Capitulo 6



CAPITULO SEIS


Will ajeitou os óculos e olhou para o irmão com desconfiança.
—De que lado você está afinal?
“Do lado de Mione”, Harry teve vontade de responder. Mas lembrou-se de que ela continuava com o firme propósito de se casar... com Will!
—Que dúvida! Da verdade, ora essa.
Will suspirou angustiado.
—O problema é que ninguém acredita em mim — queixou-se, atirando-se na cama. Estava com um pijama de flanela exageradamente engomado. Harry seria capaz de apostar que era presente de Mione.
—Como não? Eu acredito.
Will voltou a encará-lo.
—Sei. Por isso resolveu se aliar ao papai...
—Ele me procurou pedindo ajuda, não tive coragem de dizer não. — Baixou a cabeça, tentando dissimular o constrangimento. — Sinto muito ter envolvido sua noiva em tudo isso. Pode acreditar. É que o velho me pareceu tão perdido...
—Eu sei. Também senti pena dele — murmurou Will um tanto exasperado. — Desde que cheguei aqui, ele não faz outra coisa senão gritar: "Cadê o dinheiro?" Além de tentar me convencer a assumir o departamento financeiro da cervejaria, é claro.
—Mesmo achando que você é o responsável pelo desfalque?
Will fez que sim.
—Ele insiste em me nomear diretor financeiro assim que o assunto estiver resolvido. Eu já repeti um milhão de vezes que não roubei nada... Mas o pior não é isso. O miserável instruiu Swithin a não me deixar entrar na cozinha. E eu sei que há pudim na geladeira. O camareiro me contou.
Harry abanou a cabeça. Como era possível que o irmão estivesse preocupado com o estômago, estando o mundo a desabar em sua cabeça?
—O jeito é você contar de uma vez o que sabe. Do contrário, papai o deixará mofando neste quarto.
Will arregalou os olhos.
—Mas...
Depois de anos de trabalho na polícia, Harry sabia quando estavam lhe escondendo alguma coisa. Will podia não estar mentindo, mas não havia dúvida de que sabia mais do que revelara.
—Quem é Bernie Morton?
—Bernie? Por quê?
—Mione me falou dele.
—Então ela sabe?
—Sabe o quê?
Will cerrou os dentes.
—Nada.
—Foi ele quem deu o desfalque? Papai mandou Swithin ao banco ver se descobria alguma coisa. Ele conversou com um colega seu. O homem deixou escapar que você vem tendo um comportamento suspeito ultimamente. Foi com o tal Bernie que Swithin conversou?
—Não sei... — disse Will confuso. — É meu melhor amigo. Lembra-se dele? Vinha sempre passar as férias aqui.
Harry fez que não.
—Bem, talvez você já tivesse ido embora na época. Nós éramos companheiros de quarto na faculdade.
—Papai conhece esse seu amigo? E os empregados?
—Claro que sim.
—Então não há dúvida, foi com ele que Swithin conversou.
—Eu não consigo entender... Bernie era um cara tão legal... Por que foi se meter nessa encrenca? — resmungou Will, sacudindo a cabeça.
—Mas então é dele que você suspeita?
Will baixou a cabeça desanimado;
—Bem, eu estava desconfiado... É que, de uns tempos para cá, Bernie ficou estranho, vive dando telefonemas secretos. Basta o telefone tocar, e ele me faz sinal para sair da sala. Que coisa idiota! Uma vez chegou a bater a porta em minha cara. E houve também o problema com o computador... Há uns quinze dias, eu cheguei mais cedo no escritório e o encontrei vasculhando meus arquivos.
—E que desculpa ele deu?
—Disse que eu tinha um jogo, o ‘Solitile’, que ele gostava muito... —Will deu de ombros. — Talvez seja verdade, não sei. Mas o que me deixou mais desconfiado foi a mudança de comportamento. Ele andava inquieto, estranho. E começou a beber também. Ah, o pior foram as férias! Bernie viajou para as ilhas Caimãs. Eu achei muito suspeito e resolvi ir até lá ver se descobria alguma coisa.
