A dama da floresta



Sem perder tempo o grupo atravessou o rio Limcaro em uma balsa muito antiga que Rony fez se mover lentamente utilizando uma comprida vara de madeira. Caminharam a manhã inteira através dos campos desertos, subindo e descendo pequenas colinas até finalmente atingirem o ponto em que o rio Anduin se encontrava com o Veio de Prata. Ali, havia uma pequena cachoeira, tão serena e constante que mais parecia uma cortina encantada que separava o mundo dos sonhos da realidade. O lago que se formava aos pés da queda d’água era raso o suficiente para que pudessem atravessar, e a silenciosa comitiva seguiu seu caminho através de pedras esverdeadas e cobertas de limo até finalmente atingir a margem oposta do Veio de Prata.
A floresta que se encontrava entre os dois rios era mais imponente do que qualquer uma que os garotos já tinham visto, com arbustos densos e árvores de tronco liso e cinzento. O lugar era incrivelmente escuro, pois as copas das árvores impediam a entrada da luz e os poucos raios solares que conseguiam perfurar a cobertura das folhas, salpicava o chão com pequenos raios resplandecentes, dando ao ambiente um ar fantasmagórico. Não havia trilhas ou estradas para serem seguidas, e depois de caminhar em círculos durante algumas horas, os garotos tinham perdido completamente o senso de direção, e uma nevoa fina começava a envolvê-los.
― Acho melhor olhar o mapa – murmurou Harry – Essa floresta é meio estranha, parece que esta tentando nos impedir de chegar até Lórien.
Imediatamente Hermione consultou o mapa, e para seu espanto tudo o que encontrou foi a rosa dos ventos e a flâmula que indicava “Floresta segura”. Todas as outras informações tinham desaparecido misteriosamente e o pergaminho tinha se tornado praticamente em branco.
― A floresta deve ser protegida contra mapeamento – disse Hermione – Nós vamos ter que encontrar o caminho sem o mapa. Acho que se continuarmos rumando para o Norte vamos acabar chegando ao centro da Floresta.
― E você ainda sabe para onde fica o norte? – perguntou Draco – Nós estamos a horas andando de um lado para o outro, e essa floresta é tão fechada que mal dá pra saber se é dia ou noite, quem dirá pra onde fica o norte...
― Isso é fácil de resolver – disse Harry tirando a varinha do bolso – É só tentar um feitiço norteador.
Todos olharam para ele com ar de incredulidade, mas Harry sentia-se incrivelmente seguro com aquele feitiço, que tinha lhe salvado a vida muitas vezes no labirinto da última tarefa do Torneio Tribruxo. Sem titubear Harry ergueu a própria varinha e murmurou:
― Me oriente!
Subitamente a varinha começou a vibrar na mão do garoto cada vez mais intensamente, e atingiu uma velocidade tão assustadora que acabou escapulindo da mão de Harry e rodopiando pelos ares até atingir o chão.
― Eu não entendo – disse o garoto recuperando a varinha – Esse feitiço sempre funcionou tão bem! Era para a varinha ter indicado para que lado fica o norte.
― Acho que as proteções de Lórien para não ser localizada são ainda maiores do que imaginávamos – respondeu Hermione apreensiva.
A nevoa se tornava cada vez mais densa, fazendo com que os garotos começassem a ter dificuldade em encontrar uns aos outros e Draco imediatamente desfez o feitiço levitante que vinha mantendo desde a aldeia, para que Anne fosse transportada. No meio daquela bruma, era difícil controlar os próprios passos, e para evitar qualquer acidente Draco tomou a garota nos braços e passou a carregá-la sem ajuda da magia. Os cuidados de Neville tinham se mostrado fundamentais para manter a garota viva, mas agora que Draco a tinha junto de si podia sentir que seu corpo tremia como se um frio mortal a consumisse a despeito do estado febril que a fazia suar. “Ela não vai resistir muito tempo”- pensou Draco.

Gina, que caminhava no final do grupo, também estava absorta em pensamentos. Ela tinha a constante sensação de que alguma coisa entre as árvores chamava por ela, e a certeza de que não estavam sozinhos na floresta se tornava cada vez mais intensa. Os outros pareciam não ter notado, e, como era de conhecimento de todos, ver, ouvir ou sentir presenças que ninguém mais sentia não era um bom sinal, nem mesmo no mundo mágico, e por isso Gina decidiu esperar um pouco mais antes de contar a alguém sobre a estranha sensação que a acompanhava. Era como se as árvores farfalhassem a medida que ela caminhava, as flores na beira da estrada pareciam se voltar para acompanhar sua passagem, e sob seus pés a grama parecia se tornar macia e quente, como se a convidasse a tirar os sapatos de viagem, e sem nem mesmo perceber a garota descalçou-se.
