Lettres, whisky et mots



A vontade de dar meia volta, largar suas sandálias na areia e correr ao seu encontro era grande, mas a voz da razão falava alto em seu ouvido, misturando-se com o barulho fraco das ondas se desmanchando quando chegavam ao seu limite. Ela já estava na ponta extrema da praia e ver o jovem que ocupara o tempo da sua noite com sorrisos e palavras já era quase impossível, apenas um vulto era distinguível. As ruas desertas e a noite com o brilho das estrelas e da lua sobre o mar inspiravam-lhe a segurança necessária, de que não havia ninguém ali, e desaparatar para o seu lar era seguro, mas também lhe inspiravam a sensação de que poderia passar o resto da noite jogada naquela areia, esperando o sol nascer, anunciando que a sua ida para casa era indispensável.
Sentou-se na pedra mais próxima e ficou ali, refletiva, adiando o momento em que teria que chegar em casa e despertar seu pai, que provavelmente dormira na sua velha poltrona no hall de entrada. Ultimamente, um lado rebelde seu se ativara e agora ela passava todas as noites em bares, bebendo, descendo e conhecendo caras que geralmente paravam na cama dela sem que ela mal se lembrasse deles. Seu pai geralmente não comentava nada ao ver ela chegar em casa, com os olhos cheios de maquiagem e seus vestidos curtos já amassados de tanto dançar, apenas trancava a casa e apagava as luzes, assim que ela subia as escadas para o seu quarto. Também não comentava nada quando ela descia para o café da manhã em seu robe rosa, mesmo que tivesse um barulho, que ele sabia ser de um cara saindo da casa pela janela do quarto dela. Um aviso já fora dado e ela o ignorara, sabia que o pai passara por uma fase idêntica a dela e hoje estava casado com uma mulher absurdamente linda que o amava demais. Porém, não deixava de sentir o velho aperto no coração quando o pai olhava-a daquela forma tão... desapontada.
Levantou-se da pedra e com um estalido, desaparatou em frente a sua casa. Era tão bom poder estar onde bem quisesse quando bem quisesse; liberdade da qual ano passado não desfrutava. Com um toque da varinha, que estivera escondida em um forro especial do seu vestido o tempo todo, abriu o portão e não tardou até colocar seu primeiro pé dentro de casa. E como imaginava, lá estava seu pai, lendo o jornal de sábado que já havia chegado. Ele fechou-o e dobrou, deixando-o insuportavelmente organizado em cima da mesa; em seguida se levantou e trancou a porta da casa, com um aceno da varinha, apagou as luzes dos cômodos adjacentes e quando ela já estava ao pé da escada, chamou-a para entregar uma carta.
- Chegou pra você hoje mais cedo. Espero que tenha se divertido.
E assim ele subiu para o quarto, onde sua filha ouviu, lá de baixo, sua mãe comentar algo sobre o horário. Baixando os olhos para a carta, viu que o remetente era do Canadá e adivinhou imediatamente do que se tratava. Já no seu quarto, deixou a carta na mesa de cabeceira e sem ao menos se despir, jogou-se na cama, adormecendo logo em seguida.


