Deserdado
- Isso é muito bom! – exclamava Mary já na sua terceira taça de sorvete.
Doumajyd a arrastara até um dos restaurantes mais chiques da cidade para os dois almoçarem juntos, e agora ele olhava admirado ela devorando a sobremesa.
- Você realmente parece achar gostoso tudo o que come. – comentou ele – Disse a mesma coisa para tudo o que comeu hoje!
- Mas estava tudo realmente muito bom. – ela se defendeu – Principalmente esse sorvete! Não acha?
- De todas as pessoas que eu já conheci até hoje, nenhuma come fazendo essa festa como você.
- Mas é claro! – disse ela como se fosse bem óbvio o motivo disso – Comendo naquela mesa enorme não dá nem para saber as expressões dos outros!... A melhor coisa é uma mesa pequena, onde todos possam se sentar perto, e onde comida fique bem na nossa frente, com aquele cheirinho gostoso e-
- Em resumo, – ele a cortou com o seu típico tom arrogante – minha maneira de comer é diferente da sua.
- Desculpe por não ter aprendido a fazer as refeições em travessas de ouro! – pediu ela no mesmo tom.
- Mas essa maneira diferente não é uma coisa ruim, porque estou com você. – acrescentou ele.
- Então, assim que tivermos oportunidade, vamos comer o assado que a minha mãe-
- Eu recuso!
- O quê? – perguntou ela chocada com a resposta seca dele.
- Brincadeira. A sua mãe cozinha muito bem! – disse ele rindo e então ordenou – Me convide logo.
- Oh. – ela respondeu imitando o jeito dele – Eu vou convidar.
- É uma promessa. – ele afirmou.
- É uma promessa. – ela concordou.
- Com licença. – pediu um garçom do restaurante chegando até a mesa deles e devolvendo para Doumajyd o que poderia ser confundido com um galeão, se não fosse pelo fato de ele ser duas vezes maior que o normal – Mas o senhor não está mais autorizado a usar essa forma de pagamento.
- Como? – perguntou o dragão não compreendendo a situação, pegando a moeda para analisá-la.
Em Gringotes havia um sistema de crédito muito parecido com os cheques e cartões que os trouxas usavam. Como não era cômodo, e muito menos sensato, pessoas ricas como o D4 andarem pelas ruas carregando o seu ouro, os duendes usavam galeões encantados, carregados com uma determinada quantia, que podiam ser usados normalmente como moeda de troca, bastando descontar o que foi gasto na quantia registrada no metal.
- Como assim não tem nada?! – perguntou ele furioso se levantando e parecendo prestes a bater no pobre garçom – Vocês fizeram alguma coisa?!
- Senhor cliente, nós-
Mas, Doumajyd não o ouviu e o levantou pelas vestes, perguntando:
- Você sabe com quem está falando?!
Mary se levantou em um pulo e separou os dois, segurando Doumajyd e pedindo:
- Calma, calma! Eu pago em dinheiro, Doumajyd, e vamos ver o que aconteceu.
***
- O que acha que a mãe do Chris vai aprontar? – perguntou MacGilleain no intervalo das aulas, quando os dragões se reuniram na Academia.
- Acho que dessa vez ela virá sem limites. – suspirou Nissenson.
- Estou com medo que seja algo tão grande que nós não vamos poder ajudar. – disse MacGilleain preocupado.
Hainault limitava-se a ouvir, sem participar da conversa.
- Estou mais preocupado em se o Chris tem ou não consciência do que pode acontecer... – comentou Nissenson.
***
- Eu vou acabar com aquele restaurante! – Doumajyd ainda brigava pelo caminho.
- Gente rica realmente anda sem dinheiro. – comentou Mary.
- Isso não pode acontecer! O que aqueles duendes idiotas estão pensando?! – reclamou ele, parando e pegando a sua esfera para entra em contato com alguém.
Logo a miniatura de um duende muito idoso apareceu, fazendo uma pequena reverência:
- Como vai, senhor Dragão Christopher Doumajyd.
- O que fizeram com o meu dinheiro?! – berrou o dragão sem dar maiores explicações do ocorrido.
