Vazio
Capítulo 01 – Vazio
A cabeça de Harry parecia que iria explodir a qualquer momento. Sentia o colchão macio em que estava deitado e o calor das cobertas misturado a um mal-estar irritante. Tentou se lembrar de onde estava, mas nada veio a sua mente. O cansaço era grande demais para abrir os olhos, então continuou daquele jeito, fingindo que dormia. Podia ouvir algumas vozes à sua volta, mas não conseguiu captar quase nada. Sua cabeça parecia muito mais vazia do que o normal, e esse vazio doía estupidamente. Resolveu prestar atenção no que as pessoas falavam.
—... é difícil dizer, só quando ele acordar. – dizia uma voz grave e serena – Rezo para que quem conjurou esse feitiço não seja um especialista, assim terá apagado apenas uma parte da memória, os acontecimentos mais recentes.
— E se fez isso, é por que Potter descobriu algo na floresta que esse obliviador não queria que fosse descoberto. – dessa vez foi uma voz oleosa e ríspida que respondeu – Só não entendo por que não matou o garoto de uma vez.
— O professor Slughorn estava ali, não tentaria isso. Além do mais, Voldemort quer matá-lo com as próprias mãos, não ia deixar um servo fazê-lo.
— Mas é possível recuperar a memória após um feitiço desses? – interveio uma terceira voz.
— Difícil e demorado, mas não impossível. Entretanto, quanto mais recentes as memórias, mais difícil de recuperá-las. Provavelmente ele nunca se lembrará do que fez no último mês.
Seu nome era Potter, disso ele lembrava. As vozes não soavam estranhas para ele, mas era difícil se lembrar de quem eram. Lentamente abriu os olhos, lutando contra a claridade. Não adiantou muita coisa, pois via tudo embaçado. Lembrou que usava óculos e tateou a procura deles, que estavam em cima de uma mesinha de cabeceira. Colocou-os e o mundo entrou em foco. Parecia estar em um quarto de hospital. Lembrou-se de que já estivera ali inúmeras vezes, na ala hospitalar do castelo. Falando nisso, que castelo? Ah, sim! Hogwarts, disso também se lembrava. Quando percebeu, estava sendo observado pelos três homens que antes conversavam. O primeiro era alto, magro e muito velho, a julgar pelo prateado dos seus longos cabelo e barba. Usava uma túnica roxa e óculos meia-lua cobrindo seus olhinhos azuis claro. O segundo também era magro, mas usava uma roupa preta e tinha cabelos negros extremamente oleosos. Já o terceiro era muito alto, gordo e tinha cabelo e barba espessos, que faziam parecer uma juba negra. Deste Harry lembrava muito bem.
— Está se sentindo bem? – perguntou calmamente o mais velho.
— Sim, só estou um pouco confuso e... Vazio. Como se eu não soubesse o que sou.
— Harry, você é um bruxo. – disse Hagrid, da mesma forma como dissera quase seis anos atrás.
— Eu sei disso.
Os homens suspiraram aliviados, pois o estrago não fora completo. Além de Hagrid estavam ali Alvo Dumbledore, o diretor de Hogwarts e Severus Snape, o professor que Harry tanto odiava. Aos poucos, lembranças aleatórias dos primeiros anos na escola passaram pela cabeça do garoto. A pedra filosofal, o basilisco, o Torneio Tribruxo, Cedrico morto, Voldemort, a Câmara Secreta, Rony e Mione, Sirius... Eram muitos pensamentos ao mesmo tempo, estava ficando confuso. Um barulho de porta abrindo o tirou de seu transe, Rony e Hermione tinham acabado de chegar à ala hospitalar.
— HARRY! – gritou a garota pulando em seu pescoço, quase derrubando a cama – Como você se sente? Digo, você se lembra de nós?
— Sim, sim, lembro... Estava meio confuso no começo, mas agora me lembro, apesar de ainda ter uns buracos na minha cabeça e ela estar explodindo.
— Antes que você pergunte, a Gina está bem. – disse Rony se aproximando da cama – Ela foi estupefata e ainda está dormindo, mas está tudo bem agora.
— Gina? Ela estava comigo? Afinal de contas, o que aconteceu?
— O professor Slughorn achou vocês dois na floresta proibida, um comensal da morte atacou vocês três. – explicou Dumbledore – Ginevra, ele estupefou, e, contra você, jogou um feitiço de memória. O professou tentou pegá-lo, mas ele fugiu.
— Professor Slughorn? Quem é esse? Feitiço de memória? É por isso que está tudo tão confuso? E porque a Gina tava comigo na floresta proibida?
— Calma, Harry, você está muito confuso ainda, com o tempo vai entender tudo, agora você tem é que descansar – disse Hagrid afagando os cabelos desarrumados do garoto.
