A Dor de Todas as Dores



- Percy?! – exclamaram em coro os três.
- O que você está fazendo aqui? – George fora o mais rápido na pergunta.
- Eu fui atrás do comensal que atingiu mamãe... Nós entramos floresta adentro. Eu diria que o assustei... Meu rosto não devia estar dos mais agradáveis.– Os olhos de Percy estavam em um vermelho-transparente que pareciam nunca mais sair dali – Eu o estuporei. Estava voltando quando fui atacado por centenas de aranhas... .Não tive chances sozinho.
Antes que Rony ou George pudessem se expressar, Hermione interpelou:
- Por que você decidiu se manter fantasma, Percy? Por que a eternidade vazia?
- Eu... Eu queria acompanhar para sempre as mortes. Neste plano, os fantasmas têm duas opções: ou vivem com vivos, sem ter lembranças daqui, ou vivem com os mortos, ajudando-os a se encontrar... Uma espécie de funcionários, entende? Eu nunca conseguirei me livrar do peso da vida, tenho certeza! Prefiro ficar aqui na barca e orientar quem precisa...
- Percy, meu ex-arrogante, irmão, você me surpreendeu! – George parecia demorar para crer no que ouvira – Você abdicou de uma chance de benefício, da chance de ‘paz eterna’, em nome de algo tão incerto? Sabe, sua tentativa de redenção pode lhe custar uma visão de bancos de barco sem fim!
- Já não me importo. – Percy ergueu os ombros em sinal de indiferença.
- Como tem sido a vida plasmática, senhor salvação? – O tom de George, antes zombeteiro, era de profunda compaixão – Muitos lamentos e correntes se arrastando... ‘oh, se eu não tivesse tomado tantos hidroméis...’ – George fez uma cara retorcida e cômica, com a mão no estômago.
Percy sabia qual era a tentativa de George, mas não conseguiu achar graça. Ele o observou por um instante e, num suspiro, disse:
- Triste demais parar rir.
Todos ficaram em silêncio. Eles sabiam que tipo de rumo a conversa tomaria se alguém continuasse, e ninguém estava interessado. O constrangimento estava insuportável até que, para alívio de Rony, cujos dedos tamborilavam no seu colo em sinal de impaciência e os olhos fitavam o rosto ruivo a sua frente com aflição, Hermione mudou, de novo, o assunto:
- Percy, não sei quanto tempo está aqui, se é que tempo existe. Mas o que você sabe sobre a cidade onde a barca está indo? – Sua voz parecia querer contornar as partes perigosas do trajeto, que Rony sabia, eram inevitáveis.
- Eu... Bom, não foram muitas viagens que eu acompanhei. Não consigo sentir mais nada também. Sensações novas ou físicas não ocorrem em um fantasma, vocês sabem. Mas... Sempre que atracamos, as pessoas sentem dores. Seguram o peito, ofegantes, algumas desmaiam... Outros se ajoelham como se algum um trasgo estivesse montado em suas costas. Devo dizer, é uma cena muito sombria. Os outros tripulantes me disseram que são os efeitos da vida. Não entendo bem a intensidade disso.
O jovem fantasma parecia nervoso com os olhares vidrados dos três conhecidos a sua frente. Havia escondida nele, também, a impressão de que ele fora forçado, sob promessa, que não poderia contar algo. Sua boca tremeu lateralmente. Querendo evitar se aprofundar no momento do desembarque, continuou:
- Quanto à história da cidade, parece que ela não tem origem conhecida. Nenhum dos tripulantes sabe... Está ali, na sua forma iluminada, há muito tempo.
Rony não estava gostando daquilo. Devia confiar naqueles fantasmas? Esse destino era realmente inquestionável? Não havia fuga? As supostas fugas eram mesmo ser um fantasma ou vagar sem memória? Não havia mais nada? Que coisa mais louca! Isso era muito desesperador! Quanto seria o sofrimento na cidade? Quanto eles agüentariam procurando seus amigos e família? Dava para não “sucumbir ao vazio”? Se ele conseguisse, George e Hermione conseguiriam também? – “Claro, seu idiota, claro que conseguiriam! Se você conseguir, todos eles conseguirão!”.
Sua mente vagava num mar confuso, sendo despertada pela exclamação de Hermione perto da janela:
- Estamos chegando!
Ele olhou por cima dela, encostando o queixo nos seus cabelos. Houve um calor que ele resolveu ignorar a fim de se concentrar em suas observações sobre a aparência da cidade. Havia edifícios pedregosos, com largas e arqueadas janelas emitindo uma luz branco-amarelada.
