Não é justo esquecer
Mary correu com toda a velocidade que conseguiu pelo hospital, mesmo sobre os protestos das enfermeiras. Foi até o final do corredor de madeira, que saia do jardim e ia para beira do mar, e gritou com todas as suas forças assim que parou deslizando na cerca de proteção:
- INACREDITÁÁÁÁVEL!!! – então, a exemplo do que há muito tempo já não fazia na sua Torre do Desabafo, ela começou a chutar a madeira da cerca, com uma vontade enorme de quebrá-la – POR QUE SÓ EU, DROGA?!
Hainault, MacGilleain e Nissenson conseguiram alcançá-la e pararam se agarrando na cerca para assistirem a cena, os três quase sem fôlego.
- Não fique nervosa assim, Mary. – pediu MacGilleain.
- Eu não estou nervosa! – bufou Mary tentando arrancar um banco pregado à madeira do chão para jogá-lo no mar – Estou furiosa mesmo! Por que é sempre assim?!
Mas, diante dos olhares deles, ela desistiu da sua tentativa inútil de arrancar o banco e tentou respirar fundo, para poder pensar direito e reanalizar os fatos.
Doumajyd tinha perdido a memória.
Uma única memória mais especificamente: ela.
Depois de tudo o que passaram, como que ele pôde esquecer justo daquela que ele colocara acima de todas as outras?!
Aquilo era demais para Mary, algo extremamente difícil de se aceitar. E ela precisava fazer alguma coisa para consertar a situação, mesmo que para isso tivesse que fazer Doumajyd bater a cabeça novamente.
- Vou falar com ele! – ela anunciou, pulando por cima do banco e voltando pelo corredor.
- Mary! – Nissenson a chamou, mas ela não deu sinal algum de ter o ouvido e continuou andando.
- Não tem jeito... – comentou Hainault rindo e decidindo que seria melhor segui-la.
***
- Ah, me desculpe! – pediu Mary assustada.
Estava tão perdida em pensamentos sobre o que faria, que seus pés seguiam automaticamente pelo caminho, mesmo sem ela reparar para onde ia. E, por isso, em uma esquina do corredor, trombara com alguém.
Com o susto, ela voltou à realidade e olhou volta. Foi então que viu que havia derrubado uma garota de muletas, que estava desabada no chão sem conseguir se levantar por causa de uma perna engessada.
- Ah, me desculpa! – pediu ela de novo, dessa vez desesperada por ter atropelado uma enferma, e se apressou em ajudá-la a ficar de pé.
Apesar de parecer meio tonta pela queda, a garota olhou bem para Mary e então apontou para o seu casaco, perguntando:
- Isso é uma varinha?
Mary quase a deixou cair novamente no chão ao ver que a sua varinha era visível no bolso interno do casaco.
- Anhm... – ela começou, mas não sabia continuar.
O simples fato da garota reconhecer o objeto não era o suficiente para classificar-la como uma bruxa.
- Que bom encontrar alguém como eu aqui! – exclamou a garota contente, tirando a dúvida de Mary, e então ela acrescentou sussurrando – Eu não a deixaria tão avista assim se fosse você. As enfermeiras quase jogaram a minha fora no meu primeiro dia internada.
- Ah, é? – Mary a ajudou a pegar as muletas e se apoiar novamente com elas.
- O que está fazendo? – Hainault perguntou, finalmente a alcançando, e aparentemente não notando a garota sorridente ao lado dela.
- Eu derrubei ela. – contou Mary, ainda um tanto perturbada com tudo o que acontecera – Eu-
- Boa tarde! – a garota o cumprimentou de uma forma alegre e ao mesmo tempo muito educada.
Hainault a encarou por alguns segundos e então continuou o seu caminho, sem dizer uma única palavra.
A garota não entendeu, mas permaneceu sorrindo, acompanhando ele com o olhar.
- Não ligue. – Mary se apressou em salvar a situação do amigo – Ele é meio de lua.
