A fuga pelos túneis



Durante quase uma hora a pequena comitiva rumou para noroeste acompanhando o rio como a rainha havia lhes recomendado. O dia estava bonito e fresco com uma tranqüilidade tão grande que mal parecia que estavam cruzando uma terra em guerra. Os pássaros cantavam acompanhados pelo murmúrio das águas, os pequenos animais saiam de suas tocas para correr pela relva verde e a brisa morna da manhã os convidava a sentar às margens da Lagoa Espelho onde terminava o rio para descansar um pouco e comer alguma coisa. A sensação de paz que os envolvia desde que haviam saído de Lorien era tão grande que seu pequeno descanso mais parecia um daqueles piqueniques de primavera que os alunos de Hogwarts costumavam fazer às margens do lago da lula gigante.
Foi com muito esforço que levantaram seu pequeno acampamento após dar de beber aos cavalos e mais uma vez se puseram em marcha rumo à entrada que levava até a Mina de Moria, o lugar que, segundo a rainha, agora abrigava um grande mercado. Não precisaram caminhar muito e quando finalmente se depararam com a grande porta dupla de pedra que delimitava a entrada para Moria mal puderam conter sua euforia e deslumbramento. Na base da porta estavam entalhadas duas árvores, cada qual carregando uma lua crescente, e entre as duas havia o alto relevo de uma estrela de muitas pontas. Um pouco acima era possível ver o entalhe de um martelo sobre uma bigorna encimado por uma coroa com sete estrelas. Na parte superior, havia ainda um grande arco com uma inscrição em ouro nas runas antigas dos elfos, que podia ser lida com perfeição já que as portas estavam fechadas.
― Que beleza – disse Rony em tom de sarcasmo – todo esse trabalho para dar com a cara na porta! Será que eles não podiam ter mandado uma coruja avisando que nós viríamos! E agora, o que a gente faz? Toca a campainha?
― Que tal se você tentasse bater com a cabeça na pedra até alguém vir atender? – respondeu Draco com maus modos.
― Querem parar vocês dois – disse Hermioni – Eu preciso me concentrar pra ler o que está escrito aqui. Estas runas são muito antigas e sem um bom manual não sei se vou ser capaz de traduzir.
― É claro que vai – disse Harry com um misto de alegria e desespero – Eu sempre soube que essas suas aulas de runas antigas iam servir pra alguma coisa!
― Eu não estou certa se isso foi um elogio ou se você está sendo sarcástico – respondeu a garota – mas vou tomar como um elogio.
Dito isso, Hermione se pôs a andar de um lado para o outro observando a inscrição e murmurando para si mesma enquanto todos a olhavam apreensivos. Depois de alguns minutos, que mais pareceram uma eternidade, ela finalmente voltou-se para os amigos e disse em tom incerto.
― Não tenho como garantir, essa é uma tradução muito complicada, mas acho que está escrito “ As portas de Durim, Senhor de Moria. Fale, amigo, e entre”.
― Não pode ser – disse Anne com incredulidade – Você tem certeza de que traduziu isso certo? Essa frase não faz o menor sentido! O que ele quer dizer com “fale, amigo, e entre”?
― Não estou certa – disse Hermione torcendo as mãos de apreensão – Acho que isso quer dizer que nós precisamos falar alguma coisa pra entrar. Tipo uma palavra mágica, sabe?
― Fantástico – resmungou Draco se aproximando da porta – Que tal “ abracadabra”? Espere aí, “abre-te sézamo” funcionou com o Ali Babá? Ou será que a palavrinha mágica é “por favor”? Nós vamos ficar presos aqui pra sempre tentando abrir essa porcaria de porta! Nós estamos em um beco sem saída!
― É isso! – exclamou Harry atraindo a atenção dos demais – Um beco! A porta deve se abrir com a varinha, da mesma forma que o muro nos fundos do Caldeirão Furado que leva ao Beco Diagonal!
― Que boa idéia, Harry – disse Gina aproximando-se da porta – Só que essa porta é de pedra e não de tijolos... não dá pra calcular onde devemos bater. Acho que é melhor tentar ao acaso!
Dito isso, cada um dos garotos puxou sua varinha e se aproximou da porta dando pancadinhas aleatórias na pedra fria sem, contudo produzir nenhum efeito. Hermione foi a primeira a desistir e guardando a varinha de volta nas vestes exclamou.
