Pensando no futuro



Férias de Natal, em Londres.


Quando voltou para a sua casa, Mary tinha decidido ocupar a sua cabeça com coisas que não fossem Doumajyd. Porém, isso não era nada fácil quando ela estava com a sua família.
Seus pais estavam completamente convictos que sua filha bruxa tinha o futuro garantido, já que iria se casar com o melhor partido do mundo mágico. Eles não faziam idéia de tudo o que ela havia passado na escola, de como era a sua relação com o dragão e também não sabiam o que estava acontecendo agora. Por isso, no jantar daquela noite, ela tentara desviar o assunto da conversa sobre como eles não teriam mais problemas financeiros muito em breve:
- Sabe! – ela largou a colher com que tomava a sopa e anunciou – Eu estava pensando em trabalhar depois de me formar!
- Trabalhar? – perguntou a sua mãe confusa – Você não vai para a Academia?
- Está pirando, Mary? – perguntou seu irmão mais novo, Charles, que conseguira crescer uma cabeça a mais que ela naqueles últimos seis meses – Você tem que ir para a Academia! O que adianta ser uma bruxa formada em Hogwarts se você voltar a viver como uma trouxa?
- Mas é preciso pagar para entrar na Academia! O senhor não tinha falado que o seu emprego não era mais algo garantido, pai? E se passarmos pelos menos problemas de antes? Pensem na educação do Charles também!
- Não se preocupe com dinheiro, Mary. – tranqüilizou sua mãe – Agora eu estou trabalhando meio período e se continuarmos economizando como estamos fazendo, poderemos pagar seus estudos.
- E não se preocupe comigo. – informou seu irmão – Meu professor disse que eu tenho grandes chances de conseguir uma bolsa de estudos se eu me esforçar para as provas de admissão!
- E você não tem o Doumajyd, Mary? – perguntou seu pai – Ele não vai deixar você ficar em problemas novamente!
Mary suspirou desistindo. Não importava que rumo ela desse na conversa, ela sempre acabava em Doumajyd. E isso só a fazia pensar, amargurada, que todos os problemas que ela tivera, e tinha, eram por causa do dragão.


***


A noite, sentada em sua cama no seu quarto, Mary revirava nos dedos a esfera de cristal do tamanho de um pomo de ouro que havia ganho de Doumajyd.
Logo depois de ter ido para Nova York, o dragão costumava entrar em contato com ela de repente e perguntava se ela estava bem. Geralmente eram inquisições rápidas, como se ele estivesse muito ocupado e conseguira arranjar um momento para falar com ela. Mas, depois de um tempo, essas chamadas tornara-se raras... até que pararam completamente. E continuara assim pelos últimos meses.
Com raiva, ela jogou a esfera inútil dentro do seu malão aberto e se deitou escondendo a cabeça no travesseiro.
- Inacreditável... – ela resmungou com voz abafada.
Porém, apesar disso tudo, ela nunca deixava de levar a esfera consigo onde quer que fosse.


***


- Esquecer? – perguntou Vicky surpresa quando ela aparecera na casa de Mary no outro dia.
- É, decidi que não vou mais pensar nele. Se ele não dá notícias é porque não pensa mais em mim! Então tenho todo o direito de não pensar mais nele também!
- Bom... se você diz. – Vicky encolheu os ombros, não acreditando nela, assim como Hainault – Mas eu vim aqui perguntar se você vai na comemoração surpresa da Hellen que vamos fazer?
- Comemoração? – perguntou Mary confusa.
- Não lembra? Eu falei quando nos despedimos na estação que seria aniversário da Hellen!
Hellen era uma outra amiga de infância de Mary e Vicky, mas, ao contrário das duas, ela era trouxa. Quando elas eram pequenas, estavam sempre juntas com uma turminha de crianças no bairro em que viviam. Depois de que entraram em Hogwarts, Mary e Vicky passaram a vê-los somente nas férias. E quando se mudara, Mary quase perdeu o contato com todos. Vicky por outro lado, ainda morava no mesmo bairro e sempre trazia novidades sobre eles.
- Vai ser só uma comemoração entre a gente, os amigos antigos, em um restaurante pequeno perto do nosso bairro, no sábado antes do dia de voltarmos para a escola. Sabe, como ela faz aniversário das férias, geralmente seus amigos da escola estão viajando, então decidimos fazer uma surpresa esse ano reunindo todo o pessoal.
Mary pensou que seria uma ótima forma de melhorar o seu humor, encontrando com os seus antigos amigos, de quando Hogwarts ainda era só um castelo das histórias que Vicky contava sobre o mundo bruxo.
- Você não quer ir? – perguntou Vicky interpretando mal a expressão da amiga.
- Claro que vou! Vai ser ótimo!
- Que bom! Então esteja na minha casa no sábado!