—Em plena lua-de-mel...
—É... mas não deu tempo...
—Ora, se você desconfia dele por que ainda não contou a papai? — perguntou Harry, sem conseguir entender aquela atitude do irmão.
—Pense comigo... E se Bernie for inocente? Eu não quero acusá-lo injustamente...
Harry lembrou-se de quanto o irmão era fiel. Desde pequeno recusava-se a entregar os amigos, ainda que tivesse de enfrentar sozinho os castigos.
—Se você estava tão desconfiado a ponto de comprometer sua lua-de-mel, é sinal...
—Bobagem — disse o outro, abanando as mãos. — Não tem a menor importância... Eu não queria mesmo ir para a Filadélfia. Foi ideia de Mione.
—Pensei que você estivesse animado...
—Animado?
Harry revirou os olhos.
—Ora, com o casamento, a lua-de-mel?
—Ah, isso!
—Você não quer se casar com Mione?
—Claro que sim! — respondeu Will na defensiva. Porém, depois de resistir durante alguns instantes ao olhar insistente do irmão, acabou confessando. — Mais ou menos...
Harry se levantou da escrivaninha e começou a andar pelo quarto como uma fera enjaulada. Então o irmão, o homem dos sonhos de Mione, não queria se casar? Ora, não era seu estilo bancar o advogado do diabo mas...
— Escute, Mione está convencida de que você vai entrar feliz da vida naquele cartório e gritar sim na cara do juiz de paz.
—Eu sei. Eu gostaria muito de me casar com ela. Sério! Quem não gostaria? Só que... Bem...
Harry estremeceu.
—Só quê?
—Não gosto de ser pressionado. Nós nos conhecemos há pouco mais de três anos e...
—Três anos é muito tempo, irmão. Nenhum casamento dura tanto hoje em dia.
—Eu sei que para a maioria das pessoas é muito tempo — admitiu Will inteiramente sem graça. — Mas Mione e eu... Bem, nós não tivemos um desses namoros modernos...
—Quê?
Will ficou roxo de constrangimento.
—O que estou tentando dizer é que... Bem, nós não temos intimidade, quer dizer...
Harry fitou-o alguns instantes tentando decifrar o que aquele sujeito engomadinho e comilão de Wall Street queria dizer com "intimidade".
—Quer dizer que vocês nunca...
Will sacudiu a cabeça, antes que o irmão recorresse a um dos sinônimos nada corteses que ordinariamente deixava escapar entre os amigos. Pobre Will, sua vontade era entrar em baixo da cama!
—Acho que a única coisa boa que nos aconteceu hoje foi essa história de seqüestro. Ao menos teremos tempo para refletir, ver se estamos fazendo a coisa certa. Isso me deixou feliz, sabe? E se o Swithin concordasse em me servir um pedaço de pudim então, minha felicidade seria quase completa.
Harry engoliu em seco. Será que o sujeito não conseguia pensar em nada além da sobremesa?
—Mas, Will? E sua noiva?
—Ela não gosta que eu coma doces.
Harry respirou fundo, rogando por paciência.
—Estou falando do casamento. O que você pretende fazer quando sair daqui?
Will hesitou.
—Bem, ainda não pensei sobre isso.
—Pois deveria, não acha? — resmungou Harry, mal ocultando a indignação.
O irmão fez que sim.
—Não estou preocupado com isso. Mione tem certeza de que fomos feitos um para o outro.
—Mione tem certeza...
Ora, se tinha! Estava tão determinada a ter sua casa e família que nada a faria desistir de Will.
—É que você não a conhece. Ela é do tipo...
—Rolo compressor — deixou escapar Harry. — Eu já notei. Você não imagina em que confusões sua noiva se meteu hoje.
—Eu vi quando os policiais a levaram.
—Isso não foi nada. Pelo menos ela está em segurança agora. Se a polícia não a tivesse tirado daqui, correríamos o risco de vê-la despencar do telhado. Quando a maluca cisma com uma coisa...