O barulho de passarinhos assoviando alegremente junto com o nascer do sol não poderia ser mais irritante para alguém que estava dormindo a apenas uma hora, com a sensação de que tinha recém deitado. Colocar o travesseiro em cima da cabeça e mandar o mundo para o raio que o parta é sempre uma opção a ser considerada, mas raramente surge com o efeito intencionado. A ruiva amava sua casa e sua localização próxima ao mar, sempre tendo a possibilidade de gastar horas só vendo a fúria do mar nos rochedos, mas odiava o fato de todas as suas pacíficas manhãs serem perturbadas por barulhos da natureza, o que, para alguns, seria só mais um detalhe de pacificidade [n/a: essa palavra totalmente não existe, mas vamos simplesmente fingir, meus camaradas]. Por um momento, desejou estar no seu quarto de Hogwarts, deitada sob o fino lençol utilizado no verão com o símbolo vermelho e dourado. Por um breve momento, desejou que todos aqueles dias de bebedeira, ressaca e sem significado nenhum simplesmente se apagassem de sua mente. Mas então se lembrou da noite que tivera ontem e como se sentira feliz, apesar das problemáticas dos dias anteriores. Tirando forças não se sabe de onde, abriu um olho muito lentamente, com a claridade do quarto ferindo-o. Seu primeiro ato foi abaixar o porta-retrato em que estava ela e o ex-namorado abraçados e rindo, deixando o virado em cima da carta do dia anterior.
Já em pé, com a preguiça consumindo-a viva, colocou o costumeiro robe rosa, jogou uma água no rosto, removendo a maquiagem que permanecia da noite anterior e desceu as escadas, esperando encontrar um belo café da manhã à mesa. Mas já no terceiro degrau em que descia, ouviu o barulho de louças sendo lavadas e o forte aroma do cafezinho pós-refeição. Desceu o resto das escadas correndo e entrou na cozinha arquejando e viu a família reunida em volta da mesa.
- Ah. – fez ela, com indiferença. Mais uma vez uma reunião familiar tinha sido feita. E avisar ela, nada. Custava tanto apenas dizer que viriam diversos parentes para sua casa? Seu ex-namorado frequentemente estava nesses almoços. Vai que ela dava de cara com ele ali, sem nem mais nem menos?
Caminhando até a geladeira e abrindo-a para pegar uma garrafa de água, ignorou os olhares que caiam sobre ela e logo em seguida passou pelo arco, saindo do cômodo onde todos estavam.
- Sabe, estou tão preocupada com ela. Toda noite ela sai e volta pelo amanhecer, mal fala com a gente. Não sei o que ela anda fazendo, mas vai que tem tomado drogas? Saído com gente perigosa?
- EI! SABIA QUE EU ESTOU OUVINDO? Mas é, faça isso mesmo! VÁ DISCUTINDO A MINHA VIDA COM OS OUTROS, JÁ QUE A SUA NÃO TEM NADA DE INTERESSANTE A SE DISCUTIR.
- Não fale assim com a sua mãe, Victoire! – disse Gui Weasley, com seu tom aparentemente calmo, mas que irradiava sua fúria – Você quer sair, saia. Quer ficar com qualquer cara que aparece, fique. Quer passar a noite bebendo whisky de fogo, passe. Mas não se atreva a repetir tais palavras na minha casa.
- Acrescente mais uma coisa a sua lista. Você quer distância dessa gente irritante e simplista, tenha.
E com isso, Victoire Weasley subiu para seu quarto correndo, ignorando os olhares de incredulidade e desaprovação de seus familiares. O ruído estridente da porta batendo e um vaso indo de encontro a parede ficou tão claro para a moça em seu quarto quanto para os Weasleys no andar de baixo.

- Quer que eu vá falar com ela, Fleur? – perguntou Ginny compreensivamente – Eu já passei por isso, posso ajudar.
Fleur ergueu o rosto que antes estava escondido entre suas mãos com dedos cumpridos e unhas bem feitas, e sorriu de forma agradecida para todos.
- Não, Gi, não se preocupe. Ela está assim desde que chegou para as férias de Natal. Deve ter acontecido alguma coisa, ela nunca foi assim.
- Ela não terminou com o Teddy? – perguntou James, desconfiado – Juro, se ele magoou a minha prima, ele vai ver só.
- É, aparentemente terminaram. Mas ela não quis conversar sobre isso.

Em seu quarto, Victoire só mantinha a carta recebida firme em suas mãos, considerando a opção de lê-la logo ou de deixar para trás mais um elemento do mundo em que ela se encaixava perfeitamente, mas que queria a maior distância possível.

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