Mary apagada



- Isso foi castigo! – exclamou a senhora Doumajyd ao abrir as portas do seu escritório, com um aceno brusco de sua varinha, e entrar por elas furiosa.
Nana andava apressada atrás dela, murmurando e parecendo extremamente preocupada:
- Mas, senhora-
- É isso que acontece por me desobedecer! – ela não deu atenção alguma a elfa – É isso que ele ganha pensando que pode fazer o que quiser!
- Não vai buscar o mestre Christopher, senhora? – perguntou Nana, usando o seu tom de voz mais autoritário, para que a bruxa parasse de praguejar e a ouvisse.
- Não me importo com um filho que foi deserdado! – trovejou ela entre os dentes – Principalmente por ele ter sofrido esse acidente porque foi se encontrar com aquela sangue-ruim! Até onde esse menino idiota vai manchar o nome da nossa família?!
- Senhora, Nana não entende o que a senhora não gosta na Weed. – disse a elfa, determinada, não se importando com a explosão de fúria da mestra.
- Não gosto de nada e tudo nela! – afirmou a senhora Doumajyd, se sentando na sua cadeira e olhando impacientemente para o fogo crepitante na lareira.
- Mas... – Nana mediu as palavras que usaria, tento o bom senso de não alterar ainda mais o estado da mestra – Quem está cuidando da alma doente do mestre Christopher, é a sague-ruim!
- O que está falando, Nana?! Desde que conheceu essa garota, o Christopher só tem vivido o inferno!
Vendo que não adiantaria responder, Nana se calou. Diante disso a bruxa se reclinou na sua poltrona, respirando fundo e dizendo:
- Talvez agora ele pense direito no que está fazendo e volte arrependido, se ajoelhando aos meus pés.



***


Desde que saíra da sala de emergências e fora transferido para um quarto particular, Doumajyd parecia estar em um sono profundo do qual não se sabia quando ele poderia acordar. O médico responsável por ele explicara que isso era devido ao forte impacto que ele recebera na cabeça. Mas, apesar de tudo ter ocorrido bem na operação, a real situação dele só poderia ser avaliada melhor depois que ele acordasse.
Por isso, Mary passou a se revezar entre o seu trabalho de pescadora e as visitas ao hospital, na esperança de vê-lo abrindo os olhos. Apesar de os três Dragões também terem permanecido por lá, ela fazia questão de aparatar na cidade vizinha e ficar cuidando do dragão.
Durante toda aquela semana, a sua rotina era acordar de madrugada e correr para o seu trabalho, onde ficava até o meio-dia em um barco pesqueiro no mar. Depois que voltava para o porto, tinha uma pequena folga e então ia para o armazém e ajudava a limpar os peixes, para conseguir algum dinheiro extra. No meio da tarde, ela voltava rapidamente para casa onde tomava um banho, arrumava as suas coisas e ia para o hospital onde passava a noite. E aquilo era tudo o que ela podia fazer pelo dragão. Apesar das poucas horas de sono, ela se mantinha firme todo o dia. Usava principalmente a sua folga do meio-dia para descansar.
E era justamente nessa folga, que ela estava naquele momento. Meio cochilando, meio pensando no que faria em seguida, sentada em um canto do porto, no chão e escorada na parede do armazém, sentindo todos os seus músculos doloridos.
- Mary! – chamou um dos pescadores com os quais ela trabalhava, a avisando – Vamos começar a limpar os peixes!
- Estou indo! – ela se levantou usando a parede como apoio, já que sabia que as suas pernas não a sustentariam sozinhas – Eu só vou-
- MARY!
Ela olhou em volta assustada, procurando pela voz conhecida que a chamara, e logo avistou Hainault acenando na entrada do porto.
- RYAN! – ela acenou também para demonstrar que tinha visto ele.
- O CHRIS ACORDOU!
Com a notícia, Mary esqueceu-se totalmente de todo o cansaço que fazia o seu corpo pesar, e correu para o portão, abandonando o seu trabalho sem pensar duas vezes.


