Os Enviados dos Valar



Rowena guiou os garotos através de um verdadeiro labirinto de corredores e escadas até chegarem a uma sala circular com grandes pilares de pedra branca e janelas de vitral. Parecia-se muito com uma sala de conferência, pois além da grande mesa circular que ocupava praticamente todo o aposento, mapas e esquemas táticos pendiam da parede principal.
― Este é o Salão da Armada – disse Gryffindor com ar solene – É aqui que nossas tropas se organizam, e onde preparamos os movimentos de resistência. A cada dia recrutamos mais aliados, mas parece que o inimigo é ainda mais rápido do que nós... perdemos muitos companheiros nestes últimos anos, e vocês são nossa última esperança.
― Mas como? – perguntou Gina apreensiva – Se um exército de guerreiros treinados como o seu não conseguiu por fim a guerra, o que nós podemos fazer?
― Não se subestime, minha querida – disse Helga se aproximando carinhosamente – A história já provou que em momentos de grande desespero, a maior coragem vem de onde menos imaginamos.
Vendo a expressão de incredulidade no rosto de todos, Rowena adiantou-se e fez sinal para que os garotos a seguissem até a extremidade da sala. Ali, uma coleção monumental de tapeçarias ocupava toda a parede, e detendo-se diante da primeira, a bruxa convidou-os a apreciá-la. A cena retratada parecia muito com uma das imagens do paraíso que Harry costumava ver nos livros sobre a renascença, com árvores frondosas, fontes cristalinas, e criaturas fantásticas ornamentadas com guirlandas de flores.
― Esta tapeçaria – disse Rowena finalmente – retrata os primórdios de Arda.
― Arda? – disse Neville desconfiado – Que lugar é este?
― As vezes eu me esqueço que no lugar de onde vocês vieram estes nomes já devem ter sido esquecidos – disse Rowena com um sorriso bondoso – Arda é o nome dado pelos elfos ao reino da terra onde vivemos, e que mais tarde foi chamada pelos homens de Terra Média. Diz a lenda que, quando só o vazio existia, o sábio deus Ilúvatar criou de seu próprio pensamento seres de grande poder e beleza, e deu a eles o nome de Ainur, que quer dizer “os sagrados”, e eles lhe fizeram companhia.
― Como assim? – retrucou Rony – Você não acabou de dizer que só existia o vazio?
― Psiu! – disse Hermione acertando o cotovelo bem no meio das costelas do garoto.
― Ai, Mione! Por que você fez isso? – respondeu ele cambaleando para trás.
― Pra ver se você para de fazer perguntas idiotas...
― A pergunta não foi idiota – disse o garoto em tom de indignação – Ela acabou de dizer que os tais Ainur faziam companhia pro deus no vazio! Não era no Três Vassouras, ou no Caldeirão Furado, mas no VAZIO !!! Quem acredita em uma maluquice dessas? Só falta ela dizer que eles também dançavam a “jiga do trasgo” lá no vazio...
― Na verdade – interrompeu Rowena – Eles costumavam cantar para a alegria de Ilúvatar, e seu canto era tão belo, que o deus benevolente decidiu propor-lhes um tema musical. Assim, todos os Ainur cantaram juntos, e dizem que aquela foi a canção mais linda que já existiu, tão linda, que Ilúvatar fez surgir diante deles a materialização de tudo o que havia sido cantado.
― E a história só fica cada vez mais inacreditável – disse Rony coçando a cabeça com desânimo.
A expressão no rosto de Rowena era incrivelmente parecida com a da professora McGonagall depois de um daqueles “pequenos acidentes” que geralmente aconteciam nas aulas de transfiguração, e por um instante Harry acreditou que a bruxa subitamente gritaria “Cinco pontos a menos para a Grifinória!”. Contudo, Rowena simplesmente puxou sua varinha do bolso e murmurou:
― Nox!
Imediatamente, toda a luminosidade pareceu ser sugada da sala, e os garotos não conseguiam enxergar um palmo se quer diante do nariz. Então, Rowena colocou a mão delicadamente no ombro direito de Rony e disse:
― Você pode ver algum de seus amigos?
― Não – respondeu Rony desconfiado.
― Mas eu estou certa de que você seria capaz de sentir a presença deles de alguma forma, não é mesmo?
Rony ficou em silêncio por um momento e tentou prestar atenção no que estava acontecendo ao seu redor sem a ajuda da visão.
― Bem - disse o garoto finalmente - Eu posso ouvir a respiração do Neville, e a Mione tem essa mania engraçada de estalar os dedos quando está nervosa...
― Então você não vai ter muita dificuldade em imaginar o vazio primordial – prosseguiu a bruxa – Nele, nada existia além de Ilúvatar e de seus Ainur, e mesmo não assumindo formas corpóreas, eles podiam sentir a presença uns dos outros através de uma ligação muito mais forte do que a da visão ou do tato. Assim, Ilúvatar não se sentia mais sozinho e os Ainur freqüentemente o alegravam com lindas canções, que não eram compostas de palavras, mas de uma energia poderosa que falava diretamente de um espírito para o outro. Você está conseguindo imaginar?
― Acho que sim – respondeu Rony.
― Muito bem – prosseguiu Rowena – O canto dos Ainur era tão belo, que o deus decidiu propor-lhes um tema musical, e dizem que aquela canção era tão perfeita, que Ilúvatar fez surgir diante deles a materialização de tudo o que havia sido cantado.
Neste momento, um delicado fio de luz surgiu da ponta da varinha de Rowena, e a escuridão começou a abrandar. O filete dourado lentamente foi crescendo e assumindo o formato de uma esfera, até que os garotos puderam ver diante de si um pequeno modelo brilhante do globo terrestre que flutuava na escuridão.
― Os Ainur contemplaram por um instante a imagem de um mundo maravilhoso que crescia e evoluía em meio ao vazio – disse a bruxa - e alguns deles amaram de tal forma aquela terra, que Ilúvatar decidiu transformar Arda em realidade.
― Mas ele não tinha acabado de conjurar a Terra? – perguntou a voz tímida de Neville vindo de um canto da sala.
― Não – disse Rowena brandamente – O que Ilúvatar conjurou foi apenas uma visão, como esta que vocês estão vendo. A terra só foi realmente criada quando a chama imperecível da vida foi enviada ao vazio, e aqueles Ainur que tinham se apaixonado pela visão receberam a permissão de Ilúvatar para viver em Arda e construir todas as maravilhas que haviam cantado. Alguns dos mais fortes e belos dos Ainur mudaram-se para cá, e a partir daquele dia, passaram a ser chamados de Valar, que significa “os Poderes do Mundo”.
― E o que exatamente eles tinham cantado? – perguntou Rony.
― Cada um deles cantou sobre as coisas que amava. Alguns cantaram sobre o vai e vem das ondas, outros sobre o balé do vento ou o crescimento das flores, e todas essas coisas Ilúvatar permitiu que eles viessem construir em Arda.
― Então, os Valar construíram tudo o que existe – perguntou Gina – Até mesmo os homens e os animais?