***


O restaurante no qual seria realizada a comemoração surpresa se chamava Jeanne D’Arc e servia comida francesa, a favorita de Hellen.
Eles estavam em doze ao todo, reunidos em uma mesa no fundo do restaurante que havia sido reservada por Vicky antecipadamente, e da onde poderiam fazer bagunça a vontade sem incomodar os outros clientes.
Mary e Vicky se sentavam em uma das pontas, bem próximas de Hellen e de mais dois amigos com a mesma idade delas.
- Há quanto tempo não nos víamos! – exclamava contente o garoto sentado na frente de Mary, falando com ela – Desde que você entrou para aquela escola de gente rica nós perdemos o contato! – e ele acrescentou rindo – Mas você não parece ter crescido muito, Mary!
- O mesmo para você, Antony! – retrucou Mary, no mesmo tom de brincadeira.
- Fala a verdade, Mary, você realmente gosta de estudar lá? – perguntou Hellen para ela – A Vicky tudo bem, a família dela é desse mundo de gente esnobe, mas você não é!
- Realmente, – começou Mary, não se sentindo nenhum um pouco constrangida em falar com eles a respeito disso – eles são exemplos perfeitos de quanto um ser humano pode ser cruel! Totalmente inacreditável! Se não fosse pela minha bolsa eu já teria desistido!
- E o que você vai fazer quando se formar? – perguntou uma garota ruiva repleta de sardas, sentada ao lado de Vicky, entrando na conversa.
- Bom, não penso em nada em especial. – confessou Mary.
- Ela disse que quer começar a trabalhar. – informou Vicky.
- Então você está pensando em fazer algo. – disse Antony.
- Na verdade eu não tenho certeza do que eu poderia fazer.
- Que estranho... – comentou a garota ruiva.
- Por quê? – perguntou Hellen.
- Ora, Mary não era aquela que seguia em frente pelo que acreditava? Eu sempre imaginei que ela, dentre todos nós, seria alguém realmente importante quando crescesse.
- É verdade... – falou Antony – Mas as coisas mudam com o tempo, não? Acho que dentre todos aqui o objetivo mais brilhante é o meu!
- Ah, é? – Mary riu – E qual é?
- Eu vou ser ator de cinema! Em Hollywood!
Todos na mesa explodiram em risadas.
- É sério! – resmungou Antony.
- Você diz isso desde que tinha quatro anos! – Hellen o lembrou – E o que você fez quando resolveu aceitar o papel de Peter Pan no teatro da escola? Vomitou na Sininho!
- Era porque eu queria ter sido o Capitão Gancho! – ele se defendeu – Vilões sempre são os melhores!
- Ei, ei! – a menina de cabelos ruivos chamou Mary e Vicky e apontou para algum lugar atrás delas – Olhem aquele cara que acabou de entrar! Ele não é lindo?
Mary virou-se para ver de quem ela estava falando. Era um cara alto e loiro, mas ela não o conseguiu o ver muito bem por ele ter virado de costas para a mesa deles.
- O que estão olhando? – Antony procurou o motivo das meninas tanto olhavam para a porta do restaurante e então gritou de repente acenando – Jheremy! Aqui!
O cara bonito virou ao ouvir o nome e então acenou sorridente em resposta.
- É meu primo! – informou Antony, como se fosse uma coisa da qual se orgulhava – Ele estuda em Hogwarts também, vocês não conhecem?
Mary virou novamente para tentar ver o rosto dele. Foi quando ela percebeu que o primo de Antony a olhava surpreso, como se tivesse visto um fantasma. Então ele se apressou em vir até a mesa deles, praticamente tropeçando pelo caminho.
- Por que a Mary Ann Weed está aqui?! – perguntou ele para Antony assim que chegou a mesa.
- Conhece ele? – Mary ouviu Vicky lhe perguntar baixinho, enquanto o estranho a encarava abertamente.
Na verdade Mary nunca o tinha visto na escola, coisa que parecia impossível por que ele, com aqueles cabelos loiros e olhos verdes, com certeza se destacaria e muito. E eram esses olhos verdes, que agora ela podia ver tão bem, que a estavam analizando de uma forma intensa, como se estivesse tentando confirmar se era ela mesma. Mary já começava a se sentir incomodada quando ele percebeu o que estava fazendo e disse:
- Ah, desculpa. Eu a conheço, mas acho que você não, não é mesmo? – ele lhe estendeu a mão – Meu nome é Jheremy Sawbrook, estou no sexto ano em Hogwarts, Lufa-lufa.
- Sério? – perguntou Mary aceitando o cumprimento – Mas eu nunca o vi na escola...
- Haveria algum problema se eu me juntasse a vocês? – ele perguntou educadamente e de uma forma geral para o pessoal que estava na mesa.
Imediatamente, todas as meninas disseram que não haveria problema algum e ele tratou logo de cumprimentar Hellen quando soube que era uma comemoração pelo aniversário dela.
- Conhece ele, Vicky? – Mary devolveu a pergunta no mesmo tom que a amiga usara antes – Ele é do seu ano.
- Não. – disse ela – Eu com certeza lembraria dele!
- Que estranho. – falou Mary o olhando discretamente.
- Mas eu tenho a sensação de que já o vi em algum lugar... – resmungou Vicky desconfiada a imitando.
- Por que a surpresa quando viu a Mary? – perguntou Antony ao primo assim que ele se sentou ao lado dele.
- Por que ela é famosa! – declarou ele – Todos a conhecem na escola!
- A Mary baixinha é famosa? – perguntou o garoto descrente.
- Sim! Ela é incrível! Ela enfrentou sozinha os caras que mandavam em Hogwarts!
- Foi impulso! – disse Mary como se estivesse se defendendo, e então acrescentou sem graça – Pura defesa.
Ela não conseguia esconder o fato de que ficara envergonhada com alguém que agia como se fosse seu fã ou algo do gênero.
- E ela foi a vice em um grande concurso de gente rica que elege a cada três anos um destaque na sociedade!
- Foi sorte! – disse Mary, contente por ele, mesmo empolgado, não ter mencionado nada que denunciasse a situação mágica deles.
- De fato foi muita sorte. – acrescentou ele suspirando de uma forma descrente, como se dissesse que era inacreditável ela ter conseguido aquele lugar.
- Ei! – retrucou Mary depois de um tempo, ao entender o tom que ele usara, mas rindo junto com todos da mesa.
- Mas você não pode negar que o que você fez foi incrível, não é? – ele perguntou diretamente para ela.
- Bem... acho que você é único que pensa assim naquela escola. – ela respondeu, contente de pela primeira vez ter recebido um elogio direto por ter acabado com a ditadura do D4.
- Não me importo de ser o único! – anunciou ele com muito orgulho.
- Do jeito que você fala parece até que gosta da Mary, Jheremy! – comentou Antony, rindo.
- Mas é claro! – ele respondeu.
Todos da mesa viraram para ele como se para se certificarem de que haviam ouvido direito a declaração. Vicky quase se engasgou com a sua bebida e Mary sentiu seu estômago afundar diante da sinceridade dele.
- Não é lógico? – perguntou ele estranhando a reação deles e então tentou explicar – A Mary é tipo uma Joana D’Arc em Hogwarts. – ele pegou um dos menus do restaurante, que tinha a reprodução de um quadro famoso da santa francesa, e mostrou para todos da mesa enquanto falava – Elas têm uma história bem parecida. Joana era uma camponesa pobre, mas durante a guerra entre a França e a Inglaterra, assumiu a liderança e conquistou a vitória! Por isso é considerada uma heroína! Mary foi a única que teve coragem para enfrentar aquele grupo temível de ditadores e conseguiu derrotá-los!
- Eu não sou tão admirável assim... – resmungou Mary, quando percebeu que todos da mesa passaram a encará-la com um inconfundível ar de admiração.
- E depois Joana foi acusada de bruxaria e queimada na fogueira! – Jheremy acrescentou sério.
- Agora sim parece um pouco comigo! – disse Mary rindo.
Todos na mesa riram também, mas somente os três estudantes de Hogwarts entenderam as entrelinhas do que fora dito.