― O que você está fazendo, Gina – indagou Rony perplexo – Você vai acabar pegando um resfriado colocando os pés nessa umidade. Se mamãe estivesse aqui, ela ficaria uma fera, e... Gina... Gina, você está me ouvindo?
A essa altura todos já tinham voltado sua atenção para Rony, mas Gina não dava o menor sinal de estar escutando o que o irmão lhe dizia.
― O que será que há com ela? – perguntou Harry intrigado – Ela está com um olhar estranho... parece que está vendo alguma coisa que ninguém mais vê.
De fato, para Gina a floresta se movimentava cada vez mais intensamente. Não só as flores como as árvores pareciam se afastar para dar-lhe passagem e isso fazia com que uma nesga de luz iluminasse o caminho por onde deveria seguir. A luminosidade ao misturar-se com a bruma criava uma atmosfera sobrenatural que parecia fazer com que Gina mergulhasse num transe cada vez mais intenso, e de fato não escutava uma só palavra do que os outros diziam ao seu redor, apenas o som de uma voz angelical que cantava em uma língua que a garota nunca ouvira antes.

“O mor henion i dhû
(Da escuridão eu entendo a noite)
Ely siriar, el síla
(sonhos fluem, uma estrela brilha)
Ai! Aníron Undómiel
(Ah! Eu desejo a estrela vespertina)

Tiro! El eria e môr,
(Veja! Uma estrela surge da escuridão)
I’lîr en êl luitha ‘uren
(A canção da estrela encanta meu coração)
Ai! Aníron...”
(A! eu desejo...)

― Onde ela está indo? – perguntou Hermione enquanto Gina seguia a luz que só ela via e a voz que só ela ouvia.
― Não faço a menor idéia – respondeu Rony nervosamente – Ela parece hipnotizada!
― Onde ela está indo eu não sei – disse Harry – mas é melhor nós irmos atrás dela. Se nos separarmos neste nevoeiro provavelmente não nos encontraremos mais.
Gina se aproximava cada vez mais da voz que a guiava saída de algum lugar do passado trazendo alento para seus temores. Sentia seu coração encher-se de paz e, se lhe perguntassem, a garota certamente diria que preferia nunca mais acordar daquele doce encantamento. No entanto, subitamente a voz cessou e Gina despertou do sonho que a embalava bem em frente a uma grande cortina de era que pendia dos galhos mais altos de uma árvore e se estendia até o chão.
― O que aconteceu? – balbuciou ela.
― Nós é que queremos saber o que aconteceu – disse Rony – Você de repente saiu andando feito um zumbi deixando os sapatos pra trás e sem responder quando a gente falava com você.
― Foi a voz – disse a menina ainda um pouco confusa – Ela estava cantando e a floresta parecia me dizer pra seguir a voz. Eu não sei direito como explicar, mas era como se as árvores deixassem a luz passar só pra me dizer onde eu deveria ir, e bem aqui ela parou.
Todos olhavam para a cortina de era com apreensão.
― Acho melhor a gente procurar outro caminho – disse Rony – Isso está me cheirando a arte das trevas!
― Acho que não – disse Gina acariciando a folhagem úmida – Eu não estou sentindo a presença da arte das trevas por aqui.
― Não sei não – respondeu Harry – Acho que o Rony tem razão, da última vez que eu ouvi uma voz que ninguém mais ouvia era um Basilisco!
― Vocês não entendem – disse Gina finalmente voltando-se para eles – Eu fiquei presa na câmara secreta com o Basilisco, e conversei com Tom Riddle durante meses. Acho que sou perfeitamente capaz de dizer quando alguma coisa está errada, e eu digo que atrás dessa cortina está um poder tão grande como eu nunca senti igual, mas ele não é ruim, nem bom, é simplesmente antigo e pesaroso, como se lamentasse alguma coisa. Parece que o coração de toda a floresta está pulsando neste lugar!
― E desde quando a floresta fala com você? – perguntou Rony meio intrigado, meio irritado e meio temeroso.
― Você está começando a me assustar Gina – disse Hermione torcendo as mãos.
Gina olhou para a amiga com carinho, e no fundo sabia que por mais que a achassem uma desmiolada com tendências auto-destrutivas todos se importavam com ela e só queriam seu bem.
― Vocês tem razão – disse ela sentindo-se um pouco frustrada, mas dolorosamente resignada – É melhor nós procurarmos outro caminho. Sabe-se lá o que tem aqui atrás.
― Como assim é melhor voltarmos? – berrou Draco se aproximando de Gina com Anne nos braços – Voltar pra onde? Não sei se algum de vocês reparou, mas nós estamos completamente perdidos, andando em círculos há horas enquanto a Anne morre.