—Eu não disse? Em todo caso, penso que não será má ideia uns dias de folga. Foi por isso que ainda não tentei fugir. Preciso de tempo para pensar. Agora que papai já sabe do desfalque, não tenho mais urgência de voltar ao banco — confessou com um sorriso amarelo. Depois franziu a testa. — Só uma coisa me preocupa... Talvez seja perigoso deixar Mione sozinha em Manhattan. Ela pode resolver investigar a história e...
Harry arregalou os olhos, não havia pensado nisso.
—No banco?
—É — resmungou Will. — Preciso telefonar para ela e recomendar que fique longe dessa confusão.
—Não! Não podemos arriscar — apressou-se em dizer Harry. — Quer saber, vou cuidar disso pessoalmente — concluiu, dirigindo-se para a porta.
Will fitou-o com uma expressão vaga.
—Duvido que consiga dissuadi-la. Quando Mione resolve fazer uma coisa... É bom ficar de olhos bem abertos.
—Não se preocupe.
Ao deixar o quarto, Harry trombou com Swithin no corredor. O mordomo desviou-se assustado, equilibrando uma bandeja.
—Oh, Swithin! — exclamou Harry surpreso de encontrar o empregado acordado àquela hora.
—Vim trazer um chá para o sr. Will. Com todo esse tumulto, ele deve estar precisando. O senhor aceita uma xícara?
—Não, obrigado. Preciso voltar a Manhattan ainda esta noite. Se o que estou imaginando for verdade, nós lhe devemos uma honraria, Swithin.
Os olhos do mordomo faiscaram no escuro.
—Apenas cumpri meu dever, senhor.
Harry ficou espantado com tanta frieza. A ausência de emoção daquele homem chegava a irritá-lo. Esperou que ele se acercasse da porta do quarto de Will, então, falou.
—Eu estava pensando...
O mordomo se voltou com um sobressalto, os olhos esbugalhados.
—Sim?
—Meu pai comentou que você esteve conversando com um colega de Will. Por acaso era Bernie Morton?
Swithin hesitou.
—Sim. Ele mesmo. Era o único que eu conhecia lá.
—Bernie era colega de Will na faculdade, não?
—Sim, senhor. Um tipo difícil de esquecer. Muito pálido e desajeitado. Um varapau. E tinha o rosto coberto de espinhas. Mas o que mais chamava a atenção era o olhar. Muito inquieto, sabe? Parecia sempre nervoso.
—E como ele está agora?
O mordomo retorceu os lábios.
—Bem, a pele melhorou um pouco.
Harry acenou para o empregado e foi para a escada. Chegando ao patamar, voltou a chamá-lo.
—Ah, Swithin!
—Sim, sr. Harry.
—Será que esse seu enorme coração não daria um jeito de conseguir uns biscoitos ou uma fatia de pudim para Will?
O homem esboçou um sorriso. Ergueu o guardanapo que cobria a bandeja exibindo uma fatia de bolo de morango.
—Pois não, senhor.
Harry riu. Queria que o irmão se sentisse bem no cativeiro. Quanto mais tempo ficasse afastado de Mione, melhor.


Nunca, mas nunca na vida, Mione imaginou que ficaria tão emocionada em rever um parente. Quando às três da madrugada, viu Joan abrir a porta, os cabelos alaranjados em pé, ela não se conteve e dependurou-se no pescoço da irmã.
—Cruz credo! — exclamou Joan chocada com o estado em que se encontrava a roupa da Mione. — Que casamento foi esse?
—Não houve casamento — contou Mione, deixando-se cair no sofá com forro imitando pele de onça. Seus olhos se encheram de lágrimas.
Ela relatou minuciosamente os acontecimentos do dia. Passo a passo. Do momento em que acordara, quando obviamente não suspeitava o que estava por acontecer, até chegar à estação de trem e tomar um táxi para a casa da irmã. E se sentiu aliviada ao compartilhar seu sofrimento. Precisava que lhe ajudassem a entender por que a vida que planejara com tanta dedicação e cuidado de repente se transformara em um caos.
