O Pensamento "Real"
O pensamento real
O sol da manhã inundou de calor a mansão Potter, mas o quarto de Harry ainda parecia estar escondido sob uma névoa de gelo para Hermione, que estremeceu e puxou mais a coberta.
Ela tinha os olhos inchados, embora não houvesse mais lágrimas, achou que havia gastado todas. Os pensamentos iam e vinham em turbilhão sem que ela pudesse encontrar a saída. Parecia-lhe que a vida lhe pregara outra peça. Já não bastavam os anos em que viveu na miséria, a morte misteriosa dos pais queridos, o fato de ter se afastado de todos os amigos e pessoas que tanto amava, a Harry mais que todos? Não, não bastou. O destino quis devolver-lhe a vida como uma falsa e doce “realidade”, uma ilusão que durou muito pouco: a lua de mel se transformara em lua de fel. Mas não poderia culpar o destino: havia somente dois culpados nessa estória toda: o primeiro era Harry, que a enganou daquele jeito ardil e tramou para tomar o mundo nas mãos usando quem precisasse; e a segunda era ela mesma: foi ELA quem se deixou enganar tão tolamente. Ela não era mais uma adolescententezinha boba para se apaixonar tão superficialmente, acreditando apenas nas promessas de alguém eloqüente, bonito e poderoso como Harry, que deu todos os indícios de estar preparando uma armadilha. Ela era uma mulher, e como tal, não poderia se deixar enganar... agora, ela pagava o preço da sua própria imbecilidade.
Harry se mexeu ao seu lado fazendo-a se lembrar da presença dele. Já se arrependera de não ter pedido a ele para dormir noutro quarto, mas também não sabia se ele cederia. Ele lhe pareceu complacente um pouco antes de sair do quarto na noite passada, contudo, o homem ao seu lado já não era mais o corajoso e justo Harry Potter que conheceu há quase dez anos.
Hermione olhou para o lado. As costas largas de Harry estavam viradas para ela. Mesmo sob a flanela do pijama, Hermione podia ver os músculos bem torneados, a tensão no pescoço embaixo dos cabelos revoltosos. Tão diferente daquele menino mirrado. Ela também mudara. Física e emocionalmente, mas será que tanto quanto ele?
Tudo o que queria era se aninhar nas costas dele e sentir aquela proteção que somente o todo-poderoso Harry poderia lhe oferecer. Sim, ela poderia esquecer tudo e fingir que tudo estava bem. Não seria o melhor para ela? Nunca mais passaria fome nem se sentiria fraca e desprotegida. Era o que Gina fizera, não era? Gina não havia abdicado do orgulho pelo conforto que Harry oferecia?
Mas Hermione sabia que não era capaz de fazer isso. Não podia esquecer de toda aquela atrocidade e da maneira pouco idônea com que Harry liderava a pesquisa de votos. Será que ela poderia ser a rainha de um povo massacrado pelo rei, seu marido? Não, não queria, não podia concordar com aquilo. E se...?
Um pensamento brilhou em sua mente como se fosse a saída para o túnel escuro em que se encontrava. Não Era era uma prisioneira, e a primeira coisa a pensar seria em como sair dali, com Harry e quinhentos aurores a vigiando. Contudo, por mais que Hermione tentasse divergir o pensamento para sua fuga, aquele outro pensamento continuava se alastrando como se fosse um parasita: e se...?
Esqueça! Se fugir, a única coisa que Hermione poderia fazer era sumir do mapa. Ir para um país distante e se esquecer que era uma bruxa. A quem estava enganando? Ela sabia que Harry a encontraria de um jeito ou de outro. Ainda mais se ele fosse o rei! Não, estava na hora de dar um basta naquilo... Ah... meu Deus... E se...?
E se ela lançasse sua candidatura? Se ela concorresse a rainha do mundo como opositora de Harry? Só assim poderia lutar e trabalhar para o bem do seu povo e para a harmonia entre as raças. Mas como, meu Deus, ela nem tinha forças para sair das garras de Harry, como poderia ser sua concorrente?
Quase no mesmo instante uma lembrança percorreu-lhe a mente, na voz de Firenze: “Procure Drácula, Sésmonas”.
Sim, se procurasse Drácula, talvez achasse um forte aliado, entretanto, se lembrava das histórias que contavam sobre o velho vampiro que aterrorizou a europa no século XV. E se fizesse alianças com uma criatura do mal, então, estaria fazendo o mesmo que Harry, vendendo sua alma pelo poder...
É, talvez sim. Mas precisaria pensar melhor sobre isso. Averigüar as verdadeiras intenções de Drácula. Se Firenze estava aliado a ele, então, talvez o vampiro não fosse tão ruim. Talvez ele tivesse sido injustiçado exatamente como os duendes, quando lutaram pela sua libertação. E se fosse assim, com certeza, Hermione poderia defender sua causa, a causa das criaturas de sangue mestiço (como ela) que querem e merecem ter paz na vida.
