Dragão estúpido



Mais tarde, no mesmo dia, Mary voltou ao hospital.
Desde que tinha ido embora pela manhã, pensara que havia sido uma boa idéia deixar os biscoitos sem que Doumajyd a visse. Talvez, sem a presença dela que o irritava tanto, ele poderia se lembrar de algo. Por isso, agora, diante da porta do quarto dele, ela segurou com força na mão o pequeno pingente com a forma de saturno, respirando fundo, e entrou confiante.
Porém, não havia ninguém lá. A cama estava perfeitamente arrumada, as flores e tudo o que pertencia ao dragão haviam sumido.
Confusa, Mary olhou na porta, para ter certeza de que não havia se enganado, mas aquele era mesmo o número certo. Então ela lembrou que ele já estava sem a faixa na cabeça e que poderia ter recebido alta.
Ela estava fechando a porta para ir até a recepção pedir informações, quando alguém lhe chamou no corredor:
- Mary!
Ao procurar por quem a chamara, viu Nissenson vindo pelo corredor, sendo seguido por Hainault e MacGilleain.
- O que foi? – perguntou Hainault, assim que eles chegaram até ela – Está indo embora?
- É. – Mary respondeu, estranhando a pergunta dele – Já que o Doumajyd não está ma-
- Não está?! – perguntaram eles em coro.


***


- O que você pretende, mãe? – questionou Christinne, invadindo sem cerimônias o escritório da senhora Doumajyd – Por que mandou trazer o Chris para cá tão de repente?
A bruxa apenas se limitou a encará-la por cima dos delicados óculos, perguntando:
- Se ele não lembra da sangue-ruim, não há problema algum, não é? Ele irá pensar mais sensatamente na besteira que fez e eu posso reconsiderar a minha decisão de expulsá-lo da família.
- Está tirando vantagem do acidente dele! – acusou Christinne indignada.
- Quem causou essa crise sem precedentes foi ele. – explicou a senhora, com uma falsa delicadeza – Isso pode ser considerado uma punição. Agora não me atrapalhe mais com esses pequenos inconvenientes, Christinne. Tenho muito o que fazer.
Sabendo que não adiantaria ir contra a mãe, principalmente por causa do estado do irmão, Christinne apenas respirou fundo e refez o seu caminho, tentando pensar em algo que pudesse reverter àquela situação.


***


Mary trouxe para os dragões, que esperavam no hall do hospital, as informações sobre o que havia acontecido com Doumajyd:
- Parece que ele voltou para casa logo pela manhã.
- Se ele recebeu alta deveria ter nos falado. – reclamou MacGilleain – Como ele voltou sozinho?
- Vamos para lá. – sugeriu Hainault, da sua maneira calma de sempre.
- Para a casa dele?! – Mary se surpreendeu.
Depois de toda confiança que havia depositado naqueles biscoitos, a partida surpresa do dragão apenas fizera com ela voltasse para o estado de desânimo do dia anterior. Portanto, ainda não havia pensado no que faria.
- Vamos, Mary? – Hainault pediu, percebendo que ela hesitava em responder.
Mas,diante dos olhares dos outros, ela acabou concordando.


***


Na companhia de Hainault, e com a facilidade com que ele – e mais afundo o seu sobrenome – tinha passe livre pelos portais mágicos, Mary chegou com o dragão ao vilarejo perto das propriedades Doumajyd um pouco depois do meio-dia.
Vendo o quanto ela estava inquieta, apesar de não dizer nada, ele perguntou:
- Está com medo de entrar na mansão?
Na verdade, somente agora com a pergunta ela pensou naquilo e, pela primeira vez se dava conta de que a senhora Doumajyd poderia estar lá também. Não podia simplesmente entrar pela porta da frente em um lugar em que não era bem-vinda... Mas, mesmo correndo o risco, ela queria muito falar com o Doumajyd.
- Me deixe ir primeiro, sozinha. – ela pediu – Eu peço ajuda para a Nana e entro pelos fundos.
- ...Tudo bem ir sozinha?
- Sim. – afirmou ela, retomando a sua convicção.