― Não pode ser isso! Essa inscrição não pode ser só enfeite, eu sei que ela está aí por algum motivo. Além disso, essas portas foram construídas muito antes das varinhas terem sido inventadas e não faria o menor sentido colocar uma porta que se abre através de magia em um mercado freqüentado por trouxas!
― Você tem razão – disse Gina com desanimo – Essa inscrição deve ser algum tipo de charada. Por que você não tenta Harry? Você passou pela esfinge no torneio tribruxo...
― Aquilo foi diferente, Gina, quando eu passei pela esfinge ela me fez uma charada em português e essa inscrição está escrita em runas... eu nem sei como ler isso aí!
― Tudo bem pessoal – disse Hermione enquanto escrevia as palavras no ar com a varinha – esta é a inscrição no nosso próprio alfabeto e tenho certeza de que se a gente pensar um pouco vai acabar desvendando essa charada.
Todos olharam por um instante as palavras em letras douradas que brilhavam no ar onde a garota tinha feito seu encanto: Ennyn Durin Aran Moria: pedo mellon a minmo.
― Eu sou péssimo em charadas – divagou Nevile – E o Harry tem razão, charadas já são ruins o bastante em nossa própria língua, imagine só em runas antigas. Eu nem sei se sou capaz de pronunciar isso aí que a Mione acabou de escrever... Pedo mellôn a minno...
Assim que Neville balbuciou as palavras houve um leve estremecimento diante deles e as portas se abriram o suficiente para permitir que uma pequena corrente de ar se formasse entre o vão.
― Mas é claro – exclamou Hermione – Como eu fui idiota! Diga amigo e entre... eu achei que amigo fosse uma espécie de vocativo, mas não é... amigo é a senha! Entenderam? Fale amigo e entre!
― Mas então porque as portas não se abriram quando o Neville falou? – quis saber Rony.
― Porque ele não pronunciou a palavra corretamente. Não é mellôn é mellon!
Dito isso as portas se abriram pesadamente, revelando um mercado apinhado de lojas e barracas imersas em um verdadeiro caos de raças e línguas que se esbarravam no vai e vem dos mercadores. Havia ferreiros forjando armas que eram expostas nas paredes, homens com vestes esvoaçantes e turbantes ornamentados com pedras preciosas que barganhavam barulhentamente todo tipo de mercadoria, como especiarias, tecidos, fumo e jóias exóticas. Do lado oposto havia ainda um homem que anunciava a plenos pulmões uma égua baia, uma velhinha encarquilhada vendendo ervas e muitos agricultores expondo toda sorte de verduras, legumes, frutas e animais domésticos. Moria era sem dúvida um mercado pleno de vida, mas isso não era tudo, em um olhar mais atento era possível ver também os vários maltrapilhos que esmolavam no meio da multidão, um garoto com seu macaco tentavam roubar maçãs da barraca de um mercador mal encarado, e as pessoas que se espremiam pelos corredores pareciam sobressaltadas, terminando suas compras o mais rápido possível enquanto olhavam para os lados esperando que alguma coisa acontecesse repentinamente.
Alguma coisa ali não estava certa e Anne, que era sempre a mais atenta, foi a primeira a avistar as sentinelas que vinham na direção do grupo, armados até os dentes. Eram dois indivíduos mal encarados vestindo cotas de malha grosseiras sob túnicas pretas com um emblema dourado que lembrava um falcão de asas abertas. O emblema de Lorde Thalion.
― Não sei não – sussurrou ela para os companheiros – alguma coisa não está me cheirando bem por aqui. Essa não parece ser a guarda do rei!
Os demais imediatamente se deram conta de que Anne estava com a razão, mas agora era tarde demais para recuar. Se saíssem correndo ficaria claro que eles faziam parte da resistência, e ser caçados pelas montanhas não era exatamente o que eles tinham em mente.
― Quem são vocês e o que querem em Moria – perguntou um dos guardas com a mão ameaçadoramente pousada sobre o punho da espada que trazia presa ao cinto – Este local agora faz parte dos domínios do Lorde Thalion, e a passagem por aqui só é permitida com seu consentimento.
Durante um minuto de tensão os garotos se entreolharam nervosamente, até que Draco tomou a iniciativa, e escolhendo seu melhor sorriso deu um passo à frente para se aproximar do guarda.
