Encenação Planejada
Quando voltou para o depósito onde os pais estavam vivendo, Mary se deparou com um grupo de pessoas reunidas em torno da mesa, e viu seus pais encolhidos no lado oposto dela. Logo reconheceu aquele pessoal como sendo os vizinhos e aqueles para quem seus pais trabalhavam.
- O que aconteceu? – ela perguntou sem ser ouvida pelos demais.
O homem, que aparentava ser o líder deles, bateu forte na mesa e acusou:
- Mentirosos!
Com isso os seus pais e Charles se encolheram mais ainda. Ao que tudo parecia, as pessoas estavam cobrando algo deles, os intimidando. E, depois disso, as pessoas saíram, sem dizer mais nada, mas murmurando muito entre elas e olhando para Mary, desconfiadas.
- O que aconteceu? – Mary repetiu a pergunta para os pais, ao perceber que a mãe aparentava estar prestes a cair no choro.
Como não havia mais como continuar escondendo a verdade da filha, os pais começaram a contar qual era o atual drama da família: aluguel atrasado.
- Como assim não pagaram o aluguel?! – perguntou ela incrédula.
- Nós estamos pagando as contas que deixamos em Londres com juros. – explicou sua mãe.
- E o retorno das algas é muito pequeno. – acrescentou seu pai.
- Mas... como conseguiram ficar aqui até agora? E por que todo esse pessoal veio aqui cobrar o aluguel?
- É que... – sua mãe parecia meio relutante em explicar – Bom, da primeira vez que ele veio nos cobrar, seu pai teve a brilhante idéia de informar para eles que você se casaria com um nobre, e-
- Nobre?! – Mary quase caiu para trás.
- Mas não é basicamente isso? – perguntou seu pai – Não podemos dizer que ele é um bruxo, mas com certeza o Doumajyd tem a fortuna de um nobre poderoso!
- Por que fizeram isso?! – Mary quase chorou pedindo.
- Aqui, por ser uma vila muito pequena e atrasada, ter qualquer relação com a nobreza é algo extraordinário! – sua mãe tentou esclarecer o plano para a filha – Com isso, conseguimos com que eles nos deixassem morando sem pagar aluguel até que você se cassasse e pudéssemos quitar nossas dividas.
- Só que como você veio para cá sozinha e sem nada, eles acham que foram enganados. – finalizou Charles – Por isso querem o aluguel imediatamente.
- Inacreditável... – Mary suspirou desolada.
- Mas, – seu pai esboçou um sorriso esperançoso – Você vai se casar com o Doumajyd, não? Só temos que esperar mais um pouco...
Agora Mary queria definitivamente se afundar em um buraco.
***
Doumajyd não via nada a sua frente a não ser o casaco preto do homem que perseguia. Não se importava mais com os machucados recentes e pensamentos como a partida de Mary e seu desligamento com a família Doumajyd estavam em um plano de total esquecimento. Tudo na sua vida naquele momento parecia depender de alcançar ou não aquele que deveria estar morto, e não fugindo dele pelas ruas de Londres.
Depois de correrem por várias quadras e derrubarem várias pessoas no processo, o homem tentou entrar em uma passagem entre dois prédios velhos e deparou-se com um muro alto. Deu meia volta, mas antes que pudesse alcançar a saída foi cercado por um Doumajyd ofegante. Vendo que não tinha mais saída, ele encarou o dragão, com uma das mãos dentro do casaco, demonstrando que não hesitaria em duelar ali mesmo, entre os trouxas.
Doumajyd respirou fundo e perguntou, não tirando os olhos do rosto do bruxo e não parecendo preocupado com um possível ataque:
- É você mesmo, Ken?
Diante disso, a expressão ameaçadora que o homem tinha desmoronou, e então ele caiu de joelhos no chão:
- Perdão, Christopher! – pediu ele quase chorando.
- ... O que é isso? – perguntou o dragão ainda mais confuso, e repetiu a pergunta – É você mesmo, Ken?! Que droga é essa?! – ele avançou, não tendo mais dúvidas de que aquele era Ken Cleanwater, e forçou o bruxo a ficar de pé, o levantando pela gola do casaco – FALA!