Todos olhavam para ele sem, contudo dizer uma só palavra, e isso fez com que Draco se virasse para Gina e dissesse num misto de suplica e desafio.
― Está na hora de parar de agir como uma criança boba que baixa a cabeça sempre que alguém discorda de você, Weasley. Você realmente acredita que o caminho é por aqui?
― Eu não sei como, mas tenho certeza de que essa é a entrada – disse Gina fixando firmemente os olhos de Draco que pareciam arder em chamas.
― Então é por aqui que nós vamos – respondeu o garoto se aproximando da cortina de era – Anne não tem mais muito tempo, e eu acredito em você.
Gina nunca poderia ter previsto um voto de confiança como este vindo justamente de Draco Malfoy, mas independente da origem o gesto teve o maravilhoso efeito de fazê-la sentir-se forte e renovadamente segura de si. A garota aproximou-se então da folhagem entrelaçada que cobria a passagem e afastou-a delicadamente com as mãos revelando a floresta de Lórien em todo o seu esplendor.
Os garotos se detiveram por um momento, boquiabertos diante de tanta beleza. O gramado era de um verde brilhante e em toda sua extensão pequenas flores em formato de estrela salpicavam de dourado e prata a grandiosidade verde. As árvores tinham troncos pálidos como a neve, e pequenos filetes dourados se estendiam por toda a volta como cordões de ouro adornando a pele alva de uma princesa adormecida. As folhas, igualmente douradas, que pendiam aos montes das copas inclinadas, faziam com que a luz do sol se tornasse ainda mais brilhante. A direita, uma colina verdejante se erguia majestosa em torno de um lago de águas límpidas e tranqüilas, a esquerda a floresta se adensava novamente, e bem diante deles estava uma dama solitária vestindo um manto azul e prata, bela como o crepúsculo, resplandecendo como uma estrela noturna em meio a claridade do dia. Seus cabelos eram negros como a noite e seus olhos eram profundos e tristes, como se tivessem sido esvaziados da alegria de outros dias.
― É um fantasma – murmurou Rony em um misto de dúvida e constatação – Viemos parar em uma floresta mal assombrada graças a você, Gina!
― Cala a boca Rony – respondeu Gina com os olhos brilhantes de excitação – Você não vê que nós conseguimos! Nós encontramos Lorien, e aquela só pode ser a rainha Arwen.
O garoto olhou atentamente para a mulher que caminhava na direção deles, e que a seus olhos ainda parecia uma alma penada. Seu corpo era jovem e muito pálido, dono de uma beleza quase espectral, mas seus olhos tinham um brilho triste e antigo como a própria floresta.
― Não fala besteira – respondeu finalmente o garoto – Aquela não pode ser a rainha. A rainha Arwen deve ser uma velhinha que agora cozinha biscoitos em um pequeno casebre de madeira, e não uma super modelo usando vestido medieval.
― Você é mesmo um idiota, Weasley – disse Draco com ar de desdém – Você não prestou atenção em nada do que a Rowena nos disse? A rainha Arwen é a última elfa neste mundo, e os elfos nunca morrem de causas naturais e nem seus corpos envelhecem.
A essa altura, a rainha já estava a alguns poucos passos de distancia, e sua presença era tão solene que fez com que os garotos se calassem.
― Bem vindos a Lorien – disse ela com a voz amável – Que a estada de vocês nestas terras possa trazer alento para seus temores e clareza para seus questionamentos.
― Você é mesmo um elfo? – balbuciou Rony, sentindo-se imediatamente estúpido pela pergunta.
― Fui um dia – respondeu a rainha com os olhos perdidos em algum lugar no passado – mas por amor escolhi uma vida mortal, e substitui a dádiva dos elfos pelo destino dos homens, que é caminhar por estas terras e depois enfrentar a jornada rumo ao desconhecido. Eu sou Arwen Undómiel, a estrela vespertina dos elfos, que decidiu permanecer nestas terras para dar esperança aos homens, mesmo que meu caminho para além deste mundo agora seja tão incerto quanto o deles.
― Isso quer dizer que você vai morrer? – perguntou Hermione com tom pesaroso.
― Sim – disse Arwen como uma mãe amorosa que acalenta um filho aflito – Mas não se entristeça por mim. Eu vivi intensamente tudo o que se há para viver. Vi o desespero das guerras, e depois muitos anos de paz, nos quais reinei ao lado de meu marido Aragorn. Mas a morte o levou, e com ele meus filhos e também os filhos de meus filhos. Entenda, criança, o amor verdadeiro nunca nos abandona, e não há sentido algum em viver para sempre quando o amor tem que morrer. Agora que Aragorn se foi, só posso esperar que meu destino se cumpra para finalmente descansar.
