Capitulo 11
CAPÍTULO 11
Harry afastou educadamente o prato vazio e sorriu para Tonks.
_Esta é a melhor refeição que já tive em toda a minha vida.
Tonks riu, jogando a cabeça para trás,
_Vou aceitar o elogio mesmo sabendo que você não diria isso se não houvesse sido obrigado a comer apenas feijão durante os últimos dias.
_Ele tem razão - emendou Hermione, com um sorriso tímido. - Tudo está uma delícia.
_Não vou deixar que essas palavras me sensibilizem - retrucou Tonks. Apanhou a travessa de prata, onde restavam alguns biscoitos. - Você só comeu três, Harry. Acha que é o bastante?
Tonks era uma ótima cozinheira e sabia que Harry tinha uma especial predileção pelos biscoitos que fazia.
_Se você insiste... - respondeu, apanhando mais dois.
Remo também estendeu a mão e pegou outros dois. Puxou a manteigueira para mais perto e passou uma fina camada de manteiga nos biscoitos. Conversavam animadamente. Harry ficou a par das últimas fofocas que haviam circulado pela cidade em sua ausência.
Estavam na sala de jantar, iluminada pelos lampiões que pendiam das paredes. Tonks fizera questão de servir a refeição na sala, na primeira noite de Hermione na fazenda.
Harry voltou-se e percebeu que Hermione o fitava. Fez um leve aceno para ela. Não sabia ao certo por que, mas ela estava ainda mais bonita do que antes. Talvez fosse por causa da iluminação da sala. Ou pelo vestido que usava. Ou ainda pela maneira com que penteara os cabelos. Alguns caracóis, de um castanho claro, enfeitavam-lhe a fronte. Os fios haviam sido presos no alto da cabeça, deixando-lhe a nuca descoberta. O vestido emprestado era enfeitado de fitas verdes que imitavam a cor dos olhos dele. As mangas, apertadas e curtas, acentuavam a brancura dos braços torneados. O decote revelava os ombros bem-feitos e o colo alvo.
Ao recordar o prazer que sentira ao tocar aqueles ombros, ao saborear a doçura daquela boca carnuda, ao prendem aquele corpo de encontro ao seu, os biscoitos, normalmente deliciosos, perderam o gosto. Viu-se, intimamente, desejando estar a milhas de distância dali, tendo apenas Hermione a seu lado. Queria tomá-la nos braços e repetir o que tinham feito na noite anterior. As mãos lhe queimavam de vontade de tocar aquela pele cálida e macia. O corpo reclamava, ardendo de desejo.
Afastou para longe aqueles pensamentos, relembrando a si mesmo que não tinha o direito de beijá-la. Hermione não era para ele. Havia muito tempo que decidira afastar qualquer possibilidade de um novo casamento. Nada havia acontecido que pudesse demovê-lo dessa decisão.
Remo terminou de comer os biscoitos e tomou um gole de café.
_Um de meus empregados esteve na cidade hoje - disse, pousando a xícara na mesa. - Houve um novo ataque.
Harry assentiu.
_Foi ontem. Hermione e eu vimos o que aconteceu. A casa ainda estava em chamas quando chegamos. Nada pudemos fazer. Era tarde demais.
_Não se mortifique por isso, Harry. Você sabe que, se houvessem chegado enquanto os bandidos ainda estivessem lá, teriam sido mortos como os outros,
Harry contraiu o rosto com uma careta. Tinha sido horrível encontrar o fazendeiro e a esposa assassinados a tiros. Pior ainda era saber que duas crianças inocentes haviam morrido também.
_Hermione e eu conversamos sobre os ataques. Ela descobriu o que eu e você deixamos escapar. - Com a ajuda de uma faca, traçou um quadrado sobre a toalha. Pegou alguns biscoitos, que serviram para demarcar onde ficavam as fazendas atacadas. - Nós presumimos que, se fossem construir uma ferrovia, seria no sentido leste-oeste - continuou ele. - Hermione me fez ver que existe muito gado no Texas, gado que os fazendeiros querem trazer para o norte. Por que não considerar a possibilidade de colocar os trilhos no sentido norte-sul?
_Com os diabos! - resmungou Remo, voltando-se para Hermione. - Bem pensado, senhorita. Devíamos ter imaginado isso. Faz sentido. - Alisou a barba com os dedos. - Claro que Stoner é um dos investidores.
_Foi o que pensei também.
_Ele dirige o escritório imobiliário e tem acesso a todos os dados. Fica fácil retomar as terras do pessoal que fugiu. Ou foi morto. - A voz de Remo destilava raiva.
Tonksinclinou-se e tocou-lhe o braço suavemente.
_Querido, você tem feito o melhor que pode.
_Não é o bastante - resmungou Remo.
