Capítulo 10
Cap. 10 Explicações
Um mês e meio depois que Marrie foi embora, eu acordei estranho, com uma sensação esquisita de vazio no peito. Três horas da manhã, um grito rasgou o silêncio no escuro da noite. Anny! Eu levantei rápido e fui correndo desabalado até o quarto dela, a porta estava trancada. Eu e ela não falávamos direito desde a discussão que tivemos no caldeirão furado na qual ela realmente conseguira me irritar.
Mas quando eu ouvi ela gritando eu fui direto até seu quarto, os pensamentos ruins tomavam minha mente. Eu arrombei a porta com violência, eu nem tinha pego minha varinha na pressa. Fowl estava encolhida num canto da cama e chorava descontroladamente abraçada aos joelhos como uma criança assustada.
-O que foi? - Eu perguntei assustado com aquela cena, eu nunca tinha visto ela reagir assim a nada! Ela não me respondeu, chorava como eu nunca havia visto, dolorosamente, e as lágrimas. As mesmas lágrimas prateadas escorriam pelo seu rosto limpo. Eu cheguei perto dela e subi na cama ficando de frente para ela e segurando-a pelos ombros. Seu corpo pequeno era sacudido por espasmos intensos.
-O que aconteceu? Por que você gritou? Tinha alguém aqui? O que fizeram com você? - Ela apenas meneou a cabeça, negando todas as minhas perguntas. Se não era por nenhum daqueles motivos então qual era o problema? - Então porque você está assim?
O silêncio dela me afligia terrivelmente, eu simplesmente nunca havia a visto fragilizada daquela forma, como uma criança que se perdeu dos pais. Dava um certo desespero, odeio que chorem perto de mim, simplesmente detesto, nunca soube lidar realmente com esse tipo de coisa, desde que era bem pequeno. Principalmente se a pessoa a chorar for uma mulher, não sei o porque, simplesmente sei que é pior...
-Ela se foi... - Ela sussurrou em soluços, mas aquilo e nada para mim foi a mesma.
A minha mente procurava trabalhar rápido, e associar os fatos, receava que algo de sério havia acontecido.O grito que estrangulara o silêncio da noite era um barulho desumano, incompreensível e desesperador. Senti um arrepio ao pensar que assemelhava-se terrivelmente com tortura.
-Quem? Quem se foi?- as inúmeras possibilidades retumbavam em minha mente todas contidas antes que chegassem sequer à garganta.
-Marrie... - Ela disse e desta vez ela me abraçou forte, enterrando o rosto no meu pescoço e eu pude sentir as lágrimas prateadas e quentes que molhavam sua face.
-Marrie? O que tem ela?- Eu perguntei com uma de minhas mãos passando pelas costas de sua blusa azul-marinho quase preta. Ela passou muito tempo sem falar nada, apenas chorando e depois disse:
-Ela se foi. Marrie se foi.
Eu não entendi:
-Sim, ela foi embora faz algum tempo, mas...
-Não! Ela se foi para sempre!- Dela emanava uma coisa estranha, eu podia sentir ao seu redor. A tristeza era intensa ali. Ela emanava dor, sofrimento, uma carga realmente pesada de dor. Então eu comecei a entender o que ela queria dizer.
Mas não podia ser!
-Você quer dizer que... que ela...- Ela parecia saber o que eu queria dizer e apenas afirmou com a cabeça. - Morreu? Mas como? - Mas ela chorava tão intensamente quanto a chuva caia lá fora na janela, e ao seu redor tudo parecia mais triste, mais sombrio, mais apagado.
Ela chorava silenciosamente, quando os soluços pareceram cessar eu tentei continuar.
-Como você pode ter certeza? Você sonhou? - Ela ficou em silêncio por um bom tempo e falou em uma voz baixa.
-Não, foi real... Eu vi. - Ela estava tão triste que de repente eu passei a me sentir triste também, mas parecia que tudo ali chorava com ela.
-Como você pode ter visto? Ela está a quilômetros de distância, e você não aparatou.