― E qual é o seu destino? – perguntou Gina aproximando-se sem medo.
― Vocês são o meu destino – respondeu ela sorrindo com benevolência – Guiar os enviados dos Valar é minha última missão neste mundo. A última missão da estrela vespertina.
― Foi você quem eu ouvi cantando – disse Gina – Você nos trouxe até aqui.
Arwen olhou para a garota por um longo momento e finalmente disse.
― Sim, era a minha voz que cantava, mas não fui eu que os trouxe até aqui. Eu não poderia. A floresta escolhe seus próprios visitantes, e se ela os trouxe a mim, é por que vocês são bem vindos. No entanto – disse ela voltando-se para Draco que segurava Anne com força entre os braços - sinto um grande mal em torno de vocês.
Ouvindo isso, Draco depositou a garota na relva aos pés da rainha Arwen e disse:
― Ela foi ferida por um Wendigo. Fizemos todo o possível, mas acho que ela não resistirá por muito tempo. Você pode fazer alguma coisa para salvá-la?
Arwen aproximou-se da garota e tirou-lhe as bandagens com um toque tão suave que mal parecia haver contato entre os dois corpos. Sua expressão era muito séria ao ver o feio ferimento que pululava de um liquido viscoso e já dava à carne da garota um tom esverdeado. Os garotos estavam tão apreensivos que mal respiravam, e assustaram-se sobremaneira quando a rainha finalmente quebrou o silêncio.
― Quem é o responsável por este curativo – quis saber Arwen.
― Sou eu – disse Neville muito acanhado – Foi tudo o que deu pra fazer.
Arwen observou Neville com carinho por um instante que pareceu uma eternidade. Algo dentro dela pareceu se movimentar e um fino lampejo de luz pode ser visto em seus olhos.
― Você tem grande habilidade para a cura – disse ela – Será um grande curandeiro um dia.
Neville corou como sempre fazia nas poucas vezes em que recebia um elogio.
― Vê aquela florzinha comprida que nasce nos arbustos junto ao lago? – perguntou ela a Neville que acenou afirmativamente – Seu nome é asëa anarion, ou athelas, como ficou mais conhecida. É uma planta medicinal poderosa e certamente ajudará a aliviar o sofrimento de sua amiga. Por que você não vai até lá e traz algumas mudas até aqui?
Sem nem mesmo esperar um segundo comando Neville saiu em disparada rumo ao pequeno arbusto que crescia a margem do lago, e enquanto colia a preciosa erva, Arwen disse aos outros.
― Vamos precisar também de um pouco de água quente para macerar a planta.
Imediatamente Hermione apontou sua varinha para um pequeno tronco de árvore caído no chão e murmurou “Feraverto!”, fazendo com que o galho se transformasse eu uma tigela rasa de madeira.
― Agora só é preciso encher a tigela e aquecer a água – disse a garota apontando a varinha mais uma vez e dizendo – Aguamenti!
Um filete de água límpida jorrou da varinha de Hermione, e assim que o recipiente estava cheio a garota inseriu a ponta da varinha na superfície cristalina da água e disse:
― Relacio!
Na mesma hora a água borbulhou dentro da tigela e Arwen disse com um sorriso de contentamento.
― Que maravilhas nasceram da união entre homens e elfos. Vocês bruxos são certamente uma grande alegria para Ilúvatar, o criador!
Neste momento Neville aproximou-se com as mudas de athelas e ofereceu-as a rainha, que recusou polidamente e fez sinal para que o rapaz se aproximasse da tigela. Sem saber ao certo o que fazer, Neville amassou as folhas com as mãos e atirou-as na água. Imediatamente um odor adocicado emanou da infusão e todos sentiram-se um pouco menos oprimidos pela escuridão que os acompanhava desde a aldeia de Lim. A planta parecia ter o poder de curar não só o corpo, como também o espírito, e o simples respirar de seu perfume foi suficiente para que todos se sentissem revigorados e com as forças renovadas. Com todo cuidado, Neville banhou o braço ferido de Anne com a poderosa infusão e à medida que a mistura escorria pelo ferimento parecia levar consigo o veneno das garras do Wendigo. A coloração normal aos poucos parecia retornar a pele, a febre também pareceu baixar, e pela primeira vez desde o ataque, Anne abriu os olhos vagarosamente.
― Onde eu estou? – perguntou a garota ainda um tanto perdida.
― Você está segura em Lorien, criança – respondeu Arwen com doçura – Descanse para recuperar as forças, pois aqui você estará segura de todo mal.
