O nobre na vila



- O que significa isso? – perguntou Mary para os pais, olhando em volta confusa.
Assim que pisou na praia onde estava morando, avistou uma movimentação estranha de pessoas na areia logo abaixo do píer sobre o qual ficava a sua atual casa. Logo conseguiu distinguir seus pais em meio aos moradores da vila, os mesmos que ela já havia encontrado anteriormente cobrando o aluguel atrasado. Ainda com os sentidos apurados depois de ter passado pelo apuro do penhasco, ela correu para lá, tentando afastar a idéia de que os moradores haviam se revoltado com as mentiras de seus pais e tivessem resolvido apedrejá-los. Porém, ao chegar mais perto, percebeu que todos sorriam e conversavam alegremente, enquanto se ajudavam na tarefa de distribuir os mais variados pratos de frutos do mar em uma grande mesa montada na areia.
O queixo de Mary caiu ao identificar aquilo como uma festa. E, sem entender o motivo, principalmente para os rostos contentes, ela fez a pergunta quando se aproximou dos pais.
- Ao saberem que o Chris viria, as pessoas da vila se reuniram para recebê-lo. – Charles explicou contente ao passar por ela, ajudando uma senhora que trouxera um bolo caseiro para acrescentar à mesa.
- O quê?! – Mary seguiu o irmão aos tropeços pela areia, enquanto perguntava – Ele vem para cá?! Como você sabe?!
Em resposta, Charles apenas retirou do bolso a esfera da irmã e entregou para ela. Mary pestanejou para o objeto surpresa, e continuou perguntando:
- Mas como?! Espera um pouco! Por que o Doumajyd vem para esse fim de mundo?!
- Não é óbvio? – perguntou uma voz em tom arrogante vinda de cima do píer – Para buscar você, idiota!
O sangue de Mary gelou ao mesmo tempo em que as pessoas reunidas ali começaram a correr para os pés do píer, exclamando saudações de boas vindas. Mesmo não querendo comprovar com seus próprios olhos o que já sabia, ela se virou de vagar e viu Doumajyd a encarando de cima do píer com um sorriso de triunfo.
- Doumajyd... – ela murmurou inconscientemente.
Por momento algum, desde que o abandonara na chuva em frente à Hogwarts, Mary pensou que ele poderia vir atrás dela naquele lugar. Mas lá estava ele, com o rosto cheio de machucados e curativos mal feitos, orgulhoso de ter conseguido a surpreender.
- Sem dúvidas, é um nobre! – afirmou a senhora que havia trazido o bolo, olhando para ele maravilhada – Olhem para as roupas que ele veste! Iguais as das figuras dos livros!
- É verdade que você é namorado da filha do Weed? – perguntou desconfiado o líder deles, tentando não demonstrar que também estava deslumbrado com a visita ilustre.
- Se ela me perdoar... – disse Doumajyd, olhando diretamente para Mary – Eu gostaria que sim.
Diante disso, mesmo se tivesse alguma coisa para falar, ela não conseguiu abrir a boca. Tudo tinha acontecido tão rápido que ela simplesmente não conseguia acreditar. Se esforçara tanto para esquecer o Dragão e passar a viver novamente sendo apenas a Mary Ann Weed, a sangue-ruim que vivia às margens da sociedade mágica apenas por ter tido o grande azar de nascer com capacidade para a magia. E agora lá estava Doumajyd, em sua atitude típica de líder do D4, fazendo toda a sua convicção se desmoronar apenas com uma frase.
- Então é verdade! – exclamou alguém da vila para os outros, como se nenhum deles tivesse escutado além dele próprio – Ele é um nobre rico e poderoso como disseram os Weed!
- Mas eu cortei os laços com a minha família! – acrescentou Doumajyd – Posso ser poderoso, mas não sou mais rico.
- Como é? – o líder deles o encarou incrédulo dos pés do píer – Sem dinheiro?