—Deixe-me ver se entendi bem — murmurou Joan, tamborilando no queixo as longas unhas cor de laranja. — O homem que a sequestrou é irmão do chato de galochas, e ambos são filhos de um milionário pirado?
Mione fez que sim.
—Will não é chato — acrescentou em seguida.
Joan franziu as sobrancelhas.
—Já disse que não é — reafirmou Mione. — Você não o conhece direito. Além do mais, está acostumada com homens que se vestem de preto e têm nomes exóticos do tipo Prince ou...
—Duke — corrigiu Joan. — O atual chama-se Duke.
—Oh, sim. Tem razão. Prince era o anterior, o que se dizia astro do rock.
—Dizia não. Ele é. Só não ficou famoso ainda. E para seu governo, Duke e eu continuamos firmes. Ele inclusive arrumou um emprego. É motorista de táxi.
Mione sorriu com indulgência.
—Claro. Nos primeiros quinze dias, todos são uns amores.
—Ora, não me amole — irritou-se a outra.
Joan detestava quando se punham a analisar sua vida pessoal, coisa que ela fazia diariamente com os clientes. O cinto de seu quimono de seda se soltou, exibindo uma camiseta regata e uma cueca samba-canção. De qualquer forma, ela parecia animada com a história de sequestro e tiras, mesmo às três da madrugada.
—Engraçado, você parece ter ficado especialmente impressionada com o tal Harry.
—Claro que fiquei! Ele me sequestrou!
—Compreendo...
Mione fuzilou a irmã com o olhar.
—Já sei. Sua mente pervertida deve estar imaginando que me apaixonei pelo patife. E que meu real, incontrolável e inconsciente desejo é que Will seja de fato responsável pelo desfalque. Melhor ainda, meu desejo é vê-lo atrás das grades. Uns vinte anos.
—Três anos. Razoável, não acha?
—Will é inocente! — gritou Mione. — O que eu preciso fazer para que as pessoas acreditem?
—Tudo bem, tudo bem. É claro que ele é inocente. Will é uma jóia rara. Mas voltando ao tal Harry...
—Eu já disse que quero esquecer esse homem.
—Oh, com certeza! Aliás, foi por isso que veio bater em minha porta às três da madrugada e desandou a falar naqueles olhos de Paul Newman, naqueles músculos... Oh!
Bem, talvez houvesse exagerado nos detalhes, pensou Mione. Ainda bem que ainda não havia contado do beijo, o que fatalmente levaria Joan ao êxtase.
—Eu estou atordoada, confusa. Preciso encontrar uma maneira de tirar Will das garras daquela gente.
Joan respirou fundo e sentou-se no braço de uma poltrona.
—Quer um conselho?
Mione fez que sim. Normalmente, apreciava os conselhos da irmã tanto quanto as notificações da receita federal, porém o dia havia sido difícil, alguém precisava ajudá-la.
—Não faça nada — sugeriu Joan. — Olhe, eu não conheço essa gente, mas pelo que você me contou os Potter são completamente birutas, loucos varridos.
—Mas, e Will? Ele não é assim. E não tem nada a ver com o desfalque. As únicas coisas de que podem acusá-lo é de ser filho de um paranóico e de ter um irmão insensível, capaz de grandes traições! — exclamou Mione furiosa. — Eu preciso fazer alguma coisa para salvá-lo.
—E quanto a esse Harry? Não me diga que você resolveu simplesmente esquecer que ele a deixou com as pernas bambas?
—Que absurdo! Você não entendeu nada. Ele me seqüestrou! Apontou uma arma para mim! Merece apodrecer na cadeia.
Joan ergueu as sobrancelhas, fingindo-se impressionada.
—Certo. Mas... e você e Will? Ainda pretendem se casar?
Mione saltou do sofá enfurecida.
