Capitulo 4
CAPÍTULO 4
Ainda estava meio escuro quando Harry acordou. Algumas réstias de sol filtravam-se por entre a copa das árvores. Lentamente, ele virou a cabeça em direção ao fogo. Ergueu-se, apoiando-se sobre o cotovelo. Hermione ainda estava ali, toda encolhida, a manta puxada até o queixo. Ela não tentara fugir, afinal. Ficou feliz, mas um tanto surpreso. Ela era bastante corajosa, e ele a admirava por aquilo. Ficara preocupado que, combativa como se mostrara, ela tentasse escapar novamente. Ter coragem não era atributo suficiente para mantê-la viva naquele ambiente selvagem, cruel e implacável.
Continuou a estudá-la. Os cabelos se soltaram dos grampos, e as mechas sedosas haviam se espalhado sobre o travesseiro. Ela era, tinha de reconhecer, muito bonita. Claire também fora, porém de uma beleza mais convencional. Sua mãe também devia ter sido bonita, antes que a rudeza dos trabalhos da fazenda lhe roubasse o viço da pele e a cor dos cabelos. O mundo selvagem em que viviam era inclemente com as mulheres. Seria melhor para todos se Hermione simplesmente resolvesse retornar para Chicago. Pelo menos lá estaria a salvo.
Por enquanto, porém, era preferível guardar para si mesmo aquelas opiniões. Além de corajosa, a jovem não parecia nem um pouco submissa. Tinha de admirar suas qualidades, embora tornassem a situação ainda mais difícil para ele. A despeito de tudo, de sua língua afiada e da fé inquebrantável no caráter do noivo, ele a apreciava. O que não significava muito, pensou, Harry levantando-se e apanhando o bule. Hermione não era mulher para ele e, mesmo que fosse, não pretendia envolver-se com uma mulher novamente. Recusava-se a ser responsável por outra morte.
Caminhou até o riacho e lavou o rosto. Encheu o bule com água. Vivera durante seis meses sob o teto de um verdadeiro lar, na fazenda dos Lupin, e aquela convivência tinha feito dele um homem menos endurecido. Antes daquilo, passara quase um ano na estrada. Não demoraria muito e voltaria a se acostumar a viver ao ar livre, por sua própria conta e risco. Assim que Stoner concordasse em conversar, devolveria Hermione e iniciaria o processo na Justiça.
Voltou ao acampamento e atiçou o fogo, quase apagado. Um gemido abafado veio do acolchoado, às suas costas. Voltou-se, no momento em que Hermione abria os olhos. Ela arqueou as sobrancelhas e olhou ao redor, confusa. Seus grandes olhos castanhos pousaram sobre ele. A confusão deu lugar ao medo. Com um tremor, ela lembrou-se do que havia acontecido. Desceu as mãos, involuntariamente, correndo os dedos pelos botões do vestido. Alisou as saias e enrubesceu.
Harry olhou a distância, lutando contra o embaraço. Havia assegurado a ela que não pretendia molestá-la. Por que, afinal, ela não acreditara nele? Sabia a resposta. Ele não passava de um estranho, um homem que a tomara à força e a mantinha cativa. Como ela haveria de acreditar em uma só palavra que ele dissesse?
_O café fica pronto daqui a alguns minutos - disse, a voz soando áspera. - Você pode ir fazer seu asseio se quiser. Vamos embora depois do desjejum.
Ela se levantou e dirigiu-se rapidamente ao riacho. Assim que ela afastou-se, Harry enrolou as mantas e apressou-se em guardá-las nas bolsas da sela. Ao levar a mão para ajeitar o volume, bateu com a ponta dos dedos em algum a coisa dura. Tateou o embrulho e retirou-o da bolsa.
Era um broche, envolto em um pedaço macio de algodão. Desembrulhou-o cuidadosamente. A jóia reluziu ao sol. Era um camafeu cor-de-rosa, circundado de ouro, com o perfil de uma mulher.
Fora um presente de seu pai a sua mãe, dado muito antes que ele, Harry, houvesse nascido. Recordava-se de tê-la visto usando o broche praticamente todos os dias de sua vida. Costumava rir e tocar a jóia, dizendo que era muito fina para ser usada no dia-a-dia, porém querida demais para ficar guardada. Era, sempre dizia, um símbolo do amor que marido e mulher partilhavam. Quando Harry se casasse, sua noiva seria a nova depositária.