Os edifícios se repetiam num horizonte sem fim. O tom azulado das ruas se refletia nas paredes, dando um ar deprimido à paisagem. Perto do que parecia ser um cais, haviam estabelecimentos de madeira, cujas sacadas estavam cobertas por uma névoa, fazendo tudo parecer vazio. Ele não estava mesmo gostando nem um pouco daquilo.
- Um tanto obscuro, não? – O seu medo estava mascarado na entonação descontraída – Não me parece um lugar legal para se passar muito tempo...
- Foi o que eu disse, isto já não me cheirava muito bem! E, puxa, isso é pior! Eles devem escolher os peixes pelo odor mais podre! – George estava ao seu lado tentando enxergar também.
- Não temos muitas escolhas, temos? - Hermione respondeu baixo, mantendo a face fixa na janela.
O fantasma de Percy sumira. Eles puderam o localizar junto aos outros tripulantes, organizando a fila da saída.
- Com calma, meus amigos! Vocês sabem que não há porque ter pressa... – dizia o fantasma que falara com eles primeiro.
- Isso é um tanto grosseiro de se dizer! – comentou Hermione, exasperada.
- Bem... Mas é verdade, não? – disse Rony com sinceridade.
- A verdade pode ser dita de outras formas – Ela terminou num sussurro.
Ele não iria continuar. Por mais que não tivesse se incomodado com a frase do fantasma, sabia que era o tipo de coisa que afetava a sensibilidade de Hermione – depois de muita prática – e que, de certa maneira, ela tinha razão.
Os três acompanharam a fila. Ao passar pelo portão, Percy os chamou:
- Ei! Preciso dizer algo!
- Qual o segredo da felicidade, meu caro Percy? – George olhava-o divertido.
Um sorriso se esboçou na face transparente do Weasley de óculos.
- Receio não saber o que os espera, mas sei de alguém que os espera. Ele está sentado no cais desde minha primeira viagem. Eu precisava dizer isso a vocês! Não pode haver desencontro!
- Quem, Percy? – Rony perguntou.
- Fred.
Rony sentiu como se tivesse tomado algo muito quente que lhe corria da garganta ao estômago. Algo que aquecera todos as suas veias. Ergueu os punhos em incontrolável comemoração. Ele viu os olhos marejados de George, antes de ter seu braço puxado por Hermione, que fizera o mesmo com a outra mão no braço de George, num ataque de felicidade, agarrando-os e dando mini-pulinhos enquanto dizia:
- Ele está aqui, meninos! Está mesmo aqui!
- Sim, ele está aqui! Evidente que está... – retribui George.
Imersos no entusiasmo, não deram atenção ao adeus de Percy, que voltava ao barco. Quando se deram conta, estavam sós. Lamentaram a despedida seca. Fora a última vez? Antes mesmo que pudesse refletir sobre isso, Rony viu George sair quase correndo, passando o portal do dique e atravessando a névoa. Acompanhando-o, nem reparou que ele parara, até que... Dor.
Rony sentiu toneladas de um peso sem forma cobrirem seu corpo. Era como se houvesse dor em todos os seus ossos, em toda a sua carne, de uma intensidade insuportável. Sua cabeça pesava como se o maior dos pedregulhos dos campos da Toca estivesse em seu lugar. Seus movimentos estavam endurecidos. Um frio o congelava...
Aquilo era o que diziam? Era sua culpa e seu apego à vida que pesava tanto assim? Ele tentou olhar para o lado. Angustiado, viu um vulto que sabia ser Hermione, ajoelhada, gemendo como se estivesse lutando contra o peso. A cada tentativa ela ofegava mais e mais, parecia que uma hora não conseguiria respirar. George parecia um pouco melhor do que ela. Ainda estava de pé, embora mantivesse a cabeça baixa e as pernas separadas, tentando não ceder à carga que se apoderava dele.
Em sua mente, uma sobrecarga de pensamentos girava numa velocidade irrefreável:
“O que estou fazendo? Por que tanto peso? Não me sinto tão apegado! Eu queria ter sido mais útil, eu queria que minha família tivesse se salvado, eu queria poder estar ao lado das pessoas que deixei em vida... Queria ter derrotado Voldemort para ver todos felizes novamente, ou, muito melhor, que o próprio Harry não tivesse morrido tentando! Teria eu, imprestável, se tivesse ido com ele na hora de enfrentar aquele demônio, possibilitado a nossa vitória? Talvez me sacrificando... Como vou saber? E se eu não tivesse corrido feito um louco, Neville estaria vivo? Ele poderia ter alcançado Voldemort? E minha vida se acabou! De que adianta? Se eu tivesse feito as coisas do jeito que meu coração mandava, certamente teria aproveitado melhor...”
Aquela organização de idéias só o fazia sentir seu peso mais insustentável:
