Vamos terminar
“Está dizendo que não se importa? Pretende causar a mesma tragédia que já aconteceu? Pense em quantas famílias serão arruinadas por causa dessa sua decisão egoísta! Por ter nascido um Doumajyd, seus deveres e obrigações devem vir antes que seus desejos egoístas!... Já se esqueceu o que aconteceu com o Ken Cleanwater?!”
Com um sobressalto, Doumajyd acordou, suando e com a voz cruel da mãe ainda ressoando na sua mente.
***
- Não consegue dormir? – pediu Vicky sonolenta para uma Mary, que havia desistido de ficar rolando de um lado para o outro sem conseguir fechar os olhos, e sentara na escrivaninha, para se distrair olhando pela janela.
Durante esse tempo que ficara afastada de Hogwarts, seu quarto já havia sido imediatamente entregue para outra aluna, Mary passou a ter certeza de que sua saída fora um grande alívio para a maioria dos professores. Por isso, ela não reclamou quando lhe disseram que teria que dormir nas estufas se pretendia voltar, mesmo depois de prometer que não retornaria até a formatura. Mas Vicky não admitiu isso, e logo tratou de arrumar um lugar para a amiga em seu próprio quarto.
- Desculpe, Vicky! – pediu Mary, se sobressaltando ao ver que ela tinha acordado.
- Tudo bem. – murmurou a garota esfregando os olhos – É bom você dormir logo, já está tarde. – e voltou a cair na cama, adormecendo logo em seguida.
Mary deu um meio sorriso, querendo também poder ter um sono sem problemas como a amiga e, dando um grande suspiro, ela levantou para voltar para a sua cama improvisada. Mas, acabou batendo no pé da escrivaninha, o que fez vários livros da Vicky caírem no chão.
Tentando ao máximo não fazer mais barulho, Mary começou a recolher tudo e devolver ao seu lugar. Porém, do meio de um livro, caiu um pedaço de pergaminho onde Mary reconheceu a letra do pai de Vicky.
***
O dia seguinte amanhecera com uma atmosfera pesada e silenciosa. Mary não sabia explicar se isso era uma sensação devido à noite sem dormir e à decisão difícil que tomara, ou se fora simples coincidência.
Depois de ter lido a carta do pai de Vicky, onde ele falava sobre os problemas que estava enfrentando e pedia para a filha ajudar a amiga de todas as formas possíveis, Mary pensou muito. Ter sua própria família e as pessoas próximas prejudicadas era algo com que ela podia tentar lidar. Mas a crise Doumajyd atingia tantas famílias e de tantas maneiras que era impensável uma maneira de se tentar resolver.
Durante toda a manhã, enquanto estava nas estufas, verificava a sua esfera, pedindo com todas as forças para que Doumajyd não tentasse falar com ela e que muito menos viesse a encontrá-la. Se chegasse a ver o dragão, perderia toda a convicção em fazer o que havia planejado. Então, à tarde, quando terminara suas tarefas, ela pediu permissão para a professora Karoline e saiu de Hogwarts com um rumo certo.
Aparatou no povoado perto da mansão Doumajyd e rumou para lá. Foi recebida por Nana, que ficou muito feliz de vê-la, ao seu modo rabugento. Mas Mary não se deixou abalar e pediu com uma voz firme que queria falar com a senhora Doumajyd.
Mesmo estranhando o modo de a garota agir – firme, mas de alguma forma triste – a elfa a conduziu até o escritório da bruxa e a anunciou.
- Com licença. – pediu Mary entrando educadamente.
- Qual é o assunto? – perguntou a senhora Doumajyd friamente, não se dignando a virar para a sangue-ruim, permanecendo de pé na frente da grande janela do seu escritório, olhando para o seu jardim.
Mary respirou fundo e reuniu toda as suas forças para conseguir dizer:
- Se eu me afastar, tudo poderá ser resolvido?
A bruxa deu uma risada desdenhosa e não respondeu, continuando a olhar pela janela. Mas Mary não desistiu e continuou falando:
- Se sim, eu prometo que, a partir de agora, nunca mais me relacionarei com os Doumajyd. Por isso, por favor, não deserde o Christopher e... de alguma forma, não deixe que as pessoas fiquem prejudicadas!
- ...Estou fazendo o meu melhor para isso. – respondeu ela simplesmente, como se fosse algo muito óbvio – Não precisa me falar isso.
- Eu peço, por favor. Farei tudo o que pedir!
- Finalmente entendeu... – comentou a bruxa – Então vá embora imediatamente. Está me atrapalhando! E nunca mais apareça na minha frente, sangue-ruim!
Mary abaixou a cabeça, sentindo todo o peso do que teria que fazer agora, deu dois passos para trás, e então abriu a porta e saiu correndo, sem perceber que deixara para trás uma Nana chocada.
***
Ainda naquela manhã, Doumajyd entrou sem cerimônias na sala onde Hainault tocava o seu violino e anunciou animado:
- Eu decidi!
