Excelente herdeiro



- Finalmente! Meus sinceros parabéns, Christopher. – disse a miniatura da senhora Doumajyd pelo cristal da esfera do filho – Com o que fará hoje à noite, você finalmente está provando, não só para a sua mãe, mas para todos, que é um excelente herdeiro e que levará adiante a grandeza do nosso nome. Os Vanderbilts também estão felizes e aguardam ansiosos pelo jantar... Espero que você ao menos tente se mostrar entusiasmado com o noivado na frente de seus futuros sogros, Christopher! Faça o favor de se livrar dessa expressão de mau humor! E não se atrase! Estarei esperando no hall do hotel as oito em ponto!
Em resposta, Doumajyd apenas concordou com um aceno de cabeça antes que a figura da mãe voltasse a ser um redemoinho de fumaça azulada na sua esfera, e voltou a atenção para a paisagem da janela do seu quarto.


***


Mary acordou assustada com a sua mãe a balançado pelos ombros e dizendo:
- Por que está dormindo em cima dos livros de novo, Mary? Você não tinha nos prometido que iria dormir quando chegasse do trabalho e que estudaria de manhã?
A garota se levantou e olhou atordoada em volta. Novamente tinha dormido sem perceber enquanto estudava, e tentou fazer sua cabeça cheia de sono voltar a funcionar para poder inventar uma desculpa:
- Não, mãe... eu... eu só estava sem sono, então achei que seria melhor aproveitar o tempo ao invés de-
- Sem desculpas, Mary. Dormir é importante! E comer também! Você se esqueceu novamente de comer o que eu deixei no forno ontem! Aqui, quero que coma tudo. – ela apontou para uma bandeja repleta de biscoitos e com um copo de leite em cima da escrivaninha, sobre uma pilha de livros – E é só esquentar o almoço antes de sair! Você precisa se alimentar direito, Mary!
- Mas eu como no mercado, mãe. Não precisa se preocupar.
- Aquilo que eles dão para vocês comer não é comida!... Estou atrasada, preciso ir. Prometa que vai comer antes de sair.
- Ok, mãe. Eu vou comer, prometo.
- E durma um pouco mais também, filha. Não force tanto o seu corpo.
Mary deu um grande bocejo e confirmou com a cabeça.
- Até, logo.
- Tchau, mãe.
Mary esperou ouvir a porta da sala fechando para colocar a badeja com os biscoitos e o leite ao lado, e assim poder pegar novamente os livros. Havia perdido para o sono no meio do assunto que estava revendo, e agora teria que recomeçar para poder seguir adiante. Respirando fundo e esfregando os olhos para que eles ficassem bem abertos, ela retomou as suas anotações.


***


- Fez mesmo isso, Chris? – perguntou Hainault um tanto surpreso com a novidade que o amigo acabara de contar.
- Não teve outro jeito. – respondeu o líder do D4.
Os Dragões haviam se reunido na mansão Doumajyd depois de receberem o comunicado de seu líder de que havia algo importante para falar com eles.
- Mas e a Mary? – insistiu Hainault.
- O que tem ela? Não existe mais nada entre nós.
- ...Você não está sendo sincero, Chris. – acusou Hainault.
- Cla-claro que estou! – revidou o dragão.
- Está na cara que está fazendo isso contrariado.
- Não sou mais um pirralho! Tomo minhas próprias decisões!
- Lá vem ele de novo... – suspirou Nissenson.
- Ultimamente você usa isso como resposta para tudo. – disse MacGilleain.
- Entendemos a pressão da sua mãe em fazer com que você mereça ser o herdeiro Doumajyd, mas não acha que você próprio também está se forçando a ser diferente? – perguntou Nissenson.
- Eu só preciso ser mais consciente com as minhas decisões e me tornar mais adulto! – falou Doumajyd, não escondendo o tom de quem estava apenas recitando o que havia decorado de tanto a ouvir.
- Então quer dizer que essa é realmente a decisão do adulto Christopher Doumajyd? – perguntou Hainault, também não escondendo um tom provocador.
- Essa é a decisão do Ilustríssimo Eu, Christopher Doumajyd, herdeiro do maior nome da sociedade bruxa! – afirmou ele.
Os três riram e o dragão retrucou emburrado:
- Estou falando sério!... E é apenas isso, minha decisão.
- Então, – Hainault se levantou e estendeu a mão para o líder com um sorriso – acho que temos que comemorar, não? Enfim o nosso dragão líder está começando a sua lenda no mundo mágico fora de Hogwarts.
Doumajyd aceitou o cumprimento e agradeceu orgulhoso ao amigo:
- Valeu, Ryan!
Porém, os outros três o conheciam muito bem para dizerem com toda a certeza o que aquela fachada orgulhosa escondia.


