Fantasmas da memória
CP 02 – Fantasmas da memória
Harry observou Edwiges sair voando, depois de muita resistência, pelo céu cinzento da Grã-Bretanha. Ficou pensando no que ouvira agora a pouco. Será que era verdade? Será que Edwiges voltaria no dia seguinte trazendo a mesma carta que levou? Aquilo era cruel demais. Mal percebeu quando uma mão encontrou seu ombro. Virou-se e viu Cho Chang sorrindo para ele. Enxugou os olhos vermelhos e sorriu de volta.
— Tem certeza que você está bem, Harry?
— É, nem tanto. Fui atacado por um comensal da morte.
— Eu sei, fiquei sabendo disso... Mas o que ele fez com você?
— Lançou um feitiço obliviador. Perdi uma parte da minha memória.
— Nossa! – ela levou a mão à boca espantada – Mas como isso aconteceu?
— Err... Eu não lembro...
— Ah sim, claro... Desculpe. Mas até que parte da sua vida você se lembra exatamente?
— Não sei ao certo, me lembro das aulas da AD, daquele natal... Quando eu te ensinei a estuporar alguém...
— Você era um professor realmente bom, sabe? – disse ela rindo.
— Parece que foi ontem tudo aquilo. De verdade.
Os dois ficaram se olhando por um momento. Harry sentia vontade de fazer o mesmo que fizera no ano anterior, mas seus músculos não se moviam. Ao invés das lágrimas, o rosto dela trazia um lindo sorriso, que o acalmava e fazia-o esquecer todos os problemas que estava tendo. Podia sentir a respiração da garota, seu perfume adocicado, queria abraçá-la. Olhava fundo em seus olhos negros como a noite, parecia que alguma força magnética neles o atraía. Desde que acordara não tinha tido uma lembrança tão forte como agora, a lembrança daquele natal, de seu primeiro beijo.
— Hoje acho que estamos livres dos narguilés. – Harry se aproximava de Cho, seus lábios a menos de dez centímetros um do outro.
— Com certeza. Mas continuo sem saber o que são. – respondeu ela se aproximando ainda mais – Ainda tenho que perguntar à Lovegood.
— Eu também, mas garanto que não estou sentindo nenhuma falta deles agora.
Seus lábios se colaram num beijo quente. Dessa vez Harry é que estava com os olhos mareados, mas a beijava intensamente, se entrelaçavam enquanto os braços apertavam o corpo. Sentia o coração da garota bater forte contra o seu peito, sua mão macia enroscando seu pescoço, a aura de felicidade dos dois. Ficaram ali por cinco minutos, mas não perceberam o tempo passar. Quando se separaram, mal sabiam o que dizer. Despediram-se com um sorriso envergonhado, pois precisavam voltar às aulas. Por um instante, Harry a observou indo embora, depois a chamou.
— Cho! Ahn... Depois... A gente se vê então.
— Sim! A gente se vê... – ela sorriu para ele.
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— Pensa que só porque esqueceu algumas coisinhas pode chegar atrasado à minha aula, Potter? O caminho para minha sala não é tão complicado assim. Menos dez pontos para a Grifinória.
Por que ninguém o avisara que Snape que ensinava Defesa Contra as Artes das Trevas agora? Pensou que era o tal de Slug-alguma-coisa. Pelo menos essas aulas seriam melhores do que as da senhora-cor-de-rosa Umbridge. Nesta aula, ele prestou menos atenção ainda. Sua cabeça voava entre Sirius morto e Cho o beijando. Ele ainda não conseguia aceitar que o padrinho estivesse morto, e a lembrança do beijo naquela tarde deixava sua cabeça ainda mais confusa. Não se permitia ficar contente com alguma coisa enquanto existia a possibilidade de Sirius ter morrido.
Rony o chamou, enquanto faziam uma dissertação sobre os diferentes tipos de reanimar um corpo morto, falando para irem à ala hospitalar depois da aula para ver como sua irmã estava. Harry concordou sem prestar muita atenção, pois queria descobrir o que estava acontecendo com ele, se seu padrinho estava vivo e, uma parte dele não o deixava mentir, queria rencontrar Cho. Podia pedir para ela o ajudar a relembrar tudo o que acontecera no último ano. Quando terminou de escrever seu texto, Harry nem esperou o amigo e saiu correndo pelos corredores.