Hainault pacientemente parou o que estava fazendo e esperou que o amigo dissesse o que havia decidido.
- Não vou mais ficar confuso! – continuou o líder do D4 contente, como se houvesse descoberto algo milagroso, que resolveria todos os seus problemas.
- É? – perguntou Hainault, se contagiando pela alegria do outro, apesar de não demonstrar isso tão abertamente e com gestos como ele fazia.
- Vou fazer como você disse e recomeçar uma vida nova com a Mary! – disse ele todo empolgado, dando voltas pela sala sem ter um lugar certo para ir – Não tenho dinheiro e não sou mais um Doumajyd! Não me importo se nós tivermos que comer apenas batatas todos os dias! Vou deixar todos com enceja de mim!
Hainault pensou um pouco e então perguntou:
- Você quis dizer ‘inveja’, não é?
- Tanta faz! Vou mostrar para todos como esse Ilustríssimo Eu é incrível por mim mesmo!
- Que tal começando a viver mais calmamente? – sugeriu Hainault rindo.
- Você é quem vive calmo demais, Ryan.
- É mesmo. – ele concordou e os dois riram – Então acho que o primeiro passo seria você treinar como é viver entre os trouxas. Por que não tenta e depois vai contar a novidade para a Mary?
- É isso que eu vou fazer! – concordou Doumajyd pensando que aquela era uma ótima idéia.
Ele colocou o casaco, que até o momento estava esquecido na sua mão sendo arrastando de um lado para o outro, e rumou para a porta. Mas pensou em algo no meio do caminho e se voltou para o amigo dizendo:
- Eu dou trabalho para você, Ryan.
Em resposta, Hainault sorriu e disse:
- Disponha.
- Até! – Doumajyd acenou contente e saiu.
***
Mary fechou a caixa onde recolhera tudo o que era seu e que ainda permanecia no seu antigo quarto-depósito na mansão Doumajyd e olhou em volta suspirando. Então executou um feitiço de redução, para poder guardar a caixa no seu bolso.
Pela pequena janela do quarto, ele pôde ver o tempo escurecendo lá fora. Mesmo já estando tarde, aquela escuridão era devido a um tempo carregado que estava se formando desde aquela manhã, e uma tempestade poderia começar a qualquer momento.
Uma trovoada fez com que Mary saísse de seu devaneio e se apressasse em terminar e deixasse o quarto. Então ela saiu da mansão pelos fundos, escondida, sem ter coragem de se encontrar com Nana para se despedir, e rumou para a saída dos portões.
Mas mesmo assim, a elfa seguira todos os seus passos em silêncio e, depois de vê-la sair da propriedade, lamentava-se consigo mesma:
- Aquela sangue-ruim idiota...
***
A professora Karoline e Vicky, que estavam distraídas no trabalho de colocar os doces em potes, quase tiveram as almas arrancadas dos corpos quando a porta da estufa se abriu de repente e Doumajyd surgiu dela gritando:
- MARY! – ele olhou em volta – ...Onde ela está?
As outras duas se entreolharam surpresas. Não só era a primeira vez que o líder do D4 aparecia lá como também ele parecia estar extremamente feliz.
- Ela saiu. – informou Vicky por fim.
- Ela disse que precisa resolver uma coisa. – acrescentou a professora.
- Ah, é... – disse ele pensativo e então saiu sem agradecer ou se despedir.
- ...O que será que deu nele? – perguntou Vicky.
- Vamos saber quando Mary chegar. – respondeu a professora, já se animando pela possível fofoca que iria ouvir – Ah, começou a chuva...
***
Mary aparatou em uma Hogsmeade onde o pior do temporal já havia passado, mas onde a chuva ainda parecia ter força para cair até a noite. E enquanto seguia para Hogwarts, sem se importar se o seu encantamento para manter as roupas secas estava funcionando ou não devido a sua falta de concentração nele, repassava o que tinha planejado fazer.
Avisaria apenas a professora Karoline, pegaria as suas coisas e sairia. Iria pela rede de Pó de Flu até Londres e de lá pegaria o primeiro trem na estação para o litoral. Não tinha coragem de falar com Vicky, por isso mandaria uma coruja para ela explicando tudo assim que fosse possível. E quanto ao Doumajyd... seria melhor não vê-lo.
- Mary!
Ela congelou o olhou para frente. Lá estava o dragão, escorado no muro de entrada de Hogwarts, todo molhado pela chuva e tremendo de frio por causa disso. Mary não pôde evitar ter o vislumbre de uma cena parecida, que parecia ter acontecido há décadas atrás, quando ele a esperara por quatro horas enfrentando a neve.
- Doumajyd... – ela sussurrou, querendo que aquilo fosse apenas uma ilusão.