- Que lindo!– exclamou a outra, não ligando para o comentário dela – É seu namorado?
- Não, não é isso. – Mary se apressou em responder.
- Estão visitando alguém juntos?
- Sim.
- Então você virá novamente aqui no hospital? Que bom! Eu vou ficar internada por mais um tempo. – ela mostrou a perna – Eu moro na França com a minha mãe, e vim visitar meu pai aqui na Inglaterra. Nós estamos na nossa casa de verão, mas eu acabei caindo do telhado e quebrando a perna. Sou alérgica às poções de reconstituição de ossos, por isso tive que engessar. Aqui é chato, mas é o único hospital decente da região. – reparando que Mary estava agitada, visivelmente não tendo tempo naquele momento para bate-papo, a garota se conteve para não falar mais – Vamos conversar de novo se nos encontrarmos, ok? É bom falar com alguém que não seja trouxa!
- Me desculpe mesmo. – pediu Mary mais uma vez.
- Não foi nada. – disse a garota com um sorriso.
- Então até mais. – e Mary continuou seu caminho apressada.
- Ah, meu nome é May, May Burnsdale! – a garota se lembrou de dizer de repente.
- Eu sou Mary. – ela se virou para poder responder – Mary Ann Weed!
***
- O que quer aqui, idiota?! Quem disse que você podia entrar?!
Mary se manteve firme diante do bombardeio de rosnados de Doumajyd e tentou explicar, mesmo não sabendo por onde começar:
- Não é que... eu...
- Como você é insistente! Diga logo o que quer e suma da minha frente, feiosa!
- Você gosta de mim! – Mary disse de uma vez, mas congelou na mesma hora, se arrependendo completamente – O que eu estou dizendo?! – ela sussurrou para si mesma, olhando para o chão e tentou reunir coragem para encarar o dragão de novo – O que eu quero dizGuaaar! – ela foi acerta bem no nariz por um travesseiro na hora em que levantou a cabeça.
- Odeio meninas feito você! – disse Doumajyd entre os dentes, lhe lançando um olhar mortal e procurando outra coisa para poder jogar nela – SUMA DA MINHA FRENTE!
Sem saber o que fazer diante daquilo, Mary saiu do quarto, ainda segurando o nariz dolorido.
Hainault a espera do lado de fora, escorado na parede, e comentou assim que ela saiu:
- Teve uma morte honrosa.
- Eu esdou berdida. – choramingou ela, passando do estágio de raiva e convicção para o de abatimento.
- Bom... – o dragão pensou em uma solução – Se você vier todos os dias, ele acabará lembrando.
- Será?
- Afinal, é o Chris. Não tem como ele se esquecer de você...
***
- O que importa é que ele está bem. – disse o pai de Mary, se servindo de mais algas refogadas, enquanto, comentava sobre o fato do dragão finalmente ter acordado – O pessoal da vila se arrependeu tanto do que fizeram, que disseram que vão esquecer da dívida... Mas eu disse que isso é isso e aquilo é aquilo. Então vou pagar tudo direitinho!
- Que lindo! – exclamou a mãe de Mary batendo palmas – É assim que somos, pai!
- O que está fazendo, Mary? – perguntou Charles, vendo que a irmã ainda não se mexera do lugar para vir jantar.
Mary, desde que voltara para casa, escrevia incansavelmente em um bloco de notas, várias vezes riscando itens das folhas ou as arrancando inteiras e jogando fora.
- Estou pensando, Charles... pensando...
Agora que ela já havia esfriado a cabeça, chegara à conclusão de que, simplesmente esquecer, não era justo tanto para ela quanto para Doumajyd. Quando ela não dava a mínima para os sentimentos dele, ele nunca havia desistido e se esforçara ao máximo, mesmo que do jeito grosso e estúpido dele, em conquistá-la. Agora, ela deveria se esforçar da mesma maneira.
***
Doumajyd abriu os olhos na manhã seguinte e se deparou com algo estranho no seu quarto de hospital. Pendurado na parede, aos pés da sua cama, estava uma Tarja Vermelha, com os dizeres ‘Cortesia do D4’, igual as que ele distribuída em Hogwarts.