— Harry! Você não ia comigo ver a... – mas a esta altura o garoto não ouvia mais nada, estava subindo as escadas para o quarto andar.
Para a decepção de Harry, ele não encontrou Cho no caminho, mas sim Dumbledore, que o fez ir até sua sala para conversarem. Desapontado, em partes, Harry seguiu o diretor. Ficaram a noite inteira falando sobre o que ele lembrava e o que não lembrava. Dumbledore esclareceu várias dúvidas que pairavam na cabeça do pequeno bruxo, confirmou a morte de Sirius, o que fez o garoto sentir uma forte pontada no peito, e explicou novamente todo o episódio da Sala dos Mistérios, e da profecia. Quando saiu do escritório do diretor, quase à meia-noite, Harry sentiu sua cabeça formigando com tantas informações novas, apesar de ainda ter um imenso buraco em sua memória, e de ele não sentir que fizera tudo o que o diretor disse. Prometeu voltar no dia seguinte, para que o diretor pudesse lhe contar mais acontecimentos, e começar a tentar fazer com que ele relembrasse das coisas espontaneamente.
Voltou para a sala comunal da Grifinória e encontrou Rony e Hermione num canto, fazendo o dever de Transfiguração. Rony estava deitado no tapete e Mione estava debruçada em uma mesa. Sentou-se perto deles e começou a contar toda a conversa que teve com Dumbledore. Ainda não tinha certeza se deveria contar o que aconteceu na hora do almoço, mas antes que pudesse decidir, Rony começou a falar.
— Por que você não foi comigo ver a Gina na Ala Hospitalar depois da aula, Harry?
— Caramba, eu esqueci completamente! Desculpa Rony, eu estava com a cabeça em outro lugar. Mas como ela está?
— Já acordou, mas só sai de lá amanhã. Ela perguntou de você.
— Sério? Droga, amanhã eu vou visitá-la, então.
— Harry, me diz uma coisa. Você não se lembra de nada do que aconteceu esse ano? Nada mesmo?
— Não, não consigo me lembrar de nada. Por quê, Rony? Aconteceu alguma coisa com a Gina?
— Não, Harry, nada não.
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“Harry não parava de correr pelos corredores escuros das masmorras de Hogwarts, o gigantesco basilisco estava às suas costas. Sentia o bafo podre do réptil e fazia de tudo para não olhar diretamente para ele. Encontrou Snape no meio de um corredor, estava estranho, vestia um vestido longo de renda e um chapéu com um urubu na ponta, igual ao da avó de Neville. O professor nem prestou atenção no basilisco e disse que se o garoto chegasse novamente atrasado a sua aula, tiraria 100 pontos da Grifinória. Harry ignorou o professor e virou no corredor seguinte, com o bicho se aproximando. Avistou ao longe um banheiro e resolveu entrar, só lá dentro percebendo que aquele banheiro sujo, molhado e que parecia estar em desuso há anos, era o de Murta-Que-Geme. Correu para pia e viu a entrada da Câmara Secreta aberta. Não pensou duas vezes e pulou no túnel. Parecia que tinha despistado o monstro, mas mesmo assim continuou correndo. Fez o longo caminho, já conhecido, até salão principal da câmara. Lá estava a grande estatua de Salazar Slytherin, e aos seus pés, Gina, agachada, chorando.
— Por que você não foi me visitar, Harry? – disse ela choramingando – Você não gosta mais de mim?
A cobra gigantesca chegou ao salão e começou a avançar contra eles. O garoto via a sombra do animal, quando ouviu alguém gritando a maldição da morte que derrubou o monstro. Olhou para trás e viu Cho, apontando a varinha para o basilisco.
— Você realmente foi um ótimo professor, Harry! Olha só o que eu consegui aprender! Agora vamos, temos que sair desse lugar nojento.
— Claro, – disse ele sem pestanejar, quase hipnotizado – vamos embora.
— Harry! – exclamou Gina soluçando – Você vai me deixar aqui, de novo?
— Desculpa, Gina... Mas...
— Vamos, Harry! – interferiu Cho – Vem logo, deixa essa aí.
— Não, Harry... Harry...”
— HARRY! – gritava Rony ao lado da cama do garoto – Você estava tendo um pesadelo?
— Estava? Não sei, acho que sim...