O duende o encarou por um tempo, como alguém que sabia da situação, mas não esperava que o principal envolvido não soubesse. Então deu um grande suspiro e explicou:
- A senhora Doumajyd veio ao Gringotes hoje e retirou seu nome da conta da família. Sem usar nossos termos técnicos, senhor Christopher, o senhor foi deserdado.
Mary viu que aquela palavra atingira Doumajyd com a mesma intensidade com que ela recebera, no passado, a notícia de que havia sido expulsa de Hogwarts. Ao contrário do que ela consideraria normal, o dragão não jogou a esfera longe ou muito menos acusou o duende de ser o culpado de tudo. Ele simplesmente não sabia como reagir aquilo, e não conseguia pronunciar palavra alguma.
Vendo que já havia esclarecido a dúvida de seu antigo cliente, e que qualquer coisa que dissesse não seria mais ouvida, o duende desapareceu da esfera.
- Deserdado?... – murmurou Doumajyd, ainda tentando encaixar aquela palavra em seus pensamentos.
- Deserdado? – Mary repetiu a pergunta, também chocada, mas percebeu que deveria fazer alguma coisa logo, ou o dragão poderia perder a noção do que estava acontecendo a sua volta – Quer dizer que o grande líder do D4 também pode ser deserdado?
Doumajyd a encarou, totalmente sem saber o que fazer, e então praticamente caiu escorado na parede do prédio ao lado dele, com ar de derrotado.
- Bom, não adianta se deixar abater. – disse Mary, se escorando ao lado dele e usando um tom animador – É isso que a sua mãe quer... Não é difícil viver sem dinheiro! O mundo não vai acabar por causa disso... – ela riu, pensando no lado cômico de tudo – Agora quem está em uma melhor situação sou eu, não? Pode começar a me chamar de Ilustríssima Eu, Chris-to-pher. – ela frisou bem o nome, sem as formalidades com que estava habituada a usar depois de tanto tempo em Hogwarts.
- ...Você tem um temperamento ruim. – acusou Doumajyd.
- Não aceito que logo você fale do meu temperamento!
- Mas... o que vamos fazer agora? – ele perguntou em um tom de quem estava completamente sem rumo.
- Ora, tem um monte de coisas legais que podemos fazer sem dinheiro.
Ele a encarou como ela tivesse falado a coisa mais absurda do mundo:
- É claro que não tem!
Diante disso, Mary se ergueu e assumiu uma pose determinada:
- Pois vou mostrar! – ela estendeu a mão para ele e ordenou – Vamos!
***
- Olha que bonitinho! – Mary ergueu da gaiola um filhote de trupe e mostrou para Doumajyd.
Foi a vez de ela o arrastar para onde ela queria ir em Hogsmeade, e escolheu um dos seus lugares favoritos: a loja de animais mágicos.
O dragão, que olhava um tanto nervosos em volta, deu um pulo para trás quando viu o filhote praticamente embaixo do seu nariz e acabou derrubando várias caixas com brinquedos para animais.
- Você tem medo dele? – ela perguntou, olhando para o bicho para conferir se havia algo assustador nele para provocar aquela reação no dragão.
- Não tenho! – rosnou Doumajyd, não tirando os olhos do cachorro de duas caudas.
- Tem sim! – Mary deu um grande sorriso e avançou com o trupe, fazendo com que Doumajyd andasse de costas pelo corredor de prateleiras, tendo que cuidar para não derrubar mais nada ao mesmo tempo em que tentava ficar afastado.
- Você não sabe que esses animais podem passar doenças contagiminosas?! – alertou o dragão, tentando se justificar, quando Mary o prendeu em um canto da parede.
- Contagi-o-quê? – Mary riu mais ainda, colocando o filhotinho, que grunhia baixinho, bem perto dele – Ele é bem cuidado, não tem doença alguma. Pode pegar, vamos. – ela colocou o trupe no peito dele e o forçou a segurar o bicho.
Enquanto o filhote farejava o ar, tentando entender para onde estava sendo levado, Doumajyd esticava o seu pescoço ao máximo, pedindo:
- Mary, tira ele.
