Protego Totalus



Na manhã seguinte, Hermione foi acordada pela luz colorida que entrava pela janela de vitral. Por um breve momento, ela teve a impressão de que estava de volta ao alojamento das meninas na torre da Grifinória, e de que todas as descobertas da noite anterior não passavam de um sonho maluco. Contudo, ao abrir os olhos preguiçosamente, a garota se deu conta de que o aposento onde se encontrava era de fato o quarto de hospedes de Isengard, e na cama ao lado da sua, Gina ainda dormia tranqüilamente.
Hermione levantou-se a contragosto, e foi se juntar a Anne que estava no balcão que dava para o lago. O tempo estava um pouco frio, mas a posição do sol não deixava dúvidas de que já passava do meio-dia. De frente para a murada do balcão, uma pequena mesa de madeira tinha sido posta com um farto café da manhã. Havia pães, frutas, e geléias além de grandes canecas de estanho cheias de leite e mel.
― Acho que dormimos além da conta – disse ela sentando em uma das cadeiras acolchoadas que tinham sido postas junto a mesa.
― Pelo visto o banquete durou mais do que o esperado – respondeu Anne - O elfo doméstico que trouxe a bandeja com o café me disse que Helga acabou de chegar na cozinha para dar as primeiras ordens do dias.
― E você está acordada a muito tempo? – perguntou Hermione se servindo de uma fatia de pão preto com geléia.
― Acordei com a movimentação de carroças e pessoas falando alto no pátio principal. Butsy me disse que muitos aldeões chegaram durante a noite e um pequeno acampamento foi construído na margem leste do lago. Pelo barulho deve ter mais de cinqüenta pessoas, e a todo o momento chega mais alguém.
― E o que será que os fundadores querem com toda essa gente? – perguntou Hermione – Será que é alguma operação da Resistência?
― Pelo que eu entendi – respondeu Anne – Estas pessoas não estavam sendo esperadas, e simplesmente foram aparecendo. Butsy não soube me dizer muita coisa, porque quando veio trazer o café da manhã Gryffindor ainda estava tentando organizar a multidão.
Neste momento, Gina atravessou as portas de vidro enrolada na manta de lã e se atirou na cadeira mais próxima. Seus olhos ainda estavam inchados de sono, e os cabelos desalinhados cobriam boa parte de seu rosto.
― Me digam que tem café preto em uma dessas canecas – disse ela com a voz rouca – Se eu não tomar um pouco de café acho que vou dormir durante os próximos quinze dias...
― Sinto muito, Gina – disse Hermione simpaticamente – mas eu acho que eles nem sabem o que é café.
― Ótimo! – exclamou a garota apontando a varinha para uma das canecas de leite – As aulas de transfiguração finalmente vão servir para alguma coisa... Feraverto!
Dizendo isso, Gina bateu sutilmente com a varinha na borda da caneca e fez com que a superfície branca do leite imediatamente ganhasse uma coloração levemente acobreada.
― Eu tinha imaginado um capuccino – disse ela tomando um gole da bebida – mas acho que uma caneca de café com leite é melhor do que nada!
Sob o sol da manhã a paisagem que se via do balcão era ainda mais bonita do que se podia imaginar, com o vento sacudindo o capim como se fosse uma grande onda verde, e os raios do sol tingindo de dourado a superfície vítrea do lago. Tudo parecia tranqüilamente alheio aos rumores da guerra e Gina, Anne e Hermione permaneceram ali por algum tempo conversando sobre a chegada dos aldeões a Isengard e bebericando o leite transfigurado, até que o elfo domestico Butsy veio chamá-las.
― Muito bons dias, senhoritas – disse o elfo ao cruzar as portas de vidro do balcão – Butsy fica muito feliz em ver que o desjejum foi do agrado das senhoritas!
― Bom dia, Butsy! – respondeu Hermione ainda se lembrando da terrível maldição dos elfos domésticos – O desjejum está fantástico. Por que você não se senta e come um pouco com a gente?