― Não quero descansar – sussurrou Anne – Há dias estou presa em um pesadelo sem fim. Não quero fechar os olhos outra vez.
― Mornie alantië! – respondeu a rainha no antigo idioma dos elfos – A escuridão se foi! Não se preocupe mais com os pesadelos, eles eram causados pelo veneno.
Dizendo isso, Arwen deixou a garota aos cuidados de Neville, que ainda limpava o ferimento e preparava novas bandagens, e voltou-se para os demais.
― Todos vocês também precisam descansar. A noite se aproxima, e certos assuntos não devem ser tratados na escuridão, nem mesmo aqui em Lórien.
Dizendo isso, ela os conduziu até uma árvore comprida de tronco branco como as demais, mas que, no entanto diferia das outras por possuir uma pequena casinha de madeira encarapitada entre as folhas mais altas, e uma escada feita de uma corda prateada muito resistente pendia até o chão.
― Esta noite dormirão nas árvores como faziam os mais antigos de meu povo – disse Arwen indicando a escada – Assim que o sol da manhã despontar eu estarei aqui. Boa noite.
Sentindo o cansaço acumulado de dias de caminhada sem descanso os garotos subiram vagarosamente pela escada de cordas e, ao chegar ao topo, Hermione fez Anne levitar até o pequeno casebre dizendo:
― Wingardium leviosa!
A pequena casa na árvore no final das contas não era tão pequena assim. Possuía um único cômodo circular e espaçoso, com paredes verdes e prateadas e o teto dourado que enchia o lugar com uma luminosidade suave. Em toda a volta estavam dispostos colchões macios feitos com pena de aves aquáticas e cobertas quentes tecidas a mão pelas mais habilidosas tecelãs do povo élfico. Próximo a uma grande janela que dava para a floresta uma toalha branca tinha sido estendida, e sobre ela os garotos encontraram com felicidade uma travessa cheia de frutas da estação, um jarro de água fresca e muitos pãezinhos feitos de cereais e mel. Todos comeram e beberam, com exceção de Anne que dormia tranqüilamente em um dos colchões, e depois de saciarem apropriadamente a fome de dias, cada um dos garotos escolheu um lugar para dormir, e embarcou em uma viagem mágica, que pela manhã se perguntariam muitas vezes se tinha sido apenas sonho ou realidade.

***
Na manhã seguinte, os garotos despertaram junto com os primeiros raios da manhã, e o efeito curativo da misteriosa planta de Lorien tinha sido tão espetacular, que pela primeira vez em dias Anne pode levantar-se sozinha.
― Como você está se sentindo? – perguntou Neville como um médico preocupado que averigua a evolução de sua paciente.
― Me sinto muito melhor, apesar de ainda estar um pouco fraca – respondeu Anne com um sorriso – E acho que nunca vou poder agradecer tudo o que você fez por mim.
Neville corou até as orelhas. Não estava acostumado a realizar atos heróicos como salvar a vida de alguém, e receber um agradecimento como aquele era ao mesmo tempo prazeroso e incrivelmente encabulante.
― Imagine – disse o garoto tentando parecer natural – Você teria feito o mesmo por mim, não teria?
― È claro que eu teria – respondeu Anne pousando sua mão delicadamente sobre as mãos do garoto – Mas não diminua a grandiosidade do seu feito, Neville, pois nenhum de nós seria capaz de cuidar do ferimento como você fez. Eu lhe devo a minha vida, e nunca vou me esquecer disso.
― Dívidas como esta são mesmo muito sérias – disse Draco levantando-se do colchão ao lado – E eu espero que o nosso amigo Potter também não se esqueça disso, afinal de contas você quase se matou para salvar a vida dele, não é mesmo?
Os olhos de Draco faiscavam como os de uma fera enjaulada na direção de Anne e os dois se enfrentaram silenciosamente por alguns minutos.
― Eu teria feito o mesmo se qualquer um de vocês estivesse em perigo – respondeu Anne com frieza.
― Tenho certeza que sim – respondeu Draco enquanto sumia pelo alçapão que levava de volta a floresta.
***
Quando voltaram ao local de seu primeiro encontro com Arwen, a rainha já estava lá, sentada sobre uma fina toalha branca bordada com muitas cores, que se estendia longamente sobre a relva verde. Junto a ela, havia um café da manhã digno da realeza, composto pelas iguarias mais refinadas que a floresta podia oferecer. A rainha fez um gesto para que eles se aproximassem para acompanha-la no café da manhã, e os garotos rapidamente se acomodaram sobre a toalha recostando-se sobre almofadas macias que estavam dispostas em toda a volta.