“Mas... Aqui estou eu, perto de metade de minha família, perto de amigos que deram suas vidas em nome de um ideal... Eles não devem estar se lamentando. Devem estar felizes pelo que fizeram, seu fraco! Estou perto de Hermione... É minha culpa ela estar aqui! Droga, grande presente, heim?! Que beleza de futuro! Que não existe! Merda! Da onde vem isso? Você está sendo egoísta de novo! Que grande novidade! Você está feliz com ela ao seu lado? Se bem que... Aceitando nosso ‘destino’... Na falta de definição melhor... Nós... Nós conseguiremos nos sentir livres para aproveitar a companhia um do outro? Ham... Ela quer isso? Não! Já foi tempo em que eu podia me questionar sobre isso! Seja lá o que ela viu em mim, depois do que nos aconteceu, ela deve pensar do mesmo modo... Eu acho...”
Ele sentiu uma pequena leveza com relação ao peso.
“Preciso... Preciso me livrar! Eu sei que acabou. Não há mais volta! Preciso, sei lá como, sentir que nada do que não foi, ou do que foi e se foi para sempre, deve ser carregado!”
Mais uma vez, o peso diminuiu. Agora ele sentia que podia se movimentar, embora com um pouco de dificuldade ainda, como se estivesse andando debaixo da água.
Sua imersão nos próprios pensamentos o fizera alheio do seu redor. Ignorando algumas pessoas que vieram com eles no barco, percebia agora que George estava deitado de costas para o chão, inspirando forte, cansado de lutar, mas parecendo conformado e solto. Hermione tinha a cabeça no colo, ajoelhada na superfície cinza de pedras. Ela movimentava os braços tentando se aquecer, tremendo e suando. Rony se dirigiu desesperado para ela, esforçando-se para ir o mais rápido que seus movimentos lentos lhe permitiam. Chegando nela, abraçou-a por trás, numa tentativa de aquecê-la. Ele não sabia direito o que fazer e isso lhe afligia. Procurou conversar com ela, para ajudá-la nos pensamentos. Direcionou sua voz ao ouvido de Hermione:
- Seja lá o que está te passando na cabeça, não desista, não ceda! Suas preocupações, frustrações... Não as remoa! Não há mais nada que possamos mudar lá! Eu sei que você sabe disso! Eu... Recuperei meus movimentos pensando em você. Não sei se com você funciona, mas... Eu estou aqui! E... É tão estranho! Se esse é o que chamamos de fim... Bom, estamos juntos! Por favor, não pode ser tão ruim assim!
Ele sentiu um reflexo involuntário nos braços dela, mas eles continuaram junto a seu corpo. Com um pouco de esforço, Rony ouviu um murmúrio por de trás da visão que ele tinha da cortina castanha dos cabelos dela:
- Fim...
Rony percebeu que ela ia continuar a frase fazendo um movimento. No entanto, tudo que aconteceu foi ele sentindo o peso do corpo dela se pendurar em seus braços. Ela havia desmaiado. Apreensivo, ele a virou para si e examinou seu rosto desacordado. Havia um esboço de sorriso em seus lábios, o semblante era calmo. Rony chamou-a inutilmente. Considerou que ver seu pulso seria desnecessário, embora, misteriosamente, eles respirassem. Ela respirava. Isso já o deixava um pouco aliviado.
Levantando seu rosto para mirar sua frente, percebeu George vindo em sua direção, cambaleante, com cara de quem acabara de acordar, mas contente. Seus movimentos estavam mais leves que os de Rony.
- Você conseguiu se mexer, então, Roniquinho! Que orgulho! Bom... Parece que ela não... – George inclinou-se de leve para analisar o rosto de Hermione. - Não parece grave... Consegue carregá-la? Levaremos sua donzela para algum lugar mais seguro, se é que isso existe por aqui... Algo para dor de cabeça também cai bem... Vamos?
Rony levantou-se com dificuldade. Ele tentou se livrar dos pensamentos relacionados à sua vida novamente. Estava ficando um pouco mais fácil. Com Hermione nos braços, seguiu George, que andava de um lado para o outro em busca de Fred.





__________________________________________________________________



N/A: Fico me perguntando se eu sei qdo parar um capítulo. Dessa vez foi mais difícil. Eu não sabia se continuava. Optei por não, pq o clima muda. Esse capítulo é mto denso para o que vem depois =)

Espero q estejam gostando. Foi bem defícil fazer a " sobrecarga de pensamentos que girava numa velocidade irrefreável". Meu perfeccionismo querendo q ele ficasse bem coeso e verossímil... Está sujeito a alteração ainda, mas eu torço para q os satisfaça.

Beijos mil :***
Não deixem de comentar! ;-)

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.