Perdida na neve
Mary finalmente encontrara a sala de jantar particular que MacGilleain havia requisitado para eles. Os dragões já estavam lá e Hainault tocava o seu violino tranqüilamente em um canto, aparentemente não se importando se alguém estava ouvindo ou não.
Encantada, já que, apesar de ser um fato conhecido que ele tocava muito bem, eram raros os momentos que ele decidia dar ao mundo o prazer da sua música.
- E o Chris? – perguntou MacGilleain, preocupado em pedir para servirem o jantar.
- Já o chamei. – informou Nissenson.
- E a Vicky, Mary?
- Ahn? – perguntou ela, só tendo ouvido o seu nome, não o que vinha antes dele.
- Onde está a Vicky? – perguntou novamente MacGilleain.
- Achei que ela já estava aqui. – disse ela olhando confusa em volta, se dando conta que realmente a amiga não estava.
- Pode ir chamá-la então? Ela pode estar no quarto de vocês.
- Sim. – Mary concordou, mas meio contrariada, já que queria poder ouvir Hainault tocar mais um pouco.
***
Vicky não estava no quarto e em nenhum lugar próximo a ele. Pensando que talvez a amiga tivesse tido a mesma idéia que ela tivera durante a tarde, Mary começou a refazer o caminho dos salões com lareiras, esperando encontrá-lo em um deles.
Quando chegou ao último, que ficava perto do hall de entrada, ela avistou uma silhueta enterrada em uma das poltronas.
- Vi-
Ela começou a chamar, mas logo percebeu que não era ela. Era May, e ela olhava fixamente para o fogo, nem de perto parecendo a garota radiante que sempre era.
- O que aconteceu? – perguntou ela, percebendo a surpresa de Mary.
- Você viu a Vicky?
- Vicky?
- A minha amiga, que estava com o Nissenson. Você a viu?
A garota pensou por um tempo, sem tirar os olhos do fogo, e então disse:
- Eu vi ela. Ela saiu, dizendo que havia esquecido algo no fim da pista de esqui.
Mary olhou assustada para uma janela. Estava escuro lá fora e a tempestade neve já começara a cair com força. E ela não pararia tão cedo, segundo as informações dos que percorriam o resort.
- Eu disse para a sua amiga ir amanhã, – May continuou contanto – mas ela disse que era muito importante e-
May percebeu que estava falando sozinha.
Mary saíra correndo, arrancara um casaco qualquer que estava no hall, abriu as grandes portas do hotel e saiu para a tempestade.
***
- Desculpe pela demora! – pediu Vicky, entrando apressada na sala de jantar.
- Onde estava? – pediu Nissenson.
- Fui conhecer as piscinas! Esse lugar é fabuloso!
- Continue fazendo propaganda com essa animação que você ganha estadias para toda a sua família de graça! – brincou MacGilleain.
- A Mary estava procurando por você. – disse Hainault, vendo que elas não estavam juntas – Não a viu?
- Não. – Vicky encolheu os ombros – Ela ainda não veio?
***
- Que absurdo! – MacGilleain disse para um dos elfos que lhe trouxera a informação de que Mary não estava em lugar algum dentro do hotel – Ela não pode ter saído com essa tempestade!
Todos eles estavam seguindo para o hall de entrada. Desde que Vicky aparecera na sala de jantar já havia se passado três horas, e não havia sinal algum de Mary.
- Vá procurar direito! – o dragão ordenou e o elfo fez uma grande reverência, desaparecendo logo em seguida com um estralar de dedos.
- Será que ela saiu mesmo na neve? – perguntou Vicky tremendo somente em pensar na possibilidade, ciente como nunca do vento que passava uivando pelo lado de fora do local.
Nesse momento, Hainault cruzou a frente do grupo e avançou a passos largos até a lareira perto do hall, onde May lançava olhares disfarçados para eles, fingindo não estar prestando atenção em cada palavra que eles diziam.
- Você sabe de alguma coisa, não sabe? – ele disse para ela, assim que chegou na sua frente.
- Sobre o quê? – ela se fez de desentendida.
- Você sabe onde a Mary está!
A garota o encarou, muda.
- Se ela estiver perdida lá fora, – continuou Hainault – provavelmente irá morrer!
Vicky parou ao lado dela e pediu furiosa:
- O que você fez com a Mary?!
***
Mary só conseguia ver escuridão na sua frente, repleta de flocos de neve que passavam rodopiando com o vento forte. Ela tentara se proteger o melhor que podia, enrolando o cachecol na sua cabeça e se abrigando dentro do grande casaco que pegara no hotel.
