Celle Nuit



- Você vai servir esse whisky ou não?
Thomas virou para o lado, na direção em que via aquela voz doce e ao mesmo tempo provocante, e com a mesma dificuldade que teve para ouvir as palavras ditas cortando aquela música alta, viu o rosto da menina entre a multidão que passava de um lado para o outro, carregando suas bebidas naquela agitação toda.
- Depende – disse o garoto olhando a jovem de cima a baixo, tentando reconhecê-la.
- E posso saber do que depende?
- Depende do que vai acontecer em seguida.
- E o que você acha que vai acontecer em seguida, querido?
- Bom, eu acho que eu vou me servir e em seguida – ele encheu seu copo de plástico até o whisky quase derramar e deixou a garrafa suspensa no ar – vou servir o seu copo, com devida permissão, é claro, e você me dirá seu nome. Então, iremos para um lugar menos agitado que esse centro de bêbados dançantes.
- Hum, palpite interessante o seu – E com um aceno de cabeça, permitiu que o garoto enchesse seu copo e ele assim o fez – Mas acho que nós vamos excluir a segunda parte, sabe como é, já não deveria estar aceitando bebidas de estranhos e muito menos sair com ele para um lugar deserto.
- Bom, se eu me apresentasse isso não mudaria muito, né?
- Acredito eu que não.
Ela tomou um gole considerável do whisky e se sentou num dos poucos bancos desocupados próximos ao grande bar redondo, cercado da enorme pista de dança com telões por toda parte e superfícies em que dançarinas e dançarinos se mexiam ao ritmo envolvente da música. Com mais um aceno de cabeça, ela convidou-o a se sentar no banco vago ao lado e observou com o canto dos olhos enquanto ele o fazia. Permaneceram em silêncio por uns três minutos, em que cada um olhava para o outro discretamente, mas não elaborava nenhuma frase de provocação ou brincadeira. Olhou novamente para ele e dessa vez, permitiu seu olhar a permanecer nele e avaliar cada aspecto daquele rosto que estava perdido em pensamentos.
- Ei, você não está aqui para se consolar de um pé na bunda, está?
Ele olhou pra ela, um tanto espantando com o comentário tão direto e exato, mas apenas sorriu e levantou o copo.
- Bem vindo ao clube, meu amigo.
Ela simplesmente bateu o copo no dele, com um sorriso de cumplicidade.