― Espero que a noite tenha sido agradável, Enviados, pois as próximas que virão certamente não serão tão tranqüilas quanto esta – disse Arwen – Lorien é um dos últimos lugares nesta terra que não pode ser violado pelo mal, mas posso sentir que no mundo lá fora uma força maligna cresce a cada dia, e por isso é fundamental que continuem sua jornada sem demora.
A menção dos perigos que os esperava teve o poder de trazer o pesar novamente aos corações dos garotos que desde que entraram em Lorien sentiam como se sua missão estivesse cumprida e fosse hora de voltar para casa. Mas a verdade era que o mundo ainda corria perigo, e eles eram os únicos que poderiam fazer alguma coisa. Hermione fez um gesto rápido com a cabeça, atirando os cabelos para trás, como se isso fosse o bastante para espantar momentaneamente as preocupações e disse:
― Rowena nos disse que você é a única que pode nos ensinar o caminho para Valinor.
― Na verdade, eu posso guia-los na busca pelo caminho, mas não posso ensina-los a chegar lá – respondeu Arwen com seu tom etéreo – Entendam, crianças, eu mesma nunca estive em Valinor. Sou mais antiga do que vocês todos possam imaginar, mas nasci muito tempo depois dos elfos terem fugido para estas terras. Nasci aqui e abandonei meu pai e minha família quando todos rumaram para as terras abençoadas.
― Mas se você não conhece o caminho como vamos fazer para chegar lá? – disse Harry beirando o desespero.
Arwen levantou-se da relva, e fechou os olhos mansamente enquanto uma lufada de vento fazia seu cabelo dançar em volta do corpo. Ficou entregue a este devaneio silencioso por alguns instantes e finalmente disse:
― Não sei o caminho, mas ouço o chamado. A música dos Valar ressoa em meu coração como nos tempos em que eu ainda era uma menina. Posso ouvir as gaivotas, e o som do mar pedindo para que eu vá a seu encontro.
Seus olhos se abriram repentinamente, e a jovialidade que há poucos instantes tinha tomado seu rosto, subitamente desapareceu conferindo-lhe um ar ainda mais cansado do que o de costume.
― Eu ouço o chamado, mas este caminho há muito está perdido para mim. Meu destino está entrelaçado com o dos homens, e sinto que não voltarei a deixar esta floresta. No entanto, é a música dos Valar que levará vocês até as terras abençoadas, e este é o único conselho que posso lhes dar.
― Que conselho? – perguntou Rony com incredulidade – Ouvir um chamado que só você escuta?
Arwen olhou para ele por uns instantes, como se tentasse ler o que se passava bem no fundo de sua mente, e rompendo em gargalhadas disse finalmente.
― Vejo que os cabelos da cor do fogo não são a única coisa que você tem em comum com o povo dos anões, criança. Sua cabeça é dura como a rocha, e sua pouca fé naquilo que não pode ser visto impede que você sinta o poder supremo que conspira para que a missão dos Enviados seja bem sucedida.
Ainda sorrindo, Arwen levantou-se e disse ao se afastar rumo a floresta:
― Aprontem-se o mais rápido possível, eu os encontrarei aqui daqui a uma hora para as despedidas.
***

― Essa mulher só pode ter ficado louca depois de tanto tempo sozinha nessa floresta – disse Rony furioso enquanto atirava suas coisas dentro da mochila de couro que a esta altura da viagem já estava coberta de terra – Como ela espera que nós escutemos esse tal chamado que só os elfos são capazes de escutar? E essa coisa de falar por enigmas já está me cansando...
― Deixa de ser pessimista, Rony – disse Hermione enquanto recolhia novamente tudo o que o garoto tinha atirado ao chão enquanto arrumava a própria mochila – Se ela disse que existe uma maneira, deve realmente existir. Você não vou como a floresta trouxe a Gina pelo caminho certo? Não se esqueça que por menor que seja, todos nós bruxos ainda possuímos um tantinho de sangue élfico.
― No seu caso um tantinho bem pequeno não é mesmo Granger? – disse Draco entre dentes.
― Eu ouvi o que você disse Malfoy – Berrou Rony com a varinha em punho seguido por Harry.
― Não importa quão longe nós estejamos de casa – disse Harry – você não vai insultar a Hermione na nossa frente.
Draco olhou para os dois com descrédito, e cruzando os braços calmamente respondeu.
― Vá em frente, Potter. Seu heroísmo já se mostrou muito útil ao longo da viagem. Na verdade é bem fácil bancar o herói quando existe uma legião de pessoas pronta para se jogar na sua frente quando as coisas estiverem realmente feias – os dois se encararam por muito tempo e Draco finalmente prosseguiu – Belo herói você é, Potter, se estivesse sozinho certamente já teria arranjado um jeito de se matar.