Por isso, quando Claire chegou, recebeu o camafeu dos Potter de presente. Sua mãe ficara muito feliz ao ver que a jóia agradara Claire, que nunca mais deixou de usá-lo, colocando-o sempre na gola de seus vestidos. Quando Claire morreu, o camafeu retornou às mãos de sua mãe, Harry abandonou, a crença infantil de que o broche era um talismã. Passou a duvidar de seus poderes. Não fora capaz de evitar o inevitável. Ou, talvez, o amor não fosse suficientemente forte e intenso. Se James Potter, seu pai, havia amado desesperadamente a esposa, ele, Harry, nem chegara perto de se apaixonar por Claire. Embora não gostasse de admitir, aquela era a triste verdade. Ele não a amara, e Claire sabia daquilo. Talvez fosse essa uma das razões pela qual ela houvesse se deixado morrer.
Hermione agachou-se à beira do riacho e estremeceu ao mergulhar as mãos na águia gelada. Sorveu o ar frio da manhã com delícia, controlando-se para não rir de puro prazer. Tudo era tão limpo, fresco, vibrante de vida: o perfume da terra, o cheiro de mato, o gosto da água, o solo, o céu. Lavou o rosto, arrepiando-se ao contato gélido das gotas, que escorreram por seu pescoço, ensopando a gola do vestido. Com as mãos em concha, bebeu da água doce e cristalina, saciando a sede. Montana era uma região ainda mais bela do que havia imaginado. Acontecesse o que quer que fosse, nunca mais iria embora dali.
Levantou-se e rodopiou com os braços abertos, os cabelos esvoaçando-lhe pelas costas. Já podia sentir o calor do sol aquecendo-lhe o corpo. Espreguiçou-se, languidamente, esticando os músculos tensos e doloridos. Devia sentir-se assim por ter cavalgado tantas horas seguidas. Só de pensar em andar novamente a cavalo, torceu o nariz e esfregou as nádegas entorpecidas. Felizmente, era um pouco melhor do que ficar chacoalhando em uma diligência. Nos últimos dois dias da viagem, ficara com o estômago enjoado que julgou que nunca mais iria ficar boa.
Um cheiro delicioso chegou-lhe às narinas. Café! Estava morta de fome. Correu de volta ao acampamento, o nariz indicando-lhe o caminho a seguir.
Ao afastar os arbustos que rodeavam a clareira, viu que Harry estava agachado, olhando atentamente paro alguma coisa que tinha nas mãos. Aproximou-se e como ele não fez menção de se voltar, ajoelhou-se a seu lado e procurou ver o que ele segurava.
Era um broche de ouro, com um camafeu, no centro.
_Que lindo! É seu?
Ele levantou os olhos para ela. Era a primeira vez que ela o via, à plena luz do dia. No dia anterior, quando a seqüestrara, ele usava um chapéu enterrado na cabeça. A noite, quando tirara o chapéu, estava muito escuro, e ela pudera apenas observá-lo sob a luz da fogueira. Agora, ao contrário, podia ver claramente suas feições. Tinha o rosto de contornos regulares, o nariz reto e olhos verdes. Os cabelos, maltratados, eram grossos e lisos, com uns poucos fios caindo-lhe na testa. A barba por fazer escurecia-lhe o queixo e parte da face, contornando-lhe a boca firme e carnuda, de lábios tão contraídos que pareciam incapazes de um sorriso.
Harry não queria responder, ela pôde notar por seu silêncio e pela maneira com que enrolou o broche no pedaço de algodão e o guardou na bolsa da sela. Será que a jóia havia pertencido a alguém da família? Ou a alguma namorada? Reprimiu a curiosidade. Não era de sua conta.
Ele havia se aproximado da fogueira e apanhara duas canecas.
_Era de minha mãe - ele murmurou, olhando-a nos olhos.
_Verdade? É muito bonito.
_Meu pai deu de presente a ela quando se casaram.
_Sua mãe morreu? - ela perguntou, meio hesitante.
_Há três anos.
Hermione percebeu que a voz dele vibrava de dor.
_Pelo menos tem de quem se lembrar - murmurou. - E tem o broche que foi dela.
_Sei disso - respondeu, pesaroso, como se isso fosse pouco.