***


Depois de bater várias vezes na porta do quarto de Doumajyd sem uma resposta, Richardson a abriu e o chamou:
- Senhor Christopher?
- Eu ouvi, Richardson! – rosnou Doumajyd da cama, onde estava deitado já vestindo a roupa de gala para o jantar formal, com um travesseiro cobrindo a cabeça.
- Devemos sair imediatamente para não chegarmos atrasados em Hogsmeade, senhor Christopher. – com um aceno de varinha, o secretário fez com que o travesseiro voasse para longe do alcance de Doumajyd e que seu casaco viesse até ele e esperasse pacientemente para ser vestido – Sabe como a senhora preza pela pontualidade, ainda mais nessa ocasião.
Nesse movimento, o secretário reparou em uma caixa jogado no cesto de lixo ao lado da escrivaninha do dragão. Ele já vira aquela caixa muitas vezes e sabia muito bem o que era e há quanto tempo Doumajyd a guardava.
Mesmo com a distância e com o tempo em que ele e Mary Ann Weed haviam ficado separados, e por mais que o dragão cedesse a insistência da mãe em se afastar da sangue-ruim, ele nunca havia se desfeito do presente que recebera quando partira para Nova York. Apesar de restar somente um único biscoito em forma de dragão, aquele havia se tornado um tesouro precioso para Doumajyd. E agora, finalmente, ele parecia ter conseguido reunir coragem suficiente para jogá-lo no lixo.
Ainda olhando para o cesto, o secretário deu um grande suspiro e disse para o dragão que vestia o casaco parecendo extremamente mal humorado:
- Espero que não se arrependa, senhor Christopher.
- Você é aliado de quem afinal? – perguntou Doumajyd irritado.
- A carruagem o aguarda na porta principal, senhor. – informou o secretário ao invés de uma resposta, saindo do quarto.
- Idiota... – resmungou Doumajyd o seguindo.


***


Por um instante, as etiquetas na frente de Mary se embaralharam e as bordas da sua visão ficaram escuras. Seus joelhos tremeram e ela precisou se agarrar ao carrinho para não cair em cima das prateleiras.
- Você está bem? – perguntou uma moça que também trabalhava no mercado ao passar por ela.
- Tudo bem. Tudo bem. – respondeu Mary apressada, esfregando o rosto para se recompor.
- Você não está parecendo bem. – retrucou a moça a examinando de perto – Se está doente por que não faltou hoje?
- Sério, eu estou bem. Foi só uma tontura e já passou.
- Tem certeza? Você ainda tem o turno da noite. Vai agüentar?
- Tudo bem mesmo, não se preocupe. Um minuto de descanso será o suficiente para o próximo turno.
A moça lhe lançou mais um último olhar avaliador antes de se afastar, e Mary redobrou seus esforços em se manter firme. Suas provas na Academia seriam no outro dia pela manhã. Ela só precisava agüentar mais aquela noite e tudo estaria certo.


***


- Boa noite! Nos desculpem por fazê-los espera! – disse a senhora Doumajyd com um grande sorriso ao entrar na sala privada de jantar do hotel, sendo seguida pelo filho.
- Imagine, senhora Doumajyd! – os recebeu o senhor Vanderbilt se levantando do seu lugar a mesa e indo receber os convidados – Não se atrasaram. Há quanto tempo não nos vemos, hein?
- Boa noite! Sintam-se a vontade! – cumprimentou a senhora Vanderbilt, também vindo recebê-los e sendo acompanhada pela filha.
Os três usavam roupas bruxas de gala para a ocasião, ao estilo dos bruxos ingleses. Summer havia escolhido um cabelo alaranjado para combinar com suas vestes novas, e parecia ter conseguido convencer o pai, também um metamorfomago, de adotar a mesma cor, porém ele limitou-se a uma mexa entre os cabelos castanhos que pareciam ser naturais.
- Que linda que você está, Summer! – elogiou a senhora Doumajyd.
- Muito obrigada. – ela agradeceu como uma boa moça educada e comportada, e então olhou para o dragão, que procurava permanecer calado, e não conteve um grande sorriso seguido por um aceno mal disfarçado.
Era bem evidente que, se não fosse pelo jantar formal entre as famílias, ela estaria dando pulinhos em volta dele e tentando se pendurar em seu pescoço.