― Claro, meu bom homem – disse ele tentando parecer o mais natural possível – Nós estamos cientes de que este agora é um cainho que pertence a Lorde Thalion, e por isso mesmo resolvemos usa-lo em nossa viagem. Você entende, é muito mais seguro para nós caminhar sob os cuidados de um senhor tão poderoso do que por estas estradas apinhadas de rebeldes.
O homem olhou para Draco com ar de suspeita, mas o rapaz manteve-se tão impassível sob o escrutínio que o guarda acabou se convencendo de que se tratava de um aliado pedindo passagem.
― Muito bem – disse ele afinal – é bom mesmo que vocês saibam o que é melhor pra vocês, pois Lorde Thalion sabe ser tão gentil com seus aliados quanto é cruel com seus inimigos.
― Sim, mas é claro – respondeu Draco com um grande sorriso amarelo – Nós somos simpatizantes da causa e esperamos que muito em breve o grande Lorde estenda seus domínios por toda o reino. Agora nós vamos andando, pois não queremos atrapalhar seu bom trabalho. Continuem vigilantes, meus caros.
Dizendo isso, Draco fez sinal para que os outros se adiantassem, e já ia seguindo o grupo quando foi detido por uma lança repentinamente atravessada em seu caminho. Ao que tudo indicava o segundo guarda não estava tão convencido assim de que eles eram aliados.
― Me desculpe, senhor – disse o homem abaixando a arma e se aproximando mais do garoto – mas acho que o senhor acabou esquecendo de dizer o seu nome.
― Meu nome – balbuciou Malfoy – Mas é claro, que distração a minha! Eu sou Napoleão Bonaparte, filho do grande Conde de Monte Cristo. Meu pai é dono de toda a região da Disnaylandia e um amigo chegado de Lorde Thalion.
― Disnaylandia – disse o primeiro guarda coçando a cabeça – nunca ouvi falar neste lugar.
― Como não? É um lugar muito conhecido, ao sul da capital.
― Creio que nunca ouvi falar – disse o segundo guarda com olhos faiscando de descrença que imediatamente deixaram claro para Draco que a brincadeira estava ficando cada vez mais perigosa. Mas como eles se safariam daquela cilada? O que o grande Lucio Malfoy faria naquela situação?
― É uma pena, meu caro – disse o garoto metendo a mão no bolso das vestes e tirando de lá uma bolsinha de couro amarrada com uma tira de veludo – É realmente uma pena que o nobre soldado não tenha tido a oportunidade de nos fazer uma visita, mas creio que esta questão pode ser rapidamente resolvida.
Malfoy abriu a bolsinha com cuidado e despejou nas mãos do guarda uma pequena porção de moedas de ouro que fizeram os olhos dos dois homens brilharem de cobiça.
― Aceitem este pequeno presente como uma doação para a causa de Lorde Thalion. Um presente para que ele possa oferecer merecidas ferias na bela terra de Disneylandia aos seus fiéis soldados. E que o grande Lorde saiba que Napoleão Bonaparte será sempre grato por sua gentileza em deixar a mim e a minha comitiva passar por suas terras.
Pelo sorriso desdentado na boca dos homens, Malfoy teve certeza de que a questão estava encerrada e juntou-se rapidamente ao grupo ainda ouvindo os elogios que os guardas faziam à generosidade do Senhor Bonaparte, filho do Conde de Monte Cristo da Disneylandia.
― Não sei se você é louco ou suicida, Malfoy – disse Gina rindo a valer – mas esse foi um ótimo plano!
― Foi um bom plano, mas acho que não vai durar muito tempo – disse ele fazendo sinal para que os outros se apressassem – Aquilo era um pedaço de torta de rim que eu transfigurei em moedas de ouro para uma ocasião como essa, mas não sei se o feitiço vai durar muito tempo. Aqueles caras devem estar mordendo moeda por moeda pra saber se elas são de verdade!
Mal terminou a frase, Malfoy ouviu o som de botas batendo contra o chão de pedra e o grito que ecoava pelos corredores de Moria.
― Rebeldes! Fomos enganados! Peguem os rebeldes! Não os deixem escapar!
Na mesma hora os garotos saíram desembestadamente pelas ruas do mercado derrubando as barracas e barris que encontravam em seu caminho para retardar o avanço de seus perseguidores. Para sua sorte o exército inimigo era formado em sua grande maioria por trouxas e isso reduzia consideravelmente o número de feitiços hostis dos quais eles precisavam se desviar.
― Rony, atrás de você! – gritou Anne quando um brutamontes se aproximava do garoto manejando uma massa dentada que parecia bem mais perigosa do que um balaço errante.