- E então um dia antes das férias de natal, eu recebo uma carta dele. Sabe como é, ele já saiu do colégio e tudo mais, é um relacionamento meio a distância. Na carta dizia que ele ia fazer uma viagem para o Canadá, pra estudar as relações internacionais m... é, as relações internacionais. Enfim, a gente já tinha combinado todas as férias, sabe? Os dias que a gente ia passar, aonde e tudo mais.
A jovem, que ainda não se apresentara, estava deitada na areia, sem se preocupar com a areia que sujava seu vestido preto curto e misturava-se com os fios de cabelo vermelhos. Olhava para estrelas, falando sem parar e deixando seu pensamento vagar até o Canadá, talvez. Mas ao mesmo tempo, uma grande parte dela estava ali. Uma parte que estava, desconhecidamente como, feliz.
- E o que você fez?
- Assim que eu cheguei em casa, peguei o celular do meu avô e liguei pro dele.
- Você não tem celular?
- Não, não é uma coisa que eu use muito – respondeu ela com um ar vago.
O silêncio voltou a reinar entre os dois e nenhum arriscou uma palavra durante um tempo. Mas não era aquele silêncio inquietante e incômodo. Era mais um silêncio de compreensão.
- E...?
- Vovô gastou uma boa grana aquele dia – a garota riu divertidamente – Eu disse que ele teria tempo pra viajar onde quer que fosse durante os outros dias do ano, mas que só teria aqueles dias das férias pra passar comigo.
- Ele foi mesmo assim?
- Por que você acha que eu estou aqui? – perguntou ela, virando-se de lado, de modo a ver o garoto que também não desgrudava o olhar dela. Ela apoiou a cabeça no cotovelo e observou o garoto dar um riso indignado ao mesmo tempo em que passava um carro em alta velocidade na rua atrás da praia em que ambos conversavam.
- Trouxa.
- Bom, não exatamente – disse ela, reparando na ambigüidade daquela conversa.
Thomas, agora deitado de lado também, olhou bem para a jovem ao seu lado, admirando seus olhos encantadoramente azuis, suas madeixas cumpridas de um vermelho vivo e berrante e suas pequenas sardas, quase invisíveis, a não ser a extrema aproximação, espalhadas entre suas bochechas coradas, de forma singular e perfeita. Sentiu um impulso gigante de só se aproximar e beijar aqueles lábios vermelhos e aparentemente macios; de colocar a mão na cintura, sentir a pele suave dela. Mas não. Não iria estragar aquele momento único, em que seu coração batia disparado, como poucas vezes fizera. Antes mesmo que ele pensasse em algo para dizer e não deixar suas vontades e pensamentos transparecerem tão claramente, ele ouviu a voz dela.
- Mas acho que estou feliz por ele ter ido.
Ele sorriu e ela, para disfarçar o embaraço e a cor cada vez mais forte de suas bochechas, puxou a mão dele, de modo a olhar para o relógio em seu pulso. “Pronto, to ferrado. Tava indo tão bem, agora ela vai me achar um maluco”. Ao olhar para o relógio diferente, com símbolos em vez de números e quatro ponteiros em vez de dois, ela olhou para ele com uma expressão confusa e interrogatória. “Não acredito. Será que ele é um...?” Ela sorriu. Ele deu de ombros. Ela se levantou. Ele também. Não é possível que algo fosse estragar aquela noite, até então, perfeita.
- Eu tenho que ir.
- Você... Você entendeu?
- Está tarde – ela disse fugindo do assunto e deu um beijo na bochecha do garoto confuso a sua frente – Prazer em te conhecer.
Ele, absurdamente confuso, segurou o braço dela e sabendo que não adiantava insistir no assunto, apenas disse:
- Você não vai sozinha. Pode ser perigoso.
- Eu saí de um bar com um estranho para uma praia deserta e não me aconteceu nada. Nada vai acontecer até a minha casa.
- É muito diferente. Eu estava completo de boas intenções, já muitos outros aí não. Além do mais, sua casa deve ser longe – protestou ele, olhando ao redor. Era um bairro basicamente comercial, com diversas lojas, restaurantes e bares, mas casas eram escassas ali.
Sim, de fato, ela morava incrivelmente longe; mas não levaria mais de 10 segundos para estar em frente ao portão de sua casa. Como explicar isso a ele?
- Não, longe nada! – disse ela com um sorriso simpático e nada verdadeiro – É aqui pertinho. Uns cem passos e eu estou lá.
- Ok, então vou com você. Não tenho hora pra chegar em casa.
- Ow, ow, ow. Pera lá, mocinho. Já querendo me levar em casa, é?
Um sorriso irônico surgiu na boca dela.
- Só querendo garantir a defesa de uma donzela, senhorita.
- Bom, essa donzela agradece, mas o senhor está quase sendo impertinente.
- Então acho melhor eu deixar você ir, não quero causar a impressão errada – ele sorriu e largou o braço dela, sendo que ambos já haviam esquecido que ele a segurava.
- Bom, vou indo.
- Até... – ele ia dizer até mais, mas algo o deteu. Será que veria ela novamente? – Até algum dia.
- É, assim espero.
Ela sorriu e seguiu em direção norte, andando cambaleante com suas sandálias de salto fino e preto nas mãos e o vento da madrugada a bagunçar seus cabelos. Ele observava-a de longe, a pensar o quanto aquela noite fora estranha e boa. Ele tinha planejado passar seu sábado bebendo e esquecendo os problemas, sem se preocupar com nada, sem desejar e nem tentar nada. Mas no entanto, lá estava ele, vendo uma linda garota andar, seguindo seu caminho, passando como uma flecha, rápida e imperceptível, por sua noite desplanejada.
- EI! – gritou ele, agindo impulsivamente – Você não vai me dizer seu nome? Fica difícil te procurar sem ter no mínimo um ponto de referência.
- NÃO! Assim as coisas ficam mais emocionantes.
Sim, aquela fora uma despedida. A chance de encontrá-la novamente era a mesma que um raio cair duas vezes no mesmo lugar. Então, sem mais o que fazer, dirigiu-se a outra direção, sul. Iria para casa, tomaria um banho e quando acordasse, teria sido como se aquela noite fosse única e eterna.




N/A: Yeeey gente \o/ Essa definitivamente não é a minha primeira fic, mas espero que seja a primeira a ser concluída :B Eu li e reli tudo umas, vejamos, mil vezes e posso admitir que gostei bastante do resultado. Espero que vocês gostem também.
E lá vai o típico comentário de autoras chatas, não esqueça de comentar e dar uma notinha!
Beeijocas
:*

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