― Os Valar criaram todas as maravilhas que conhecemos, como as plantas, as pedras, as árvores, os animais e as estrelas. Contudo, os filhos de Ilúvatar nasceram de seu próprio pensamento, e os Valar só souberam a respeito deles durante a visualização do mundo. Nela, eles viram os elfos despertando na escuridão e os chamaram de “primogênitos”, e viram também o despertar dos homens, e deram a eles o nome de “sucessores”. Isso era tudo o que os Valar sabiam sobre os filhos de Ilúvatar, e tudo o que criaram nesta terra, tinha o propósito de recebê-los no momento em que despertassem.
― Então, eles não sabiam ao certo quando o mundo seria habitado? – indagou Hermione.
― Não, eles não sabiam – respondeu Rowena – E exatamente por isso se dedicavam tão fervorosamente em preparar o Mundo para a chegada dos filhos. Mas já naquele tempo, o mal caminhava pela terra, e Melkor, um dos mais poderosos dos Valar, se rebelou contra seus pares e passou a invejar tudo o que era criado. Todos os trabalhos que os Valar começavam eram destruídos ou corrompidos por Melkor e muitas batalhas foram travadas até que a Terra finalmente pudesse ser terminada.
O silêncio na sala era profundo, e todos pareciam empenhados em digerir aquela quantidade enorme de informações sobre a criação do mundo e as batalhas travadas entre os Valar.
― Apesar das muitas intromissões de Melkor – continuou Rowena - os Valar finalmente terminaram sua criação, e exaustos pelo trabalho e pelas batalhas, organizaram uma grande festa para comemorar e repousar, enquanto tudo aquilo que haviam criado desabrochava. Estavam todos tão felizes, que não perceberam que Melkor estendia sua sombra sobre Arda, e nas profundezas escavava sua fortaleza. Aproveitando-se da alegria de seus irmãos, o traidor envenenou as plantas e vegetações, transformou lagos cristalinos em pântanos pestilentos, e fez com que as florestas se tornassem sombrias e perigosas. Quando se deram conta do que estava acontecendo, os Valar saíram em busca de Melkor, mas era tarde demais, pois os pilares que sustentavam as luzes de Arda já tinham sido derrubados, partindo a terra e revolvendo os mares. O mundo havia sido desfigurado para sempre, e os primeiros projetos dos Valar nunca mais puderam ser recuperados.
Rowena mais uma vez adiantou-se e acenou para que os garotos admirassem a segunda tapeçaria. Esta mostrava as margens de uma lagoa cristalina de onde homens e mulheres de beleza inenarrável admiravam as estrelas no céu escuro. Todos tinham o corpo esguio e orelhas levemente pontudas, que ficavam praticamente cobertas pelos cabelos muito lisos, que em alguns eram negros como o breu e em outros eram delicados e brilhantes como fios de ouro, e suas roupas eram tão leves que pareciam feitas de ar.
― Eu nunca tinha visto uma representação tão bonita dos elfos – disse Gina se aproximando um pouco mais da tapeçaria – Eu só não estou vendo os Valar. Eles não deveriam estar aqui?
― Eles deveriam ter estado – respondeu Rowena – E certamente teriam se alegrado em poder ver os primogênitos despertando. No entanto, com a destruição da Primavera de Arda, os Valar não tinham mais onde ficar, e por isso foram obrigados a abandonar estas terras. Eles rumaram então para Aman, também conhecida como a Terra Abençoada, que fica além do grande mar e junto dos limites do mundo. Lá, os Valar construíram a cidade de Valinor e esperaram até o despertar dos primeiros filhos de Ilúvatar.
― Então, quer dizer que esses tais Valar deixaram a terra nas mãos do cara malvado e se mudaram para um pequeno balneário perto da praia, enquanto os filhos de Ilúvatar despertavam no meio do caos? – perguntou Draco.
― Não havia mais nada que pudesse ser feito – disse Rowena um pouco incomodada com o sarcasmo do rapaz – E no momento em que os elfos finalmente despertaram às margens da lagoa Cuiviénem, a única luz que existia em Arda era a das estrela, e por terem sido agraciados por Ilúvatar com o dom da imortalidade, os primeiros elfos viveram durante séculos na escuridão até serem encontrados.
― E quem foi o primeiro a se dar conta de que eles tinhas despertado? – perguntou Neville torcendo a barra da túnica nervosamente, como uma criança que escuta uma história de terror.
― Melkor, é claro – respondeu Salazar – Ele era o único que ainda vivia em Arda, e seus espiões logo descobriram o lugar onde viviam os primogênitos. Muitos elfos foram capturados e torturados até que os Valar descobrissem o que estava acontecendo, e diz a lenda, que em suas tentativas de fazer os elfos se curvarem ao seu poder, Melkor os submeteu a grandes dores e mutilações dando origem à raça dos orcs e dos kurks, que mais tarde ficaram conhecidos como elfos domésticos.
― Não pode ser! – exclamou Hermione – Como é possível que os elfos domésticos tenham sido criados através das artes das trevas? Eu até concordo que uma vez ou outra eles fazem coisas que não são muito bem vistas pela comunidade bruxa, mas isso só acontece quando eles são obrigados pelos donos.
― Ah, não! – exclamou Rony – Lá vem ela com a militância outra vez... Libertem os elfos domésticos! Abaixo aos maus tratos! Bla bla bla...
― Eu só acho que os bruxos deveriam ter um pouco mais de consideração com os elfos domésticos – respondeu Hermione lançando um olhar fulminante em direção a Rony - Afinal de contas, eles trabalham como escravos e nunca reclamam.
― E nem poderiam – retrucou Salazar – uma vez que eles mesmos pediram para ser escravizados.
Hermione parecia ultrajada com aquela afirmação, e começava a ter certeza de que com um fundador tão arrogante e insensível, não era mesmo de se espantar que a Sonserina fosse um antro de esnobes e bruxos das trevas.
― O que exatamente você quer dizer com isso? – perguntou ela com um tom desafiador.
― Eu quis dizer exatamente o que eu disse – respondeu ele secamente – Que os elfos domésticos pediram para ser escravizados.
No mesmo instante, Hermione começou a estalas os dedos nervosamente e seu rosto tornou-se visivelmente avermelhado. Rony e Harry, que sabiam quão perigoso era insultar um elfo doméstico perto da amiga, logo se prepararam para uma explosão de cólera e trataram de sair do caminho.
― Isso não vai terminar bem – disse Rony em voz baixa para que só Harry o escutasse – Você sabe como ela fica quando falam mal dos elfos.
― Eu sei – acrescentou Harry com os olhos fixos na garota - Ela está a um milímetro de ter um siricutíco!
― Você realmente acha que eles merecem servir os bruxos como se fossem escravos? – perguntou Hermione em tom inquisitório – Isso é simplesmente ultrajante!
Rowena, que tinha acabado de ouvir os comentários de Harry e Rony, decidiu que seria sensato acalmar os ânimos antes que o bate boca tomasse proporções maiores. Afinal, da mesma forma que os garotos acreditavam que Hermione seria capaz de ter um ataque para defender os elfos domésticos, Rowena tinha mais do que certeza de que Salazar não perderia a oportunidade de tirar a garota do sério.