― Impedimenta! – gritou Rony apontando a varinha para o homenzarrão e fazendo com que ele se detivesse – Essa foi por pouco, mas é melhor a gente achar logo um caminho pra sair daqui!
Mas do que depressa Hermione puxou o mapa da mochila e liderou o grupo para um local onde se lia “passagem segura”. Eles correram por alguns minutos entre corredores estreitos nos quais os sons da perseguição pareciam ainda mais altos, até que finalmente chegaram ao ponto seguro que indicava o mapa. O único problema é que o lugar não parecia tão seguro assim, pois tudo o que havia lá era uma parede sólida de pedra. Eles estavam em um beco sem saída e ao que tudo indicava o mapa de Slytherin tinha se enganado pela primeira vez.
Era tarde demais para tentar voltar, pois os homens de Thalion rapidamente fechavam o cerco em volta deles. Com as costas contra a parede fria e observando seus perseguidores se aproximando cada vez mais, cada um dos garotos pegou suas varinhas e se preparou para a luta. Anne, que se sentia mais confortável com a espada, desembainhou sua arma e pôs-se em posição de ataque.
― Parece que o grande Napoleão Bonaparte se meteu em uma baita encrenca – disse em tom de deboche o guarda que os havia detido na entrada – Que pena que o seu pai, o Conde de Monte Cristo não pode ajuda-lo agora. Acho que eu vou mandar a sua cabeça de presente pra ele, lá na Disnaylandia!
― Você pode tentar – disse Rony entre dentes dando um passo a frente – Mas vai ter que passar por nós primeiro.
― É isso aí – disse Anne se colocando ao lado do amigo enquanto os demais se preparavam para enfrentar o grupo de guardas – E eu não acho que vocês possam contra todos nós.
― Já estou morrendo de medo! – disse o homem gargalhando e fazendo seus companheiros gargalharem também - Sete garotinhos contra o exército de Lorde Thalion. Peguem eles, homens, e não mostrem piedade!
Ao som do comando, todos os soldados se atiraram na direção dos sete com as armas em punho, mas antes que eles os alcançassem, um grande alçapão se abriu sob os pés dos garotos fazendo com que eles fossem tragados pela terra.
― Não é possível! – esbravejou o guarda – Eles estavam aqui neste minuto! Espalhem-se! Eles não podem ter ido muito longe.
***
Durante alguns minutos, Harry e os outros escorregaram na escuridão pelo que parecia um tobogã gigante exatamente como aquele que levava para a Câmara Secreta e Harry subitamente se perguntou se haveria uma fênix lá embaixo para mais tarde leva-los de volta para cima. Tudo o que podiam escutar era o bater de asas dos morcegos, o barulho de uma queda d’água e os gritos do chefe da guarda que não parecia nada contente com o súbito sumiço de sua presa. Repentinamente, a decida chegou ao fim e amontoados sob a pedra úmida os garotos se deram conta de que um grupo de pessoas se aproximava deles iluminado pela luz bruxuleante de muitos archotes.
― Peguem as varinhas – disse Harry aos companheiros – É melhor prevenir.
Ao ver que os garotos se preparavam para mais uma batalha, um dos membros da pequena comitiva se destacou do grupo e assim que ele se aproximou os garotos puderam perceber que se tratava de um anão. O homem com a altura de uma criança, mas robusto como um guerreiro parou diante deles, fez uma longa reverência e disse em tom solene.
― Não tenham medo, Enviados dos Valar. Nós somos aliados do Conselho e estamos aqui para ajuda-los. Eu sou Dwalin, às sua ordens, e estes são Grór, Naín, Tandorin, Wilow e Orgum. Venham, os homens de Thalion não conhecem estas passagens secretas, mas é melhor não ficarmos parados por muito tempo.
Imediatamente os garotos se entreolharam imaginando se seria inteligente seguir um grupo de desconhecidos apenas porque eles diziam ser aliados. Foi só depois de consultar o mapa e se certificar de que estavam seguros na companhia dos recém chegados que o grupo seguiu Dwalim e seus companheiros por um verdadeiro labirinto de corredores que ora subiam ora desciam até finalmente leva-los a um salão de pedra tão grande que era capaz de abrigar uma aldeia inteira. Em seu interior havia anões, homens e duendes atarefados andando de um lado para o outro. As crianças que já tinham idade suficiente para segurar uma espada ajudavam os guerreiros carregando água, afiando lanças e reparando flechas. Os menores se escondiam a um canto tentando sair do caminho dos adultos, pois todas as mulheres do lugar estavam ocupadas demais para cuidar dos pequenos. Parte delas se desdobrava para conseguir comida para alimentar a multidão que se apinhava no grande salão de pedra e as outras se encontravam no fundo da caverna cuidado dos feridos. Neste lugar, uma fileira de esteiras de palha tinha sido acomodada para improvisar uma enfermaria de onde um odor nauseabundo de carne apodrecida emanava junto com o som dos lamentos e suplicas dos homens que estavam à beira da morte.