Nesse meio tempo, Mary havia se movimentando e subido no píer em um pulo. Mesmo ainda afetada pelo seu estado de surpresa e confusão, o instinto de não deixar Doumajyd falar demais diante de trouxas foi mais forte. Tinha a intenção de arrastá-lo para dentro do barracão, lançar alguma maldição dolorida nele e depois perguntar como ele ousava ter vindo ali quando ela se esforçara tanto para deixar muito claro que não queria mais vê-lo. Mas o que o dragão disse em resposta para o líder a fez parar antes de chegar até ele:
- Eu vim apenas buscar a garota que eu coloquei acima de todas as outras. Não me importo com nada mais.
Um murmúrio de desaprovação percorreu pelas pessoas da vila, e os pais de Mary se encolheram atrás deles. Porém, Doumajyd não dava atenção alguma para eles. O dragão se aproximou de Mary, e contou muito sério:
- O Ken está vivo. O suicídio dele foi tudo armação da velha!
- Quê? – mais uma vez ela foi pega por uma informação bombástica.
- Eu definitivamente não tenho mais nenhuma afeição pelo meu nome ou a minha posição diante da sociedade!... Eu não tenho nada agora, mas... Mesmo assim, eu quero ficar com você! – ele disse usando um tom definitivo.
Mary conhecia esse tom muito bem. Era o mesmo que ele usava quando ordenava as torturas com a Tarja Vermelha. O mesmo tom com que dava ordens absurdas e esperava resultados imediatos. O mesmo tom que ele usara dando a certeza de que voltaria de Nova York para ela. E era quando ele falava usando esse tom que Mary se via acreditando verdadeiramente em cada palavra que ele pronunciava.
- Por isso... – ele estendeu a mão para ela – Venha comigo.
Mary encarou a mão estendida a sua frente e então olhou para Doumajyd. Era como se tudo o que tivesse acontecido desde que ele lhe fizera a promessa, quando estava partindo para a América, não tivesse passado de um sonho complicado. E lá estava ele de volta, com a promessa cumprida: havia se tornado mais forte, ao ponto de não permitir que nada se colocasse entre eles.
Lentamente, Mary ergueu a sua mão também, e sorria sem se dar conta. Tinha a sensação que, se segurasse bem firme na mão dele, poderia enfrentar qualquer coisa, porque todos os problemas se tornariam pequenos e superáveis.
Porém, vozes alteradas a sua volta a fizeram sair daquele estado de quase estupor. As pessoas da vila haviam subido em cima do píer, gritando todas ao mesmo tempo, enquanto cercavam Doumajyd. Exigiam não só dinheiro dele, mas uma série de coisas que haviam imaginado que a vinda de um nobre traria para a vila. Sem saber o que estava acontecendo, Doumajyd foi sendo arrastado para a parede do barracão, ficando preso lá contra dezenas de dedos ameaçadores estendidos a sua frente.
Em meio àquela confusão, Charles se apressou em subir em cima do píer, pedindo para que as pessoas parassem e que deixassem o amigo em paz. Mas ele simplesmente foi empurrado por algumas pessoas, sem receber atenção.
Mary presenciou toda a cena que aconteceu em seguida como se estivesse em câmera lenta. Charles, ao ser empurrado para trás, tropeçou para a beira do píer e tentou se equilibrar para não cair nas pedras logo abaixo. Mary abriu a boca para gritar ao ver o que aconteceria com o irmão quando uma explosão de ar fez uma passagem abrir entre a massa compacta de pessoas. Doumajyd saiu correndo por ela e agarrou Charles com toda a sua habilidade adquirida com anos de quadribol. Mas isso não foi o suficiente para evitar a queda, e ela viu os dois sumirem pela borda do píer.
- CHARLES! DOUMAJYD! – ela gritou e correu para a borda, ao mesmo tempo em que seus pais vinham pela areia.