***


Mary passava as compras de um cliente pelo sensor de preços enquanto repassava mentalmente a lista de feitiços exigidos para se obter os NIEMs. Também precisava terminar de decorar a lista de ingredientes raros do seu livro de poções, calcular os mapas estrelares dos últimos dias seguindo as suas anotações das aulas de astronomia daquele inicio de mês, memorizar as datas das guerras dos duendes e das reformas no Estatuto de Sigilo Mágico. Junto a esses pensamentos, ela também planejava como faria no dia seguinte. Teria que acordar cedo para pegar o metrô e chegar a tempo na Academia para começar as provas. Prometera para Hainault que o avisaria quando estivesse saindo. Mesmo ela insistindo que não precisava, o dragão disse que estaria na Academia para lhe desejar boa sorte antes da prova.
- Algum problema? – perguntou o cliente a olhando mais atentamente.
Mas Mary não conseguiu responder. Ela não percebeu a lata de ervilhas deslizando pela sua mão e não sentiu seus joelhos perderem toda a força e baterem no chão. A última coisa que viu antes da sua visão escurecer totalmente foi o teto com luzes fosforescentes, e última coisa que ouviu, como um eco distante, foi alguém gritando para que chamassem uma ambulância.


***


- Quando Christopher terminar seus estudos, creio que poderemos nos aposentar tranquilamente. – comentava o senhor Vanderbilt durante o jantar – Não é mesmo, Ketherin?
- Aposentar? – a bruxa riu educadamente – O senhor fala coisas engraçadas, não? Por mais que desejamos nos aposentar acredito que nunca vamos conseguir abandonar o que mais gostamos de fazer... Acho que o mais apropriado a se dizer seria a de que vamos nos tranqüilizar sabendo que alguém estará continuando o nosso trabalho.
- Sim, exatamente! – concordou o senhor Vanderbilt – Vou ficar muito tranqüilo sabendo que alguém tão cheio de qualidades como o Christopher estará cuidando de nossos negócios, e principalmente que ele estará cuidando do meu bem mais precioso. – ele pegou a mão de Summer e ela voltou a encarar Doumajyd contente, demonstrando toda a sua felicidade.
O dragão engoliu em seco. Sabia que o momento estava chegando. Falar que concordava com o noivado diante de Summer, quando estavam somente os dois, fora fácil. Mas agora ali estavam em um jantar formal, em que tudo, desde os cumprimentos até a sobremesa, eram apenas os preparativos para o grande pedido, que tornaria aquela situação entre eles oficial.
- Com licença, senhor. – pediu o secretário recolocando o guardanapo que Doumajyd havia deixado escorregar em seu colo.
- Mas antes de pensar em tranqüilidade, senhor Vanderbilt, ouvi dizer que planeja um novo método de transporte para longas distâncias. – comentou a senhora Doumajyd entre um gole e outro de sua taça de vinho.
- Pelo visto seus ouvidos são tão eficientes quando as esferas da sua fabrica, Kheterin. – riu-se o bruxo – Sim, planejo sim. Quero buscar uma forma de deslocamento rápido e eficiente para distâncias maiores, como daqui para Nova York. Com esse mundo acelerado em que estamos vivendo, seria muito mais fácil para os negócios se não precisássemos nos deslocarmos sobre o mar em grandes viagens desconfortáveis ou termos que utilizar meios de transportes trouxas.
- Seria uma revolução no nosso mundo, com certeza! – exclamou a senhora Doumajyd.
Nervoso em ter que agüentar toda aquela encenação interessada da sua mãe, o dragão apertou o guardanapo com força por debaixo da mesa. Foi quando percebeu que havia algo nele. Então aproveitou que o senhor Vanderbilt estava distraindo a todos com o seu discurso sobre revolução em transportes mágicos para olhar disfarçadamente o guardanapo. Lá estava um pedaço de pergaminho com algumas palavras escritas de forma apressada:


“Senhorita Weed internada às pressas no Saint Mungus por motivos desconhecidos.”


Imediatamente, ele olhou em volta a procura do secretário, que se mantinha afastado no fundo da sala aguardando alguma ordem, e que agora esperava para ver qual seria a reação do herdeiro Doumajyd com a mensagem.
O dragão começou a pensar muito rápido no que deveria ou não fazer e quais seriam as conseqüências do que fizesse.
- Chris? – perguntou Summer preocupada, do outro lado da mesa, e imediatamente toda a atenção do jantar foi voltada para ele.
- O que aconteceu? – perguntou a sua mãe.
Já não podendo esconder a sua respiração apressada e vendo que todos haviam notado o seu estado de confusão com a notícia que recebera, Doumajyd se pôs de pé dizendo:
- Me perdoem, senhor, senhora. Com licença. – e saiu correndo da sala sem deixar uma explicação.
Enquanto a senhora Doumajyd se apressava em tentar arranjar uma desculpa para a reação inesperada do filho, e Summer Vanderbilt lutava para decidir entre sair correndo atrás do noivo ou ficar com os pais, Richardson respirou aliviado.
Lá fora, ao chegar na saída do hotel, Doumajyd não pensou duas vezes em aparatar das ruas de Hogsmeade direto para Londres.

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