O elfo doméstico pareceu escandalizado com o convite, e por um longo minuto ficou olhando para Hermione com a boca aberta e os olhos arregalados tentando imaginar a melhor forma de dizer a garota que ele era um elfo doméstico e que elfos domésticos simplesmente não se sentam à mesa com os senhores. Butsy achava a garota muito esquisita, sorrindo para ele a todo o momento e dizendo coisas disparatadas como “bom dia”, “muito obrigado” e “posso lhe ajudar”. Qual seria a explicação para aquele comportamento tão estranho? O elfo sentia-se extremamente desconfortável quando Hermione estava por perto, mas decidiu não se ofender com o tratamento que recebia, afinal, a garota era visivelmente desequilibrada ou talvez tivesse um sério problema de visão e o estivesse confundindo com alguma outra pessoa. “Deve ser uma doença muito séria” – pensou Butsy enchendo-se de pena da garota, e a partir daquele momento, toda a vez que se dirigia a Hermione era com a voz triste e cuidadosa de quem fala com um moribundo.
― Mil desculpas, senhorita – disse Butsy em tom solene fazendo uma grande reverencia – mas Butsy é um elfo doméstico, e elfos domésticos não sentam a mesa com seus senhores, principalmente quando têm trabalho a fazer e amos para servir.
― Claro – disse ela muito sem jeito – E eu imagino que você deve estar sempre muito ocupado com o trabalho do castelo.
― Ah, isso é verdade – respondeu ele cheio de orgulho – O castelo é o melhor lugar do mundo para um elfo doméstico! Aqui o trabalho é tanto que eu mal tenho tempo de comer e dormir... É mesmo muita sorte a minha ter um lugar como esse para servir! Agorinha mesmo eu acabei de trazer as roupas de viagem das senhoritas. Venham ver! Venham ver!
As garotas seguiram o elfo até o interior do quarto e em cima de cada cama encontraram uma nova muda de roupa e sapatos confortáveis para a viagem. Para a infelicidade de Anne, a indumentária continuava incluindo anáguas e saiotes, além de corpetes de amarração complicada que deviam ser usados sobre as batas de tecido leve e mangas esvoaçastes.
― Que raio de roupa é essa? – disse Anne examinando o corpete – Eu vou precisar de um curso de doutorado para aprender a amarrar essa coisa!
― São disfarces, senhorita! – exclamou o elfo – São as roupas que as aldeãs usam normalmente. A jornada dos Enviados deve ser muuuuuuuuito sigilosa, e os vestidos bonitos de festa chamariam muita atenção!
― No meio de uma guerra eu ficaria feliz em poder me defender sem correr o risco de tropeçar na barra da saia – disse Anne resignadamente - Mas você está certo Butsy, mulheres usando calças chamariam muita atenção nas estradas.
Anne olhou mais uma vez para o corpete em suas mãos, e depois de um longo suspiro acrescentou:
― Pelo menos é preto...
Mais uma vez Butsy pareceu crescer de tanto orgulho.
― Fui eu mesmo que fiz durante a noite, minha senhora! – disse ele todo pomposo - E tomei o cuidado de combinar as cores com seus vestidos de festa.
De fato, as roupas simples de camponesa tinham como base as mesmas cores dos vestidos da noite anterior. Sobre a cama de Anne estavam uma saia e um corpete preto que combinavam com a fina bata cor de chumbo. Gina tinha recebido uma saia e uma bata branca que certamente ficariam adoráveis contrastando com o corpete de couro marrom, e o conjunto de Hermione era formado por uma saia azul marinho, uma bata turquesa e um corpete branco feito de um tecido pesado. Encontrava-se ainda ao lado de cada muda de roupa uma grossa capa de lã preta, que Hermione teve até medo de perguntar se o pobre elfo também tinha tricotado durante a madrugada.
― Muito bem, senhoritas – disse finalmente o elfo – Butsy vai se retirar agora para que as senhoritas possam se trocar, mas Butsy vai ficar no corredor esperando para guiar as senhoritas até o Salão da Armada, onde meus senhores estão esperando.
― Não vai ser preciso esperar, Butsy – retorquiu Anne – Acho que eu já memorizei o caminho.
― Como quiser, senhorita – disse o elfo se inclinando para a frente mais uma vez e saindo da sala.
***
Em pouco tempo as meninas se trocaram e guardaram seus pertences cuidadosamente no armário onde tinham encontrado os vestidos de festa. As três rumaram então para o quarto dos rapazes, que também já estavam vestindo as roupas de viagem – calças e botas de couro, túnicas um pouco mais simples do que as da noite anterior, e as pesadas capas de lã. Juntos, os sete atravessaram o labirinto de corredores e escadas e a todo o momento alguém tinha um palpite sobre o caminho certo, ou jurava se lembrar de uma tapeçaria qualquer, o que poucas vezes se mostrou útil de alguma forma. Durante um longo tempo eles caminharam e discutiram até finalmente encontrarem o Salão da Armada, que ao contrario da noite anterior, estava apinhada de gente.