— Você não parava de se mexer! Ficava aí, falando umas coisas sem sentido... Chamava a Cho. Por que raios você estava sonhando com a Cho, Harry? Aconteceu alguma coisa que você não contou para a gente?
Harry se sentou na cama, enxugou o suor da testa e olhou meio incerto para o amigo. Hesitou, mas, no fim, contou tudo que tinha acontecido no almoço do dia anterior. Quando terminou Rony estava meio apático, boquiaberto e com cara de nojo, mas, apesar de insistir em porque o amigo reagiu daquele jeito, não recebeu nenhuma explicação. O amigo apenas olhou com uma cara de desaprovação e voltou para sua cama. Harry preferiu não persistir e voltou a dormir, dessa vez sem mais nenhum pesadelo.
Na manhã seguinte, acordou tarde, indo com pressa para o salão principal. Chegando lá, viu vários pares de olhos virarem para ele, enquanto davam risadinhas. Provavelmente a história de seu caso com Cho já tinha se espalhado pela escola. Rony e Mione já estavam lá e conversavam baixo alguma coisa, mas quando viram que ele chegava, pararam e voltaram a comer. Harry odiou isso. Além de não se lembrar de mais de um ano de sua vida, agora seus amigos ficavam cochichando às suas costas. Sentou-se sem falar nada e começou a atacar um pudim de tripas. Achou estranho os dois não falarem nada e mais estranho ainda o jeito que olhavam para ele. Rony devia ter contado para a Mione sobre a Cho, agora os dois olhavam para ele com cara de decepção. Mas qual era o problema, afinal? Ele e Cho tinham se beijado no ano anterior, porque não podiam se beijar novamente?
Ficou com raiva dos amigos, estava quase perguntando por que agiam daquele jeito quando percebeu. Na sua frente, do outro lado da mesa estava uma garota de longos cabelos ruivos, sardas no nariz, um rosto delicado e intensos olhos castanhos, que estavam ficando cada vez mais brilhantes, enquanto a expressão da garota ficava mais triste. O coração de Harry disparou quando percebeu que Gina estava à sua frente há quase cinco minutos, como não tinha percebido? Lembrou-se daquele sonho estranho em que ela chorava e ele a abandonava na câmara. Sentiu um forte aperto em seu peito, como se estivessem colocando seu coração num rolo compressor. Por que sentia aquilo? Ela era a irmã do Rony, mas, naquele momento, era a garota mais linda do mundo que olhava para ele, quase chorando. Harry não conseguiu entender nada, por que ela estava daquele jeito? Só porque ele não foi visitá-la no dia anterior? Era tudo muito estranho, aquele sentimento e aqueles olhos amendoados olhando para ele daquele jeito. Não conseguiu dizer nada, as palavras pareciam ter sumido, não sabia articular nenhuma frase. Uma criatura estranha dentro de seu peito começou a rosnar, como se dissesse para ele levantar e abraçar a garota, mas suas pernas não respondiam. Viu, então, ela se levantar rapidamente da mesa.
— Vou indo para a aula, Rony, Mione. – ela falou para os dois e dirigiu um olhar de desprezo para Harry antes de sair a passos firmes do salão.
Harry não sabia o que fazer, algo dizia para ele se levantar e ir falar com ela, mas seu corpo estava paralisado. A criatura em seu peito rugiu enfurecida.
“Por que ela agiu assim comigo? Por que eu não fui atrás dela? Ela estava quase chorando.”
“Você beijou a Cho ontem, lembra? Seria muito estranho ir atrás de outra garota assim.”
“Mas ela estava tão linda, parecia que me atraia. E parecia tão triste.”
“A Cho também é linda, e vocês se atraíram muito bem ontem.”
“Com a Gina é diferente, nunca senti algo assim, muito menos com ela, que sempre foi a ‘irmã mais nova do meu melhor amigo’. Além do mais, parecia que eu tinha feito algo de errado com ela.”
“Mais uma razão para esquecer isso, ela é irmã do Rony, que não ia gostar nada de ver você com ela.”
“Mas...”
— Harry... – Mione o tirou de sua conversa interior – Vamos, a aula vai começar daqui a pouco.
