Não desista de lembrar
Decidida a se esforçar em tentar reconquistar a confiança de Doumajyd, Mary chegou ao hospital naquele dia com o seu melhor sorriso treinado. Tentaria agir mais como a May, falando sobre coisas aleatórias.
Porém, ao passar apressada pelo salão de convivência, parou, refez os seus passos e espiou por ele. Lá estava Doumajyd e May, conversando animadoramente:
- Você tem que treinar. – ela explicava.
- Treinar? – ele perguntou usando o seu tom orgulhoso – O Ilustríssimo eu não precisa dessas coisas!
- Andar com muletas não é difícil, eu posso te ensinar. – ela disse rindo, e então viu Mary meio escondida na esquina da parede – Ah, Mary!
Sem outra opção, já que havia sido descoberta, Mary se aproximou. De perto pôde ver que May estava sem o gesso na perna e não usava mais muletas, e então perguntou:
- Recebeu alta?
- Sim! – a garota pulou feliz do seu lugar e movimentou sua perna, para mostrar como ela estava totalmente curada – Olha, estou ótima! Fui liberada ontem mesmo do hospital, mas voltei hoje para agradecer a todos e fazer algumas visitas. E acabei encontrando o Chris aqui, teimando em não usar as suas muletas.
- Já falei para não me chamar assim! – Doumajyd rosnou para ela, mas não sendo nem um pouco ameaçador.
- O que tem de errado?! – perguntou ela abismada voltando para a frente dele – É o seu nome, não é, Christopher?
- Quieta, idiota! – ele resmungou – Fala sério...
Como havia acontecido no dia anterior, novamente Mary sentiu um abalo que ela não conseguia explicar, como se seus pés tivessem saído do chão.
Como a May conseguia falar o nome dele tão facilmente, coisa que nem ela própria conseguia? Podia contar nos dedos todas as vezes que conseguira chamar Doumajyd pelo nome, mesmo ele próprio já tendo parado de a chamar de Weed... E como ele podia ter parado de ser agressivo com ela tão de repente?!
Se esquecendo completamente de Mary, May voltou a se sentar na frente do dragão, perguntando:
- O que aconteceu? Foi só a Mary chegar que você começou com esse mal humor.
Mary se espantou ainda mais com isso. Ele só agia daquela maneira quando ela estava por perto?
- Não seja ruim! – May continuou – Ela vem aqui todos os dias para ver você!
- Não me importo! – declarou ele.
‘Sorria, sorria’, Mary lembrava a si mesma o que havia decidido.
- Já sei! Que tal irmos para o telhado?
Os outros dois a encararam sem entender a intenção dela.
- É o meu lugar favorito aqui e tem a vista linda! Vai melhorar a sua irritação.
- Não quero ir. – anunciou ele, sendo completamente birrento.
- Vai ser bom respirar um pouco do ar lá fora. – comentou Mary gentilmente.
- Se quer ir, vá você! – ele respondeu grossamente.
Há tempos Mary não sentia tanta vontade assim de esganar o dragão.
- Vamos sim! – sentenciou May, pegando os braços dele e o forçando a se levantar.
- Ei! Não me puxe! – ele protestou, mas a seguiu obedientemente – Isso dói!
- Ah, desculpe. – ela riu, não o largando e andando de costas com cuidado, para poder guiá-lo pelo caminho sem problemas.
Mary assistiu toda a cena sem poder dizer nada. Já tinha visto algo parecido muitas vezes, entre a sua mãe e o seu irmão. May falava com Doumajyd como se ele fosse um menino difícil, e ele, mesmo respondendo e negando, agia exatamente como um.
- Se eu não estivesse aqui, você iria ficar se lamentando o tempo todo, não é Chris?
Essa frase da garota fez Mary acordar de seus pensamentos.
- Claro que não! – ele afirmou, mas sem nenhuma convicção.
Ela riu da resposta dele e indicou.
- Aqui, pelas escadas.
Sem perder tempo, Mary os seguiu, com uma sensação incomoda de estar sendo nada mais do que uma sombra.
***
- Ah, que vento bom! – exclamou May.
- É mesmo! – concordou Mary.
O telhado, assim como o restante do hospital, era outro lugar planejado para o conforto dos pacientes. Ali havia uma grande área de laje cercada, com vários bancos e plantas espalhadas.
As duas tinham subido no apoio da cerca de proteção e agora se deliciavam com a brisa do mar que vinha direto para elas. Doumajyd, por sua vez, não achara nada de interessante ali, e se contentara em sentar em um banco, de costas para a paisagem.
- Venha aqui ver, Doumajyd! – Mary tentou o chamar – Essa vista é um máximo!
Mas ele nem ao menos se dignou em dar um sinal de que havia escutado.
- De novo ignorando a Mary! – May reclamou, como se ele fosse um menino insistindo em fazer a coisa errada.
- Cala a boca. – ele respondeu simplesmente.
- Se você ficar desse jeito, não vai melhorar nunca! – ela sentenciou, descendo da cerca e parando perto dele com as mãos na cintura.
Diante disso, Doumajyd pensou um pouco e então falou, como se admitisse algo muito difícil de dizer, e deixando bem claro que aquele era o motivo da sua irritação:
- Tem algo que eu não consigo me lembrar... De acordo com o médico, eu perdi a memória.