Se ele soubesse como as recordações eram importantes... Durante anos e anos, nas noites de insônia, ela havia desejado, desesperadamente, lembrar-se de alguém... De alguma coisa. Fora unia criança abandonada, na mais tenra idade, em um orfanato. Não tinha lembranças do passado. Contentava-se em fingir que fazia parte de uma família, uma família que, na realidade, nunca existira.
Hermione pegou a ponta da saia e protegeu, com ela, a mão. Afastou o bule do fogo e despejou o café fumegante nas canecas.
_Você já comeu ao lado de uma fogueira, antes - observou Harry, aceitando a caneca que ela lhe oferecera.
_Conheço todo tipo de fogo e fogões que você possa imaginar - respondeu ela. - Desde aquelas bocas enormes, dos restaurantes, até as chamas débeis dos fogareiros da periferia.
Franzindo as sobrancelhas, ele acomodou-se sobre o tronco, ao lado da fogueira, tirando de um saco alguns biscoitos endurecidos e pedaços de carne seca. Hermione sentou-se na outra ponta.
_Por que lugares assim, tão diferentes? - ele perguntou, oferecendo-lhe a comida.
_Trabalhei para um médico - ela murmurou, apanhando uns biscoitos. Não era bem aquilo o que gostaria de comer. Estava faminta, porém. Não tinha escolha. Havia muito tempo que aprendera a aceitar a comida que lhe oferecessem. Muitas vezes, passara fome. - Eu o acompanhava quando ele saía para cuidar de seus pacientes. Com ele, conheci muitas casas e muitos lugares.
_Você tinha um emprego? - Harry parecia surpreso.
_Claro. Como pensa que eu iria subsistir?
_Você não vivia com sua família?
_Sou órfã.
_Desculpe-me - ele murmurou.- Não podia imaginar.
_Nem haveria motivos para isso.
Ele relanceou os olhos para a sela, onde colocara o broche.
_Mas você se lembra de sua família, não é?
Ela meneou a cabeça e baixou os olhos, com uma expressão de tristeza.
_Fui abandonada no orfanato assim que nasci. Gosto de pensar que tenho muitos irmãos e irmãs... Que eles não conseguiram encontrar meu paradeiro... Sei que é apenas imaginação. Nada disso é verdade.
_Como saiu do orfanato e foi trabalhar com o médico?
Hermione tomou um gole de café. Não gostava de ficar rememorando o passado. O dr. Redding costumava dizer que a vida fora muito dura com ela.
_O orfanato nos abrigava até que completássemos doze anos. Depois disso, tínhamos de trabalhar.
_Aos doze anos? - ele espantou-se.
_Podíamos continuar lá, só que pagando o quarto e a comida. Foi o que fiz. Arranjei um emprego como faxineira. - Ela não gostava de lembrar-se das mãos rachadas e em carne viva, agredidas pela água fervente e pela soda das barras de sabão. Não queria recordar como lhe doíam as costas, ao final de horas sem fim, esfregando e esfregando. Era, ela descobriu depois, só pouca coisa melhor do que trabalhar em uma lavanderia, onde ficou apenas por três dias, até resolver que seria muito mais fácil morrer de inanição. - Um de meus amigos havia trabalhado para o dr. Redding - continuou. - Quando surgiu uma vaga de faxineira, ele me recomendou. Eu passei a limpar o consultório. Então, um dia, uma das enfermeiras ficou doente. Eu me ofereci para acompanhá-lo na visita aos pacientes. Descobri que aquilo era bem mais interessante do que fazer limpeza. Ele, por sua vez, disse-me que eu tinha um talento nato para cuidar de doentes.
_Quantos anos você tinha? - Harry perguntou.
_Quase quinze. Poucos meses depois, eu já ganhava o suficiente para deixar o orfanato. Aluguei um quarto em uma casa. Embora fosse no sótão, era só meu.
Relembrou o orgulho que sentira na primeira noite em que dormiu na pequena cama, estreita e dura. Pela manhã, o quarto mais parecia uma geladeira. Batera a cabeça nas vigas do teto, tão baixo ele era. Nada daquilo, porém, importava. Tinha um cantinho que podia chamar de seu. E conseguira tudo sozinha. Harry continuou a estudá-la.
_Nunca poderia imaginar uma coisa assim - comentou ele, finalmente. - Você passou por maus bocados.