- Fo-foi tudo uma en-encenação planejada. – disse ele, em um fiapo de voz, assustado e visivelmente tremendo.
Chocado demais pelo que ouvira, Doumajyd o soltou lentamente, e ele caiu de volta no chão. Se encolhendo, Ken explicou:
- Para poder controlar suas ações, foi o que a sua mãe disse.
- Como assim? – perguntou Doumajyd, redobrando a sua atenção ao ouvir a palavra ‘mãe’.
- É verdade que, devido ao que você disse naquela vez, sofremos uma crise e vários empregados foram demitidos. E é verdade também que eu fui um desses empregados, mesmo depois de anos trabalhando para os Doumajyd. Mas, pensando em todos esses anos, eu tomei coragem e fui falar com a sua mãe, para tentar pedir que ela reconsiderasse a minha demissão. Falei sobre como eu era amigo do seu pai e como também era seu amigo, que você convivia com a minha família em Nova York e... Diante disso ela me fez uma proposta.
- Proposta? – o dragão repetiu murmurando, com a expressão de choque começando a ser trocada pela de fúria com o que estava ouvindo.
- Eu deveria representar o papel de alguém que entrou em desespero.
- Mas, eu vi você pulando, Ken! – exclamou Doumajyd o chacoalhando, lembrando vividamente do mesmo rosto saudável que via agora a sua frente, antes desfigurado pela loucura, pulando do último andar do prédio.
- S-sim, eu pulei do prédio! Mas foi só isso! E-esse foi o final da minha tarefa!
Doumajyd lembrou de coisas que aconteceram naquele dia e que agora estavam ganhando um outro sentido. Depois que Ken pulara, ele foi impedido de ir até a borda por bruxos seguranças da sua mãe, e logo em seguida foi arrastado para dentro, sem poder ver o que havia acontecido com o seu amigo. Mesmo recebendo ordens da mãe de não sair de casa, o choque fora tão grande que ele ficou um tempo trancado em seu quarto por conta própria. Não queria saber de funeral ou qualquer coisa que o fizesse lembrar de Ken Cleanwater. Somente voltara a viver normalmente um tempo depois, logo antes de Mary ter ido para Nova York.
- Em troca dessa encenação. – Ken continuou contando – A senhora Doumajyd permitiu que eu voltasse para a Inglaterra e abrisse um pequeno negócio só meu, em um lugar afastado onde você não estivesse.
- Que ilustríssimo idiota eu sou... – Doumajyd começou a murmurar, processando tudo o que ouvira – Aquela merda de velha...
O dragão estava tão perturbado com a revelação que não sabia se chorava por ter sido enganado todo aquele tempo ou se ria por ter sido tão estúpido e não ter percebido antes que era tudo algo armado por sua mãe.
Então ele deu um grande suspirou, olhou para o alto e disse, admitindo com uma risada:
- Cai na armadilha daquela velha e fiquei sofrendo durante todo esse tempo!
- Eu... eu realmente sinto muito! – Ken implorava, ainda encolhido no chão.
Doumajyd olhou para ele, como se avaliasse o que deveria fazer de agora em diante, e então perguntou:
- O Richardson sabia sobre isso?
- Não. Era algo entre a sua mãe e eu. Ninguém mais deveria saber.
- E você teve coragem de fazer o Ilustríssimo Eu de palhaço até agora, Ken?
Com essa pergunta em um tom sinistro, o bruxo se engasgou ao invés de responder, tremendo de medo.
- Deve ter se divertido muito. – continuo Doumajyd no mesmo tom, se aproximando lentamente dele, enquanto o bruxo rastejava para trás.
***
- Não diga que... – MacGilleain não pôde terminar a pergunta, mas ela ficou subentendida entre o D4.
Como resposta, Doumajyd apenas deu um sorriso sinistro de satisfação, fazendo com que os outros três se entreolhassem assustados pensando no que ele poderia ter feito ao antigo amigo de família.
Depois de ter encontrado Ken Cleanwater, o dragão voltou para a casa de Hainault em Londres e convocou o D4 imediatamente.
- Quem diria que a sua mãe chegaria a esse ponto. – comentou Nissenson.
- Isso mostra o quanto ela está desesperada em manter o controle sobre o Chris. – complementou Hainault.