― Quando Salazar disse que os elfos domésticos pediram para ser escravizados não foi no sentido de que eles mereceram – disse a bruxa em tom conciliador – Na verdade, quando Melkor raptou os primeiros elfos e os levou para sua fortaleza subterrânea, sua intenção era que os filhos de Ilúvatar se curvassem a sua vontade, e para isso, ele os torturou de inúmeras formas até que eles não pudessem mais se opor a uma ordem direta sua e se auto flagelassem todas as vezes que ousassem contradizê-lo. No entanto, os elfos domésticos nunca tiveram o coração corrompido, e muitos morriam de tristeza e saudade do brilho das primeiras estrelas.
― Que coisa horrível – murmurou Gina.
― Melkor era capaz de coisas horríveis para corromper a criação de Ilúvatar e dos Valar – prosseguiu Rowena – E seu coração cheio de maldade e inveja nunca foi capaz de reconhecer a nobreza de um coração puro. Por isso, ele acreditou que o amor dos elfos domésticos pelas estrelas os tornava fracos e inúteis e decidiu descartá-los para recomeçar seus experimentos. Assim, os orcs foram criados, e desta vez Melkor se empenhou ao máximo para torná-los perversos e cruéis como ele próprio, mesmo que isso fizesse com que a nova raça não possuísse poderes mágicos.
― E o que ele fez pra se livrar dos elfos domésticos? – perguntou Rony.
― A maior parte deles foi morta por Melkor – respondeu Rowena - E os poucos que conseguiram fugir pediram refugio aos elfos em Cuiviénem.
― Mas eles não sabiam fazer mais nada além de servir, não é mesmo? – perguntou Harry.
― Mais do que isso – respondeu Rowena – naquela época suas vidas estavam diretamente ligadas ao laço de escravidão que tinham com Melkor, e tudo o que os elfos puderam fazer para salvá-los foi substituir este laço por um contrato mágico de vassalagem. Mesmo hoje eu acho que um elfo doméstico não suportaria o choque de ser libertado, e tenho minhas duvidas de que algum dia eles sejam capazes de viver sem um senhor a quem servir.
Hermione sentiu-se extremamente deprimida com aquela revelação, pois sempre acreditou que a servidão dos elfos domésticos estava relacionada a alguma perversidade dos bruxos, e na verdade tratava-se de uma medida desesperada para salvar-lhes a vida. Ao que tudo indicava, Dobby era um dos poucos indivíduos daquela raça em cujo sangue as maldades de Melkor começavam a perder seu efeito, e a garota sentiu-se muito mal por todas as vezes em que escondeu meias e gorros de lã na sala comunal da Grifinória, na tentativa de libertar os elfos domésticos do castelo.
― Como vocês podem ver – prosseguiu Rowena – Melkor foi capaz de grandes maldades contra os primogênitos de Ilúvatar, e ao descobrir estas atrocidades, os Valar encheram-se de fúria e marcharam mais uma vez sobre a Terra, mantendo o cerco a fortaleza de Melkor até que ele fosse aprisionado. Assim, o traidor foi levado para o refugio dos Valar e condenado a permanecer trancado durante muitas eras até que lhe fosse permitido um novo julgamento.
― E o que aconteceu com os elfos que ainda viviam nas margens da lagoa? – perguntou Gina.
― Os Valar estavam encantados pela beleza dos primogênitos e desejavam ardentemente sua companhia – disse Rowena – por isso convocaram os elfos para viverem com eles nas Terras Abençoadas. Muitos acataram a este pedido e atravessaram o grande mar, mas alguns deles estavam tão apaixonados pelo brilho das estrelas que foram incapazes de abandonar esta Terra.
Rowena aproximou-se então da terceira tapeçaria, que mostrava um elfo alto e forte com três pedras brilhantes sobre a testa brandindo uma espada comprida no meio de um campo de batalha, e depois de dar algum tempo para que os garotos examinassem a obra, a bruxa prosseguiu sua história.
― Durante muito tempo, a paz e a harmonia reinaram em Aman, e os Valar estavam felizes em ensinar tudo o que podiam aos elfos. Coisas magníficas foram criadas naquela época, mas nada se comparava as Silmarils: três pedras preciosas criadas pelo elfo Fëanor a partir da luz encantada das árvores dos Valar. As Silmarils foram a maior criação dos elfos, e ao mesmo tempo a maior de suas desgraças...
― Elas tinham algum poder maligno? – perguntou Rony.
― Não – disse Rowena com um sorriso triste – Mas, como tinha sido decretado, era chegado o momento de Melkor ser julgado mais uma vez, e lançando mão de toda sua falsidade, o traidor humilhou-se diante dos Valar até ser perdoado por eles. Com um sorriso no rosto ele dizia ter se arrependido, e andava entre os elfos como se fosse seu amigo, mas a verdade era que seu coração estava cheio de ódio e inveja, e as Silmarils eram o que ele mais cobiçava.
― E ninguém percebeu que ele estava mentindo? – perguntou Gina incrédula.
― As criaturas boas tendem a acreditar na bondade dos outros – respondeu Rowena – Além disso, Melkor era extremamente dissimulado, e não expôs suas pretensões abertamente. Ele sabia que a melhor forma de destruir a paz dos Valar era corroer seus alicerces, ou seja, o elo de amizade que existia entre os elfos e os Valar e para isso, começou a espalhar boatos e calunias, que pouco a pouco plantaram uma semente de desconfiança no coração dos Primogênitos.
― Ele armou muito bem sua armadilha – acrescentou Salazar – E no dia em que os Valar resolveram se organizar em um conselho para restabelecer a paz nas Terras Abençoadas, Melkor fugiu de volta para Arda e aliou-se a uma aranha gigantesca que alimentava-se de luz.
― Aranha – murmurou Rony – Uma aranha gigante?
― O nome dela era Ungoliant – disse Rowena – E durante as celebrações da colheita, quando todos se reuniam com os Valar para uma grande festa, Melkor e Ungoliant voltaram para a Terra dos Valar e destruíram as árvores encantadas. Tudo tornou-se escuro então, e dando prosseguimento aos seus planos Melkor se esgueirou até a morada de Fëanor, assassinou seu pai e roubou as Silmarils.
― Como foi que ele assassinou o pai do Feanor? – perguntou Harry – Você não tinha dito que os elfos eram imortais?
― De fato – disse Gryffindor – quando Ilúvatar criou os elfos, determinou que eles nunca morressem, e que nenhuma enfermidade fosse capaz de acometê-los, mas ainda assim, eles podiam ser assassinados, e o pai de Feanor foi apenas o primeiro a ter este destino.