― Perdemos bons guerreiros tentando manter a Mina, e acho que não poderemos fazer muito pelos feridos – disse Dwalin enquanto conduzia o grupo através dos enfermos rumo à uma pequena fogueira em torno da qual poderiam se acomodar para finalmente descansar da perseguição – Resistimos o quanto pudemos, mas Thalion estava bastante determinado a conquistar nossa Mina. Não tivemos a menor chance... e não teremos nenhuma chance de sobreviver aqui se as coisas não melhorarem. O estoque de comida é pouco e os remédios que temos não são suficientes.
― Acho que eu poderia ajudar – disse Neville encabulado – Eu tenho algumas folhas de Lórien comigo.
― Isso seria um verdadeiro milagre – disse Dwalin enquanto fazia sinal para que uma das mulheres se aproximasse – Esta é Naila, ela está encarregada dos feridos e vai ficar muito feliz em ajuda-lo.
A mulher pareceu radiante com a possibilidade de trabalhar sob as ordens de um dos Enviados e um minuto depois já se afastava do grupo com Neville, tentando transmitir ao rapaz todas as informações possíveis sobre o estado dos enfermos. Enquanto isso, o grupo se acomodou em torno da fogueira onde encontraram água fresca e um pouco de pão e frutas secas, uma refeição simples, mas que era muito mais do que os rebeldes poderiam oferecer naquele momento.
― A comida é pouca, mas honesta – disse Dwali convidado-os a se servirem do que quisessem – E enquanto comemos eu posso responder às suas perguntas.
― Eu gostaria de saber como Lortde Thalion conquistou Moria - disse Anne cortando um pedaço de pão com a faca que trazia no cinto.
― O cerco durou apenas dois dias – disse Dwalin tristemente enquanto acendia seu cachimbo - Fomos pegos de surpresa e não houve tempo suficiente para nos prepararmos. Quando conseguimos fechar as portas da ala sul, já tínhamos sido invadidos. A batalha aconteceu no interior do mercado e como nossos soldados estavam fora realizando outra missão, foram os agricultores e mercadores que resistiram. Em muito pouco tempo tínhamos sido dizimados e os soldados de Thalion abriram os portões para que o restante do exercito entrasse. Tudo que pudemos fazer foi fugir para cá através dos túneis.
― Eu só não entendo uma coisa – disse Gina - Pra que Thalion queria tanto conquistar esse lugar? Eu pensei que ele estivesse reunindo as tropas para invadir a capital.
― Na verdade, dominar Moria faz parte dos planos de Thalion para conquistar a capital. O cerco à cidade já dura meses, e até agora o rei só foi capaz de resistir porque durante todo este tempo nós abastecíamos a cidade com remédios, armas e mantimentos.
― E como vocês faziam isso se a cidade está cercada? – perguntou Hermione com cara de espanto.
― Depois que a cidade de Gondor ficou sob cerco durante a Segunda Guerra do Anel, o rei Aragorn fez um pacto com o rei dos anões e juntos eles construíram um túnel subterrâneo que liga a cidade até à Mina de Moria. Foi por esta passagem secreta que nós abastecemos a cidade durante meses e tenho certeza de que foi por isso que Thalion trouxe parte das tropas para cá, mas não consigo imaginar como ele soube sobre os túneis!
― Só tem uma explicação – disse Draco em tom fatalista – Existe um agente duplo entre vocês. De alguma forma Thalion deve ter infiltrado um espião aqui em Moria.
― Na verdade – disse Anne – acho mais provável que ele tenha infiltrado alguém em Gondor. Se o espião fosse um de vocês, Thalion já saberia a localização dos túneis e já teria invadido a cidade.
― Você tem razão – respondeu o anão enquanto soltava um anel de fumaça de seu cachimbo – Há dias que os soldados estão vasculhando o lugar à procura da passagem.