Harry estava começando a ficar preocupado com os exames. Além de não saber nada das matérias, desde que “acordara” não conseguiu se concentrar em nenhuma aula, cada hora por uma razão diferente. Na primeira aula do dia, deixou sua poção queimar, o que fez o professor Slughorn ficar muito espantado. Rony mais tarde o explicou que naquele ano ele virara um gênio em poções, e falou tudo sobre o livro do príncipe mestiço. A aula de Feitiços foi a mais maçante de todas. Harry não entendia porque tinha que saber a história da criação do feitiço Protego, pensou estar assistindo novamente uma aula do professor Binns, por isso sua cabeça vagava longe. Acabou dormindo.
Quando a aula acabou, Rony o acordou para irem almoçar. O amigo parecia muito frio, não falou quase nada durante o percurso inteiro. Encontraram Pirraça no caminho jogando bexigas cheias de tinta em cima dos dois. Eles xingaram o fantasma até não poderem mais e tiveram de voltar para os dormitórios para se lavarem e trocarem de roupa. Finalmente limpos e com roupas secas, tomaram seus caminhos de volta para o salão principal.
Ao chegarem à mesa da Grifinória, Gina se levantou e saiu sem falar nada. Harry a observou ir até a mesa da Corvinal. Seu coração disparou, pensou, mesmo que isso não fizesse sentido algum, que ela fosse falar alguma coisa com Cho. Contudo, antes que pudesse pensar em mais alguma besteira, ela chamou Luna, que a seguiu para fora do salão. Harry sentou-se, meio aliviado, meio chateado.
— Gente, vocês dois têm que me dizer. O que houve com a Gina? Por que ela está agindo assim comigo?
— Harry... – Mione olhou pra ele aflita – Tem uma coisa que você precisa saber.
— O quê? Eu perguntei isso pra vocês ontem, mas vocês disseram que não tinha nada!
— Eu sei, é que... Ah. Bom, primeiro, parece que metade da escola já sabe que você ficou com a Cho.
— Droga, parece que qualquer coisa que o “garoto celebridade” aqui faz, todo mundo fica sabendo, odeio isso! Mas não é só isso que você queria falar, é?
— Então... É melhor a gente falar, certo Rony? Bom, você e...
— Oi, Harry. – Cho acabara de chegar e estava ao seu lado, sorrindo – Será que dava para a gente conversar um pouco? – Hermione fuzilou a garota com os olhos, enquanto Rony fazia uma cara de nojo.
— C-claro, Cho. Bom, eu vejo vocês dois na aula. Depois você continua a me contar, Mione.
Harry e Cho seguiram juntos para os jardins do castelo, seguidos por vários olhos curiosos enquanto passavam. Lá fora, o sol ainda não tinha conseguido vencer as nuvens cinzentas, o que era muito estranho, visto que o verão já tinha começado. “O céu deve estar refletindo a minha alma”, pensou Harry. Andaram pela grama fofa até chegarem à borda do grande lago, onde se sentaram. Alguns momentos passaram enquanto eles só se observavam, sem dizer uma única palavra. Harry resolveu quebrar o silêncio:
— Cho, eu sei que a gente se beijou ontem, e... E eu gostei. Mas eu não sei se a gente devia continuar com isso.
— Como assim? Por que, Harry?
— Eu não sei, eu estou muito confuso ainda, não lembro nada dos últimos tempos, não sei deveria começar um relacionamento agora. Não estou pronto para isso, entende?
— Mas por que, Harry? Eu não entendo. Você gosta de mim, não se lembra disso? Isso é o que importa!
— E-eu sei, mas...
A garota deu uma discreta olhada para algo que estava atrás de Harry e o impediu de continuar a frase, beijando-o. Dessa vez Harry não sentia a mesma intensidade do dia anterior, apenas beijava a garota passivamente. Estava com a cabeça voando, pensava na cara de Rony e Hermione, pensava nas pessoas olhando para eles no salão principal e pensava em Gina o tratando secamente naquela manhã. Após este pensamento, ele não agüentou mais e descolou seus lábios dos da garota, não conseguiria beijá-la pensando naquilo. O que viu no instante seguinte fez seu coração disparar: Uma garota ruiva olhava, em choque, para os dois, antes de subir rapidamente as escadarias da entrada do castelo. Outra garota, loira, que também olhava para ele e Cho com cara de nojo, seguiu amiga logo depois.
— É melhor a gente voltar para o castelo, Harry. As aulas vão começar.
— É, é melhor... Vamos.
O coração de Harry parecia querer rasgar seu peito, enquanto uma certa criatura dilacerava suas entranhas.
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