― Os próprios elfos foram pegos de surpresa pela morte – disse Rowena - e a desconfiança que Melkor tinha semeado no coração deles acabou tomando dimensões inesperadas. Fëanor acusava os Valar de terem privado os primogênitos de viver em Arda, e de terem sido incapazes de defender seu povo e sua terra das perversidades de Melkor. Assim, Fëanor decidiu voltar para Arda e jurou caçar Melkor por toda a terra até ter de volta suas preciosas Silmarils. Os elfos que pertenciam a sua linhagem, juraram lealdade a ele, e o seguiram deixando um rastro de morte e sangue pelo caminho.
― Eles logo encontraram os inimigos? – Perguntou Rony, que a essa altura já se perguntava por que as aulas do professor Binns não eram tão empolgantes quanto a história que os fundadores estavam contando.
― Infelizmente, a primeira batalha aconteceu dentro dos limites de Valinor – respondeu Gryffindor – Ao chegar as praias que separavam a terra dos Valar de Arda, Fëanor pediu aos elfos que ali viviam que lhes cedessem seus barcos, mas estes se recusaram alegando que aqueles eram seus bens mais estimados, e por isso foram massacrados sem piedade.
― Fëanor lutou contra os próprios elfos! – exclamou Neville.
― Na verdade – disse Helga muito tristemente – aquele embate pelos barcos nunca chegou a ser uma luta, pois só Fëanor e seus aliados estavam armados e prontos para a guerra. Os pobres elfos das praias foram exterminados brutalmente! Foi uma chacina e não uma luta...
― Vocês podem imaginar o tamanho da tristeza dos Valar ao ver seus amados elfos assassinando uns aos outros? – perseguiu Rowena - Tamanha violência fez com que Mandos, o mais sério e soturno dos Valar, revelasse a eles uma profecias terrível, que dizia que a partir do momento em que as Terras Abençoadas tinham sido manchadas de sangue, a ira dos Valar tinha recaído sobre a casa de Fëanor, e que agora, os portões de Valinor estariam para sempre fechados para eles. Mandos previu ainda que a morte e a tragédia perseguiria cada um daqueles que tinham jurado recuperar as Silmarils e que a cobiça e desconfiança os faria derramar seu próprio sangue até que tudo estivesse acabado.
Harry pensou por um momento sobre a profecia em que ele mesmo estava envolvido, e involuntariamente sentiu pena daqueles elfos que movidos pela vingança estavam prestes a se lançar contra um inimigo terrível. Ele sabia exatamente como Fëanor devia ter se sentido, pois ele mesmo sonhava todos os dias com a possibilidade de vingar o assassinato de seus pais, e imaginou se ele também seria obrigado a deixar um rastro de morte e sangue pelo caminho que o levaria a enfrentar Voldemort.
― E Fëanor algum dia conseguiu vingar a morte de seu pai? – perguntou Harry sem tirar os olhos do chão.
― A guerra durou muitas tempo – respondeu Rowena - e Fëanor foi morto no campo de batalha muito antes da destruição de Melkor.
― E mesmo depois da morte dele os Valar não fizeram nada para ajudar? – perguntou Hermione.
― A profecia de Mandos tinha decretado que os Valar não interfeririam nesta batalha – prosseguiu ela – Mas ainda assim, eles temiam pela vida de seus amados elfos. Por isso, com o que tinha restado das árvores de Valinor, os Valar criaram o sol e a lua, para que a luz voltasse a Arda impedindo os avanços de Melkor. E da mesma forma que os elfos tinham despertado sob a luz das estrelas, os homens despertaram sob o calor dos primeiros raios de sol.
Rowena deu mais alguns passos a frente e todos a acompanharam. A quarta tapeçaria mostrava um grande navio voador, cujos únicos tripulantes eram um homem alto e galante e uma mulher de vestes brancas que lembrava uma gaivota. O navio também era esplendoroso, e era guiado pelo céu por uma fina luz de prata que emanava do próprio marujo.
― Como eu disse – prosseguiu Rowena - a guerra durou muitos séculos, e a esta altura os homens estavam tão envolvidos quanto os elfos nos planos sinistros de Melkor. Muitos foram mortos, cidades foram destruídas, famílias foram dizimadas, até que um bravo marinheiro chamado Eärendil, o meio-elfo, decidiu navegar até as Terras Abençoadas para pedir socorro aos Valar.
― Mas como ele conseguiu encontrar o caminho? – perguntou Hermione – Afinal de contas, os Valar tinha proibido os elfos de voltar para as Terras Abençoadas, não é? E pelo que eu entendi ele nem era completamente elfo...
― De fato – disse Rowena – Eärendil era filho de um homem e de uma princesa elfa, e sua mulher, Elwing também era uma mortal que descendia dos primogênitos. No entanto, os dois possuíam a única das três Silmarils que tinha sido roubada de Melkor pela avó de Elwing, e com a jóia atada a testa, Eärendil foi capaz de encontrar o caminho para a morada dos Valar, sendo o único mortal a ser aceito nas Terras Abençoadas.
― Mas e a mulher dele? – perguntou Gina – Ela não tinha ido junto?
― Foi sim – prosseguiu Rowena – Mas Eärendil temia a ira dos senhores de Valinor, e para proteger Elwing pediu a ela que esperasse na praia. Assim, o meio-elfo apresentou-se diante dos Valar e suplicou perdão em nome da família de Fëanor falando sobre todo o sofrimento ao qual já tinham se submetido, e pediu também que eles tivessem piedade dos homens e elfos que penavam a cada dia sob o julgo de Melkor.
― E eles o escutaram? – perguntou Neville encantado com a coragem do elfo.
― Sim – disse a bruxa sorrindo amavelmente para ele - As suplicas de Eärendil foram atendidas, e os Valar marcharam pela Terra-Média pela última vez. Esta guerra ficou conhecida como a Guerra da Ira, e nela Melkor foi finalmente eliminado. Contudo, as mentiras que foram plantadas por ele jamais abandonaram Arda, e de tempos em tempos um outro senhor maligno se ergue nestas terras.
― E o que aconteceu com os descendentes de Fëanor depois que Melkor foi destruído? – perguntou Anne.
― Os Valar os perdoaram – disse Helga com alegria – e muitos deles passaram a viver em Valinor. Muitos outros permaneceram em Arda, mas o chamado do mar nunca abandonou seus corações e o canto das gaivotas sempre lhes falava sobre a Terra Abençoada que esperava por eles.
― A história é realmente muito comovente – disse Draco – Mas eu sinceramente ainda não consegui entender o que nós temos a ver com ela.
Rowena olhou para ele com ar reprovador, e isso fez com que todos se lembrassem imediatamente da professora McGonagall quando era interrompida. Repentinamente, ela apontou para a tapeçaria seguinte que mostrava um cavaleiro negro com um anel brilhante no dedo e disse:
― Como eu disse a vocês, Melkor foi finalmente eliminado pelos Valar, no entanto as primeiras sementes de maldade que ele havia plantado ainda floresciam. Este é Sauron, o mais fiel discípulo de Melkor. Depois do cerco dos Valar ele assumiu uma forma bela e bondosa e pediu piedade, mas nunca abandonou de fato o amor pelas artes das trevas e a sede insaciável por poder.