- Você nem se mexe! – ela ria em resposta.
O filhote começou a se mover para tentar subir no ombro do dragão.
- Depressa, faça alguma coisa! – pediu ele desesperado.
- Como você não tinha medo daquela vez que fomos ao zoológico? – perguntou ela, lembrando de repente.
- Qua-quando eles estão em jaulas é seguro. – explicou ele.
- Olha, ele está com mais medo do que você! – exclamou Mary, o ajudando a segurar o filhote mais firmemente para ele não ficar tão apavorado, e se divertindo como nunca em judiar do dragão.
- Pá-pára! – pedia Doumajyd quase implorando – Mary! Tira ele!
***
Depois de ficar o dia inteiro passeando pelas lojas interessantes – do ponto de vista de alguém que nascera trouxa – e se limitando apenas a apontar, comentar e não comprar nada, Doumajyd e Mary ainda pensavam no que fazer antes que escurecesse.
- Que tal irmos ao parque?
- Ao parque? – perguntou ele, não conseguindo imaginar o que havia de bom em um lugar onde só tinha grama, árvores e arbustos e que era dez vezes menor que o jardim da propriedade da sua família.
- Sim! – exclamou Mary contente – Podemos jogar quadribol!
- O quê?! Mas não temos vassouras e nem nada!
- Sempre tem alguém jogando no parque. – explicou Mary – Podemos pedir para jogar também.
- Pedir para jogar? – repetiu Doumajyd rindo, tentando entender essa lógica de pobre de Mary.
- Claro, nós-
Mary não continuou. Tanto ela quanto o dragão pararam de repente, olhando para um lugar logo à frente na rua, onde estava Richardson. Assim que foi notado, o secretário fez uma tentativa desastrosa de um sorriso, o que demonstrava que algo preocupante acontecera.
***
- O quê?! – perguntou Doumajyd chocado – É mentira!
- Não é mentira, senhor Christopher, eu fui demitido. – disse Richardson com um tom cansado.
Depois de deixarem Mary nos portões de Hogwarts, Richardson e Doumajyd voltavam para a cidade conversando sobre o que acontecera naquele dia.
- Eu achei que deveria falar ao senhor e tranqüilizá-lo. Eu não tomarei nenhuma atitude inconseqüente como fez o Ken... – o bruxo olhou em volta, reunindo coragem para dizer o que viera dizer ao dragão – A senhora Doumajyd está concentrando todas as suas forças em manter a família no topo, mas não concordo com os meios que ela usa para isso. Desde que me formei na Academia, sendo de uma família humilde, sempre pensei que estando com os poderosos eu poderia, de alguma forma, ajudar pessoas menos privilegiadas... Mas, hoje, vejo que as coisas não são assim tão fáceis. Quanto mais se escala, mais difícil se torna olhar para baixo... Mesmo assim, fui leal ao seu pai, e continuei apoiando a sua mãe quando ela assumiu o controle dos negócios da família. Mas não posso mais continuar...
Doumajyd ouviu atentamente cada palavra e pensou em o quê a demissão implicava. Mesmo inconscientemente, para ele, o secretário sempre representava uma figura associada à manutenção do nome Doumajyd, aquele que sempre estava trabalhando para que tudo funcionasse. Imaginar que Richardson não estaria mais como uma sombra atrás de sua mãe, sempre atendendo as ordens dela e a vigiando, era algo difícil de aceitar. Sendo ele um aliado ou um inimigo, o secretário era quase como alguém da família.
- Richardson... o que devo fazer? – perguntou ele por fim.
O secretário parou e pensou bem no que iria dizer:
- Tenha confiança, senhor Christopher. Hoje, os bruxos se esquecem que o poder de uma família não é adquirido apenas com dinheiro e fama. Os valores de uma pessoa não se medem apenas com isso. Se o senhor conseguir passar por essa provação e conseguir compreender esses valores, aí sim se tornará, aos meus olhos, aquele que poderá ditar os rumos da sociedade mágica... Esforce-se, senhor Christopher! Se for o senhor como é agora, estará tudo bem.
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