E Sésmonas, o que seria isso? Tinha certeza de que já lera isso antes em algum livro, mas, simplesmente não se lembrava.
Sésmonas... Sésmonas...
Harry se virou de repente, ela pensou em se afastar um pouco, mas não deu tempo: um dos braços dele passou por cima de seu corpo e a puxou para si. Seus rostos ficaram muito próximos, os lábios, quase grudados. Hermione se tensionou toda, imaginando o que Harry poderia estar querendo. Não poderia dormir com ele depois de ter visto o que viu. Mas ele estava dormindo. Tranqüilamente... a respiração leve e morna.
- Hermione... – ele balbulciou entre o sono.
Aquilo era demais para ela. Imaginar que na noite passada haviam compartilhado um lindo momento juntos como marido e mulher e agora... tê-lo como seu algoz.
Estava tão triste que gemeu baixinho, mas Harry acordou, afastou um pouco o rosto e soltou o braço dela.
- Já é manhã? – disfarçou, bem consciente da proximidade dos dois.
Hermione estava parada, petrificada como gelo, embora fervesse por dentro com tantos sentimentos, desejos e frustrações.
- Hermione, você está bem? –perguntou, levantando-se um pouco na cama para contemplá-la.
- O que você acha? – respondeu bruscamente e se virou, mostrando as costas para ele.
Queria que ele fosse embora e a deixasse em paz para continuar a pensar e achar uma saída, mas ele não se foi, pelo contrário, ela começou a sentir o calor dos dedos de Harry passando pelo seu ombro e fazendo cair a alça da camisola.
Ela olhou apavorada para os ombros. Tinha medo que ele fosse...
Então sentiu a mão dele descansar sobre a sua cintura, embaixo do cobertor, enquanto sentiu um beijo terno em sua nuca.
- Agora você é minha mulher... gostaria muito que não estivesse tão infeliz no nosso primeiro dia como casados. Percebi que não pregou os olhos a noite toda. Fingia que dormia quando voltei. Imaginei que não quisesse falar, mas não poderemos nos ignorar para sempre. Temos que dar um jeito nessa situação da melhor maneira possível. Seria muito melhor se aceitasse...
- Que aceitasse... – disse Hermione, ainda sem se virar... – que aceitasse tudo o que vem fazendo? Nunca, Harry, prefiro voltar para a pobreza e miséria em que vivia...
- Isso é que não! – disse ele, colocando o queixo sobre os ombros dela. – Eu não suportaria ver você sofrendo daquela forma novamente...
- Não percebe que o que sofro agora é mais forte e mais profundo do que quando passava fome? – disse Hermione, os olhos marejando de novo, como por milagre. Estava tão machucada que poderia ter um ataque de choro, embora soubesse que precisasse ser forte.;
- Ah..... Hermione... para você é tão difícil compreender meus objetivos?
- Quando esses se tratam em massacrar pessoas, é!
- Não é meu objetivo machucar ninguém. Mas para manter a paz, é preciso ser um guerreiro, Hermione! O fim justifica os...
- Não, Harry... o fim nunca justificará os meios! – disse ela, e desta vez se virou para ficar frente a frente com Harry.- Ferir uma pessoa como você fez com Firenze na noite passada é um crime contra a humanidade.
- Ele nem é humano....
- Não é da humanidade raça que estou falando, mas da consciência de que cada ser merece viver, ter paz e ser feliz... se todos pensassem assim, nunca haveria guerra.
- Você é muito ingênua, Hermione! Não sabe como as coisas funcionam. Eu gosto dessa sua ingenuidade. Apesar de tudo, você não foi manchada pela lama de hipocrisia que se alastrou por todos nós desde que juramos combater Voldemort na batalha final. Contudo, essa sua inocência está me atrapalhando muito, você não imagina o quanto!
- É assim que eu sou! – disse Hermione, tentando se virar novamente.
- Espere! – disse ele, segurando-a pelo braço. - Sei que está muito magoada pela noite de ontem, Hermione, mas por favor, tenha paciência. Fique calma e não tente nenhuma besteira. Agora você está protegida. Ninguém poderá te fazer mal enquanto estiver comigo.
Hermione se virou quando ele a soltou. Ela ficou quieta, imaginando que agora ele iria embora e ela ficaria em paz, mas não foi o que aconteceu. Novamente ela sentiu o toque suave de Harry em seu ombro, descendo pelo braço até chegar na cicatriz, ainda arroxeada, onde a flecha de Firenze havia passado.
- Ainda dói? – perguntou ele, tocando o braço dela com cuidado.
- Um pouco... – respondeu, querendo parecer distante.
- Eu venho tentando te proteger e tudo o que consegui até agora foi te machucar ainda mais...
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