― Finalmente! – exclamou Salazar ao vê-los cruzar o grande arco na entrada do salão – Nós estávamos começando a pensar que vocês tinham fugido durante a noite.
― Nós não fomos a lugar nenhum – respondeu Draco com o sarcasmo que lhe era característico – mas parece que de uma forma ou de outra a noite foi bem movimentada por aqui. De onde saiu toda essa gente?
Neste momento, os demais ocupantes do salão pareceram se dar conta da presença dos enviados, e espiavam curiosamente sobre os ombros cochichando entre si. Do murmurinho que se formou, os garotos só conseguiam compreender algumas poucas frases soltas que em sua grande maioria falavam sobre o fato deles serem “apenas crianças”, e todos já estavam extremamente constrangidos quando um velhote engraçado com um chapéu pontudo equilibrado sobre a cabeleira desgrenhada se aproximou deles. O homem era muito amável, mas um pouco excêntrico até mesmo para os padrões dos bruxos, e chacoalhando a mão de Neville com entusiasmo, desatou a falar:
― Que imenso prazer conhecê-los! Estou realmente encantado! – disse o homem sorrindo sem, contudo parar de sacudir o pobre Neville – Meu nome é Abelardus Primonteu, e eu e todos os membros do conselho dos bruxos aparatamos assim que soubemos de sua chegada.
Repentinamente, o rosto de Rony se iluminou ao reconhecer o velhinho que ainda ontem acenava para ele das páginas de um livro da biblioteca.
― Você é o Abelardus Primonteu? – disse o garoto sem nem parar para pensar a respeito da linha do tempo ou coisa do tipo - O astrônomo?
― Sim, sou eu mesmo – respondeu o homem num misto de orgulho e perplexidade – Creio que minha estimada amiga Rowena tenha falado a meu respeito!
― Exato! – exclamou Hermione tentando reduzir os danos do descuido do amigo – Ela é uma grande admiradora do seu trabalho...
― Certamente – respondeu Abelardus – Ela foi a maior entusiasta do meu Ecliposcópio.
― Ecliposcópio? – disse Gina fazendo uma careta.
― Sim – respondeu o homem – Há alguns anos atrás, Rowena nos disse que seria preciso prever os eclipses com uma certa antecedência, para que os lideres do conselho pudessem esperar pelos enviados na Torre do Espelho. Nós tentamos feitiços e poções, mas nada deu certo, até que eu tive a idéia de construir um equipamento capaz de mapear o caminho das estrelas e prever seus movimentos. Ninguém me deu muito crédito, mas Rowena sempre acreditou em meu potencial.
Do jeito que Abelardus gostava de tagarelar a respeito de seus inventos, a conversa sobre o Ecliposcópio parecia longe de terminar, contudo, Gryffindor fez sinal para que todos tomassem seus assentos na grande mesa de pedra, e em poucos minutos um silêncio profundo pairava sobre a sala. Gryffindor apontou então a varinha para o próprio pescoço e murmurou um encantamento sonorus que ampliou magicamente seu tom de voz para que todos pudessem escutá-lo com clareza.
― Respeitáveis membros do conselho – disse ele cumprimentando o grupo com uma breve reverência – terríveis são as noticias que devo lhes transmitir. Durante a madrugada recebemos em nosso castelo os moradores da aldeia de Lim, e de acordo com eles, os gigantes que habitam as montanhas já se dirigem para as terras do inimigo. A pequena aldeia foi totalmente destruída três noites atrás, e os moradores só conseguiram se salvar por que fugiram quando a terra começou a tremer anunciando a proximidade dos gigantes.
― Mas isso é terrível – disse uma bruxa caolha que usava um vestido vermelho escarlate com bolinhas amarelas – Se os gigantes já estão marchando para o leste, Thalion vai ser capaz de atacar a cidade de Gondor muito antes do que nós imaginávamos!
― E se eles passaram por Lim a três noites atrás não há mais nada o que possamos fazer – disse um bruxinho nanico histericamente – É tarde demais para organizar uma emboscada!
― Mesmo que houvesse tempo! – disse um bruxo muito sério usando um chapéu em formato de chaminé – Como você acha que nós seriamos capazes de deter uma tropa de gigantes?
A ultima afirmação pareceu ser bem polêmica, e todos os bruxos desataram a falar ao mesmo tempo, enquanto Gryffindor tentava restabelecer a ordem.
