Aquela que fez os biscoitos



No dia seguinte, Mary não teve coragem de entrar no hospital, apesar de ter chegado até lá. Sentou em um lugar perto da beira da praia e ficou ali, olhando para as pequenas ondas que vinha calmamente se desmanchar na areia escura.
- Mary?
Ela tomou um susto ao ouvir a voz de May vinda de trás dela.
Confirmando que era mesmo quem ela pensava, May se aproximou e se sentou ao lado dela, pedindo:
- Me desculpe por ontem.
- Tudo bem. – Mary respondeu do fundo do seu estado de abatimento.
- Mary, por acaso... a pessoa que o Chris não consegue lembrar... é você?
Mary deu um pequeno sorriso cansado, respondendo:
- Sim.
- Vocês eram namorados?
Mary permaneceu calada.
- Me desculpe por dizer aquelas coisas.
- Você não tem culpa, May. Eu não havia contado o que tinha acontecido.
- Mas... a partir de agora eu vou te apoiar! – ela anunciou, empolgada – Vou me esforçar para trazer a memória do Chris de volta!
- Mas, May-
- Eu fiz amizade com ele, e ele está se abrindo para mim. Assim que posso ajudar!
Olhando por esse lado, Mary era obrigada a concordar que ela podia sim ajudar, mesmo não encontrando algum motivo para ela querer fazer aquilo.


***


No fim, Mary não entrou no hospital, pela primeira vez quebrando um ritual de dias. Voltou para casa e, totalmente desanimada, se jogou na sua cama improvisada.
- O que foi? – perguntou Charles, o único que estava em casa, estranhando a reação dela.
- Nada. – ela mentiu, não querendo colocar o irmão no meio daquilo.
- Como está o Chris? Ele está melhor? Lembrou de alguma coisa?
- Está do mesmo jeito.
- ...Será que tem alguma coisa que eu possa fazer? Afinal, foi por minha culpa ele ter batido a cabeça... Eu poderia levar alguma coisa gostosa para ele comer, não?... Mary?
Ela estava concentrada demais com o que o irmão falara para conseguir dar uma resposta.
Sim, havia algo que não tinha como Doumajyd esquecer, mesmo que o seu inconsciente lutasse com isso. Por isso ela agarrou a sua mochila e saiu apressada de casa, sem ligar para os gritos do seu irmão pedindo o que tinha acontecido.


***


Mesmo sendo o seu dia de folga, e tendo ido dormir bem tarde para conseguir terminar o que fizera, Mary acordou cedo para ir ao hospital. Colocou o seu colar de saturno, pegou o embrulho que havia deixado pronto em cima da mesa e saiu de casa decidida. Só parou em frente à porta do quarto de Doumajyd, olhando fixamente para o embrulho em suas mãos.
Aquilo tinha tanta chance de dar errado quando de dar certo, mas ela precisava tentar para poder comprovar. Só não era certeza o como ela seria recebida pelo dragão.
Então, tomando coragem, Mary bateu na porta, dizendo:
- Bom dia. Posso entrar?
Como não ouve resposta, ela abriu a porta e espiou lá dentro.
Doumajyd estava dormindo profundamente. Ele havia tirado a faixa da cabeça, o que era um sinal de que logo receberia alta.
Aliviada por ele não estar acordado e, portanto, não a impedindo, Mary entrou nas pontas dos pés e colocou o embrulho ao lado do travesseiro dele, tentando ao máximo não fazer barulho. Então, satisfeita, saiu da mesma forma que entrara.
Assim, não estaria o forçando a se lembrar, e muito menos fazendo pressão. Estava apenas dando pistas, para que ele mesmo reconstruísse suas lembranças.
Ao sair do hospital, a primeira coisa que Mary fez foi pegar a sua esfera e falar com Hainault, contando sobre a idéia que tivera, o que acabara de fazer e como ela tinha certeza de que funcionaria.


***


Doumajyd acordou com o barulho das cortinas de seu quarto sendo fechadas. Ele olhou em volta procurando por quem estava lá e logo se deparou com May Burnsdale, ajeitando flores novas em um vaso ao lado da janela.
- Ah, acordei você? – ela pediu – desculpa.
- Oh. – ele respondeu sentando na cama, ainda tonto pelo sono pesado causado pelos remédios que tivera que tomar para a consulta no dia anterior.
- Você dormiu até bem tarde. – ela comentou – Teve algum sonho bom?
- Sim. – ele respondeu prontamente, se concentrando nos lençóis da cama para poder se lembrar – Alguém falava comigo...
- É mesmo?
- Mas, mesmo eu querendo muito, não conseguia ver de quem era o rosto...
- Hum, por isso que eu disse que é melhor não se lembrar... Gostou das flores? Eu vou pegar mais água para colocar aqui.
Ela saiu do quarto, deixando Doumajyd terminar de acordar sozinho. Foi quando ele bateu o braço em algo que estava ao lado do seu travesseiro, e reparou no embrulho que estava ali. Ele o pegou e desamarrou o laço, procurando por um cartão ao algo que indicasse a quem pertencia aquilo, mas não encontrou nada. Dentro dele havia apenas uma caixa. O dragão a retirou e a abriu.
Assim que viu o seu conteúdo, ele sentiu algo extremamente familiar. A caixa estava repleta com biscoitos de chocolates em formato de dragões, e todos tinham um cabelo bagunçado muito parecido com o seu.
Ainda se sentindo estranho, ele pegou um dos biscoitos e provou. No mesmo instante, fora como se o mundo a sua volta parasse. Ele já havia sentido aquele gosto, e ele representava algo extremamente importante.
- O que aconteceu? – May perguntou assim que entrou e o viu o dragão com o olhar perdido, segurando a caixa de biscoitos – Que cara apavorada é essa? – ela foi até a janela e colocou a água que trouxera no vaso de flores, mas não recebeu nenhuma resposta – ...Chris?
- Esses biscoitos têm... o sabor da paixão.
A garota não entendeu, mas se aproximou para ver a caixa mais de perto.
- May! – ele disse de repente, a encarando como se agora tudo fizesse sentido – Foi você quem trouxe esses biscoitos, não foi? Você é a pessoa que eu esqueci, não é?!
Ela o olhou por alguns segundos, em que ele aguardou ansioso pela resposta. Então, com um sorriso satisfeito, ela o beijou.

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