—Tão logo eu consiga tirá-lo das garras daquele monstro! — gritou, olhando em volta à procura da bolsa. Marchou para a porta com passos decididos. Se ninguém acreditava na inocência do noivo, pois bem, ela trataria de encontrar as provas! — Azar deles terem me mandado de volta a Nova York. Porque eu vou entrar em ação imediatamente!
—Cuidado! Vai acabar se metendo em uma fria...
Mione tomou um táxi e foi para casa. Estava exausta. Só não imaginava que suas desventuras ainda não houvessem terminado. Encontrou a porta de seu apartamento destrancada. Bem, talvez com a correria do casamento tivesse se esquecido, pensou. Empurrou a porta e olhou para dentro. Acendeu a luz do corredor. Oh, a sala estava toda revirada! Roupas espalhadas pelo chão. Haviam invadido sua casa! Mas quem?
Mione sentiu um frio na espinha. Talvez o invasor ainda estivesse lá. Quem sabe a sua espera?! Ela entrou, a pulsação acelerada.
Trriiim!
O ruído inesperado a fez voar como uma flecha. Ela enroscou o pé em uma camisola que estava jogada no chão e caiu de joelhos.
Trriiim!
Era o telefone! Mas quem seria àquela hora? pensou gatinhando à procura do aparelho.
—Alô?
—Mione? É você?
—Will! — gemeu ela aliviada. — Ainda bem! Onde você está?
—Em Connecticut.
—Oh, Will. Você não vai acreditar, meu apartamento foi...
—Escute, Mione. Não tenho muito tempo. Quando encontrar Harry, diga a ele para se lembrar de Dexter.
—Harry! — gritou ela, mal acreditando no que acabava de ouvir. —Will, você vai me desculpar. Não quero ofendê-lo mas... Não pretendo me encontrar com seu irmão nunca mais!
—Ele está a sua procura — disse Will, mastigando as palavras. — O computador, escute, diga a ele para não esquecer Dexter... Tchau.
Mione apertou o fone e gritou desesperada.
—Will!
Ele voltou a falar.
—Preciso desligar...
—Não! Will! Eu não sei o que fazer... — interrompeu-se, ouvindo passos. —Will, tem alguém aqui! Eu estou com medo. Meu apartamento foi... Alô? — interrompeu-se novamente, ao perceber que o noivo havia desligado.
Oh, Will estava tentando lhe dizer algo importante, mas alguém o havia impedido. Além do mais havia um vulto em sua porta. Ela se encostou na parede, os dedos trémulos. Teria tempo de chamar a polícia?
— Mione?
Ela ergueu a cabeça em pânico.
—Harry!
—Você ainda tem coragem de se vangloriar de seus dotes de dona de casa! — sorriu ele, olhando em volta.
—Você quase me matou do coração! — gritou ela, pondo-se de pé.
Ele foi à cozinha avaliar o estrago. Talvez ainda houvesse alguém no apartamento. O tipo de procedimento a que estava mais que habituado, muito embora não costumasse trabalhar às sete da manhã.
—Você não acha que me deve uma explicação? — indagou ela, tentando disfarçar o tremor na voz.
Harry voltou para a sala. Empurrou a porta do banheiro e espiou. Uma vassoura que estava atrás da porta caiu fazendo os dois estremecerem. Ele se abaixou para apanhá-la e, quando se levantou, já tinha Mione em seus calcanhares.
— Explicação? Do que você está falando?
—Do que aconteceu ontem à noite.
—Ah, o que aconteceu na noite passada! — sorriu ele. — Ora, você entrou em meu quarto e enfiou-se em minha cama, lembra-se? A culpa foi toda sua...
—Harry, estou me referindo àquela gentileza que você me fez. Fingiu que não me conhecia e ainda deixou que os policiais me arrastassem feito uma lunática!
Ele caiu na risada. Abriu a porta do quarto e olhou embaixo da cama.
—Imbecil! — disparou ela. Depois tocou-o levemente no braço e apontou para o closet.