— Ele tem razão Harry, amanhã a gente volta pra ver você, agora você tem que dormir.
— Eu já dormi demais, não conseguiria pregar o olho de novo... Vocês têm que me explicar isso direito, está tudo muito confuso! Eu fiquei muito tempo dormindo? Como você voltou para Hogwarts, Dumbledore?
As cinco pessoas na sala se olharam sem entender nada. Harry continuou:
— Ué, a Umbridge e o Ministro não tinham te expulsado do castelo? Falando nisso, aquela mulher não vai vir aqui me chatear mais ainda não, não é? Que foi? Que caras são essas?
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Nada do que falavam fazia sentido na cabeça de Harry. Parecia que estavam fazendo uma brincadeira, que logo iam começar a rir da cara dele e debochar por ele ter começado a acreditar. Entretanto, todos pareciam muito sérios. O que falavam não fazia o menor sentido. Diziam que ele já estava no sexto ano de Hogwarts. Mas como?! O fim de ano, as férias, nada tinha passado ainda! Tudo bem que tinha um buraco de tempo em sua memória que parecia ter passado sem deixar lembranças, mas a última coisa que ele lembrava foi de ter saído de uma reunião da AD. E pelo que ele lembrava, fundou a AD no quinto ano, não podia ter pulado pro sexto assim, do nada, ainda mais para final do sexto ano! Alguma coisa estava errada, alguém tinha que consertar isso.
— Isso é normal, Harry, – dizia Dumbledore com a maior naturalidade – você sente isso por causa do feitiço que o comensal lançou em você. Você deu sorte, poderia ter perdido toda a memória, mas, pelo que parece, ele só conseguiu apagar uma parte: do meio do seu quinto ano até hoje à tarde. Nós faremos o possível para tentar recobrar a sua memória, Harry, mas vai ser complicado e vai demandar muita força de vontade sua. Por isso você deve descansar, amanhã acho que já poderá sair daqui e voltar às aulas. Vai estranhar um pouco, mas, com o tempo, tudo voltará ao normal. Agora, vamos, deite-se, e vocês, – ele olhou para Rony e Mione – saiam e deixem-no descansar.
Rony, Mione e Hagrid se despediram e foram embora, Snape apenas virou a cara e saiu. Harry ficou ali, admirando o teto e pensando em tudo que haviam dito a ele. Sexto ano... Havia perdido mais de um ano de sua vida, e não poderia recuperar mais. Viu madame Pomfrey passar, falar alguma coisa a ele, que só concordou sem nem prestar atenção no que ela disse, e depois ir ver como Gina estava. Nessa hora ele se lembrou da garota que também estava na ala, duas camas depois dele. Era estranho, o que ela estaria fazendo com ele na floresta? Algum serviço para a AD? Não, não fazia sentido, afinal, pelo que todos lhe disseram, Umbridge já tinha ido embora de Hogwarts, a AD nem devia existir mais. Perdido nos pensamentos ele foi adormecendo sem perceber.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
No dia seguinte Harry saiu o mais cedo que pôde da ala hospitalar, queria reencontrar logo os amigos e descobrir o que aconteceu enquanto ele estava “fora”. Gina ainda estava inconsciente, então resolveu só voltar mais tarde para ver como a amiga estava.
Logo que saiu da ala, teve o reencontro que menos desejava ter. Esse ódio ele nunca esqueceria.
— Ora, ora, se não é o Potter doentinho! Já recebeu alta? Ou será que você não... se lembra? – disse Draco Malfoy enquanto seus comparsas Crabble e Goyle davam gargalhadas.
— Cale a sua boca Draco.
— Wow, está agressivo o Potter, ein? Pois saiba que eu ainda não me vinguei totalmente pelo que você fez em mim. O troco vai ser ainda maior!
Os três seguiram na direção da ala hospitalar e Harry tomou o caminho do salão principal, para tomar café. Harry tentou imaginar o que teria feito com Draco, mais uma coisa a perguntar a Rony.
Chegando ao salão ele sentiu uma sensação maravilhosa. Pareciam anos que não entrava ali, aquele cheiro de comida de bruxo invadiu suas narinas e ele foi rapidamente se sentar à mesa da Grifinória, junto com Rony, Mione e os outros. Foi recepcionado como um herói voltando de uma batalha épica, recebia tapinhas incentivadores nas costas e bom dia de todos. Pelo jeito a escola inteira já sabia do acontecido, pois todos olhavam em sua direção como se estivesse com uma melancia brilhante na cabeça. Sentou-se e começou a conversar com o Rony.
— Onde estão Fred e Jorge?
— Err... Eles terminaram os estudos ano passado...
— Ah! Sim. Claro. Falha minha...