― Acalmem-se! Acalmem-se! – dizia ele sem sucesso – ACALMEM-SE !!!
O grito de Godric Gryffindor era naturalmente poderoso, e magicamente ampliado pelo feitiço sonorus fez com que as paredes do castelo sacudissem, e os garotos chegaram a pensar que nunca mais se livrariam do zumbido que ecoava em seus ouvidos.
― Eu sei que estamos em uma corrida contra o tempo – disse Gryffindor retomando seu tom cordial – mas nossas esperanças foram renovadas, pois no eclipse de ontem a noite os Valar finalmente enviaram seus campeões para lutar ao nosso lado.
Todos os olhares recaíram sobre eles, e Harry sentiu seu corpo afundando na cadeira acolchoada.Todos os rostos a sua volta mostravam uma sombra de preocupação e cansaço ao redor dos olhos, e Harry gostaria muito de se levantar e dizer alguma coisa que fosse capaz de tranqüilizar aquelas pessoas. Contudo, tudo o que lhe passava pela cabeça naquele momento soava incrivelmente idiota.
― Mas eles são só crianças – disse o bruxo com o chapéu de chaminé – Como sete garotinhos vão enfrentar Thalion quando os exércitos de Gondor não conseguiram?
― Eles são muito mais do que garotinhos – protestou Salazar para o espanto dos garotos – Eles são os Enviados dos Valar, e já nos deram provas suficientes de que podemos confiar neles. Mas se você pretende subestimá-los, Galateu, acho melhor eu lembrá-lo de que anos atrás você disse nesta mesma sala que nós não deveríamos nos preocupar com Thalion, por que ele era apenas um garoto trouxa rebelde que ia se cansar de brincar de bruxo assim que encontrasse uma namorada.
O bruxo com chapéu de chaminé que, ao que tudo indicava, se chamava Galateu ficou vermelho até as orelhas e parecia estar a ponto de explodir quando se levantou muito seriamente e disse:
― Você está questionando o meu papel neste conselho, Salazar?
― E se eu estiver? – respondeu Slytherin lançando-lhe um olhar de desafio.
O clima na sala tornou-se imensamente tenso, e Harry reparou que Galateu segurava com força os braços da cadeira enquanto avaliava a melhor coisa a dizer. No entanto, sem dar chances do homem responder, Rowena levantou-se e disse com seu tom conciliador:
― Já chega – disse ela com firmeza, mas sem ser brusca – Todos nós estamos muito abalados e uma discussão não vai nos levar a lugar algum. Lembrem-se que a discórdia e a desconfiança são as armas do inimigo desde que Arda foi criada, e que nossa única esperança é confiar uns nos outros e na sabedoria dos Valar.
O ambiente tornou-se subitamente mais leve, e Galateu pareceu relaxar em sua cadeira, sem contudo tirar os olhos de Slytherin.
― Belas palavra, Rowena – disse Abelardus Primonteu sorrindo e batendo palmas – Agora, se os senhores concordarem, eu gostaria muitíssimo de ouvir o que meu bom amigo Gryffindor tem a nos dizer.
Dizendo isso o velhinho sorriu para Gryffindor sutilmente, e todos se calaram mais uma vez para ouvir o que ele tinha a dizer.
― Como eu estava dizendo – prosseguiu Gryffindor – Na noite passado os Valar finalmente nos enviaram seus guerreiros, e nós os informamos sobre os rumos da guerra. Gostaríamos muitíssimo de dispor de um pouco mais de tempo para organizar uma estratégia, mas devido aos últimos acontecimentos acreditamos que os enviados devem partir para Valinor o mais rápido possível.
― Eles vão mesmo para Valinor? – indagou incrédula uma bruxa de meia idade que tinha os cabelos amarrados com um laçarote turquesa.
― Certamente – respondeu Gryffindor – A profecia dizia que os Valar enviariam seus campeões para mais uma vez pedir socorro em nome dos filhos de Ilúvatar, portanto, é para as Terras Abençoadas que eles devem se dirigir.
― A viagem dos Enviados não será fácil – completou Rowena - E por isso nós decidimos convocar o conselho. Uma vez que o rei confiou a nós a tarefa de esperar pelos Enviados, acredito que seja nosso dever fazer tudo o que estiver a nosso alcance para ajudá-los a chegar a Valinor.
― E o que exatamente nós poderíamos fazer para ajudar? – perguntou Abelardus.
― Lançar sobre eles o Protego Totalus – disse Gryffindor.