O dragão havia amortecido a queda do garoto, e os dois rolaram para areia. Charles se levantava devagar, segurando o braço, o único local que parecia ter sido avariado. Mas Doumajyd continuou imóvel e logo uma mancha vermelha começou a tingir a areia embaixo da sua cabeça.
- Uma pedra! – Charles gritou ao verificar o que havia acontecido – Ele bateu a cabeça em uma pedra!
Mary pulou de cima do píer sem se importar com a dor nos joelhos causada pelo impacto com as pedras. Levantou-se e correu aos tropeços até Doumajyd, tremendo e mal conseguindo balbuciar no seu desespero:
- Do-doumajyd!



***


- A fase crítica já passou. – informou o médico para Mary, Hainault, Nissenson e MacGilleain, que há horas esperavam por alguma notícia de como estava Doumajyd.
Depois de ter freqüentado a enfermaria de Hogwarts algumas vezes e ter visto muitos outros alunos feridos passarem por lá, Mary sabia que o que não deveria fazer quando alguém batia a cabeça era movimentá-la. Por isso, a primeira coisa que fez ao chegar até o Doumajyd inconsciente foi verificar sua pulsação e respiração. Ela ficou um pouco aliviada ao constatar ambas, apesar estarem muito fracas. Então, quase que instintivamente orientou seus pais a enxotarem todo o povo da vila para longe e pediu para que o seu irmão corresse em busca de um telefone e chamasse uma ambulância. Mesmo sabendo que não poderia levar o dragão para o Saint Mungus, ele precisava ir para um hospital o mais depressa possível, mesmo que fosse um trouxa.
Depois de manter as pessoas afastadas, sua mãe voltou com uma informação de um dos moradores da vila. Na cidade próxima, que era maior e provavelmente mais civilizada do que aquela vila, havia um hospital particular. O problema era que ele era um daqueles grandes complexos construídos à beira mar, desenvolvidos para que pacientes que podiam esbanjar uma fortuna tivessem um lugar sossegado para se recuperarem ou fazerem seus tratamentos. Então, tomando uma decisão prática diante da urgência da situação, Mary pegou a sua esfera e chamou por Hainault. Contou o que havia acontecido e o que estava fazendo e pediu para que ele mobilizasse o restante do D4 e viessem para lá. Ela sabia que eles aparatariam onde quer que fosse para resgatar o amigo.
Com a interferência dos outros dragões, principalmente com a grande quantia que eles desembolsaram para os cuidados com o amigo, o hospital aceitou de bom grado o seu novo paciente, mesmo depois de afirmarem que não tinham vagas e de terem sugerido que procurassem outro lugar. E, depois de passado esse pequeno inconveniente com a parte administrativa, os médicos se mostraram competentes. Até onde Mary pôde acompanhar a maca que levava Doumajyd para a sala de emergência, eles não se importavam com se ele podia ou não pagar o seu tratamento, mas sim com o seu estado, que parecia ser muito grave.
Quando as portas da sala de operações se fecharam na sua frente, uma enfermeira lhe disse que não poderia passar dali e a conduziu para a sala de espera onde estavam o restante do D4. Foi então que Mary desabou em um banco e permaneceu calada, sem ao menos ousar se mexer, apenas apertando as mãos e esperando, olhando às vezes para o relógio na parede. Vendo o estado em que ela se encontrava, os dragões acharam melhor não a tentarem fazer falar, já que sabiam que não iria conseguir coisa alguma dela naquele momento.
Somente quando o médico responsável saiu e lhe deu aquela notícia foi que ela respirou aliviada. Porém, o mau pressentimento que lhe acompanhava desde que começara a esperar não foi embora.
- Mas não podemos nos descuidar. – o médico continuou falando – Ele ainda não acordou, e não sabemos quando isso irá acontecer e as conseqüências isso trará.
Essa informação dita com o tom de um profissional que sabia muito bem o que estava fazendo, só fez com que a apreensão de Mary aumentasse.

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