Cap II
Em 1957, Darlington, na Inglaterra, era um distrito isolado, encravado em meio a grandes planícies e rodeado por dezenas de fazendas. Como qualquer lugar pequeno, a vida era tranqüila e monótona: resumia-se em freqüentar a paróquia, ir às festas religiosas, assistir as peças de teatro apresentadas pela comunidade e ir ao mais esperado baile do ano: o baile de formatura dos alunos da Escola Hogwarts.
Naquele ano eu estava completando o ginásio e me preparando para ingressar na Universidade de Londres. Não posso dizer que era um bom aluno e muito menos que possuía o carinho e respeito dos moradores mais antigos. Na verdade, era o tipo de rapaz que as mães alertavam a seus filhos “Não ande com o Wesley. Aquele menino não passa de encrenqueiro. Do jeito que está, vai terminar na cadeia”. Bom, era mais ou menos isso. Esse é o grande problema das cidades pequenas: transformam qualquer travessura em crimes terríveis. Eu não era tão mal assim! O máximo que fazia era roubar frutas no quintal do sr. Carl, arrumar guerra com os rapazes do bairro vizinho, onde eu e minha turma costumávamos atacar com estilingues carregados de pedras e azucrinar o velho pastor Granger, chamando-o de rabugento fornicador quando ele deixava a paróquia aos domingos. Isso porque seus sermões eram terrivelmente chatos e na maioria das vezes condenava os fornicadores ao fogo do inferno. Esse era meu passatempo favorito quando criança e eu nem sabia o significado da palavra “fornicação”. Lembro-me com clareza do senhor miúdo atravessando o jardim da praça, com a bíblia na mão, os cabelos brancos, o corpo franzino, enquanto eu e meus colegas, escondidos atrás das árvores, gritávamos os palavrões. Mas ele não se deixava enganar, na maioria das vezes resmungava baixo e continuava seu caminho: “Sr. Wesley, Deus perdoa as crianças, mas ele também sempre se lembra de suas ações” – era isso que me dizia e eu ficava ali, tampando a boca com a mão para abafar as risadinhas.
Mesmo se pudesse imaginar meu futuro ou se me esforçasse em tentar adivinhá-lo, jamais pensei que minha vida estaria ligada à do velho pastor e que, através dele, minha vida seria mudada para sempre.
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Tudo começou com o grupo teatral da escola. Não que eu fosse um grande ator, mas era isso ou Química II e eu não estava em condições de escolher. A primeira vez que entrei no velho teatro e me vi rodeado de alunos esquisitos, quase desisti e até mesmo, por um breve instante, acreditei que seria melhor apreciar a bela professora de química, mas minha mente me trouxe à realidade ao lembrar-me da tabela periódica, das unidades moleculares e fórmulas; foi o suficiente para continuar ali.
A senhora McGonagall era professora de teatro. Vê-la andando com as pernas compridas e esqueléticas, os óculos grandes e de lentes grossas, com o chapéu estranho na cabeça que não tirava por nada era, no mínimo, uma visão engraçada. Mas isso era apenas o começo: na turma ainda estavam: Goyle, um aluno que eu duvidava se lembrava o próprio nome, Luna, uma esquisita que usava brincos de rabanete, Collin, um nerd alérgico a poeira que espirrava durante todo o tempo, alguns alunos que nem sequer me dava o trabalho de saber os nomes e, por fim, Hermione Granger, que eu conhecia desde o primário, com seus cabelos castanhos presos em um coque bem apertado, um casaco velho que sempre vestia e um sorriso permanente em seu rosto, o que me causava um certo mal estar e que por muitas vezes me fez perguntar se ela estava com o rosto paralisado. Não tinha amigas e ficava o tempo todo sozinha, lendo a bíblia, que aliás carregava pra todo lado. Não era linda, mas também não era feia. Era esquisita...
Tudo que eu fazia era ficar sentado durante uma hora, tentando não gargalhar com os ensaios e às vezes tentando não dormir. No entanto, não estava em meus planos que acabasse tendo que me apresentar na peça teatral anual que mobiliza a cidade, uma vez que os alunos de Hogwarts seriam os responsáveis pela apresentação naquele ano. Tal idéia surgiu do pastor Granger, aliás, pai da Hermione. Era ele o autor da peça, uma encenação sobre a visita de um anjo a um homem na véspera de Natal que tinha perdido a esposa e que, sozinho, criava a filha. Mais tarde, ficaria sabendo que aquela peça era baseada na história de vida do velho pastor, viúvo e de sua filha órfã de mãe e perceberia também que a vida é mais cruel e significativa do que eu acreditava que fosse.
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