A sala tornou-se silenciosa com a menção do Protego Totalus, e todos os bruxos olhavam para os Enviados como se os avaliassem.
― O Protego Totalus é uma magia muito poderosa – disse Abelardus finalmente – E consome muito da energia daqueles que o conjuram. Exatamente por isso não é utilizado desde a época dos elfos. Contudo, como Rowena bem disse, é nosso dever fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudar os enviados a chegar em Valinor, e por isso eu voto a favor do feitiço. Quem está comigo?
Vagarosamente muitas mãos se ergueram, e vendo que seria voto vencido caso decidisse se opor, Galateu acabou se manifestando a favor do feitiço, mesmo que não mostrasse grande entusiasmo.
― Uau! – murmurou Hermione para que os bruxos não a ouvissem – Nunca pensei que eu fosse ver um Protego Totalus ser conjurado.
Os garotos olharam para ela imediatamente, se perguntando se haveria alguma coisa sobre a qual Hermione nunca tivesse ouvido falar, e para saciar a curiosidade de todo o grupo Rony aproveitou a distração do conselho para perguntar:
― E que raio de feitiço é esse?
Hermione endireitou-se toda na cadeira e assumiu a expressão característica de quando estava prestes a responder uma pergunta importante.
― O Protego Totalus é um feitiço de proteção muito antigo e complicado, realizado por um grupo de bruxos poderosos, que conjura um patrono especial para proteger alguma coisa ou pessoa. O que me espanta, é que o encantamento consome muita energia para proteger uma única pessoa, imaginem só o que vai ser preciso para proteger todos nós!
Neste momento, todos os bruxos do salão se levantaram, e meio constrangidos e sem saber o que fazer, os garotos também ficaram de pé. Gryffindor apontou então sua varinha para o centro da grande mesa de pedra e murmurou:
― Expectrum Patronum !!!
Imediatamente uma luz dourada saiu da ponta da varinha e tomou a forma de um imponente leão, que sentando-se no centro da mesa rosnou vigorosamente. Então, Salazar Slytherin, apontou também sua varinha, e uma grande cobra deslizou imediatamente pela superfície de pedra e foi enrolar-se no leão que permanecia imóvel. Helga Hufflepuff adiantou-se em seguida e conjurou um texugo de bigodes compridos que escalou depressa o corpo do leão e acocorou-se sobre os ombros da fera. Rowena Ravenclaw foi a quarta bruxa a realizar o feitiço, e da ponta de sua varinha surgiu uma águia de longas asas que sobrevoou a sala por um instante e foi pousar sobre os ombros do texugo.
Harry, que sempre tinha gostado muito de assistir a conjuração de patronos, estava encantado com aquele feitiço, e mal piscava enquanto os membros do conselho faziam animais fantásticos surgirem de suas varinhas: primeiro um urso de garras afiadas, depois uma pantera, um elefante, uma coruja prateada, um corcel de crina esvoaçante, um javali, um enorme crocodilo e por fim uma linda gaivota. Ao fim, todos os animais formavam um totem gigantesco que se erguia até o teto da sala, e os bruxos, que até então mantinham suas varinhas firmemente apontadas para o centro da mesa gritaram em uníssono:
― Protego Totalus !!!
Repentinamente, uma luz intensa e vivida emanou do estranho totem, e um estrondo poderoso ecoou no Salão da Armada. A figura unificada dos patronos transformou-se então em uma enorme onda de energia, que impulsionada por uma rajada de vento vigorosa pousou sobre cada um dos enviados. Harry sentiu um formigamento estranho no corpo, e teve a sensação de que alguma coisa dentro dele vibrava intensamente enchendo-o de coragem. Por um momento, o garoto sentiu-se capaz de qualquer coisa, e olhando ao seu redor, teve certeza de que seus companheiros também tinham sido atingidos por aquela onda de energia.
― Está feito – disse Gryffindor apoiando-se sobre a mesa – Deste dia em diante, uma parte de nós estará sempre com vocês.
Os garotos sentiam-se como se uma nova luz tivesse sido acesa dentro deles. Os membros do conselho, no entanto, pareciam exaustos, e apoiavam-se molemente no encosto de suas cadeiras com a respiração ofegante e os braços pendendo ao lado do corpo. Harry mais uma vez pensou que deveria dizer alguma coisa, e motivado por uma coragem que ele nem imaginava possuir se dirigiu ao conselho:
― A prova de confiança que vocês acabaram de nos dar nunca será esquecida – disse Harry finalmente encontrando as palavras – E eu, em nome de todos os Enviados, prometo que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que o sacrifício que vocês fizeram hoje não seja em vão.