A figura retratada pela tapeçaria tinha um aspecto terrível, com uma armadura pesada fundida em metal negro, um manto esvoaçante que parecia ser feito de alguma coisa sobrenatural, como sombras ou a própria escuridão, e um elmo pesado que lhe escondia completamente o rosto. Associando a imagem do cavaleiro mascarado com tudo o que Rowena tinha acabado de dizer, Harry imediatamente se lembrou dos terríveis Comensais da Marte, que cobriam seus rostos e praticavam atos de grande crueldade a mando de Voldemort. Da mesma forma que Sauron, eles também tinham pedido perdão depois da destruição de seu mestre, e passaram treze anos vivendo no meio dos bruxos de bem, sem contudo terem realmente se arrependido de seus feitos.
Harry se lembrou com perfeição daquela noite no cemitério, e as palavras de Voldemort pareciam ressoar mais uma vez em seus ouvidos. “Lucio, meu ardiloso amigo” – murmurara o bruxo das trevas – “Ouço dizer que você não renunciou aos seus hábitos antigos, embora para o mundo você apresente uma imagem respeitável” . Naquele dia Harry odiou Lucio Malfoy mais do que ele acreditava ser possível, e olhando para a figura mascarada na tapeçaria o garoto experimentou mais uma vez aquele sentimento, enquanto Rowena prosseguia com sua explicação.
― Depois da destruição de Melkor – disse ela – Sauron passou a viver entre os filhos de Ilúvatar, e quando achou que os Valar não se importavam mais com as terras de cá, decidiu colocar em prática seu plano para controlar todas as raças da Terra-Média. Sauron convenceu os elfos a criarem muitos anéis mágicos, e com seus próprios poderes criou o Um anel que seria capaz de controlar todos os outros. E como está escrito nos antigos versos dos elfos, os anéis foram distribuídos entre as raças de Arda da seguinte maneira:
“Três anéis para os Reis-Elfos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
Um anel para a todos governar. Um anel para encontrá-los,
Um anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.”
Ao recitar o antigo poema élfico, a voz de Rowena tornou-se solene e poderosa, como se cada uma das palavras que ela proferia estivesse carregada com a sabedoria milenar daquele povo. O ar também pareceu tornar-se repentinamente abafado e a luz dos archotes esmoreceu por um momento, só voltando ao normal quando Rowena prosseguiu com sua explicação.
― O plano era muito bem feito, e tinha tudo para dar certo. – disse ela – Contudo, no momento em que Sauron terminou de forjar seu anel, os elfos o descobriram e esconderam seus três anéis de poder para que o inimigo não pudesse dominá-los. Furioso, Sauron, declarou guerra contra os povos da terra, e apenas a última aliança entre os elfos e os homens foi capaz de detê-lo.
― Desculpe interromper – disse Neville encabulado – Mas eu não entendi muito bem esse pedaço da última aliança entre os elfos e os homens.
― Que evolução! – exclamou Draco sarcasticamente – Eu estava certo de que você tinha se perdido na explicação no momento em que os Valar começaram a cantar.
― Cale a boca, Malfoy – disseram Rony, Harry, Hermione e Gina em uníssono, e Draco se preparava para responder quando Rowena voltou a falar.
― Como eu disse a vocês, depois que Melkor foi destruído pelos Valar, os elfos começaram a se mudar gradativamente para as Terras Abençoadas, e depois da primeira guerra do anel, grande parte deles decidiu que era hora de partir definitivamente.
― Primeira guerra do anel? – perguntou Gina – Como assim “primeira”? O Sauron não foi derrotado pelo exercito dos elfos e dos homens?
― Deus do céu! – exclamou Salazar – Vocês mal escutam uma resposta e já estão fazendo outra pergunta! Talvez nós devêssemos usar um feitiço para colar a língua de vocês no céu da boca, do contrário essa explicação não vai terminar nunca!
Da mesma forma que Rowena lembrava a professora McGonagall, Salazar Slytherin era muito parecido com o professor Snape. Não na aparência física é claro, pois Slytherin era um homem bonito e elegante enquanto Snape se parecia muitíssimo com um guarda-chuva velho, mas o mal humor e o gênio ruim eram exatamente iguais.
― Deixe de bobagens, Salazar – disse Rowena indignada – Ninguém aqui vai usar feitiços para fazer os garotos se calarem. O objetivo de estarmos explicando a história de Arda é que eles realmente entendam os acontecimentos para poderem se defender, e se eu ficar aqui tagarelando sem que eles compreendam nossa tarefa se torna completamente inútil.
― As vezes sua paciência realmente me espanta – disse ele cruzando os braços e recostando-se em uma das pilastras de pedra.
Depois que Salazar tinha se calado, Rowena fez uma longa pausa como se estivesse tentando se lembrar onde tinha parado:
― Onde nós estávamos mesmo? – perguntou ela - Ah, sim! Você tinha me perguntado se Sauron não tinha sido derrotado pela ultima aliança, não é mesmo?
Gina acenou com a cabeça afirmativamente e a bruxa prosseguiu.
― Para responder esta pergunta, é fundamental que vocês entendam que para construir um anel poderoso o bastante para comandar todos os outros, Sauron foi obrigado a colocar todas as suas energias nele, e este anel passou a conter boa parte do poder e da própria vida de Sauron.
Rowena fez uma pausa estratégica na narrativa, e só depois de olhar para cada um deles para se certifica de que tudo estava sendo entendido ela prosseguiu.
― Na última batalha da primeira guerra, Sauron foi derrotado por que o dedo em que ele usava o anel foi cortado, e junto com a jóia ele perdeu também seus poderes. Contudo, Isildur, o rei dos homens, achou que era seu direito ficar com a jóia, e mesmo que os elfos tenham tentado convencê-lo do contrário, ele não o destruiu. Foi um grande erro, pois Sauron só podia ser definitivamente eliminado com a destruição do anel que continha seus poderes, já que os dois estavam intimamente ligados.
― E o que aconteceu com o Rei dos Homens? – perguntou Hermione – Ele se tornou mau como Sauron ao usar o anel?
― A única pessoa que realmente podia usar o anel era Sauron, qualquer outra pessoa que o colocasse era meramente um joguete – disse a bruxa - O anel tinha vida própria, e almejava voltar para o mestre, e quando Isildur fugia de uma emboscada pelo rio, o anel escorregou de seu dedo e se perdeu nas águas, onde esperou durante anos o retorno de Sauron.
Rowena apontou então para a tapeçaria seguinte e mais uma vez convidou os garotos a admirar a cena que ela retratava. Neste caso, estavam representados dois homens velhos com barbas e cabelos brancos muito compridos. Ambos usavam capas e chapeis pontudos, e Harry achou que lembravam Dumbledore em todos os detalhes.
― Como eu havia dito – prossegui a bruxa – O chamado dos Valar soava cada vez mais forte no coração dos elfos, e gradativamente todos eles atravessavam o mar rumo as Terras Abençoadas, e aqueles primogênitos que permaneciam na Terra Média, já não eram tão próximos dos homens, pois nunca se esqueceram da teimosia de Isildur. Assim, quando Sauron se reergueu e começou a procurar por seu anel, apenas um representante da raça elfica tomou parte na luta diretamente.