Harry observou Hermione, tentando descobrir o que ela havia pensado sobre a opinião de Remo a respeito do noivo. Diante do que ele dissera, ela havia se enrijecido na cadeira. Porém, não pronunciara uma só palavra. Contudo, seu rosto demonstrara as emoções mais diversas. Aborrecimento, descrença, indignação, resignação. Esta última talvez pelo fato de não poder mudar a opinião de todos acerca de Stoner.Uma onda de revolta ameaçou dominar Harry. Teve ganas de obrigá-la a dizer o que a tinha interessado tanto em um homem que nem ao menos conhecia. Stoner não passava de um bastardo assassino, que só pensava em si e em mais ninguém. Ele era...
Balançou a cabeça, irritado. Havia se exasperado à toa. Hermione nunca se encontrara com Stoner. Nada sabia sobre ele. Havia fantasiado que ele era um homem perfeito, apenas porque tinha um sonho que queria tornar realidade.
Não devia perder tempo com bobagens. Além de tudo, não tinha ciúme dos sentimentos que ela nutria por aquele patife. Nem se importava com ela.
O peso da mentira repercutiu fundo em sua consciência. Tinha de admitir que a verdade era outra. Ela estava sob sua responsabilidade. Era natural importar-se com seu bem-estar. Porém, importar-se com ela e desejá-la, mesmo que fosse só um pouco, não significava querer partilhar a vida com uma mulher.
A conversa prosseguia. Haviam deixado de lado assunto dos ataques, e Hermione fazia algumas perguntas sobre Whitehorn. Gostava de ouvi-la falar. Demonstrava segurança sobre muitas coisas e, embora não concordasse com algumas opiniões, respeitava-a. Relanceou os olhos ao redor, feliz por estar entre amigos, aliviado por saber que Hermione achava-se a salvo ali.
Ansiava por ficar sozinho com ela, não só porque estava louco para beijá-la de novo. Percebera que passara a gostar de trocar idéias com ela, ouvi-la fazer seus planos para o futuro, contar histórias sobre o passado, falar sobre a cidade de Chicago. Ela também se mostrara fascinada quando Harry lhe contara sobre a vida na fazenda e as andanças que fizera, durante quase um ano.
_Claro que sim! Ficaria muito feliz em ensiná-la a cultivar uma horta - dizia Tonks. - Não é difícil, embora tome um bocado de tempo. Eu... - Engasgou e levantou-se da cadeira rapidamente. Ficou vermelha e riu sem graça. Desculpem. - Tocou a barriga. - É o bebê. - Sentou-se devagar. - O que eu estava dizendo? Ah. sim, também posso ensiná-la a fazer conservas.
Harry não prestava mais atenção ao que diziam. Seus olhos haviam pousado sobre o ventre de Tonks. Lá dentro, havia uma nova vida, crescendo. Sempre quisera ter filhos. Embora Claire fosse delicada e franzina, ele havia pensado que a maternidade poderia ajudá-la a sentir-se mais feliz. Porém, ela morrera antes daquilo.
Muitas pessoas haviam aconselhado que ele se casasse novamente. Nunca aturara a esposa, porém sua morte, seguida pelo inesperado falecimento de sua mãe, fora um golpe duro. Amar era arriscado.
Remo inclinou-se, descansando um dos braços sobre a mesa.
_Você ainda acha que os primos de Stoner estão por trás dos ataques? - perguntou, dirigindo-se a Harry.
_Quem mais poderia estar? Eles fazem tudo o que Stoner manda. Não temos provas. Teremos de pegá-los em flagrante ou Lindsay não vai acreditar. Se houver uma prova irrefutável, ele terá de prender Stoner apesar de tudo.
_Ou vamos esperar por um milagre? - Soltou uma praga entre os dentes. - Se, ao menos, Stoner não controlasse o delegado pelo bolso...
As mulheres haviam se calado e ouviam, atentas, o que Remo dizia. Harry percebeu que Hermione se entristecera com o comentário, mas não respondera.
Remo deu um tapa na mesa.
_Vamos levantar um mapa de todas as fazendas da região. Se tivermos mesmo razão quanto à ferrovia, talvez ainda haja algumas fazendas no caminho. Podemos demarcá-las e imaginar uma forma de prevenir um novo ataque.
_De acordo.
Remo reclinou-se na cadeira.
_Vamos pegá-los, Harry. Juro que vamos.
Harry concordou. Sabia que Remo ficara particularmente abalado com a morte de James Potter. Ele também estava fora da cidade quando acontecera a prisão, o julgamento sumário e o e enforcamento. Achava que, se estivesse em Whitehorn, teria como evitar a tragédia.
Harry, porém, não tinha tanta certeza assim. Stoner era determinado e não permitiria que alguém atrapalhasse seus planos. Se Remo estivesse por perto e tentasse protestar, poderia ter terminado na forca junto com o amigo.
Pelo menos agora tinham um plano e algumas informações. Pela primeira vez, desde que voltara do Texas sentiu uma centelha de esperança. Stoner contara com a sorte durante muito tempo. A sorte, porém estava prestes a acabar.
Terminada a sobremesa, Hermione levantou-se para ajudar Tonks a tirar a mesa. Seguiram para a cozinha, levando os pratos. Quando ficaram longe das vistas dos homens, Hermione aproximou-se com um sorriso.