Era estranho para Harry se referir a eles mesmos como “Os Enviados”, mas no final, o pequeno discurso não soou tão idiota quanto ele imaginava. Na verdade, ao ver a sombra que pairava no semblante dos membros do conselho se abrandar, Harry achou até que as palavras tinham sido bem escolhidas, e no momento em que a conversa recomeçou, todos pareciam mais esperançosos.
― Preparei para vocês algumas provisões para a viagem – disse Helga batendo palmas de excitação enquanto ordenava aos elfos domésticos que depositassem sobre a mesa sete mochilas de couro contendo mantimentos, uma moringa d’água, e um cobertor de lã.
― E aqui está o mapa que preparamos para que vocês encontrem o caminho para Lórien – acrescentou Salazar entregando o mapa a Hermione.
A garota desenrolou o pergaminho e os outros garotos imediatamente se aproximaram para olhar. Em todas as margens o desenho tinha sido contornado com vários feitiços de proteção escritos com runas tão antigas que Hermione teve alguma dificuldade para traduzir. Na ponta inferior esquerda do mapa, na extremidade sul de uma longa cadeia de montanhas, se encontrava Isengard, facilmente reconhecível pelo lago e a floresta. Hermione nunca tinha imaginado que em tempos remotos a Floresta Proibida tivesse sido tão grande, contudo, lá estava ela se estendendo por muitas milhas ao lado direito das montanhas, e seu nome naquele tempo era Fangorn. Ao lado da floresta havia um grande descampado que era dividido ao meio por um rio com muitos afluentes, que de acordo com a caligrafia bem cuidada de Slytherin, se chamava Anduin. O rio prosseguia na direção norte, e num ponto quase no topo do mapa possuía um afluente chamado Veio de Prata que corria na direção das montanhas. O Anduin e o Veio de Prata formavam um ângulo perfeito, e em seu interior encontrava-se a bela floresta de Lórien, onde de acordo com os fundadores vivia a rainha Arwen.
Na borda direita do mapa havia ainda uma pequena rosa-dos-ventos, e ao lado dela, dentro de uma pequena flâmula, as palavras “castelo seguro” figuravam em tinta vermelha. Olhando com mais atenção, Hermione percebeu que a flâmula continha ainda uma lista com o nome dos sete Enviados, e ao lado de cada um deles estava escrito “em segurança em Isengard”.
― Todas estas inscrição se referem a nós? – perguntou Hermione.
― Exatamente – respondeu Slytherin – A inscrição principal indica as condições do caminho, e as menores indicam onde cada um de vocês está e em que estado físico.
― É uma precaução – acrescentou Rowena – Para a eventualidade de algum de vocês se perder.
Rony imediatamente imaginou que o feitiço existente no mapa deveria ser o mesmo existente no relógio de parede que ficava pendurado na cozinha da Toca. O relógio tinha um ponteiro para cada membro da família Weasley, e em vez de mostrar as horas, indicava se cada um deles estava em casa, viajando, na escola, ou até mesmo em perigo mortal. O relógio da Sra. Weasley já tinha se mostrado muito útil, e Rony teve que admitir que Slytherin tinha feito um excelente mapa para eles.
― Muito obrigado – disse Hermione enquanto guardava o mapa – Vai ser muito útil durante a viagem. Pelo que entendi esta inscrição maior indica as condições da estrada, e com ela nós poderemos evitar qualquer tipo de perigo.
Ao ouvir o que Hermione tinha acabado de dizer, Gryffindor lançou um olhar preocupado aos garotos e disse:
― Tenho certeza de que o mapa vai ser de grande valia, mas isso não quer dizer que vocês possam se descuidar - Gryffindor fez uma pausa e conduziu os garotos a uma bancada de mármore branco onde muitas armas tinham sido depositadas - Nos dias de hoje, as estradas estão cheias de inimigos, e eu ficaria mais tranqüilo se vocês tivessem algum meio além das varinhas para se defender. Escolham algumas dessas armas e não se separassem delas em hipótese alguma.
Parados diante da bancada, todos se sentiam sem jeito de pegar o que quer que fosse, pois estavam certos de que não saberiam como usar. Apenas Anne parecia à vontade, e até mesmo animada com a oferta de Gryffindor.