Aparentemente, os imbecis também tinham sua utilidade. Harry foi checar. Não havia nada além de roupas espalhadas pelo chão, prateleiras e gavetas reviradas.
—Estavam procurando alguma coisa. Mas o quê? — murmurou ele sem se voltar.
—Por que não telefona para seu pai e pergunta?
—Você acha que isso foi obra de meu pai?
—De quem mais seria?
—Mione, acredite, o velho não tem nada a ver com isso. Arrombamento e invasão de domicílio não fazem o estilo dele.
—Sei. Ele é especializado apenas em sequestrar e mentir para as autoridades!
—Eu juro. Não foi meu pai quem fez isto. Há quanto tempo você chegou?
—Há cinco minutos no máximo.
Bem, isso explicava por que ela ainda não havia trocado de roupa.
—E com quem você estava falando?
Mione hesitou.
—Com ninguém...
Ele sacudiu a cabeça.
—Eu ouvi você falando ao telefone. Era com Will, não era?
—Não! — mentiu ela.
—O que ele disse?
—Nada.
—Otimo. Então era Will.
—Escute. Quer saber? Eu não quero mais falar com você.
—Por que não? Nem Will que é o mais prejudicado nessa história deixou de falar comigo.
Mione sorriu com ceticismo.
—Até me disse o nome do principal suspeito — prosseguiu Harry. — Bernie Morton.
Ela refletiu durante alguns instantes, depois sacudiu a cabeça com veemência.
—Impossível!
—Por quê?
—Ora, Will e Bernie são praticamente irmãos. — Olhou para Harry, lembrando-se de quem ele era. — Se bem que isso não quer dizer muita coisa. O fato é que os dois são amigos há anos. São inseparáveis. Além do mais, são muito respeitados no banco. Eu não sei qual dos dois foi eleito mais vezes o funcionário do mês.
—Nada o impede de agora estar pleiteando o título de ‘malandro do mês’.
Mione contorceu os lábios.
—De jeito nenhum. Bernie não faria uma coisa dessas. Ele não consegue nem guardar segredos. Uma vez, quando resolvemos fazer uma festa de aniversário surpresa para um colega, ele passou o dia andando de um lado para o outro com cara de culpado. Não seria capaz de dar um desfalque.
—Will não tem tanta certeza assim...
—Bobagem, ele não me disse nada sobre isso — contou ela.
Depois, percebendo que acabava de se entregar, cobriu a boca.
—E o que foi que ele disse então? — riu Harry.
—Nada!
—Vamos lá, Mione. Você pode não acreditar, mas estou do seu lado.
Ela soltou uma gargalhada de deboche.
—Que maravilha! Não imagina como é bom saber. Pelo menos agora entendo por que deixou aqueles gorilas me prenderem.
Harry sacudiu a cabeça.
—Pois só estava tentando ajudá-la a sair de lá.
—Você é adorável!
Ia ser difícil convencê-la de que realmente queria ajudá-la. Era melhor mudar de assunto. Harry tornou a olhar em volta.
—Você acha que está faltando alguma coisa?
Mione perambulou pela sala, desviando das roupas.
—Está. Ordem! A única coisa que falta é ordem.
—Eu só não entendo uma coisa — disse Harry, franzindo a testa. — Por que trouxeram suas roupas para a sala?
—Minha mala estava aqui. A que eu ia levar na viagem de lua-de-mel.
Harry baixou os olhos e viu um maio azul jogado aos pés dela. Era um modelo comum mas, ao imaginá-la envolta apenas naquele pedaço de lycra, estremeceu.
—Onde está a mala? — pigarreou.
—Jogada na cozinha. Eu deixei-a no hall de entrada. Íamos passar aqui para apanhá-la quando estivéssemos a caminho do aeroporto.
—Precisamos descobrir se roubaram alguma coisa.
Os dois se abaixaram e começaram a recolher as roupas. Harry não acreditou quando viu Mione dobrando e organizando as peças em pequenas pilhas. Ele pegou um sutiã pela alça, ergueu-o e sorriu.