Gritara muito por Vicky e não recebera resposta alguma. Depois de um tempo já não reconhecia mais onde estava e não conseguia mais ver luz alguma do hotel a sua volta. Estava completamente perdida. Mesmo assim, ela continuava chamando pela amiga.
- VICKY!!!... – ela andava aos tropeços pela neve, olhando em volta, procurando por qualquer movimento – VICKAAAAAAHHHH!!!
Mary bateu em um galho caído no chão e tropeçou, seguindo para um declive onde caiu e desceu rolando até o final dele.
***
- NO QUE ESTAVA PENSANDO?! – gritou Vicky, chorando e não querendo acreditar no que tinha ouvido de May.
O tumulto no hall, junto com os gritos, já haviam atraído também outros hóspedes do hotel, principalmente os jornalistas que farejavam uma grande notícia. MacGilleain conversava com os responsáveis pela segurança do resort, Nissenson tentava acalmar Vicky e Hainault olhava pela janela, onde a intensidade da tempestade só aumentava.
- O que aconteceu? – Doumajyd chegou até onde estavam os amigos, atraído pela movimentação.
- A Mary está perdida lá fora por causa dela! – acusou Vicky.
- Nã-não era a minha intenção. – murmurou May que, desde que confessara o que fizera, parecia ter sido atingida por um feitiço de atordoamento – Me desculpem! Eu na-
- Cala a boca! – Hainault gritou para ela, deixando bem claro que desde o começo a considerara uma pessoa má e que não daria chances para ela se defender – Se algo acon-
Mas o dragão não pôde terminar. No mesmo instante, Doumajyd saiu correndo, empurrando todos que estavam no seu caminho, e saiu do hotel.
Imediatamente, os outros dragões correram atrás deles, mas ao saírem só tiveram tempo de ver o líder montando na moto de Nissenson e levantar vôo, sumindo na tempestade.
- CHRIS!!! – ainda berrou Nissenson.
- Por quê?! – se perguntava MacGilleain – Por que ele fez isso? Ele não tinha esquecido a Mary?!
- Instinto. – respondeu Hainault, sem tirar os olhos do ponto do céu tempestuoso onde o amigo desaparecera.
***
Mary respirava cada vez com mais dificuldade e já não tinha forças nem mesmo para tremer de frio. Havia torcido o pé ao cair e machucado as mãos ao tentar se agarrar em algo. Agora, estava tão gelada que a dor que sentia era algo quase impercebível. Ela mantinha os olhos fechados e o vento zunia em suas orelhas.
Ela pensava desompassadamente, já que era tudo o que ainda conseguia fazer:
‘Eu vou morrer?... droga... não quero morrer... eu ainda tenho... tantos sonhos... eu vou... estudar muito... na Academia... vou me tornar... uma advogada... e vou lutar... contra a discriminação... Eu vou trabalhar... ser reconhecida... e vou comprar... uma casa grande... para a minha família... e nós nunca mais... nunca... vamos ter dividas...’
Ela se imaginou em frente a uma casa enorme, com um imenso jardim repleto de flores e árvores. Ao seu lado, seus pais e Charles olhavam admirados para o novo lar, onde nunca mais teriam que se preocupar com nada.
‘Todos... vão ser... felizes... e então... eu quero usar... um vestido de noiva... e na cerimônia... na cerimônia... na...’
Ela se viu entrando por um tapete vermelho, com uma música de órgão tocando, exatamente como ela vira em um filme quando era pequena. Com todo o caminho enfeitado com flores, fitas e tecidos brancos.
‘Quem estaria... quem estaria... me esperando... lá na frente...’
Na sua visão, na frente do altar, esperando por ela, estava uma figura vestida de branco, de costas. Mas ela reconheceria aquele cabelo bagunçado mesmo entre uma multidão. Então, Doumajyd se virou para ela sorridente, e ela se sentiu extremamente feliz. Ele abriu a boca para lhe dizer algo e então berrou:
- ACORDA!!!
Mary levou um susto e sentiu que alguém lhe batia no rosto. Ao entreabrir o máximo que pôde os olhos, viu Doumajyd na sua frente, lhe dizendo:
- Ei! Acorda! Não feche os olhos! Está me ouvindo?! – ele a chacoalhou – Não durma!
- Dou... – foi tudo o que os lábios congelados dela conseguiram pronunciar, antes de tudo ficar escuro.
- Não desista! – ela ainda ouviu a voz do dragão vinda de algum lugar muito distante.
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