Harry sentiu todo seu corpo estremecer de fúria, principalmente por saber que tudo o que Draco dizia era a mais pura verdade. Primeiro seus pais, depois Rony e Hermione, e agora Anne, todos arriscando a própria vida para salvar a sua. O garoto tinha plena consciência de que sem seus amigos não seria nada, e no fundo sentia-se um pouco confortado por isso. A vida toda tinha vivido sozinho acreditando que sua existência era meramente um fardo para os tios, mas nos últimos anos tinha aprendido a se sentir querido, e aprendido que o verdadeiro significado de “família” era proteger a qualquer custo aqueles que amava e ser protegido por eles. A dependência dos amigos era o que o mantinha vivo, e ouvir tal realidade sendo desdenhosamente despejada sobre ele por Draco Malfoy, fez cada fibra de seu corpo bradar em fúria.
― Parem com isso vocês três – disse Anne se colocando entre Draco e Harry – Brigar não vai nos ajudar em nada neste momento, e infelizmente o Draco tem alguma razão.
Todos a olharam com incredulidade, acreditando que ela se referia aos insultos que Harry tinha acabado de receber.
― A quantidade de sangue élfico que todos nós temos é ridícula se compararmos à dos membros do conselho – continuou ela apaziguando um pouco os ânimos exaltados – Não se esqueçam que nós somos do futuro e nosso sangue possui mais de dois mil anos de distancia dos últimos elfos. Se isso servisse para ajudar a ouvir o tal chamado, o conselho não precisaria de nós. Acho que a questão aqui não é de descendência, e sim alguma coisa pessoal. Algo que só nós podemos fazer.
― Acho que a Anne tem razão – murmurou Neville distraidamente enquanto acondicionava em sua mochila um punhado de Athelas, a planta curativa de Lorien – Afinal de contas nós somos os Enviados, não é mesmo?
― Vocês estão certos – disse Hermione com tom de quem decidiu encerrar a conversa – Seja lá o que teremos que fazer, nós certamente não vamos descobrir se ficarmos aqui discutindo. A rainha já deve estar lá em baixo esperando por nós. É melhor nos apreçarmos.
Todos prosseguiram com a arrumação das mochilas em silêncio, e ao chegarem ao local combinado, Arwen já esperava por eles, e para a surpresa geral, não estava sozinha.
― Nossos cavalos! – gritou Gina enquanto corria em direção aos animais – Como eles vieram parar aqui?
― Chegaram durante a noite, cansados e famintos – respondeu Arwen entregando a garota a rédea de sua montaria – Cuidei deles enquanto vocês dormiam, e estou certa de que já estão prontos para seguir viagem.
― Nós também já estamos prontos para partir – disse Harry – Só precisamos saber que caminho tomar.
― O caminho que os espera é aquele que vai em direção ao mar. Vou guia-los até a saída de Lorien que fica à oeste, e de lá vocês seguiram sozinhos. Sigam o Veio de Prata até chegarem à entrada de Moria. Antigamente este era um lugar terrível, mas depois da segunda guerra do anel transformou-se em um grande mercado onde os anões e os povos de todas as raças fazem seus negócios. Cruzem as montanhas por ali e depois sigam pela Velha Estrada de Moria até alcançarem o Caminho Verde. Sigam por este caminho rumo ao norte, e em pouco tempo serão capazes de ouvir as gaivotas. Quando finalmente encontrarem o mar, sua busca terá chegado ao fim.
― Só isso – disse Rony incrédulo – Nós só temos que chegar ao mar?
― Como eu já disse, criança, só posso ajuda-los até um certo ponto, pois eu mesmo nunca cheguei a Valinor. Mas encontrem o mar, e lá serão capazes de ouvir o chamado.
Dizendo isso, Arwen se pôs a caminhar, guiando o pequeno grupo pela densa floresta que se estendia a frente deles. Caminharam por horas incontáveis, e quando finalmente avistaram o campo aberto, a rainha voltou-se mais uma vez para eles e disse:
― É aqui que nossos caminhos se separam, Enviados, pois seguiremos para aventuras diferentes a partir deste ponto. Minha missão finalmente está cumprida, e devo abraçar o destino que escolhi tantas eras atrás. No entanto, antes de deixar este mundo, devo lhes dizer algumas últimas palavras.
A rainha mais uma vez olhou para cada um deles profundamente e parando em frente a Gina disse:
― Foi um prazer recebe-la em Lorien, filha da floresta, e não se esqueça nunca que o poder que vive em você é muito maior e mais antigo do que calcula, pois ele vem da terra e dos seres que a habitam desde o início do mundo. Tenha fé em si mesma e o poder se manifestará.