***


- Foi legal, não foi? – perguntou Vicky para Mary no caminho de volta para casa.
- Fazia um tempo que eu não me divertia assim com tantas pessoas! – responde ela – Mas eu ainda acho estranho nós nunca termos visto o Jheremy em Hogwarts...
- Sim, muito estranho. – concordou Vicky.
- Se alguém bonito como ele passasse pelo corredor, as meninas ficariam todas alvoroçadas e ele com certeza iria chamar a atenção...
- Sabe, Mary, ele pareceu gostar muito de você.
- Ele mesmo disse isso.
- Não, estou falando sério! Quando ele disse Eu acho que a Mary deveria ser uma advogada e lutar pelos fracos, eu podia jurar que haviam coraçõezinhos dos olhos dele!
Mary não conseguiu evitar rir ao invés de discordar da amiga. Realmente aquele tal de Jheremy passou o resto da comemoração olhando para ela com um sorriso bobo de menino apaixonado.
- E eu acho que ele acertou! – acrescentou Vicky.
- Acertou? – perguntou Mary confusa.
- Sim, em você ser advogada!... Nunca pensou nisso, Mary?
- Na verdade... não.
- Seu senso de justiça é forte, – Vicky começou a contar nos dedos – você defende as pessoas, não tolera maldades, tem uma personalidade bem definida, é autoritária... você seria um advogada perfeita!
- Será? – Mary pensou que havia um sentido perfeitamente lógico em tudo o que a amiga apontara, e isso a fez lembrar de algo que por muito tempo estivera adormecido em sua mente – Vicky, lembra da Sharon?
A garota confirmou com um aceno de cabeça.
- Você sabe que eu sempre a admirei, não? Então, ela sempre defendeu a idéia de que o mundo bruxo deveria ser mais justo, principalmente com pessoas como eu. Mesmo ela sendo uma herdeira de uma família tradicional e rica, e sempre ter vivido como uma princesa, ela largou tudo isso para lutar pelo que acreditava... Eu sempre quis ser igual a ela!
- Ela faz Direito Bruxo na França, não? – perguntou Vicky.
- Sim.
- E... Direito Bruxo não é um curso oferecido pela Academia aqui em Londres?
- ...É.
- Sabe, Mary, – começou Vicky com um imenso sorriso olhando para o céu, para dar mais efeito ao que diria – acho que os sonhos só são distantes para quem não acredita realmente neles! Ficar colocando obstáculos e criando distâncias nunca nos levam a algum lugar... Eu acho que você deveria realmente tentar a Academia depois de se formar!
Mary respirou fundo pensando naquilo. Vicky tinha razão. Afinal, ela havia conseguido entrar em Hogwarts, duas vezes, coisa excepcional para uma sangue-ruim como ela... por que ela não poderia tentar Direito Bruxo?


***


- ADVOGADA?! – perguntaram em coro seus pais e seu irmão quando Mary lhes contou a novidade, no dia em que voltaria para Hogwarts.
- É. – disse Mary – Eu tinha falado que eu pretendia trabalhar, mas... eu pensei muito e decidi pelo menos tentar.
- Mas... não vai ser difícil, Mary? – perguntou sua mãe parecendo preocupada – Já é difícil conseguir fazer direito em uma escola de gente normal, imagina em uma Academia Bruxa! Suas notas sempre foram razoáveis, não? Você não precisa obter aqueles NIEMs para passar?
- Sim, e é por isso que eu vou me esforçar! – exclamou Mary – Vou dar tudo de mim nesse semestre nos estudos e conseguir boas notas nos meus NIEMs!
Sua mãe lançou um olhar para seu pai como se pedisse o que ele achava daquela grande decisão.
- Eu... – ele começou meio sem jeito – Eu fico orgulhoso de você estar pensando no melhor para o seu futuro, filha!
- Financeiramente eu sei que vou causar incômodos se-
- Não pense nisso, Mary! – apressou-se em dizer sua mãe, deixando a preocupação de lado e se mostrando emocionada com aquilo – O importante agora é você se esforçar nos seus estudos! Depois pensaremos no que fazer!
- Você consegue, Mary! – apoiou o seu irmão.
Mary sorriu contente. Se sua família apoiava a sua idéia, ela teria coragem em tentar qualquer coisa.

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