― E você acha que eles estão perto de conseguir encontrar o lugar? – perguntou Harry.
― Eu duvido muito! Os homens são muito bons nos campos, mas não entendem nada de túneis. Só nós, os anões, e nossa raça irmã, os duendes, realmente conhecemos o segredo das rochas. E, além disso, mesmo que eles encontrem a entrada, vão ter que descobrir como abri-la.
― E se nós chegássemos até a entrada antes deles – perguntou Rony – Com a sua ajuda nós poderíamos distrair os guardas, passar pela porta e ir até a capital levar suprimentos e avisar ao rei sobre o espião.
― Nós não podemos fazer isso Weslay – resmungou Draco – Nossa missão é chegar à Valinor e não à Gondor!
― É muito fácil pra você falar. Afinal de contas você é um Malfoy e está bastante acostumado a procurar um buraco pra se esconder quando as coisas ficam feias.
― E você não para de agir como um pobretão com uma penca de irmãos que não perde uma oportunidade se quer de chamar a atenção! Qual é o seu problema Weasley? Essa não é a nossa missão!
― Pro inferno com a nossa missão! Toda aquela gente no conselho nem acreditava mesmo que nós seriamos capazes de chegar até Valinor! Olha pra essas pessoas, Malfoy, elas estão morrendo! E muitas outras vão morrer na capital sem suprimentos se nós não fizermos alguma coisa! Será que você não entende? Nem você pode ser tão incessível assim...
Um silêncio pesado e tenso pairou sobre eles por alguns minutos. Todos em volta da fogueira olhavam apreensivos para um Draco impassível e um Rony furioso que agora se encaravam de pé ao lado das chamas.
― Nem eu sou tão insensível assim – respondeu Draco finalmente – Mas a melhor coisa que nós podemos fazer pra ajudar essa gente é chegar à Valinor como nós prometemos ao conselho.
― Ele está certo, Rony – disse Hermione em tom de súplica segurando a mão do garoto entre as suas – Nós não podemos desistir agora, Rony, e nós precisamos de você. Por favor, fique com a gente.
― Eu nunca viraria as costas pra vocês, Hermione, mas eu não me conformo em ir para o oeste enquanto as pessoas estão morrendo na outra direção.
Dizendo isso, Rony desvencilhou-se da garota e rumou em direção a extremidade oposta do acampamento. Agora, o que ele precisava era colocar os pensamentos em ordem e tinha certeza de que precisava fazer isso sozinho.
***
Rony passou por uma infinidade de túneis até chegar a um lugar que parecia um pequeno paraíso subterrâneo. Uma caverna de pedra nua sem qualquer vestígio de lapidação abrigava uma cachoeira que surgia do vão entre as pedras e desaguava formando um pequeno lago de águas límpidas e tranqüilas que transbordavam de cores devido ao brilho das pedras preciosas que se encontravam incrustadas na rocha. Rony teve até mesmo a impressão de ter visto uma estranha luz avermelhada que emanava do fundo do próprio lago.
Sentado em uma pedra próxima da água, o garoto tentava avistar mais uma vez o tal brilho enquanto se esforçava para esvaziar a mente dos pensamentos que o atormentavam. Ele sabia que Draco e Hermione estavam certos e que eles precisavam continuar sua missão, mas era doloroso demais partir deixando para traz todas aquelas pessoas aprisionadas na escuridão daqueles túneis. Seu lado racional dizia que era preciso ir com os outros para Valinor, mas alguma outra coisa dentro dele dizia que aquele era o lugar onde ele deveria estar e que aquelas pessoas dependiam dele de alguma forma.
― Então foi aqui que você se meteu – disse Harry sentando-se ao lado do amigo e trazendo-o de volta de seu devaneio – Lugar legal, como foi que você o encontrou?
― Sei lá, acho que eu só sai andando e acabei chegando até aqui...
Rony parecia estranhamente distante, com os olhos fixos no fundo do lago e evitando olhar o amigo diretamente.
― Você está legal, Rony?
― Sinceramente... não sei, Harry. Tem alguma coisa errada comigo... Eu sei que nós precisamos seguir viagem, mas alguma coisa nesse lugar parece estar pedindo pra eu ficar. Eu fico o tempo todo sentindo uma coisa estranha, como uma pulsação que vem de dentro das paredes. É como se todo esse lugar tivesse vida própria e estivesse tentando me dizer alguma coisa. Eu sei que parece loucura, mas acho que a Mina de Moria quer que eu fique aqui.