― Vamos lá – insistiu ele – Vocês não precisam fazer cerimônia. Podem pegar tudo o que quiserem. Vocês sabem manejar uma espada, não é mesmo?
― Claro! – exclamou Rony tirando da bancada uma espada longa e pesada – A gente só tem que mirar o lado pontudo na barriga do inimigo! Que grande dificuldade pode haver nisso?
Mal terminou de falar, Rony ergueu a espada com as duas mãos e deu um grande sobre-passo para frente como se estivesse prestes a trespassar um inimigo imaginário. O peso da espada, no entanto, fez com que o garoto perdesse o equilíbrio, e Rony cambaleou desajeitadamente para frente deixando a arma cair no chão com grande estrondo. As orelhas do garoto ficaram instantaneamente escarlates, e tão sem graça quanto se podia ficar em uma situação como aquela, tentou se justificar:
― Foi só um pequeno descuido – disse ele – Acho que eu não escolhi a espada certa, só isso...
Os membros do conselho eram incapazes de dizer qualquer coisa, e Gryffindor subitamente pareceu se dar conta de que a jornada dos enviados ia ser ainda mais perigosa do que ele imaginava, afinal de contas, Rony com uma espada na mão era uma ameaça terrível não só para si mesmo quanto para seus companheiros.
Neste momento, Anne deu alguns passos em direção à bancada, e sacou uma espada curta com a lamina afiada e o punho cravejado de pequenas opalas reluzentes. A garota alinhou os punhos no topo da empunhadura da espada, sentindo as batidas do próprio coração nas pontas dos dedos, e seu corpo estava tão ereto e alerta, que Draco teve a impressão de que ela crescia à medida que concentrava sua energia na lâmina brilhante. Ela estava tão silenciosa e distante quanto no momento em que o rapaz a vira caminhando pelo jardim sob as estrelas, no entanto, com a espada nas mãos Anne parecia inabalavelmente determinada, e com um movimento rápido de quadril impulsionou-se para a frente levantando a espada acima da cabeça e baixando-a novamente no sentido diagonal cortando o ar enquanto girava o corpo sobre o próprio eixo.
Todos olhavam para ela perplexos, mas Anne parecia não se incomodar. Voltou-se mais uma vez para a bancada e escolheu sete facas de prata e outras seis espadas leves, que entregou a cada um de seus companheiros. Gryffindor parecia reconfortado com a desenvoltura da jovem, e seus olhos brilharam de contentamento quando a garota se dirigiu a ele:
― É uma bela lâmina - disse ela enquanto prendia a arma ao lado esquerdo do corpo – No lugar de onde viemos, raramente se encontra um trabalho tão bem feito.
Gryffindor sorriu amavelmente e os dois se afastaram do restante do grupo discutindo os diversos tipos de forja, enquanto os garotos olhavam para Anne com espanto e tentavam entender o que tinha acabado de acontecer.
― Vocês viram a mesma coisa que eu? – perguntou Harry boquiaberto.
― Se você se refere a Anne dando uma de samurai nós vimos – respondeu Hermione – Eu nunca imaginei que ela entendesse de espadas.
― Eu já sabia que ela lutava – disse Neville fazendo com que todos olhassem para ele com espanto – As vezes eu acordo um pouco mais cedo nos finais de semana para colher guelricho ou outras plantas de água doce na margem do lago, e ela sempre está lá treinando. Ela fica horas pulando de um lado para o outro brandindo a espada no ar... Pensei que todo mundo soubesse disso!
― E você acha que se eu soubesse que ela sabe usar uma espada desse jeito eu teria ficado no gol nos jogos contra a Corvinal? – berrou Rony – Nunca mais eu subo em uma vassoura com essa maluca por perto segurando um taco!
― Você deveria estar agradecido em ter por perto alguém que sabe usar uma espada, Weasley – disse Draco sem nenhuma emoção na voz – Não sei quanto aos outros, mas se de um lado do campo de batalha estiver o inimigo e do outro você segurando uma espada, eu não vou pensar duas vezes antes de correr na direção do inimigo.
― Típico dos Malfoy! – respondeu Rony furioso, mas Draco já tinha dado as costas e saído pelo corredor.