― E quem pode culpá-los? – disse Draco – Pelo que você disse eles tentaram fazer o tal Isildur destruir o anel quando ainda era tempo e ele se recusou. Eu no lugar deles também não teria ajudado! Já que os homens fizeram a burrada eles é que tinham que consertar.
― Mas e a solidariedade e o amor ao próximo? – perguntou Helga horrorizada – Você teria se recusado a ajudar um amigo só por que ele cometeu um erro no passado.
― Se ele fosse um idiota, claro que eu deixaria – respondeu Draco – Meu pai sempre me disse que se alguém te levanta toda vez que você cai, você acaba nunca aprendendo a andar sozinho.
― Que horror! – exclamou Helga.
― Horrível ou não – prosseguiu Rowena – foi exatamente isso que a maior parte dos elfos pensou quando a segunda guerra do anel teve início, e os Valar mais uma vez se preocuparam com os filhos de Ilúvatar e enviaram em seu socorro os Istari, que ficaram conhecidos na Terra Média com Magos.
― E foram os Magos que deram origem aos bruxos? – perguntou Gina.
― Não – respondeu Gryffindor – todos os bruxos são humanos, e os Magos enviados pelos Valar eram espíritos imortais muito poderosos que habitavam as terras de Valinor. O tempo não passava para eles da mesma forma que passa para nós, e as grandes mágicas que realizavam não precisavam de varinhas.
― Nesta tapeçaria – disse Rowena apontando para as figuras que duelavam – vocês podem ver os mais importantes dos magos: Gandalf, o cinzento, e Saruman, o branco. Durante a última guerra do anel ambos tiveram participação importante, só que Gandalf lutou do lado dos homens e Saruman do lado do inimigo.
― Mas todos os Magos não tinham sido enviados para ajudar os homens? – perguntou Rony com um toque de incredulidade na voz.
― Sim – disse Salazar – Os Magos foram enviados para ajudar os homens, da mesma forma que Melkor foi enviado para preparar a terra para a chegada dos filhos de Ilúvatar, e da mesma forma que Sauron foi criado para servir aos Valar. Contudo, como eu espero fortíssimamente que vocês já tenham percebido a essa altura da história, a ganância e a vontade de dominar os outros é capaz de corromper qualquer tipo de criatura, e quanto mais poderoso é o ser corrompido mais cruel e perigoso ele se torna.
― Foi exatamente o que aconteceu com o Mago Saruman – disse Rowena apontando para o velho que vestia roupas brancas – E neste mesmo castelo, onde costumava viver o líder do conselho dos Magos, Saruman tornou-se cruel e perigoso voltando suas energias para dar vida a criaturas malignas e torturar seus antigos aliados. Somente no final da guerra, o mago branco foi derrotado e a fortaleza de Isengard foi expurgada de toda a sua vilania.
― Então é por isso que as muralhas estão destruídas – ponderou Anne com seriedade.
― Sim – disse Gryffindor - Todas as defesas táticas de Isengard foram destruídas durante a guerra, e nós decidimos utilizar este castelo como base da resistência pelo grande poder mágico que ele concentra, e não por suas fortificações.
― E como foi – perguntou Rony - que os homens se viraram para vencer a guerra depois que o tal de Satu... Sabu... Savu... Depois que esse Sa-alguma-coisa ficou malvado?
― Saruman se uniu ao inimigo, mas os povos da Terra Média continuavam empenhados em lutar contra o mal. E com a ajuda de Gandalf, o Mago cinzento, os dois finalmente foram derrotados e o anel foi destruído – prosseguiu Rowena – Assim terminou o tempo dos espíritos antigos na Terra-Média, e tanto os Magos quanto os últimos elfos se prepararam para atravessar o grande mar.
― Por isso os elfos só existem em lendas e contos de fada? – perguntou Gina desanimada – Eles parecem tão lindos! Eu gostaria de poder vê-los.
― Todos nós gostaríamos – disse Helga dando uma risadinha que Gina preferiu não tentar interpretar.
― As últimas embarcações partiram dos portos cinzentos logo depois da segunda guerra – acrescentou Rowena - Mas antes que os elfos partissem para sempre, a voz de Mandos ecoou mais uma vez na morada dos Valar, e ele fez a última profecia de que temos notícia.
― E essa é a profecias que tem a ver com a gente? – perguntou Neville.
― Exatamente – disse a bruxa – Mandos previu que Sauron não seria a última ameaça aos filhos de Ilúvatar, e que muitas vezes os homens ainda precisariam da ajuda dos Valar. Disse ainda que alguma coisa precisaria ser feita naquele momento para que a Terra Média não sucumbisse sob o domínio do mal no futuro, por que quando os elfos partissem de Arda, levariam com eles a magia antiga e poderosa dos primeiros dias, e os Valar dificilmente seriam capazes de intervir nos acontecimentos. Como vocês podem imaginar, os Valar ficaram muito preocupados com esta profecia de Mandos, e se reuniram para deliberar sobre o que poderia ser feito.
― E aí os Valar chegaram a conclusão de que sete adolescentes cheio de hormônios e com o temperamento instável eram a melhor solução para a humanidade? – perguntou Draco.
― Sinceramente eu estava me perguntando a mesma coisa – retrucou Slytherin ainda encostado na pilastra.
A essa altura, Rowena já tinha perdido completamente a paciência com os dois, e depois de simplesmente ignorá-los conduziu o restante do grupo em direção a última tapeçaria, que era de longe a maior de todas elas. Nela, estava representado um grande banquete, onde seres que misturavam a aparência humana com elementos da natureza discutiam fervorosamente.
― O conselho era formado pelos oito Vala mais poderosos – acrescentou Rowena – E conta a lenda que a deliberação dos Valar sobre o destino da humanidade durou muitos dias e muitas noites. Alguns deles acreditavam que a melhor solução para o problema seria mandar um novo grupo de Magos para habitar definitivamente em Arda, enquanto os outros argumentavam que todas as vezes que seres de grande poder tinham sido mandados para lá algum deles tinha sido corrompido.
― Que bom que alguém chegou a essa brilhante conclusão! – disse Rony.
― Para você ver como até os Valar acabam aprendendo com o erro – retrucou Rowena sorrindo – O fato é que a discussão parecia nunca chegar ao fim, e muita coisa foi dita e contestada até que Nienna, a mais ponderada integrante do conselho, sabiamente evocou a lembrança de Eärendil, o meio-elfo que a tantas eras atrás tinha navegado até Valinor para pedir socorro em nome dos homens e dos elfos. Nesse momento, os corações dos Valar se encheram de esperança, pois a lembrança de Eärendil os fez perceber que o coração puro e a coragem de lutar mesmo quando tudo parece perdido é a arma mais poderosa contra o mal e a maior defesa contra a corrupção.
― Então eles mandaram esse meio-elfo voltar para cá? – peguntou Neville.
