor.
— Estava começando a me sentir — disse ela, lançando um olhar irado a Harry.
— Bem, tenho algumas coisas a providenciar — avisou ele, o rosto inexpressivo. — Kurt ficará com você.
— Quando poderei ir para casa?
— Mais tarde, se não houver complicações.
— Precisarei de alguém que possa traduzir os dados do seguro.
— As enfermeiras falam inglês, assim como o pessoal da portaria.
— Ótimo.
Ele lançou-lhe um último e prolongado olhar antes de aproximar-se da filha. Não disse adeus, até logo, fique bem ou qualquer coisa parecida. Apenas saiu com Carly.
— A culpa é toda minha — disse Kurt, entristecido. — Falei demais!
— Mais dia menos dia teria de acontecer. Mas o que importa? Afinal, um milionário e uma escritora nada têm a ver um com o outro.
— Ele não é milionário.
— Mas vai ser, e não me misturo com gente rica. Jamais me misturei.
— Como pode tratá-lo dessa forma? Harry passou a noite à sua cabeceira.
— Suponho que se sinta responsável pelo que me aconteceu, mas dispenso seus cuidados. — Deu de ombros. — Você não tentou avisar papai e mamãe, não é? — perguntou, preocupada.
— Não. Achamos melhor esperar.
— Pelo menos isso! — Hermione sentou-se na cama, mas sentiu a cabeça girar. Tornou a deitar-se, gemendo de dor. — Com que será que ele me atingiu? Com uma barra de ferro, provavelmente.
— De acordo com o médico, foi uma contusão leve. Teve sorte. De agora em diante, deixe o trabalho sujo para a policia.
Ela deu uma risadinha.
— Talvez seja melhor.
Hermione passou a noite no hospital, dessa vez em companhia de Kurt. Pela manhã, recebeu alta. Preencheu a papelada do seguro e voltou para casa de táxi. Chegou bem na hora em que Harry Potter e a filha entravam no carro.
Hermione pagou acorrida, evitando encará-lo. Não adiantou. Ele aproximou:se a passos largos pela areia.
— Mas o que você faz aqui? — perguntou, nervoso. — Eu estava saindo justamente para apanhá-la no hospital.
— E como eu podia adivinhar? Você saiu sem se despedir... Julguei que não fosse voltar. — Hermione ainda estava pálida e ligeiramente zonza, embora determinada a voltar para casa. — Além disso, sei me cuidar.
Ele parecia vagamente culpado. Olhou para Carly e pediu que entrasse,
— E melhor eu fazer companhia a Carly. Detesto discussões — avisou Kurt.
— Parece que todos estão me abandonando — murmurou ela.
— Eu não a teria "abandonado" se você não tivesse feito o que fez. Não gosto que mintam para mim.
— Você não é meu parente, nem sequer um amigo. O que o faz pensar que devo lhe contar a história da minha vida?
Harry parecia abatido. Deu de ombros.
— Quero saber tudo a seu respeito — confessou, surpreendendo-a.
— E por quê? Pretendo partir em poucos dias e provavelmente não nos veremos mais, uma vez que não freqüentamos os mesmos lugares. Posso ser famosa, mas ainda não sou milionária, e não acredito que chegue a ser. Não sou muito sociável.
— Sei disso. — Ele sorriu gentilmente. — Você não gosta de vida agitada nem de multidão. Minha ex-mulher adorava festas, gente e barulho. Gostava de sair, e eu de ficar em casa. Éramos opostos. Em compensação, tenho muito em comum com você.
— Eu já disse que não pretendo lhe propor casamento — declarou ela solenemente. — Gosto de ser independente e você precisa encontrar uma mulher calma, gentil, amorosa, que lhe prepare ovos mexidos enquanto tenta recuperar seu dinheiro. Ah. Ia me esquecendo. Alguém que goste de gritos.
— Não gritei com você.
— Gritou, sim.
— Se gritei foi porque você mereceu — respondeu ele secamente. — Tem algum cabimento, correr atrás de homens armados?
— Julguei que conseguisse detê-los. Você disse que lê os meus livros. Nunca vê as contracapas?
— Claro que sim.
— Então diga o que eu fazia antes de ser escritora?
Harry precisou pensar um pouco. Franziu a testa e em seguida arregalou os olhos.
— Não acredito! Julguei que aquilo fosse conversa fiada.
— Mas não é. Já trabalhei como detetive particular. Ainda possuo porte de armas, embora não use.
— Foi assim que aprendeu a lutar caratê?
Hermione assentiu.
— Eu estava me saindo bem até que o seqüestrador apontou o revólver em direção à sua casa. Notei que havia alguém na janela e, com medo do pior, me precipitei.
— E quase acabou sendo morta — acrescentou ele.
— Ainda bem que tenho a cabeça dura!
Harry assentiu. Tocou-lhe gentilmente o rosto.
— Desculpe por ter gritado. Ela deu de ombros.
— Não sei.
— Falo sério.
— Está bem. Considere-se desculpado.
— Você ainda tem a licença de detetive?
— Tenho.
— Então por que não trabalha para mim, e me ajuda a resolver este caso?
— Lamento, mas tenho um prazo para entregar o livro e estou atrasada.
— Mas não pode trabalhar nele o tempo todo!
Hermione ficou tentada a aceitar. Era excitante perseguir criminosos. Porém, mais importante ainda era impedir que alguém fizesse mal a Carly.
— Pensando bem, creio que vou aceitar sua proposta. Mas precisarei de alguns dias para me recuperar — disse, tocando a cabeça. — Ainda tenho um galo imenso aqui atrás.
— E o que esperava? Você é completamente maluca.
— Me contratar não lhe dá o direito de me chamar de maluca — declarou ela,
Harry ergueu as mãos.
— Está bem. Prometo não fazer mais isso.
Mas não cumpriu a promessa. Continuou a provocá-la, mesmo quando, dias depois, estavam à espreita dos seqüestradores.
— Passar o dia todo à espera é muito maçante — resmungou ele após ficar um longo tempo escondido atrás de uma duna, observando as crianças na areia.
— Bem-vindo ao mundo dos detetives particulares. Os reais, quero dizer — respondeu ela. — Esperava toda aquela correria que se vê nos filmes? Anda assistindo muito à televisão.
Ele virou a cabeça e a fitou.
— Você também. Principalmente séries de ficção científica.
— Isso não vale! E golpe baixo!
— Como se atreve a dirigir-se a mim desse modo? Eu poderia mandar prendê-la para interrogá-la! — exclamou ele, imitando a voz do vilão alienígena. Levantou as sobrancelhas, para dar mais realidade ao desempenho. — Pensando bem, creio que eu mesmo farei isso. Tenho uma queda por morenas.
— Pare com isso.
— Quem sabe eu poderia descobrir seus pontos fracos...
— Não tenho pontos fracos, seu bobo!
Harry se aproximou, fazendo-a rolar na areia e deitando-se sobre ela.
— Isso é o que você pensa — zombou, beijando-lhe a boca.


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N/A: Agradeço de coração todos os comentários! Vocês não imaginam como eles me fazem feliz!

Então continuem comentando e votando! Hehehe

Próximo capítulo em breve...

BjOkss

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