***


Com a ajuda de Nana, Mary foi conduzida até uma ala mais afastada e calma da mansão, onde o dragão teria o mesmo sossego que tinha no hospital. No caminho, ela reparou que elfa estava incomodada com algo, mesmo estando feliz por vê-la novamente.
- O mestre Christopher tem visita. – informou a criatura, revelando o que a estava incomodando – Mas fique tranqüila, sangue-ruim. Nana vai cuidar para que a senhora não venha aqui.
Parada em frente a porta onde Nana a deixara e fora vigiar, Mary novamente apertou forte o seu pingente e respirou fundo. Mas no mesmo instante em que ela se movimentou abrir a porta, a mesma foi aberta por dentro.
- Mary? – May Burnsdale a encarou surpresa.
- May?! – ela perguntou tão surpresa quanto a outra.
- Bem vinda! – exclamou a garota, saindo do seu choque momentâneo e a recebendo com um imenso sorriso.
Mary pestanejou confusa. Encontrar May ali já fora algo surpreendente, mas ser recebida por ela na casa de Doumajyd era algo inconcebível.
- Não fique aí parada. – continuou a garota, com o mesmo tom de anfitriã, a puxando para dentro da sala – Fique a vontade. Chris! A Mary está aqui!
Ao ouvir o anuncio, o dragão, que estava sentado tranqüilamente em uma grande poltrona, se mexeu incomodado, como se tivesse sido atingido por algum feitiço específico para aquela reação, e perguntou:
- O que ela está fazendo aqui?
- Eu vou buscar um chá para nós. – informou May, saindo alegremente, como sempre.
Depois que a garota saiu, um silêncio pesado preencheu toda a sala. Tentando se livrar dessa sensação incomoda, Mary tentou começar um assunto:
- Então, você recebeu alta, não é? Como se sente?
Mas Doumajyd não respondeu, apesar de estar a encarando fixamente desde que a May saíra.
- Bom, eu-
- Esse colar aí. – ele indicou com um gesto de cabeça.
Mary hesitou. Será que ele havia lembrado?
- É irritante! – ele concluiu o seu pensamento – Aliás, tudo em você é irritante!
- Quê? – Mary quase se engasgou.
Por poucos segundos tivera esperanças de que ele havia lembrado de algo.
- O que você tem, garota? Como alguém como você entrou na propriedade da minha família? Não pense que pode vir aqui só porque é a namorada do Ryan! Você é um saco! Vá embora de uma vez!
Durante aquele discurso dele, totalmente em tom de ofensa, Mary permaneceu calada. Há muito tempo não sentia uma raiva tão forte borbulhando dentro dela, igual às vezes em que tinha que assistir quieta as torturas do D4 em Hogwarts.
- Não ouviu?! – ele perguntou entre os dentes, se levantando da poltrona.
- Ah, ouvi sim. – ela murmurou em resposta.
- Quê? – perguntou ele grossamente, rindo com desdém da forma como ela ouvia tudo aquilo calada.
Para Mary, aquele não era mais o Christopher Doumajyd, mas o antigo ditador Líder do D4. Então ela teria que falar com ele no mesmo nível:
- Vá para o inferno com os seus ‘quês’, SEU POLVO ESTÚPIDO!
Foi a vez de Doumajyd paralisar, indignado com o que ouvira, soletrando, sem som algum, a palavra ‘polvo’.
- NÃO SOU A NAMORADA DO RYAN, IDIOTA! SOU A MARY ANN WEED E NINGUÉM MANDA EM MIM!
- Desgraçada! – ele tentou revidar.
- VOLTANDO A FALAR COMO UM DRAGÃO ESTÚPIDO! – ela bufou, tentando se controlar – Eu achava que você finalmente tinha virado uma pessoa melhor! Mas você realmente não cresceu nada! CONTINUA SENDO UM IDIOTA HORRÍVEL!
- Mary?
Ao ouvir a voz de May a chamando, Mary se virou para a porta e a viu segurando uma bandeja, olhando toda a cena com olhos arregalados.
- Podemos conversar? – ela pediu por fim, indicando para que ela a seguisse.


