Sem rumo



Mary encarou o imenso mar esverdeado que se estendia a sua frente e fazia divisa com um céu azulado no horizonte, em um dia que acabava de começar. A brisa salgada de litoral era uma sensação nova, assim como a temperatura mais elevada. Para quem estava acostumada a um Hogwarts esnobe, uma Hogsmeade movimentada ou com uma Londres inquieta, o silêncio e a tranqüilidade emitida pela pequena vila que se estendia a sua frente era algo reconfortante.
Ela retirou da mochila o pedaço de pergaminho com o endereço de seus pais e olhou em volta, procurando um ponto de referência. Então respirou fundo e saiu da estação, pronta para enfrentar uma vida sem magia, sem Hogwarts e, principalmente, sem Doumajyd.


***


A senhora Doumajyd entrou no seu escritório sendo seguida pelos seus principais assessores, tanto da Inglaterra quanto de Nova York. Todos eles traziam documentos e rapidamente ocuparam os lugares espalhados do local para poderem começar as suas tarefas imediatamente.
- Temos que encontrar logo uma maneira de reverter essa crise. – determinou a bruxa para eles – Se for preciso não durmam! Só quero que me apresentem resultados.
- Não seria melhor chamarmos o senhor Christopher agora, senhora Doumajyd? – se atreveu a sugerir um dos empregados, que havia sido escolhido como substituto emergencial de Richardson.
- Como? – perguntou ela estreitando os olhos para ele por detrás dos óculos de cristal.
- A senhora o deserdando ou não, ele ainda é o herdeiro Doumajyd diante da sociedade e ainda é famoso por ser o líder do D4. Tendo ele do nosso lado, é como se as nossas possibilidades aumentassem.
- Não preciso ir atrás dele. – sentenciou ela – Logo ele virá chorando atrás de mim.


***


Depois de pedir informação para várias pessoas, finalmente Mary encontrou seus pais, quase no final da praia. Eles e Charles estavam totalmente absortos em estender algo escuro em varais.
- O que estão fazendo? – perguntou ela chegando mais perto, e verificando que o ‘algo escuro’ eram algas.
- Ah! Mary! – sua mãe quase tropeçou com a surpresa – O que está fazendo aqui?!
- Eu vim ajudar vocês. – disse ela correndo para abraçá-los.


***


Já estava quase amanhecendo quando os outros dragões finalmente encontraram Doumajyd e puderam respirar aliviados. Tinham sido avisados por Vicky, que recebera a carta de Mary contando o que havia acontecido, e desde então tentavam se comunicar com o líder, mas parecia que ele tinha dado um jeito de se livrar da sua esfera.
- Vamos, Chris. – MacGilleain tentou animá-lo – Não adianta ficar desse jeito. Vamos nos divertir e esquecermos isso!
O dragão nem ao menos olhou para eles, mas ficou visivelmente irritado com a presença dos três e ainda mais por eles estarem tentando conversar. Então sem aviso, levantou bruscamente e saiu resmungando:
- Que saco, idiotas!
- Estamos preocupados com você! – tentou dizer MacGilleain, o seguindo e sendo seguido pelos outros.
- Por isso é que me irritam! – rosnou Doumajyd – Não me importo mais com a reputação da minha família! Não tenho mais nada a ver com eles!
- Então por que não vai atrás da Mary? – provocou Nissenson indo direto ao assunto, e fazendo com que Doumajyd parasse.
- Simon. – falou MacGilleain, com um tom que dizia para ele não causar confusão.
Mas a faísca já havia sido acessa, e Doumajyd virou para o dragão das poções, o encarando ameaçadoramente:
- O quê?
- Você sabe muito bem que ela não está dizendo a verdade. – continuou Nissenson, desafiando o olhar furioso do amigo – Está assim porque sente vergonha de não ter conseguido impedi-la!
- Como é que é? – Doumajyd avançou um passo.
- O que irrita é essa sua hesitação e esse seu mau humor!
Isso fora demais para Doumajyd ouvir. Ele avançou com toda a raiva acumulada do que estava sentido até agora e acertou o rosto de Nissenson com um soco. Este cambaleou para trás, mas logo se equilibrou.
- Chris! – MacGilleain tentou segurar o líder, que tentava avançar para continuar socando.
- VEIO AQUI PARA ME DAR SERMÃO?! – berrava ele tentando se livrar do amigo que o segurava, sem ouvir os apelos dele.
Nesse desenrolar, Hainault apenas se encostou no lugar mais próximo que pôde encontrar e observou a cena. Conhecia muito bem os amigos para saber que não iria adiantar se intrometer. Que Doumajyd só pararia depois de esgotar a sua fúria e energia batendo em alguém, que Nissenson revidaria no mesmo tanto e que MacGilleain acabaria se machucando na interferência.
- Você é um falso, Chris! – continuou Nissenson – Diz que não se importa com que os outros dizem, mas deixou ela ir embora por causa disso!
Doumajyd conseguiu se soltar, jogando MacGilleain para trás e novamente avançou para Nissenson. Porém dessa vez ele conseguiu se esquivar do soco e acertou Doumajyd também no rosto.
- DESGRAÇADO!
Depois disso tornou-se impossível dizer quem acertava quem, e somente o que MacGilleain dizia ao tentar separá-los era algo entendível.