Ao vê-la, o dragão veio correndo até ela, sorrindo e parecendo muito feliz por encontrá-la:
- Onde estava, idiota? Eu estou te procurando há um tempão! – então ele percebeu que estava sendo grosso e tentou mudar – Quer dizer, eu... Eu vim para cá sem aparatar! Também não estou usando a minha varinha para nada! Olha! – ele apontou para o cabelo, que tinham perdido todos os cachos bagunçados e estavam ensopados e escorridos – Sabia que com a chuva o cabelo fica liso? Mas assim fica legal também, não?... Realmente os trouxas ficam em apuros na chuva sem poderem usar magia. – e então ele completou com um tom orgulhoso – Viu, eu também consigo viver como um trouxa!
Mary sentiu uma pressão aguda no peito, e decidiu que deveria dizer agora, ou não seria mais capaz de fazer isso:
- Doumajyd, vamos terminar.
Ele a encarou sem entender, com o seu sorriso desaparecendo.
- Eu não posso ficar com você. – ela acrescentou, tentando ser mais clara.
- ...Pare de brincar. – sussurrou ele, perdendo toda cor, instintivamente percebendo que ela falava sério.
O cabelo de Mary começou a escorrer também, e ela sentiu suas roupas começarem a ficar molhadas, sinal de que ela não conseguia mais manter o encantamento, e então tentou dizer com uma voz normal:
- Não estou brincando.
- Eu já decidi! – disse ele no seu tom habitual de líder do D4 – Vou ficar com você e viver como vive um sangue-ruim sem dinheiro! Não importa o que aconteça, vamos ficar juntos! – e então ele pegou a mão dela e a puxou – Vamos!
Mas Mary se manteve no mesmo lugar e isso, misturado com a água da chuva, fez com que suas mãos escorregassem.
- Muita coisa depende de você, Doumajyd. – ela tentou dizer com um sorriso animador – É injusto você abandonar tudo para ficar apenas comigo... Por favor, se esforce e faça as pessoas felizes.
O dragão a encarou, não querendo acreditar no que ouvia:
- Está zombado de mim?
- Não estou.
- Então porque está dizendo absurdos agora?! Quando saímos juntos aquele dia foi tudo mentira? Você disse que me mostraria como podemos nos divertir sem dinheiro e foi só aquilo?! Nós não jogamos quadribol no parque ainda! E a promessa de me convidar para comer o assado da sua mãe?! FOI TUDO MENTIRA?! POR QUE ESTÁ DIZENDO ISSO, IDIOTA?!
Mary se encolheu, contendo a sua vontade de dizer tudo para ele, mas não podia fazer isso, e mediu as suas palavras ao falar:
- Eu-eu fiz um promessa... com a sua mãe.
- O quê?
- Nunca mais me relacionarei com a família Doumajyd.
O dragão pensou no que ela dissera e então exclamou:
- Aquela velha de merda te ameaçou! – e então faz menção de sair com a intenção bem clara de acabar com a sua mãe – Eu vou-
- NÃO! – Mary o segurou, o abraçando – Ela não me ameaçou! Eu decidi! Eu fui lá por conta!
- ...O quê?
- Eu fiz a promessa para ela!
- ...Por que fez isso, Mary?
Ela engoliu em seco, tentando ao máximo não cair no choro diante da expressão de desapontado dele, e explicou:
- Você é o mundialmente conhecido herdeiro Doumajyd, aquele que ditará os rumos da sociedade mágica junto com o D4. Se você ficar comigo, não será apenas você que sofrerá com as conseqüências... É idiotice querer ser feliz destruindo a felicidade das outras pessoas, não é? Você sabe disso.
- Mary, eu-
Ela o soltou e lhe deu um empurrão para frente, dizendo:
- Se você se esforçar, e ser um incrível administrador, muitas pessoas poderão ser felizes!
Então ela se virou, para entrar na escola, mas Doumajyd lhe fez uma pergunta que a forçou a parar:
- Alguma vez você me viu como eu mesmo, Mary?!
Ela não conseguiu responder, e não se virou para ele:
- Sem relação alguma com a minha família, com a minha mãe e com essa sociedade mágica? – ele continuou – Alguma vez sequer você me viu apenas como o Christopher?
Mary respirou fundo. Diante daquilo, só havia uma maneira de fazer com que ele a deixasse partir:
- Talvez, mas... Se eu gostasse mesmo de você, se eu fosse capaz de te ver apenas como o Christopher... eu não seria capaz de ir embora assim, não? – então ele se virou para ele e disse com um sorriso – Adeus, Doumajyd. – e correu para os terrenos da escola.
Não se importando com a chuva fria escorrendo pelo seu rosto, porque assim poderia chorar a vontade.
***
Depois de ter andando um bom tempo sem um rumo certo, Doumajyd acabou indo para a praça do relógio em Hogsmeade, e se deixou desabar aos pés da estátua em que uma vez ficara esperando por quatro horas embaixo de neve. Mesmo ainda todo molhado pela chuva e praticamente insensível ao frio da cidade, ele ficou naquele mesmo lugar por horas.
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