― Não – respondeu Rowena – Mas eles decidiram pedir a Ilúvatar que se apiedasse dos homens e criasse outros heróis com as qualidades de Eärendil.
― E como eles fizeram isso? – perguntou Harry.
― Todos os Valar refletiram profundamente a respeito do coração puro e da coragem que levaram Eärendil a se tornar um herói, e cada um deles acrescentou a estas qualidades os atributos que eles mesmos achavam importantes. Feito isso, Mandos clamou por Ilúvatar através do tempo e do espaço, enquanto os outros mais uma vez se puseram a cantar. E na última canção dos Valar, cada som era único, pois revelava os desejos mais profundos de cada um deles. No entanto, como a base de todas as vozes era a mesma, a canção tornou-se harmoniosa e Ilúvatar se alegrou. Mandos se ergueu mais uma vez então e disse que pela vontade de Ilúvatar, no dia em que a humanidade mais uma vez precisasse de ajuda, a lua e o sol se encontrariam no firmamento e sete viajantes do tempo chegariam a Arda para mais uma vez pedir socorro aos Valar. Disse Mandos ainda, que com a ajuda dos senhores de Valinor, os enviados comandariam exércitos e destruiriam tiranos em nome de todos os povos da Terra Média.
― Tudo bem – disse Hrmione tentando ser o mais diplomática possível – Eu só não entendo como vocês ficaram sabendo de todas estas coisas. Não que eu esteja duvidando de vocês! – acrescentou depressa a garota – Mas isso tudo não aconteceu lá em Valinor, onde os mortais não são admitidos, e de onde os elfos nunca mais voltara?
― A profecia de Mandos foi feita antes da partida dos últimos elfos – disse Rowena – E a senhora élfica Galadriel a viu na última vez em que olhou em seu espelho d’água. Foi então que os elfos transformaram a bacia de prata em chave de portal, realizando o último encantamento élfico nas terras do lado de cá, e entregaram o artefato juntamente com a transcrição da profecia aos cuidados do rei supremo, que posteriormente os entregou ao conselho dos bruxos.
― A incumbência do conselho durante quase duzentos anos foi guardar o portal - acrescentou Gryffindor olhando fixamente para eles - E desde que a guerra contra Thalion teve início, nós nos reunimos na Torre do Espelho em todas as noites de eclipse para esperar pelo encontro do sol e da lua que traria os enviados dos Valar.
― Percebem agora? – disse Helga batendo palmas de excitação - Arda mais uma vez está sendo ameaçada e vocês finalmente chegaram para interceder em nosso favor.
Nenhum deles foi capaz de dizer uma só palavra, e a tapeçaria com o conselho dos Valar pendia diante deles fazendo-os se sentir ainda menores e mais insignificantes do que realmente eram. Como seria possível que sete adolescentes, que se quer tinham se formado na escola de magia, fossem capazes de chegar até as Terras Abençoadas onde nenhum mortal era admitido? Será que o sábio conselho dos bruxos não estava percebendo que alguma coisa tinha dado errado com o portal e eles acidentalmente tinham aparecido por ali?
Rowena os conduziu então até a grande mesa de pedra que ocupava o centro do salão, e os garotos se sentaram em silêncio, cada um deles perdido em seus próprios pensamentos. Como geralmente acontece nesses momento, Hermione foi a primeira a se manifestar, e voltando-se para Gryffindor perguntou:
― Você mencionou o nome Thalion, e eu presumo que este deva ser o bruxo da trevas que nós viemos combater. O que você pode nos dizer sobre ele?
― Na verdade – disse Helga um pouco indecisa – Thalion não é exatamente um bruxo das trevas...
― Você quer dizer que ele não é exatamente mal? – perguntou Anne.
― Não – respondeu a bruxa gorducha coçando a cabeça com os dedinhos roliços – Na verdade ele não é exatamente um bruxo...
Automaticamente, Rony fechou os olhos com força e murmurou repetidamente para si mesmo enquanto torcia as mão nervosamente.
― Tomara que não seja uma aranha gigante! Tomara que não seja uma aranha gigante! Tomara que não seja uma aranha gigante!
Enquanto Rony recitava seu pequeno mantra e os garotos esperavam por uma explicação um pouco mais precisa, uma sombra de sofrimento pairou sobre os fundadores, e contrariando todas as expectativas, foi Gryffindor quem começou a falar, pois Rowena parecia repentinamente abatida.
― Depois que os elfos e os magos se mudaram definitivamente para Aman, todos acreditaram que a magia de Arda tinha chegado ao fim – disse ele – No entanto, ao longo do convívio entre os filhos de Ilúvatar, muitos casamentos cruzados aconteceram, e muitas crianças humanas nasceram com o sangue dos elfos. Com o passar do tempo percebeu-se que quando estas crianças se aproximavam de criaturas com grande poder mágico, como a Fênix, o dragão ou o unicórnio, o sangue dos elfos se manifestava e elas eram capazes de realizar feitiços e encantamentos. Isso fez com que Asfodélia Marmaduque tivesse a brilhante idéia de utilizar pequenas partes destes seres encantados, como uma pena ou um fio de crina, para canalizar os poderes mágicos dos descendentes dos elfos. Assim foram inventadas as varinhas que nós utilizamos, e todos aqueles que manifestavam a capacidade de utilizá-las passaram a ser chamados de bruxos.
― Então, todos nós temos sangue dos elfos? – perguntou Gina.
― Exatamente – respondeu Salazar – O sangue dos elfos é o responsável por nossos poderes mágicos, e algumas vezes ele pode ficar adormecido por muitas gerações. Contudo, o mais comum é que só as famílias que descendem diretamente dos elfos detenham esta habilidade. Assim o mundo acabou sendo dividido entre os clãs dos bruxos e os clãs dos trouxas, que durante séculos conviveram pacificamente, mesmo que alguns de nós acreditassem que esta proximidade entre os dois grupos não era recomendável.
― E eu aposto que no conselho você era o único que pensava assim! – disse Rony de forma bem mal criada.
― Certamente que sim – respondeu Salazar sem tomar a afirmação como insulto – Mas todos nos acusavam de segregadores, dizendo que a magia devia unir as pessoas e não separá-las. E as coisas ficaram daquele jeito até que...
A sombra que pairava sobre o grupo pareceu se intensificar, e os olhos de Rowena estavam vidrados em algum ponto distante enquanto os outros três fundadores olhavam para ela com comiseração.
― Thalion era um menino trouxa que nasceu em uma aldeia que fica próxima daqui.- disse Helga num tom tão sem entusiasmo que nem parecia ela mesma - Seus pais morreram da peste quando ele era muito pequeno, e nós o trouxemos para o castelo.
― Ele sempre foi um menino amável e eu sempre gostei dele como se fosse meu próprio filho – disse Rowena despertando do estado de torpor em que se encontrava – Sua sagacidade e vontade de aprender me fascinavam, e eu ensinei a ele tudo o que podia sobre o movimento dos mares e das estrelas, sobre as propriedades das ervas e das plantas e sobre as características especiais de cada uma das criaturas mágicas. No início todo aquele conhecimento parecia ser o bastante para ele, mas conforme foi crescendo, Thalion passou a desejar ardentemente ser capaz de utilizar uma varinha.