_Creio que sim.
_Sente falta de Chicago?
Ela pensou no quarto apertado, quente demais no verão e gelado no inverno. Lembrou-se da multidão de doentes e de moribundos, dos esgotos malcheirosos, do medo de ser atacada quando voltava a pé, tarde da noite, para casa, depois de um dia inteiro cuidando de pacientes. Nos últimos três anos, três homens apenas haviam-na convidado para sair. Ela não se sentira à vontade com nenhum deles. Havia muitos jovens na cidade, porém ela não sabia como fazer contato com eles. Alguns amigos tinham proposto apresentá-la a irmãos e a primos. Sempre recusara, por vergonha e timidez. Estava sempre sozinha.
_Não - ela murmurou suavemente. - Não sinto a menor falta. Quando decidi vir para cá, sonhava com alguma coisa diferente. O trabalho não me assusta. O sr. Stoner e eu, juntos, poderemos construir uma vida boa, aqui.
Ao dizer o nome do noivo, ficou a imaginar se ele já se pusera a campo, para encontrá-la. Durante a noite, poderia ter encontrado dificuldades para formar uma milícia. Agora, porém, com a claridade da manhã, a devia ter iniciado a busca. O coração bateu-lhe descompassadamente. Naquele exato momento, ele devia estar percorrendo, a cavalo, a trilha que ela tomara com Harry. Dentro de poucas horas, estaria com ele.
Harry levantou-se, o corpo retesado, tenso e inquieto. Hermione sabia que ele estava assim porque ela falara de Lucas. Bem, nada daquilo, afinal, precisava estar acontecendo. Se ele não queria ouvir o nome do inimigo, que a soltasse e a deixasse ir embora.
_Por quanto tempo pretende me manter prisioneira? - resolveu perguntar.
_O tempo que for necessário.
_Você quer dinheiro? É isso?
_Não. - Ele encarou-a, o olhar gélido. - Não quero dinheiro. Quero informações. Uma confissão.
_Por que insiste em acusá-lo injustamente pelo que aconteceu a sua família? - ela perguntou, cheia de indignação. - Tenho certeza de que ele não..
Ele interrompeu-a, com um gesto brusco.
_Senhorita, você não sabe o que está falando. Recebeu uma carta de um estranho e nada mais. Nunca se encontrou com esse homem nem conversou com ninguém que o conheça. Se quer acreditar que ele é o arcanjo Gabriel, isso é problema seu. Não quero ouvir nem mais uma palavra. No que me diz respeito, Lucas Stoner é uma assassino, e não terei sossego enquanto ele não for enforcado.
Ela abriu a boca, de espanto. Cerrou os lábios, depois. Não era hora de discutir com ele. Mais tarde, quando estivesse mais calmo, tentaria fazer com que ele enxergasse a verdade. Ou, quem sabe, fosse melhor esquecer o assunto.
_Você tem direito de defender seu ponto de vista - ela murmurou, pegando uma porção de carne seca e levando-a à boca.
_Obrigado - respondeu Harry, com uma ponta de sarcasmo. - Agora, termine logo sua refeição. Temos muito chão a percorrer. Quero que me prometa que não vai tentar escapar.
Ela se esquecera dos planos que tinha em mente. À luz do dia, a floresta não parecia tão assustadora. Talvez pudesse encontrar a estrada e achar o caminho para a cidade. Lucas ficaria orgulhoso, ao saber que ela se safara por sua própria conta.
_Nem pense em fugir - continuou Harry. - Se não me der sua palavra, vou amarrar suas mãos. Se está lembrada, não é um jeito muito confortável de viajar.
Hermione enfiou o último pedaço de carne dentro da boca e virou-se de costas para ele. Embora ela nada houvesse prometido, pareceu-lhe que ele entendera seu silêncio como um sinal de concordância. O que era ótimo para ela. Não aceitaria o destino sem lutar. Tinha um futuro a preservar, e Harry Potter não a desviaria de seu rumo. Na primeira oportunidade que aparecesse, iria fugir.
Obs:Capitulo postado!!!!!Desculpe a demora, mas como estou na reta final do semestre na facul e tenho muuuuito trabalho e muuuuita prova, fica dificil atualizar tão rápido!Prometo que entre sábado e domingo eu atualizo todas as fics!Bjux!!!!!Adoro vocês!!!
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