Harry observou o amigo por alguns instantes e teve certeza de que alguma coisa nele tinha mudado. Por algum motivo, Harry chegou a se lembrar do momento em que ele próprio tinha saído do labirinto do torneio Tribruxo trazendo o corpo inerte de Cedrico com a certeza de que sua vida nunca mais seria a mesma. Naquele momento, Rony tinha o mesmo aspecto endurecido. Seus olhos tinham um brilho diferente, e ele parecia mais velho e cansado.
― Não tem nada de errado com você, Rony. Nós sempre ouvimos falar sobre a guerra e sobre como ela é cruel, mas nós nunca tínhamos estado tão perto assim de uma. Os feridos, as crianças, tudo isso mexeu com todos nós, mas nós temos que cumprir com a nossa promessa e chegar até os Valar. É a nossa única chance... e eu acho que é a única chance dessas pessoas também.
― Você tem razão – respondeu finalmente o garoto em tom de resignação - Eu devo ter ficado impressionado com o que vi. Além do mais, de que adiantaria eu ficar aqui? Na única vez que eu segurei uma espada tudo o que eu consegui foi fazer uma sala cheia de membros do conselho rir às minhas custas... Eu não presto pra nada mesmo!
― Não fale assim Rony...
― Porque não se é a verdade, Harry? Você já enfrentou você-sabe-quem três vezes até agora, a Anne parece uma samurai maluca com aquela espada na mão, a Mioni lê runas antigas e sabe fazer os feitiços mais complicados, a Gina deu pra falar com as árvores, o Malfoy mente com a cara mais lavada do mundo, o que pode ser útil de vez em quanto, e até o Neville anda dando uma de curandeiro... só eu mesmo que não sei fazer nada de especial...
― Claro que fez Rony... Você tentou ajudar o Malfoy lá no beco, mesmo ele não sendo a sua pessoa favorita.
― Grande coisa. Mais uma prova de que eu sou um idiota!
― Você não é um idiota, Rony, você é a pessoa mais corajosa e leal que eu conheço. Se não fosse você eu não teria chegado até a pedra filosofal, nem teria aberto a câmara secreta. Você esteve comigo em todos esses momentos...
― Você acha mesmo?
― Claro que eu acho. E eu não sou o único! O Dwalin e os outros anões ficaram muito impressionados quando você disse que queria ficar pra lutar.
― Eles disseram isso mesmo?
― Disseram. E disseram também que você é forte e determinado como uma rocha, o que deve ser um elogio já que tudo o que é bom pra eles tem alguma coisa a ver com pedra...
― Tudo bem – disse Rony rindo da piada do amigo – Talvez seja por isso que eu me sinto tão mal em sair da caverna. Quem sabe eu não tenho alguma descendência anã?
― Com essa altura – disse Harry feliz pelo amigo ter voltado ao seu humor normal – Acho meio difícil encontrar um anão tão grande assim!
― Tem razão, mas o cabelo ruivo é bem comum no pessoal daqui!
― Só não diz isso pra Gina... Ela não vai gostar de ouvir você dizendo que vocês são meio anões.
― E porque não? Os anões são bem legais!
― Eu sei, mas as anãs tem barbas...
― Eca! É melhor não mencionar nada sobre isso pra ela, então...
― É assim que se fala. Agora vamos voltar para o salão porque nós ainda temos um mundo inteiro pra salvar! Além disso, a Mione e a Gina estão morrendo de preocupação desde que você sumiu e o Dwalin já começou os preparativos para nos guiar através dos túneis até o outro lado das montanhas.
Os dois rapazes se levantaram então e rumaram de volta para o corredor que os levaria de volta ao acampamento, mas antes de finalmente deixar a gruta, Rony poderia jurar ter visto mais uma vez o estranho brilho avermelhado que vinha do interior do lago.
***
Ao retornarem para o acampamento, Dwalin já tinha tudo preparado para a viagem. Tudo o que eles podiam oferecer de mantimento tinha sido arrumado nas mochilas, as moringas estavam cheias de água fresca e os mesmos anões que tinham conhecido no primeiro túnel estavam a postos para escolta-los para a saída.
― A rainha Arwen nos disse que assim que saíssemos de Moria deveríamos seguir pela Velha Estrada até alcançarmos o Caminho Verde – dizia Draco enquanto Hermione mostrava o mapa a Dwalin.