— Calma, Harry, você ainda tem que se acostumar. Hoje à noite eu começo a te contar tudo o que aconteceu, assim você não vai ficar tão perdido.
— Certo... Acho que já vou pegar minhas coisas no dormitório, se não me atraso para a aula. Falando nisso, o que vai ser hoje?
— Duas de transfiguração agora – disse Rony, quase engasgando com o pedaço de bolo em sua boca – e duas de Defesa Contra as Artes das Trevas depois do almoço. Não está com fome? – ofereceu um pedaço de bolo de cenoura.
— Não, já comi o que eu queria... Te vejo na aula.
Saiu do salão sem prestar atenção nas várias cabeças que viravam em sua direção enquanto ele passava. Subiu as escadas correndo, pensando em quantas gafes teria de dar até se acostumar com o “futuro” em que estava, nem percebeu a garota que vinha na direção oposta e deu um encontrão nela, caindo por cima da garota. Levou um tempo até ele perceber que era Cho Chang, e mais tempo ainda pra perceber que estava com a mão em sua perna e com o rosto a cinco centímetros do dela. Olhou por alguns momentos nos olhos dela e se lembrou do beijo que deram há poucas semanas. Na verdade fora há mais de um ano, mas ele se esqueceu desse detalhe naquele momento. Voltando ao mundo real ele se levantou e ajudou a Cho, que estava um pouco corada.— Desculpa, eu estava distraído, você está bem?
— Aham... estou sim, não foi nada.
— Que bom. Então... Até mais, a gente se vê.
— Até... – já estavam seguindo seus caminhos quando ela o chamou – Harry?
— Oi.
— Você está bem? Ouvi dizer que você foi parar na ala hospitalar.
— Estou bem sim, não foi nada. Só estou meio... Confuso. Nada de mais.
— Ah... Certo. Melhoras então. Até mais.
— Até.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
A aula de transfiguração passou voando naquela manhã. Harry mal conseguia prestar atenção no que a McGonagall falava, primeiro porque não se lembrava das aulas anteriores, segundo porque o encontro com Cho não saia de sua cabeça. Estava com medo de perguntar a Rony o que tinha acontecido com eles dois nesse tempo. Se o encontro fora tão encabulado daquele jeito, algo não tinha dado certo. Mas o que teria acontecido depois daquele beijo? Eles nunca mais se beijaram? Ou chegaram a namorar? Era uma sensação horrível, forçar a mente para se lembrar de algo que não vinha de jeito nenhum. Quando acabou a aula, ele seguiu rapidamente para o salão principal para almoçar.
Enquanto comia não tirava os olhos da mesa da Corvinal, mas Cho ainda não estava lá. Rony e Mione chegaram depois e começaram a conversar. Harry estava longe, pensando em porque ela não estava almoçando ainda. Quando terminou de comer, frustrado, resolveu ir ao corujal. Na verdade, era uma desculpa para encontrá-la no caminho, mas realmente precisava mandar uma carta.
— Eu vou ao corujal mandar uma carta para o Sirius, contando o que aconteceu. Encontro vocês dois na sala mais tarde.
Rony e Hermione se olharam com uma cara de terror, sem saber o que fazer. Harry não entendeu a reação dos dois, até que a Hermione começou a falar, gaguejando:
— Err... H-harry, tem uma coisa que... Você deve ter esquecido também... Claro, você se esqueceu de tudo desde... Ai... Eu não sei como dizer...
— O quê?
— Ah, Harry... – ele já podia ver lagrimas se formando nos olhos da amiga.
— Mione, você já está me deixando com medo. O que houve? Ele foi pego? O ministério o pegou? Ele voltou para Azkaban?
Hermione já chorava, abraçando o amigo, sem conseguir falar nada. Harry sentiu uma lágrima escorrer em sua face direita.
— Harry... – começou Rony, querendo poupar Hermione – O Sirius... Está morto.
— O quê?
— É isso Harry, ele morreu. No final do ano passado. Lembra aquele sonho que você não parava de ter? Aconteceu. Ele morreu naquele lugar.
— Não... Não é possível... Não pode ser! – outra lágrima escorreu, dessa vez no lado esquerdo – Vocês só podem estar brincando, isso tudo é uma grande brincadeira, desde o começo. Ele não...
— Harry... – disse Hermione largando-o – Você acha que iríamos brincar com uma coisa des...
— ELE NÃO TÁ MORTO! – nesse momento metade do salão virou para o garoto – Vocês já estão me deixando nervoso com essa brincadeira. Eu vou subir, mandar uma carta pro Sirius e amanhã ele já vai ter respondido, vocês vão ver.
Harry saiu em passos rápidos para o corujal, limpando as lágrimas, torcendo para que ele estivesse certo e tudo fosse, de fato, uma grande brincadeira de mau gosto.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!