***


- Foi legal você ter trocado de roupa. – comentou Hainault para Mary, enquanto os dois seguiam pelos corredores do hospital.
- Ah, é? – ela ficou sem graça, olhando de relance para a melhor roupa de trouxa que ela tinha para ver se não tinha colocado nenhuma peça do avesso na sua pressa de sair de casa – É que eu não poderia vir com aquelas roupas com que eu trabalho no porto... Elas cheiram peixe.
Mary olhou para o grande corredor branco que se estendia a sua frente e logo localizou a porta pela qual ela já havia entrado tantas outras vezes. Mas agora era diferente. Não iria encontrar um Doumajyd dormindo, com a cabeça envolta em faixas. Ele havia acordado e, pelo que Hainault contara, estava muito bem. Falava normalmente, devorara sem problemas toda a comida que trouxeram e nem havia reclamado de estar internado em um hospital trouxa. Mas o mau pressentimento ainda estava com ela, e isso causava um temor com o qual ela não sabia lidar.
Com isso, ela parou há três passos da porta do quarto, não ousando se aproximar mais.
- O que foi? – perguntou Hainault também parando.
Mary olhou para ele mais sem graça do que com a pergunta anterior, pelo simples fato de não saber dar uma resposta:
- É que... – ela passou a dar mais atenção à barra da sua blusa, tentando pensar em palavras que pudessem explicar o que sentia – Eu... Ele veio de repente, e tantas pessoas estão sofrendo por causa da crise da família Doumajyd... Eu não sei...
Diante da visível confusão dela, Hainault respirou fundo e disse:
- Está preocupada com a Sociedade Mágica?... Quem pensa que nós somos, Mary?
Ela o encarou espantada, não entendo o que ele dizia. Ele riu do susto dela e se inclinou, para poder ficar na sua altura e lhe falar frente a frente:
- Somos o D4. Problemas com a Sociedade Mágica são nossos problemas. A garota que Christopher Doumajyd colocou acima de todas as outras deveria estar preocupada só com ele... Mary, o Chris abandonou tudo sem pensar e veio te buscar. Confie mais nas decisões dele.
O dragão estava absolutamente certo, e ela teve que concordar.
- Agora sorria. – ele pediu sorrindo também.
- É que eu estou um pouco nervosa de encontrar com-
Ela não pôde terminar porque Hainault a puxou pelo braço junto com ele e abriu a porta do quarto, a empurrando para dentro de uma vez.
Ao entrarem, foram recebidos por MacGilleain e Nissenson, que se levantaram em um pulo do sofá onde estavam e exclamaram em um coro ensaiado:
- Enfim, a protagonista!
Mary deu um sorriso amarelo para eles e então olhou para a cama. Lá estava Doumajyd, com a cabeça ainda enfaixada, mas não parecendo estar nem um pouco preocupado com isso. Tinham reclinado a cama para ele e agora ele estava deitado tranqüilamente, com as mãos atrás da cabeça, como se aproveitasse o sol em uma cadeira na praia.
- Disseram que não deu nada nos exames. – informou Nissenson para os recém-chegados.
- Pelo jeito eu deixei todo mundo preocupado! – Doumajyd riu – Foi Mal, Ryan. Ficou com medo de que o Ilustríssimo Eu não voltasse?
- Fala sério, droga. – Hainault reclamou em tom de brincadeira.
- Mas é bem típico do Ilustríssimo Eu preocupar os outros e dar trabalho. – comentou Mary, rindo e sentindo mais aliviada.
Depois de ouvir aquilo de Hainault e de comprovar com seus próprios olhos o quanto Doumajyd estava bem, ela se achava uma boba por ter levado tão a sério um pressentimento que só devia ter surgido por conta da sua grande preocupação com tudo o que acontecera. Aquela atmosfera descontraída do D4 reunido a fazia se sentir muito melhor.
- Ahn? – perguntou Doumajyd lançando um olhar de desprezo para ela, como se pela primeira vez a tivesse reparado no quarto – Quem é você?
Aquela pergunta ecoou sem sentido pela cabeça de Mary.