Ele levantou da cama e seguiu mancando até a tarja, surpreso com aquilo. Se lembrava que havia um motivo para ter decretado o fim delas em seu ultimo ano em Hogwarts, mas...
- Eeei!
Ele se virou e se deparou com uma garota baixinha, com o cabelo preso em duas tranças, vestindo o uniforme de Hogwarts pela Grifinória, parada um pouco a sua frente, o encarando com um olhar desafiador. Ela respirou fundo e disse parecendo estar furiosa:
- Eu não me importo se você é herdeiro de alguma coisa ou tem alguma influência! Você é um pirralho que nunca ganhou dinheiro por conta própria!
Ela puxou as mangas das suas vestes e afastou um pé do outro, em uma pose típica de lutador, com os punhos no ar. Doumajyd permaneceu imóvel diante daquilo, surpreso demais para poder dizer alguma coisa.
Mary deu três pulinhos e berrou:
- NÃO SEJA TÃO CONVENCIDO!!! – e avançou com toda a sua força, o acertando com um soco no nariz, que o fez rodar sobre os próprios pés e cair desnorteado no chão.
No mesmo instante ela abandonou totalmente a sua pose furiosa e desafiadora e correu para ele, perguntando sorridente:
- Lembrou?
- O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO, IDIOTA! – berrou o dragão.
Mary saiu correndo do quarto, pedindo desculpas, e com vários objetos sendo arremessados atrás dela.
***
- Não deu certo? – perguntou Nissenson assim que Mary voltou arrastando os pés até uma sala de convivência onde o D4 esperava pelos resultados dos planos.
- Foi como jogar combustível no fogo... – comentou ela com um suspiro desanimado, se largando em um banco.
- Não desista, Mary. – incentivou MacGilleain – Tente mais uma vez.
- Eu não tenho confiança no próximo...
- Tudo bem tentar, Mary. – disse Hainault.
Diante das esperanças que os amigos depositavam nela, Mary se levantou decidida:
- Certo. – ela arrancou os prendedores das tranças, as desmanchou e saiu pisando decidida – Vamos, lá!
***
Ela abriu a porta do quarto de Doumajyd e o encontrou recostado, tomando o seu café da manhã, que fora servido em uma mesa móvel colocada sobre a cama.
- Você de novo?! O que foi agora?! Não foi o suficiente socar um doente?!
Sem se deixar abalar, ela seguiu até a frente da mesa e olhou fixamente para ela, dizendo:
- Como era?... se estiver com pressa... dê voltas. – então ela deu duas voltas e parou no mesmo lugar.
- O que está fazendo, idiota?! – o dragão exigiu saber.
- Em outras palavras, é Hamingu-eay! – respondeu ela.
Ele a encarou por um tempo, e tudo o que conseguiu dizer foi:
- Quê?
Mary riu dele, como se ele fosse um pobre coitado sem cultura, e disse:
- Leia livros! Livros!
- ...Você é retardada? – ele perguntou, não acreditando que tinha perdido vários minutos preciosos da sua vida com o que acabara de ouvir.
Vendo que não havia dado certo, Mary saiu do quarto sem dizer mais nada, constrangida a ponto de querer chorar, e voltou correndo para a sala de convivência.
Lá ela se jogou de joelhos no chão, com os braços em cima de um banco, e enterrou a cabeça neles dizendo para os outros três:
- Foi horrível!
- Sem reação? – perguntou Nissenson.
- Eu quase morri de vergonha fazendo aquelas coisas estúpidas! – ela levantou a cabeça apenas para deixá-la cair de novo sobre os braços.
- Isso foi tudo o que o Chris fez seriamente. – comentou MacGilleain.
- Vamos pensar em uma estratégia diferente. – sugeriu Ryan.
- Eu preciso de um tempo agora. – Mary anunciou, se levantando e tentando se recompor – Vou beber água.
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