- Ela pode ser minha mãe, mas passou de todos os limites. – disse Doumajyd se levantando e chutando uma cadeira perto deles – Não vou perdoá-la!
- Calma! – pediu MacGilleain, percebendo que, no seu estado atual, Doumajyd era como uma bomba com pernas – Você já falou com a sua mãe?
- Não. – respondeu ele simplesmente.
- Chris, – perguntou Nissenson de forma cautelosa – não pretende fazer nada grave, não é?
- Não vou incomodar vocês com o que quer que eu faça. – disse ele – Não se preocupem.
Mas os outros três já estavam mais do que preocupados, e sabiam do que o amigo era capaz.
- E o que vai fazer a respeito da Mary? – Hainault, sabiamente, encontrou uma maneira de desviar a atenção do líder de pensamentos assassinos – Vai encontrá-la?
Isso pareceu ter funcionado. Doumajyd passou a enxergar o outro lado da questão, e encontrou algo bom naquilo tudo.
Quando fora para Nova York no ano passado, havia prometido a Mary que se tornaria um bruxo melhor, que voltaria para ela e que nada os impediriam de ficarem juntos. O suicídio do Ken fora o responsável por fazê-lo esquecer dessa promessa.
- Eu seria deserdado de qualquer forma. – avaliou ele, feliz por tomar consciência disso e não conseguindo evitar o sorriso – Isso! Dessa vez eu vou começar uma vida nova com o a Mary! O nome Doumajyd definitivamente não significa mais nada para mim!
E,determinado, Doumajyd foi em direção a porta, já mentalmente planejando tudo o que faria. Mas parou de repente, lembrando-se dos amigos e que ainda havia algo pendente entre eles. Então se voltou pedindo:
- Desculpem por ontem. Foi mal pela surra, Simon.
- A que você levou? – provocou o amigo brincando.
- Você estava certo e eu fiquei nervoso ao ouvir a verdade.
Nissenson o encarou por um tempo, ainda tentando se acostumar com essa nova versão do líder do D4 que pedia desculpas ao invés de afirmar de todas as formas que ele estava certo, e então se levantou, indo até ele.
- Bom, não tem mais jeito, não é? – disse ele lhe entregando o seu capacete – Cuide bem dela e a traga de volta sem nenhum arranhão!
- O quê? – perguntou Doumajyd olhando para o capacete em suas mãos.
- Vai precisar disso também. – disse Hainault, se juntando a eles e entregando para o amigo a sua moeda de crédito de Gringotes – Você não tem dinheiro, certo?
- Ryan, eu-
- E é melhor levar isso também! – MacGilleain retirou do casaco um maço de notas de dinheiro trouxa e entregou para Doumajyd.
- Adam... – murmurou o dragão, olhando para a ajuda dos amigos.
- Você sempre está preparado para fugir para qualquer lugar, não Adam? – caçoou Nissenson.
- É o ensinamento mais fundamental de uma família do lado das trevas. – comentou ele rindo.
- Nos chame pela esfera se precisar de qualquer coisa. – orientou Hainault – Iremos na mesma hora.
- ... Me desculpem, pessoal. – pediu Doumajyd, não sabendo mais o que dizer diante daquilo.
- Por que está se desculpando, Ilustríssimo Eu? – pediu Nissenson rindo.
- Sabe, – disse ele todo contente – isso é que é uma verdadeira ‘contraversão’ de amizade!
Os três se entreolharam, caindo na gargalhada, e Doumajyd os encarou sorrindo, sem entender.
- Não é assim que se usa essa palavra! – Nissenson tentou explicar – Aliás, não precisa usar palavra alguma agora!
- Mas de uma forma estranha, ele acertou. – comentou MacGilleain.
- Claro que acertei! – defendeu-se Doumajyd – Falei que vocês são meus amigos! – ele esticou o punho para frente, em um gesto em que eles conheciam bem do quadribol – Somos mais do que amigos, nós somos o D4!
E resposta, cada um deles bateu com o seu punho no do líder e gritaram juntos:
- D4!
- Vá logo. – disse Hainault, da sua maneira calam de sempre – Não deixe a Mary esperando.
- Oh! – confirmou Doumajyd, colocando o capacete na cabeça e saindo determinado.
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