- Muita intimidade para o meu gosto. – continuou o líder dos dragões reclamando, enquanto se ajeitava na cama – É sua namorada, Ryan? Diga para ela não se intrometer na conversa dos outros!
Hainault e Mary se entreolharam sem entender e então ele perguntou:
- O que está falando, Chris?
- Que brincadeira é essa agora? – perguntou Mary irritada, não achando que aquele fosse o melhor momento do dragão fazer alguma piada.
- Quem pediu para você vir aqui, sua feiosa?! – perguntou ele indignado diante do tom que ela usara para falar com ele.
- Quem? – Mary repetiu murmurando, levando um choque ao se dar conta de que nunca o tinha ouvido falar naquele tom com ela.
- Como vocês deixam alguém que eu não conheço entrar assim desse jeito?! – ele brigou com os amigos, visivelmente mal humorado.
Dessa vez os dragões que se entreolharam, e Nissenson foi o que perguntou preocupado, chegando perto da cama para verificar de perto se estava mesmo tudo bem:
- Que piada é essa, Chris?
- Piada? – perguntou Doumajyd demonstrando que não sabia do que o amigo falava.
MacGilleain também se aproximou da cama, apontando para si:
- Você sabe quem eu sou, não sabe?
- Que pergunta idiota é essa, Adam?
- Então, – Nissenson puxou Mary para o lado dele, diante da cama – quem é essa?
- Que droga! – ele bufou em resposta – Já disse que eu não sei!
- Não tem graça nenhuma você agir dessa maneira, Doumajyd! – Mary não agüentou ficar calada diante da forma com que ele falava com ela – Eu deixei o meu trabalho especialmente para vir aqui! Até mesmo idiotas arrogantes como você pediriam desculpa por ter causado tantos problemas! – ela se inclinou na frente dele, com a sua pose desafiadora que sugeria que, se o dragão não estivesse se recuperando, ele ganharia um soco na cara – Inacreditável!
Doumajyd retribuiu o olhar de desafio na mesma intensidade, furioso com a audácia dela, e então virou o rosto, como se chegasse a conclusão que não deveria perder o seu tempo com coisas desprezíveis como aquela.
- Tirem essa louca daqui. – ordenou ele simplesmente.
- Quê? – ela falou sem perceber, diante da sua confusão misturada com a descrença pelo que ele estava fazendo.
- Mesmo que ela seja a sua namorada, Ryan, existem coisas perdoáveis e imperdoáveis! Não vou tolerar alguém como ela falando com o Ilustríssimo Eu assim!
Hainault o encarou por um tempo, deixando totalmente de lado a sua aparência calma de sempre, e demonstrando estar chocado e preocupado com aquela situação:
- Está falando sério, Chris?
- Não pensem que só porque eu estou preso nessa cama que vocês podem ficar tirando sarro assim da minha cara! – rosnou ele – Tirem logo essa idiota daqui!
Mary não sentia mais o chão por debaixo de seus pés.


***


- Perda de memória?!
Foi um coro único de Mary, Hainault, Nissenson e MacGilleain ao ouvirem o diagnóstico.
- Acontece em acidentes como esse de a vítima perder parte da memória. – o médico explicou.
- Mas porque ele esqueceu só da Mary? – perguntou MacGilleain perplexo.
- Ele estava sofrendo um forte estresse ultimamente, então o seu cérebro se encarregou de apagar a lembrança responsável por isso.
Mary apertou os dedos na mesa em que se apoiava para se lembrar que ainda estava ligada a alguma coisa e não flutuando sem rumo pelo ar. Hainault ouvira atentamente, mas durante toda a explicação do médico não tirou os olhos de Mary, e observava cada movimento dela. Notara principalmente o ar triste e desolado que ela carregava desde que fora expulsa do quarto por Doumajyd.
- Mas... – ela começou, com um grande esforço em pronunciar as palavras – Vai voltar, não vai? Algum dia, a memória dele irá voltar?
O médico pensou por algum tempo, procurando pela melhor resposta, mas tudo o que pôde dizer foi:
- Por enquanto, tudo o que podemos fazer é observá-lo.

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