_Vi quando você saltou ao sentir o pontapé do bebê - disse para Tonks. - Se não quiser falar sobre isso, tudo bem. Porém, fiquei imaginando... A gravidez está transcorrendo bem?
Tonks colocou os pratos sobre a pia.
_ Sou assim tão transparente? - perguntou.
Hermione percebeu-lhe a angústia na voz e pôs-se a observá-la ainda mais atentamente. A cor, em seu rosto, era boa. A respiração, rítmica e normal. Não havia nenhum sinal aparente de doença, nenhum inchaço, nem marcas azuladas ao redor de sua boca ou dos dedos.
_Eu... - Tonks estava descontrolada. - Estou bem. Pelo menos, foi o que me disse o dr. Prescott, que tem sido muito atencioso comigo. - Cobriu o rosto com as mãos. - Não é que eu não queira o bebê - disse, com veemência. - Eu quero. E muito. Só que... Estou com tanto medo!
Hermione aproximou-se, passando o braço em seus ombros.
_Eu compreendo. É seu primeiro filho, não é mesmo?
Tonks assentiu com um gesto de cabeça.
_Nunca tive irmãos e convivi pouco com crianças. Não tenho a menor idéia do que devo fazer... ou sentir. - Deixou cair os braços. - Estou ficando cada vez maior, mais pesada, minhas costas doem, e não sei se vou agüentar a dor quando chegar a hora do bebê nascer. Remo tem procurado entender mas não consegue, e eu... - Parou de falar, engasgada com as lágrimas. - Choro o tempo todo ...- continuou, aos soluços. - Estou me sentindo uma tola.
_Você não é tola, está apenas vivendo um momento difícil, de profundas transformações - murmurou Hermione, amparando-a carinhosamente. - Você vai adorar ter esse filho. Prometo. Crescer em um orfanato me ensinou muita coisa.
_Você é órfã? - perguntou Tonks, fungando.
Hermione fez que sim.
_Então, também não teve irmãos.
_Tive dúzias deles. Havia muitas crianças no orfanato. Mas eu adorava os bebezinhos. Gostava de sentir-lhes o cheirinho, de pegá-los no colo. Você também vai gostar.
_Como eu queria ter certeza... - murmurou Tonks.
_Eu tenho. - Hermione arrumou uma mecha de cabelo que se desprendera do coque de Tonks. - Quando morava em Chicago, trabalhei com um médico. Fiz o parto de muitas crianças. Você vai ficar bem.
Tonks demonstrava um alívio crescente.
_Você acha? Acha mesmo? Falei com o dr. Prescott sobre isso, mas não estou certa se ele me entendeu. Ele tem procurado me acalmar e orientar, porém... - Sua voz falhou novamente.
_Ele é homem - retrucou Hermione. - Muitas gestantes me procuravam porque não conseguiam se sentir à vontade com o dr. Redding. Preferiam falar com a parteira. - Sorriu com malícia. - Ele, é claro, não gostava nem um pouco de ser relegado a segundo plano.
_Não havia pensado nisso - disse Tonks com um sorriso tímido.
_Ficaria feliz em ajudá-la quando chegasse a hora.
_Mas... Você mal me conhece.
_Não há problema nisso. Você também não me conhece e vai me ensinar a fazer conservas.
_Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Fazer conservas é fácil.
_E ter um bebê também. Pelo menos, para mim. É você que tem de fazer todo o esforço. Vou ficar a seu lado, só para que você tenha com quem conversar.
Parte da tensão desapareceu do semblante de Tonks.
_Eu gostaria muito. - Tocou o ventre. - O bebê ainda vai demorar uns dois meses para nascer.
_Até lá, já terei me casado. Você pode mandar me chamar. Explicarei tudo a Lucas. Tenho certeza de que ele entenderá. É um homem muito bom e vai apreciar que eu ajude os outros.
Tonks olhou-a com espanto.
_Lucas Stoner?
Hermione desejou que ela não começasse, também, a atribuir a Lucas a responsabilidade pela morte do pai de Harry. Tonks, porém, não disse uma só palavra. Limitou-se a apertar as mãos de Hermione.
_Você é muito gentil. Obrigada. Já me sinto melhor só em pensar que estará comigo.
_O prazer será meu.
Hermione pegou o bule de café e dirigiu-se à sala. Havia feito uma amiga. Uma sensação de calor aqueceu-lhe o peito. Vivera tanto tempo sozinha... Era tão bom sentir-se útil a alguém...
Quando entrou na sala, Harry levantou os olhos e fitou-a. Sorriu. Os olhos brilharam. Ela sorriu de volta, percebendo que o calor no peito se transformava em fogo. Não sabia por que e nem se importava. As últimas semanas haviam sido as melhores em sua vida. Queria que tudo continuasse daquele modo, mesmo sabendo que um novo futuro a esperava em Whitehorn.
Obs:Ainda tem mais 3 capitulos....
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