Na verdade, Draco se quer tinha se dado conta de que Rony tinha dito alguma coisa. Seus pensamentos ainda estavam no balcão voltado para o lago de onde ele tinha visto a caminhada noturna de Anne. Agora a cena da garota melancólica olhando para ele dos jardins se misturava com a pequena demonstração de destreza que ele acabara de presenciar e Draco sentia que quanto mais a conhecia mais difícil era juntar todos os fragmentos dela em um único indivíduo coerente e isso o instigava a tentar entendê-la. Ele mesmo não era uma pessoa simples de se compreender, mas a complexidade de Anne era diferente, e parecia ir além dos questionamentos próprios da adolescência, por mais relevantes que eles fossem.
Draco caminhou sem se dar conta seguindo os passos dos integrantes do conselho que ecoavam a sua frente, e depois de alguns minutos chegou ao pátio principal do castelo. Lá, Anne conversava animada com Gryffindor, e Rowena dava ordens aos cavalariços enquanto Helga e Salazar faziam companhia aos demais. Draco pensou em se aproximar da garota e falar sobre a noite anterior, ou sobre as habilidades dela com a espada, mas depois de pensar por um momento acabou chegando a conclusão de que isso seria um modo idiota de tentar se aproximar.
― Tudo a seu tempo, Draco Malfoy – murmurou ele – Tudo a seu tempo...

***
Durante algum tempo os garotos e os bruxos permaneceram no pátio do castelo entretidos com os preparativos da viagem, e o sol já começava a sumir no horizonte quando os enviados finalmente se aprontaram para partir. Cada um deles montou desajeitadamente um dos cavalos e juntos conduziram os animais vagarosamente em direção aos portões de Isengard. O conselho dos bruxos caminhava ao lado deles, e no momento em que se aproximaram dos portões Rowena disse.
― Como vocês sabem, este é o lugar onde nossos caminhos se separam. No entanto, tenho a sensação de que ainda voltaremos a nos encontrar antes do fim.
Rowena parecia extremamente convicta do que estava dizendo, e a possibilidade de voltar a ver Isengard e seus habitantes fez com que os garotos se alegrassem. O pouco tempo que tinham passado no castelo tinha sido extremamente conturbado, cheio de descobertas chocantes e pedidos inesperados, no entanto, todos tinham a sensação de que de alguma forma ainda estavam em Hogwarts, o lugar mais seguro do mundo, e agora que estavam prestes a deixar o castelo uma sensação incomum de desamparo pairava sobre eles.
― Espero que a pouca ajuda que pudemos lhes oferecer seja suficiente para levá-los até Lórien – disse Gryffindor – E lembrem-se do que lhes disse sobre as estradas! Não se descuidem nem por um momento e tenham sempre as espadas e as varinhas por perto.
― Verifiquem o mapa constantemente – acrescentou Slytherin subitamente – Mantenham-se na estrada, e em hipótese alguma entrem na floresta. É um lugar perigoso para as meninas, e fatal para os rapazes.
― Tem vellas na floresta? – perguntou Rony com os olhos arregalados.
― Pior do que isso – respondeu Slytherin – Tem mulheres raivosas por lá.
Gryffindor e os outros bruxos riram imediatamente, mas Rowena e as outras não pareceram achar graça na resposta.
― Que coisa mais indelicada para se dizer – retorquiu Rowena olhando para Salazar com seriedade – E vocês não deveriam estar rindo de uma coisa séria como esta.
Os bruxos calaram-se mais do que depressa, e Salazar fez uma careta de tédio em direção a Rowena, que naquele momento já tinha se voltado mais uma vez para os enviados.
― O comentário de Salazar não foi de forma alguma apropriado – disse ela – Mas de fato vocês devem manter sempre uma distancia segura da floresta. Se permanecerem na estrada e não pararem mais do que o necessário, devem chegar a Lórien daqui a três noites. Lembrem-se que nosso tempo é curto, e que vocês são nossa ultima esperança.
Helga que estava ao lado de Rowena contorcia as mãos nervosamente sobre o peito, e tremelicava o queixo como se estivesse prestes a desatar a chorar. Gina olhou para a bruxa com carinho, pois sua figura era tão maternal que a fazia lembrar a Sra. Weasley.
― Tenha cuidado! – exclamou Helga repentinamente – E não se esqueçam de se alimentar apropriadamente. Saco vazio não para de pé!
Fez-se então um profundo silêncio, e os garotos sabiam que não havia mais o que dizer. Cruzaram os portões de Isengard ao som de muitos desejos de boa sorte e algumas recomendações de última hora, e seguindo as indicações do mapa, tomaram a estrada rumo ao leste. E foi assim que os enviados vieram a partir, cavalgando em silêncio sob a luz do crepúsculo e deixando a segurança do castelo para trás.

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