Caminhando alguns passos a rainha se deteve de frente para Hermione e disse:
― A sabedoria é seu dom, criança, mas nunca se esqueça que muitas vezes ela pode levar ao desespero e a arrogância. Quando o conhecimento é pleno, muitas esperanças se perdem e é neste momento que uma nova estrela deve indicar o caminho.
― Você, cavaleiro – disse ela a Draco – Tem o coração duro, porém nobre e vai precisar deixar-se evadir da mágoa para enxergar o verdadeiro caminho. Pare de desejar e o destino virá ao seu encontro. Grandes escolhas lhe serão apresentadas nesta jornada, e você vai ser obrigado a procurar as respostas dentro de você.
― Ótimo, ela continua fala por enigmas – resmungou Rony em voz baixa, porém audível, fazendo com que a atenção de Arwen se voltasse para ele.
― A sua sorte, meu rapaz, é que sua bravura e lealdade se igualam a sua pouca fé – disse ela olhando-o profundamente nos olhos – Você há de aprender que nem tudo o que reluz é ouro e que não só o que pode ser visto pode ser tocado. Tenha fé, e um novo mundo se descortinará diante de seus olhos.
Dizendo isso, Arwen acariciou gentilmente os cabelos do garoto e voltou-se para Harry, que estava de pé ao seu lado.
― Você, meu rapaz, tem uma grande missão a cumprir, e, por mais estranho que pareça, as armas que você utilizará para lutar contra o grande inimigo lhes serão apresentadas nesta jornada. Cultive suas amizades, e aprenda com cada acontecimento, pois o mal ronda seu destino, e no final só seus amigos e suas lembranças poderão auxilia-lo.
― Você, criança – disse Arwen dirigindo-se a Neville com os olhos cheios de um brilho intenso que demonstrava uma grande alegria que parecia emergir do cansaço – tem o dom da cura, e o dom da cura o tem. Vocês são parte de uma mesma essência e ela lhe cobrará um preço muito caro no final. Mas não tenha medo e nunca subestime seu potencial, na hora certa seu coração lhe dirá o que fazer.
Arwen finalmente sorriu, abraçou cada um deles e disse:
― Agora vocês devem se apressar, pois o futuro desta terra e de todos os povos dependem de vocês. Que as bênçãos dos Valar lhes acompanhem e não esqueçam de ouvir a música.
Os garotos montaram em seus cavalos e rumaram na direção norte indicada por Arwen. Anne ficou um pouco para traz por sentir ainda um pouco de dificuldade para montar sozinha. Seu ferimento estava quase curado, mas ainda sentia algumas dores e uma grande fraqueza. Arwen aproximou-se para auxilia-la e colocando as mãos da garota entre as suas disse em tom solene.
― Deixei que eles fossem, pois o que deve ser dito a você não deve ser ouvido por outros. Você é um perigo para si mesma e para aqueles que a acompanham. Esta fera que dorme em seu peito e envenena seu sangue não há de se satisfazer até que sua alma esteja perdida para sempre.
― Mas eu pensei que a folha de athelas tivesse drenado todo o veneno do Wendigo – respondeu Anne sem encarar a mulher nos olhos – Ainda me sinto um pouco fraca, mas já sinto minhas forças voltando lentamente. Estou certa de que em um dia ou dois estarei pronta para o combate.
― E é exatamente isso que me preocupa – disse Arwen deixando cair as mãos da garota – O veneno do Wendigo já abandonou completamente seu corpo, mas o veneno da vingança cresce a cada dia dentro de você. O campo de batalha é o lugar onde a fera assume o comando de suas ações e não existe misericórdia em seu semblante. Lembre-se que você é apenas uma criança e não pode mudar aquilo que foi feito. O fardo que lhe foi entregue é muito pesado, e você deve saber até que ponto está disposta a ir para realizar aquilo que lhe foi pedido.
― Eu não tenho escolha – disse Anne – Só poderei descansar quando tudo estiver acabado. É meu dever, ninguém pode fazer isso por mim.
― Ninguém pode realizar a tarefa que lhe foi destinada, mas não se esqueça de que você não está mais sozinha.
Durante um momento de silenciosa tensão as duas se entreolharam, e para Anne pareceu que muitas eras tinham se passado enquanto aquela mulher vasculhava com os olhos os recantos de sua alma.
― Ele precisa saber, Anne. Você não pode esconder isso por mais tempo.
Dizendo isso, Arwen ajudou a garota a montar e seguiu em direção a floresta par nunca mais ser vista. Acredita-se que depois de cumprir sua missão, a rainha dos elfos e dos homens finalmente deitou-se entre as folhas douradas e fechou derradeiramente os olhos, indo de encontro àqueles que amou durante sua passagem pelo mundo e que esperavam por ela há muitas gerações.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.