***


- Não quero mais que você volte aqui. – disse May determinada.
- Como? – Mary não entendeu.
- Agora, parece que a memória dele está voltando aos poucos. – ela explicou – Mas, ele fica nervoso quando você aparece, e isso pode prejudicá-lo. Entende? Você é como algo negativo para ele.
- Algo negativo? – Mary repetiu, murmurando, para confirmar se havia ouvido direito.
- Tudo bem! – ela acrescentou com um imenso sorriso – Logo ele lembrará e tudo voltará ao normal. Por isso, até lá, deixe comigo!
- Mas, May-
A garota não a ouviu. Deu meia volta e entrou na sala, anunciando:
- Trouxe o chá!
Mary a seguiu, mas não se atreveu a se aproximar novamente do dragão.
- Não quero chá! – replicou Doumajyd mal humorado – Quero que você faça aqueles biscoitos de novo!
Mary sentiu um baque, como se tivesse se chocado com o chão, ao ouvir aquilo.
- Claro que eu vou fazer. – May concordou contente – Da próxima vez vou fazer um monte! Sou uma ótima cozinheira, sabe?
E ela continuou falando sobre os seus dotes culinários, mas Mary não ouvia mais nenhuma palavra. Como se o mundo tivesse se tornado sem som a sua volta, ela só via a garota conversando alegremente com Doumajyd e ele sorrindo para ela, escutando atentamente. Sem conseguir evitar seus olhos se encheram de lágrimas.
O dragão, percebendo que ela ainda se atrevia a estar lá, lhe lançou um olhar cheio de fúria. Mas, assim que viu o estado dela, ficou chocado, assombrado demais com aquela reação.
- O que foi? – May perguntou, seguindo o olhar do dragão.
Mary respirou fundo e disse com uma voz fraca:
- Pra mim chega. – então ela agarrou o colar em seu pescoço e o arrancou, jogando nele com toda a raiva que estava sentindo no dragão – Você é o Doumajyd, mas também não é ele! NÃO VOU MAIS AGÜENTAR ISSO! – e saiu correndo, sem dar chance alguma de os outros dois falarem.


***


- Como assim não vai mais ver ele? – perguntou MacGilleain.
Depois de ter saído da mansão Doumajyd, Mary e Hainault foram até Hogwarts, onde os outros dragões esperavam por eles na Ala Especial.
Mary limitou-se a confirmar com a cabeça. Já havia sido um grande esforço contar tudo o que acontecera na mansão.
- Essa garota está levando o Chris a sério? – questionou Nissenson.
- É maldade ela dizer que fez algo que não fez! – Vicky deu a sua opinião – Não vou perdoar essa falsa! Eu vou falar com ela imedi-
- Não, Vicky! – Mary a segurou pelo braço, já que a garota se mostrava decidida a ir atrás de May Burnsdale tirar satisfações – Agradeço a sua intenção, mas...
- Mas o quê?
Mary pensou um pouco em como poderia explicar:
- Foi como se eu tivesse feito uma aposta comigo mesma... Eu achava que ele me escolheria. Mesmo ele tendo perdido a memória, mesmo começando do zero... Mas não foi assim.
- Mary, você-
- Fui pretensiosa demais pensando que eu poderia ser tão importante assim para o Doumajyd. – ela cortou o que a amiga dizia com um sorriso amarelo – Afinal, o Líder do D4 sempre foi teimoso e com um gênio difícil. O que ele sentia por mim deveria ser pura teimosia.
Na poltrona ao lado, Hainault deixou a cabeça cair, decepcionado, demonstrando que não acreditava que estava ouvindo aquilo justamente dela.


***


- O que aconteceu, Chris? – perguntou May enquanto recolhia as coisas do chá, percebendo que Doumajyd olhava fixamente para o colar com o pingente de saturno na sua mão.
- Nada. – ele respondeu simplesmente.
- Tudo bem. – disse ela, largando o que estava fazendo e se sentando ao lado dele – Pode me dizer.
Doumajyd demorou um pouco, mas falou:
- É algo sem importância, mas... Por que ela estava tão brava?
- A Mary?
- Sim, aquela garota. Eu não entendi. Por que ela estava daquele jeito e chorando?... É inevitável não pensar naquela cara de choro.
- Como pode dizer isso, Chris? – perguntou May, com um tom sentido.
- O quê? – ele parou de olhar para o colar e passou a encarar a garota, não entendendo o que tinha feito de errado.
- Por que não pensa em mim, que está sempre junto com você? Por que só pensa na Mary que você só vê de vez em quando? – sem aviso, ela o abraçou – Eu tenho certeza que, o que você perdeu, eu vou preencher. – ela o apertou mais forte – Eu gosto de você, Chris e vou sempre estar do seu lado! Pense em mim!
Diante desse pedido dela, Doumajyd apenas guardou o colar no bolso do casaco, decidindo que não se preocupar mais com aquilo.

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