- Perdeu a memória? – May repetiu, o que fez Mary descobrir que ela ainda não sabia o motivo por Doumajyd estar internado.
- Eu me lembro de ter vindo para esse lugar, mas não me lembro a razão. – ele continuou explicando... Sinto que foi por causa de algo muito importante.
- Talvez... – Mary viu uma oportunidade – Talvez você tenha vindo por alguém.
- Alguém? – ele perguntou e então se concentrou nisso, como se fosse uma pista válida e que fazia sentido, e então resmungou consigo – ...Quem eu vim ver?
Mary sentiu uma pontada de esperança. Apenas uma frase, que não fora mal recebida pelo dragão, parecia ter conseguido surtir um efeito enorme.
- Tanto faz quem você veio ver. – disse May.
- Quê? – Mary quase se engasgou com o que ouvira.
- Talvez você tenha vindo ver alguém, – ela continuou, indo até o banco e se sentando com ele – talvez não. Eu penso que não é bom você se forçar a lembrar.
- May... – Mary tentou dizer algo, mas não conseguiu.
- Parece que você tem muitos amigos. – ela o lembrou – E com certeza ainda vai encontrar muitos outros a partir de agora. Se você não se lembrar, tudo bem! É só preencher o que você esqueceu! É como se você tivesse uma oportunidade de recomeçar a sua vida!
- Recomeçar? – ele prestava muita atenção em cada palavra que ela dizia.
- Talvez, o que você não consiga lembrar não seja tão importante quanto pensa. Agora, por estar tão desesperado em lembrar, pode parecer importante, mas no fim você pode se decepcionar. Então-
- Não desista! – disse Mary.
Os dois olharam espantados para ela.
- O quê? – May perguntou sorridente, sem entender.
Então Mary se aproximou dele, parecendo estar a ponto de chorar, e pediu:
- Não desista de lembrar, Doumajyd.
Com isso, pela primeira vez desde que acordara, Doumajyd realmente olhou para aquela garota baixinha, a considerando como pessoa.
- Pára, Mary. – a garota pediu, se levantando do banco, agindo com a sua posse de enfermeira – Você não pode pressionar os pacientes dessa forma!
Mary não era capaz rebater. Realmente era pressão dizer aquilo para alguém em um estado como o do dragão. Então ela olhou uma última vez para Doumajyd e pediu, antes de sair correndo do telhado:
- Desculpa.
***
Totalmente sem forças com o que acabara de fazer, Mary se largou em um banco do hospital, se repreendendo mentalmente por estar sendo tão egoísta.
Doía ouvir Doumajyd falar daquela maneira que estava tentando lembrar de algo muito importante que esquecera. Mas havia doído muito mais ouvir May sugerindo que o melhor seria esquecer e recomeçar.
Estava pensando que o melhor agora seria voltar para casa quando viu os dragões vindo para visitarem o amigo. Ela então tentou se recompor.
- Como vai o Chris, Mary? – perguntou Nissenson, assim que a viu.
- Ele está no telhado. – ela informou.
- No telhado? Sozinho? – perguntou MacGilleain surpreso.
- Com a May... Tenho que ir. Tchau. – ela se levantou e seguiu para a saída do hospital, se dizer mais nada.
- Ela já está indo embora? – perguntou Nissenson confuso.
Com isso, Hainault olhou para o teto e deu um suspiro irritado.
***
- O que aquela garota tem? – perguntou Doumajyd aborrecido.
- Não fale assim da Mary. – pediu May – Ela está preocupada.
- Diga para ela não se aproximar mais de mim! Não suporto ela!
- Ok, eu peço para ela parar de te ver. Não se preocupe mais com isso.
- Chris! – Chamou MacGilleain da entrada do telhado.
- Oh. – Doumajyd cumprimentou os amigos, vendo que eles vinham na sua direção.
- Olá! – May se levantara em um pulo para recebê-los.
Dos três, Hainault fora o único que não respondera ao cumprimento, a ignorando e passando por ela para poder falar com Doumajyd:
- Então, lembrou de alguma coisa?
- Ah, estávamos falando sobre isso agora. – disse a garota – Talvez fosse melhor não forçar, e-
- Será que estranhos poderiam ficar quietos? – falou Hainault.
- Quê? – a garota não entendeu porque ele usara um tom tão áspero para falar com ela.
- Estou perguntando ao Chris. – ele acrescentou.
- Ah... desculpe. – ela pediu.
- Poderia fazer o favor de sumir daqui? – ele perguntou, agora olhando para ela, já que o método ignorar não surtia mais efeito – Você enche o saco.
- Ei, ei! – Nissenson interveio – Não fale assim com ela, cara.
- Não se preocupe. – MacGilleain a tranqüilizou – Por que está nervoso, Ryan?
- PENSEM NOS SENTIMENTOS DA MARY, DROGA! – ele desabafou.
Os outros se assustaram com a explosão incomum dele, inclusive a garota que não o conhecia.
- Sabem o quanto machuca para ela vir aqui todos os dias, não sabem?! – ele continuou, tentando controlar o seu tom de voz – Pensem em como ela está se sentindo!
May olhou bem para ele, como se tivesse se dado conta de algo.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!