― Ah! Isso vai facilitar bastante o nosso trabalho – disse o anão – Nós temos um túnel que desemboca justamente no início do Caminho Verde. Vai ser a melhor forma de tirar vocês daqui sem ter que enfrentar a guarda de Thalion que já deve estar vasculhando cada milímetro da Estrada Velha procurando por vocês.
― E quanto tempo nós levaremos pra chegar ao outro lado? – perguntou Harry ao se juntar ao grupo.
― Acho que uns três dias – respondeu o anão – dois se andarmos rápido.
― Isso não é nada bom – disse Hermione – Nosso tempo está cada vez mais curto... Mas já que esse é o melhor plano que nós temos é melhor começarmos de uma vez.
Uma hora depois todos já estavam prontos e sem mais demora tomaram o rumo dos túneis que os levariam até o Caminho Verde em segurança. Havia muitas trilhas e caminhos no interior da montanha e aos poucos os garotos se deram conta de que o mercado grandioso que tinham visto ao chegar era apenas um tímido pedaço de toda a grandiosidade de Moria. Na verdade, a verdadeira beleza perecia ter estado ali, no interior da rocha fria, mas agora que aqueles caminhos há muito haviam sido esquecidos, a maioria deles estavam bloqueados ou pululando de criaturas sinistras que deviam ser evitadas a todo custo.
Foi graças aos sábios conselhos dos anões que os garotos conseguiram tomar o rumo certo, e com o bom desenvolvimento de sua jornada pelos túneis todos pareciam mais dispostos a conversar. Harry e Hermione tagarelavam sobre a possibilidade de incrementarem o mapa do maroto a partir das técnicas utilizadas por Slytherin; Draco, Anne e Gina especulavam sobre o rumo da guerra e Rony parecia subitamente interessado em saber sobre as propriedades das rochas e as técnicas de lapidação. Nem mesmo nos raros momentos em que se reuniam em torno de um fogo improvisado para descansar os pés e comer um pouco ele interrompia seu interrogatório, que Dwalin e seus companheiros anões estavam achando maravilhoso.
― Nós anões gostamos muito de falar de nossa amada montanha e não é todo dia que encontramos alguém tão interessado em nos ouvir – dizia Dwalin todas as vezes que um dos garotos insinuava que Rony deveria deixa-lo em paz
Assim, incentivado por seus interlocutores, o garoto prosseguiu fazendo perguntas até o final de sua jornada e foi com muito pesar que os garotos se despediram de seus novos amigos e salvadores.
― Bom – disse Dwalin quando finalmente chegaram ao final do último túnel – infelizmente nós só podemos vi até aqui. Nosso povo precisa de nós no acampamento, e mesmo que nós pudéssemos seguir viagem, tenho certeza de que não seriamos de grande utilidade. Mas saibam que o povo de Moria sempre estará aqui para ajuda-los e nunca esqueceremos o que o jovem Neville fez por nossos enfermos.
Neville ficou vermelho até a raiz dos cabelos enquanto os anões lhe faziam uma pomposa reverência e, para disfarçar seu encabulamento, se reuniu aos outros agradecendo pela hospitalidade e pelo socorro. Por fim disseram adeus aos anões e, após vê-los partir pelo túnel escuro, subiram os degraus de pedra que os levariam de volta à superfície. A cada passo que davam o ar se tornava mais fresco e em poucos minutos já eram capazes de ouvir o cantar dos pássaros. A escada terminava em uma fenda na rocha pela qual eles precisaram se espremer para finalmente alcançar uma pequena caverna que os levava para fora.
Depois de todo aquele tempo perambulando pelos túneis escuros, foi preciso algum tempo para que voltassem a se acostumar com a claridade e a brisa fresca que os surpreendeu na saída da caverna foi como um novo sopro de ânimo e esperança. Harry sentiu-se renovado, e tudo que ele desejava naquele momento era sua vassoura, para voar pelos ares sentindo o vento no rosto e aquela imensidão azul do céu lhe envolvendo. Os demais também pareciam revigorados, com exceção de Rony que vez ou outra ainda olhava para trás com olhos compridos de remorso. No entanto, a luz do dia fez bem até a ele e a beleza do lugar foi capaz de trazer seu coração de volta à superfície. Olhando ao redor ficava claro porque o nome daquele lugar era Caminho Verde, e todo aquele esplendor abrandava um pouco o fato de que estavam mais uma vez sozinhos e sem saber para onde ir.






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