***


- O seu pai não pode sair para o mar. – respondeu a mãe de Mary com um suspiro, quando ela perguntou por que eles estavam secando algas.
Eles tinham terminado o trabalho na praia e levaram a filha até onde moravam agora. Ela quase caiu para trás quando viu que se tratava de um velho barracão de madeira, todo remendado, e que era exatamente o que parecia: um depósito de pesca adaptado para que pessoas pudessem razoavelmente se abrigar nele.
- Nesse mundo, existe uma coisa chamada enjôo no mar. – explicou seu pai.
- Mas por que secar algas?! – perguntou Mary, pensando rapidamente em várias outras opções de trabalho que poderiam existir naquela vila.
- Agora só nos deixam secar algas. – Charles resumiu o que parecia ser uma longa história sobre as desventuras da sua família pobre e azarada no litoral.
- Mas algas fazem muito bem para a saúde! Principalmente para o cabelo! – seu pai tentou mostrar um lado positivo.
- Só estamos comendo algas! – disse sua mãe com um tom de orgulho.
Mary encarou cada um deles e então perguntou, sabendo que teria que ser da forma mais direta possível se quisesse uma resposta verdadeira:
- Então quer dizer que o nosso nível de vida aqui caiu?
- Se dissermos que caiu drasticamente... – seu pai suspirou – não seria exagero.
- Mas por que veio de repente, Mary? – sua mãe tentou mudar de assunto.
- Por-porque... Porque eu quero ficar com vocês! Estava com saudades de todos vocês! Até do Charles!
E assim ela conseguiu com que sua família aceitasse a resposta sem mais questionamentos, e logo começassem a falar sobre como estavam feliz por ela estar com eles e a contar sobre como funcionavam as coisas ali.


***


Mary passou o resto do dia andando pela vila para conhecer o lugar onde iria morar de agora em diante. Era uma vila pequena, e somente trouxas viviam por lá. Assim como o lugar parecia ter sido praticamente esquecido pela tecnologia, também não tinha vestígio algum de magia. Isso tinha as suas vantagens, já que assim não teria notícia alguma do mundo mágico e nada que a fizesse lembrar dos Doumajyd.
Porém, somente pensar assim já era o suficiente para fazê-la lembrar de Christopher Doumajyd, e antes que percebesse tinha começado a chorar, exatamente o que acontecera durante toda a noite anterior, quando estava no trem a caminho do litoral.


***


Depois da briga feia que tivera com Nissenson, Doumajyd decidiu se afastar o máximo possível dos amigos, e foi para Londres, onde voltou a andar sem rumo pelas ruas. Estar em uma cidade grande, repleta de trouxas, era como estar em Nova York novamente, onde ninguém se importava com ninguém e ele podia facilmente passar sem ser notado.
Apesar de estar esfolado e com um hematoma dolorido no rosto, ele não se importava com nada disso, desde que estivesse ocupando o seu pensamento em se esquivar das pessoas que vinham andando na direção oposta. Porém, o sermão de Nissenson ainda insistia em ecoar pela sua cabeça. Por que simplesmente não correu atrás da Mary e ordenou que ela não fosse? Quantas vezes já tinha determinado o que ela faria sem ao menos pensar que ela poderia ter uma opinião diferente e a obrigou a obedecer-lo? Por que agora havia sido diferente?
Pensando nisso tudo, ele automaticamente parou em um sinaleiro, esperando que ele abrisse para que os pedestres pudessem passar. Isso fora uma das primeiras coisas que ele teve que aprender para poder viver em Nova York: como atravessar um cruzamento.
Durante o dia anterior, em que havia decidido viver como um sangue-ruim, tinha atravessado tantos cruzamentos, sempre no fundo pensando que aquilo era a maior perda de tempo. Mas prestava bastante atenção em como deveria agir, seguindo o exemplo das outras pessoas. Porém, hoje ele percebia que o desinteresse dessas pessoas umas com as outras, e a aparente falta de tempo, parecia ser a única semelhança com Nova York.
De repente, algo fez com que Doumajyd congelasse e esquecesse todo o mundo a sua volta e o que acontecia nele. Do outro lado da rua, também esperando que o sinal abrisse, estava um rosto muito conhecido seu, mas que ele achava que nunca mais veria.
Como se estivesse sobre um encantamento que prendesse seus movimentos, a sensação do dragão em respirar diante daquilo parecia levar anos. E foi assim, como se estivesse em câmera lenta, que ele encheu os pulmões e berrou:
- KEN!!!
Do mesmo modo que assustara as pessoas a sua volta, ele conseguira chamar a atenção de quem olhava. Ao ouvir o seu nome, o homem do outro lado da rua também ficou paralisado por alguns segundos, em que parecia avaliar se aquilo não passava de uma ilusão. Mas, assim que o sinal abriu para que os pedestres pudessem atravessas, o homem voltou a si e deu um passo para trás, saindo correndo em disparada logo em seguida.
Sem perder tempo, Doumajyd correu atrás dele, empurrando qualquer pessoa que se atrevesse a ficar no seu caminho.

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