― Nós tentamos de todas as formas fazer com que ele se conformasse em ser um trouxa e se orgulhasse da própria linhagem – disse Helga – Mas tudo foi em vão, e depois de roubar de nossa biblioteca os antigos livros de Saruman, Thalion rumou para as terras onde outrora estiveram a fortaleza de Melkor e Sauron e deu início às suas experiências, que tornavam-se cada vem mais diabólicas a medida que sua sede de poder aumentava. No início ele queria apenas se tornar um bruxo, depois quis ser tão poderoso quanto um elfo, até decidir que seria capaz de ocupar o lugar dos antigos Senhores do Escuro para comandando todos os povos da Terra Média.
― Da mesma forma que o poder dos magos ainda está entranhado em Isengard – disse Salazar – o poder dos Senhores do Escuro ainda emana de Mordor. E fazendo uso desta energia, Thalion evocou seres a muito tempo esquecidos na escuridão, que além de qualidades mágicas, lhe concederam poder suficiente para criar um exército de monstruosidades.
Com ar deprimido e pronunciando cada palavra como se elas fossem uma punhalada Rowena disse:
― Foi sobre a influência maligna de Mordor que o menino bondoso que queria ser bruxo acabou se tornando um tirano cruel e ganancioso, que fazendo uso das artes das trevas, tenta a quase dez anos usurpar o trono supremo de Arda – disse ela respirando profundamente - E de certa forma, sinto que é grande a minha culpa nesta guerra.
― Você não pode se culpar dessa maneira – disse Hermione – Até mesmo os Valar se enganaram muitas vezes por acreditar na bondade que existe nas pessoas.
― Além disso – acrescentou Draco, para a surpresa de todos – Nós estamos aqui para ajudar, e faremos o que for possível para por um fim nessa guerra.
Repentinamente, a sombra sobre a sala pareceu esmorecer, e o ambiente se tornou menos opressor. Enviados ou não, a verdade é que todos os garotos começavam a se sentir subitamente dispostos a ajudar aquelas pessoas, que independente de serem bruxos poderosos, estavam sentados diante deles como os simples seres humanos que eram, preocupados e temerosos pedindo por ajuda. E foi a simplicidade da dor daquelas pessoas, somada ao fato de que até mesmo Draco Malfoy, o egocêntrico mor do mundo mágico, estava disposto a ajudar, que fez com que os garotos se unissem definitivamente a favor da causa, e com grande estardalhaço começassem a discutir os planos para a batalha.
― Não podemos perder tempo – disse Gryffindor – Nossos espiões me confidenciaram que Thalion está reunindo toda sua tropa nos portões de Mordor, e que em no máximo duas semanas ele deve se lançar contra a capital do império. Vocês precisam encontrar o caminho para Valinor o mais rápido possível, pois receio que a cidade de Gondor não vá resistir a mais este ataque.
― Mas como nós vamos encontrar o caminho para Valinor? – disse Rony – Eu não consigo se quer encontrar o caminho de volta para o meu quarto! Será que vocês não conhecem alguém que já tenha ido lá, ou que pelo menos saiba pra que lado fica?
― Não – disse Salazar em tom fatalista – Todos os elfos deixaram Arda a muitos séculos, e apesar de termos herdado uma parte dos poderes mágicos dos primogênitos, os bruxos são incapazes de ouvir o chamado dos Valar.
Todos se entreolharam em silêncio, e a determinação recém conquistada pareceu vacilar mais uma vez, até que o rosto de Rowena se iluminou repentinamente e ela exclamou em êxtase:
― Nós não podemos ouvir o chamado dos Valar, mas eu sei de uma pessoa que já o escutou! Quando os últimos elfos estavam se dirigindo para Válinor, a princesa Arwen abriu mão de sua imortalidade para se casar com o rei. Todos os elfos foram embora e ela tornou-se mortal, mas ainda assim, sua vida é mais longa do que a de qualquer homem ou mulher. Dizem que depois da morte do rei Aragorn, ela se mudou para as florestas de Lórien, onde espera pelo dia em que se unirá ao marido no outro mundo. Atualmente, ela é uma mulher mortal, mas durante séculos ela foi uma elfa e certamente ouvia o chamado dos Valar!
― Você tem razão, Rowena – disse Salazar – A rainha Arwen é nossa única esperança, e eu certamente saberia desenhar um mapa para Lórien.
― Como assim!? – exclamou Rony – Vocês não vêm com a gente?
― Nós não poderíamos – respondeu Helga com seu sorriso sempre amável – Esta é a missão dos enviados, e nós não podemos interferir. Os portões de Isengard é onde nossos caminhos se separam, e tudo o que podemos fazer é torcer para que tudo termine bem.
Cada um dos garotos sentiu sobre si o grande peso da responsabilidade, e isso fez com que um silêncio profundo se abatesse sobre eles. Rowena, por sua vez, parecia ter recuperado um pouco de seu antigo brilho, e olhando para eles com doçura disse:
― Eu posso imaginar como vocês devem estar assustados com toda essa situação, e sinto muito se no afã de lhes contar toda a história nós nos portamos de forma um pouco rude – disse ela amavelmente – Deve ser perturbador receber um pedido de ajuda como esse de pessoas completamente desconhecidas, mas eu gostaria que vocês soubessem que nós temos fé em vocês. Não por que vocês chegaram através do portal, ou por que vieram do futuro, mas por que em uma situação difícil como esta vocês se comoveram com a nossa dor, mostrando que possuem o coração puro e a coragem de que os Valar falavam na profecia. Por isso não se preocupem, eu tenho certeza de que o destino de Arda vai estar seguro nas mãos de vocês.
Enquanto Rowena falava, os outros membros do conselho aproximaram-se dela e concordaram silenciosamente com cada palavra que ela dizia. Isso fez com que de alguma forma os garotos se sentissem amparados, e já não estavam mais em desespero quando a bruxa voltou a falar.
― Agora, eu acho melhor vocês voltarem aos seus aposentos para dormirem um pouco. Nós acabamos entrando pela madrugada com os planos para a batalha, e vocês devem estar exaustos. Venham, eu mesma vou conduzi-los.
A volta aos quartos de dormir foi silenciosa, porem um pouco menos tensa do que a ida para o salão de banquetes, e depois de desejarem boa noite a Rowena, cada um rumou para uma das camas de dossel sem demora. De fato todos eles começavam a sentir o cansaço, e por algum motivo não se sentiam dispostos para conversar, pelo menos não naquele momento. Seria preciso uma boa noite de sono para colocar os pensamentos em ordem, e quem sabe na manhã seguinte a luz do sol não iluminasse também os caminhos escuros pelos quais eles estavam prestes a se aventurar. Certamente esta era uma idéia reconfortante, e foi pensando nela com fervor que os garotos finalmente foram vencidos pelo cansaço e mergulharam em um sono sem sonhos.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.