-Draco, eu sou uma Transcendente. - Ela me olhando fundo nos olhos, mas eu não consegui fixá-los por muito tempo, eles literalmente congelavam os meus.
Foi nesta noite que eu soube, eu pude entender.
Eu já havia ouvido falar nas pessoas chamadas de Transcendentes, quando se mexe com artes das trevas se ouve falar em várias outras criaturas misteriosas é algo com o qual acaba se deparando, resta saber se são realmente reais ou não as criaturas. Eu particularmente não acreditava em algumas, era uma lenda. Nunca ouvira falar de um Transcendente de verdade.
De acordo com a lenda eram criaturas que podiam viajar entre várias dimensões, e isso poderia realmente explicar como ela podia ter entrado a minha mente daquele jeito, ignorando as barreiras, mas era simplesmente imaginário demais, impossível demais...
- A lenda é verdadeira... - Ela continuou com a voz vacilante. - Marrie também era... Eu avisei, implorei para que ela não fosse... E agora ela está morta.
-Como você pode ter certeza? É impossível.
-Eu posso sentir, você pode sentir. - Ela falou apontando para o meu tórax. - Você também sente, este vácuo, um vazio, algo como um buraco no peito, não sente? Tudo é afetado quando uma Transcendente morre. Tudo lamenta sua morte. - Ela tinha razão, a sensação de vazio no peito ao acordar, ela estava começando a fazer algum sentido, mas ainda não conseguia acreditar.
-O que você quer dizer com “tudo sente”?
-Tudo, todas as pessoas sentem isso, mesmo que não saibam o que é. A natureza sente, durante três dias inteiros nenhum pássaro irá cantar, o Sol não irá brilhar, as flores murcham e ficam cinzentas, e a chuva não para. Nós sempre vivemos escondidos, quase ninguém sabe o que somos, e quase nunca deixamos que nos vejam tristes.
-As lágrimas... - Eu sussurrei incrédulo para mim mesmo, eu nunca tinha acreditado na lenda e agora ela me dizia aquilo... Impossível, improvável...
-Sim, pelas lágrimas iriam perceber. Entende? É por isso que eu posso entrar na sua mente sem que você possa me impedir, por isso que na páscoa você não me achou no meu quarto. - Anny falou sem conter as lágrimas de prata que rolavam aveludadas pela face pálida e triste, amargas como o ar a sua volta impregnando tudo com terríveis sensações. Lágrimas de morte.
-Você estava no closet?
-Não existe closet nenhum, eu estava em outra dimensão cuidando de outros feridos, do jeito que nós cuidamos de você.
-Como vocês me curaram?- perguntei duvidoso.
-Pelo único modo que era possível, eu absorvi a sua dor. Eu absorvi toda a enfermidade de você, foi assim que você pôde se recuperar. Mas mesmo assim você ainda estava muito ferido mesmo que não doesse, eu tinha absorvido a sua febre e assim o corte se fechou e você conseguiu sobreviver. De outra forma você teria morrido.
-Você transportou meu sofrimento para você? Porque você faria isso? - Eu segurei ela pelos ombros e cheguei mais perto olhando dentro dos olhos dela, eu continuava a sentir a tristeza dentro dela.
- Porque é isso que eu faço, este é o que eu sou. - Eu não pude falar mais nada depois daquilo, eu olhava o fundo dos olhos e pude ver refletidos neles uma batalha, muito fogo e vários homens e mulheres lutando de todas as formas possíveis: punhos, espadas, armas que nunca havia visto. E então eu vi, eu pude compartilhar a visão que ela teve, lá estava Marrie com duas flechas cravadas no peito e sangrando bastante. E então tudo desapareceu, eu voltei a ver aqueles olhos castanhos, penetrantes e profundos me encarando de forma tristonha. As lágrimas prateadas escorrendo pelo rosto. Nossos rostos estavam a dois centímetros e algo na minha mente me entorpecia ao ponto de não conseguir mover um músculo, paralisado.