—E isto aqui, vai onde?
Ela arrancou-lhe a peça íntima da mão.
—Tem certeza de que seu pai não tem nada a ver com isto?
—Tenho. James Potter jamais mandaria invadirem seu apartamento.
—Pois eu não estou... — Mione interrompeu-se. Apanhou o livro e a revista que havia colocado na bolsa de mão e ficou pálida.
—Que foi?
—As passagens! — gritou ela. — Eu as deixei junto com a revista e o livro, e agora o envelope está no quarto, ao lado do telefone no criado-mudo.
Harry fez que sim. Lembrava-se de ter visto um envelope lá. Os dois correram para o quarto.
—Tem certeza de que não deixou aqui?
—Absoluta. Guardei o envelope na bolsa de mão. Junto com o livro e a revista. Eu sempre faço isso. Sempre.
— Bem, então estavam querendo saber aonde vocês iam.
—Viu? Isso prova a inocência de Will. As passagens são de ida e volta. Se pretendesse fugir do país, ele teria comprado só de ida. Além disso, Will não pode ter estado aqui.
Harry ergueu as sobrancelhas.
—Você continua suspeitando dele, não? — indignou-se Mione.
—As coisas não são tão simples como nos seriados da televisão, Mione — murmurou ele, cruzando os braços.
— Sei disso. Não sou idiota!
Claro que não! Era uma mulher linda, divertida e inteligente. Mais que isso: era leal. Harry sentiu vontade de beijá-la, mas respirou fundo, virou-se para a porta e disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
—Tudo bem. Se você é tão esperta, pode me explicar por quê, mesmo morando em um apartamento térreo e em plena Nova York, ainda não instalou uma fechadura decente na porta?
Mione engoliu em seco. Foi até o hall em silêncio e constatou uma vez mais que a porta não tinha marcas de arrombamento.
—Tem razão. Vou chamar um chaveiro agora mesmo.
—Ótimo! E vamos chamar a polícia também, quero ver se encontram impressões digitais.
—A polícia? — repetiu ela, arregalando os olhos. — Mas você é da polícia!
—Sim, mas não ando com um laboratório no bolso.
—Mas não roubaram nada. Para que arrumar mais confusão?
—Mione. — disse ele, pousando as mãos delicadamente em seus ombros —, invasão de domicílio é crime, mesmo quando não há roubo.
—Eu sei. Mas agora tenho problemas mais urgentes a resolver.
“Oh, não!”
—Você não está pretendendo bancar a detetive, está?
—Claro que não! — despistou ela. — Só não quero a polícia vasculhando minha casa. Estou exausta. Ainda nem tive tempo de trocar de roupa. Preciso de um banho e de cama! Será possível que não tenho mais privacidade?
—Mas, Mione! Quem entrou aqui...
—Não vai voltar. Seja lá quem for estava apenas interessado em saber para onde Will e eu íamos viajar. Que motivos teria para voltar aqui?
—Tudo bem — concordou ele a contragosto. — Eu conheço um chaveiro. Vou telefonar e pedir que venha imediatamente. Enquanto o esperamos, vamos dar um jeito nessa bagunça. Depois você pode tomar seu banho e desmaiar.
—Obrigada. — Ela sorriu com sarcasmo.
—E, por favor, não comece a investigar nada. Esses criminosos do colarinho branco, quando se vêem acuados, são perigosos como qualquer marginal.
—Não se preocupe. Vou deixar tudo nas mãos experientes dos Potter. Ah, só mais um detalhe. Você ainda pretende continuar com o interrogatório ou posso começar a arrumar a casa?
Harry sabia que não devia provocá-la mais, porém, ao notar a pilha de calcinhas sobre a mesa não se conteve.
—Só mais uma pergunta — sorriu ele, discando o número do chaveiro.
—Pois não?
—Você costuma usar isso sempre ou as transparentes são para ocasiões especiais?




Obs:Calma que tem mais.....

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.