Um pânico aterrorizante se espalhava como veneno em mim. Então em um gesto imprevisível e suave ela juntou seus lábios aos meus em um contato leve como uma brisa quase irreal, melhor dizendo, surreal. Ela parecia fluir em todas a direções, sendo tudo e estando em tudo. O tempo parou por segundos.
Não me movia, não sentia pânico, não sentia dor, não estava mais confuso. Simplesmente não sentia nada, apenas a escuridão de meus olhos fechados que parecia me envolver naquele leve contato, não mais que um roçar de lábios. Então tudo começou, mesmo que ambos continuássemos imóveis.
Eu nunca tinha visto nada como aquilo, era como se eu compartilhasse tudo com ela. Pedaços de memórias, tanto minhas como delas, passavam como um filme diante dos meu olhos fechados, corriam como fatos arrastados por uma ventania. Eu senti tudo ao mesmo tempo, tristeza, alegria, raiva, carinho... Minhas mão mortas ao lado do meu corpo, extasiado com tudo que sentia, anestesiado do mundo, preso apenas na ponte entre eu e ela. Num ritmo frenético e rápido todos os pedaços de memória que passavam pelos meus olhos fechados deixavam rastros pela minha pupila.
Isso tudo era tão sem motivo, tão sem fundamento, tão de repente. Nós permanecemos daquele jeito por sei lá quanto tempo. Era só e só como se fôssemos um só; ligados por uma conexão física e mental, como se soubesse tudo sobre o universo, como se não houvesse barreiras, como se estivesse além da morte, mas eu não estava. Então tão de repente e sem causa, como começou terminou.
Afastei-a quebrando o contato, sua respiração era pesada, eu não entendi nada do que eu vi, fiz ou o que quer que seja. Eu fiz menção de falar, mas eu abri a boca e não consegui formular nada de útil, nenhuma frase saiu. Ela percebeu e colocou um dedo sobre meus lábios, mas mesmo assim eu disse.
-O que era aquilo, aquelas coisas nos meus olhos...? - Eu sei que foi ridículo, mas naquele momento foi tudo que eu consegui dizer.
-Desculpe, é que quando estou muito conturbada, como agora, não consigo controlar meus sentidos e tudo flui de mim, como você pode ver. Desculpe. - Então aqueles flashes eram uma mistura do que ela estava sentindo naquele instante com o que eu senti. Impressionante como eu pude compartilhar de tudo, todos os sentimentos. Eu não pude evitar e fiquei de boca aberta, então ela continuou. - Escute Draco, me desculpe por tudo isso estar acontecendo, nada disso devia ser verdade. Eu realmente gosto muito de você, mas ao mesmo tempo eu sei que eu não reservo nenhuma felicidade para você, nem mesmo para mim, para ninguém. Não é isso que eu desejo... Eu te salvei, não serei a responsável pelo seu definho. Não, não é isso que eu quero para você. Eu peço desculpas. - E ela continuava lá, chorando silenciosamente na minha frente e alguns minutos depois ela se virou e foi até o espelho enorme na parede, ficando totalmente de costas para mim.
Ela sussurrou:
- Mithrrell. - Bem baixinho e andou para a frente. Eu quase a avisei que ela ia bater no espelho, mas eu não disse nada. Ela simplesmente atravessou o espelho ali na minha frente e eu pude ver a superfície dele ondular como a água de um lago quando se joga uma pedra dentro. Quando ela desapareceu eu estiquei o braço para impedi-la, mas ela não estava mais lá, já tinha ido e o espelho voltado ao normal. Eu cheguei a tocá-lo para ter certeza, mas ele voltara a ser apenas um espelho.
E ficou apenas aquela sensação inexplicável de vácuo no peito. A chuva caia lá fora e as plantas em um vaso sobre o criado mudo estavam murchas e cinzentas, totalmente sem vida. Como de tudo lamentasse. Tudo estava de luto por Marrie, eu tinha razão quando pensei que depois daquela páscoa nunca mais veria a francesa.
N/a: demorou um pouco mas saiu...
No more comentzz *protege das pedras*
beijoss!!
Anny
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