III
Things are not what they used to be
As coisas não são o que parecem
Missing one inside of me
Perdido dentro de mim
Deathly lost this can't be real
Mortalmente perdido, isto não pode ser real
O inverno de 1976 fora particularmente rigoroso. Todas as lareiras da casa eram acesas e feitiços de aquecimento nos protegiam do tempo gélido, mantendo-nos a salvo em nossa bolha mágica.
Grimmauld Place, naquele fim-de-tarde, estava em agitação: era a véspera de Natal e, como sempre, nós hospedaríamos os nossos familiares para as costumeiras comemorações.
Como tudo parece nítido agora!
Quase sou capaz de rever os flocos de neve rodopiando através das janelas amplas, de aspirar o cheiro dos assados insinuando-se lentamente por todos os cômodos, de sentir o estranho vazio que crescia dentro de mim, mesmo que eu não sentisse aquilo em sua totalidade.
O vazio sucede o êxtase, a alegria é o ópio do ignorante.
E eu, tão estúpido e tão feliz, sentia-me empolgado simplesmente por fazer parte daquela família, daquele ar tão nobre e importante.
Durante anos sem fim eu observara, emudecido e maravilhado, a história de meus ancestrais ser contada através da tapeçaria de nossa família. Aquilo era muito mais que uma simples árvore genealógica, era uma forma de nos lembrar constantemente quem somos, o nosso lugar no mundo. A doutrina do toujours pur estava impressa em cada linha dourada que nos ligava intrinsecamente.
Quando criança, como um tolo romântico que observa as estrelas e compõe as mais estúpidas árias sem sentido, eu costumava passar horas e horas decorando nomes e datas e imaginando cada detalhe da saga de nossa família.
Enquanto mamãe cuidava para que todas as minúcias da ceia ultrapassassem os limites da perfeição, eu havia me trancado na sala da tapeçaria – algo que já havia se tornado um costume para mim.
Mas tudo não passava de uma ilusão - como tantas vezes você me dissera. Nós não éramos especiais, tampouco perfeitos. Apenas estrelas pálidas, mortas, que se apegavam a cada mínima chance de engrandecer a sua decadente importância.
Será que você ainda se lembra disso, Sirius? Será que em algum momento você se recordará de mim, das poucas conversas que tivemos? Será que você foi capaz de enxergar, em mim, algo além do que você odiava em todos os outros?
“Mamãe estava à sua procura”, eu dissera a você, quando senti seu olhar nebuloso sobre mim. Nunca soube como me aproximar, nunca pensei que necessitasse tanto daquela proximidade. No fundo, eu apenas queria que você me notasse, que fosse meu protetor, que me guiasse naquele mundo estranho.
“O que a ‘bruxa’ quer de mim?”
Desprezo? Repugnância?
Eu gostaria de ter compreendido o que você sentia naquela época. Mas tudo o que eu fui capaz de ver, era alguém que não tinha motivos para se revoltar. Acreditei, como todos os outros, que você só queria chamar a atenção.
“Titio Cygnus está para chegar junto com nossa tia. Assim como os Rosier, os Malfoy e os Lestrange...”
“E eu com isso?”
“Sirius...”
“Eu estou cansado de todo esse lixo, dessa podridão. Eu sinto nojo desse lugar, dessas pessoas”.
De mim também, eu quase ouvi as palavras não ditas, porque eu estava incluído naquilo que você tanto repudiava.
Na hora, eu não fui capaz de compreender o sentido completo das suas palavras, o porquê de seu olhar carregar aquela indefinível tristeza e revolta e furor. Você era um enigma para mim, Sirius, sempre será assim.
E então olhei para você, e eu nunca pensei que você pudesse parecer tão amargurado. Você é o meu irmão, o único irmão que possuo e, no entanto, somente o sangue não nos tornara cúmplices.
“Como você consegue ser tão... estúpido, tão idiota, Regulus?”
As suas palavras foram tão doloridas quanto uma cruciatus. Era comum que você me tratasse com indiferença, que ignorasse por completo a minha existência, por isso qualquer palavra vinda de você – mesmo que isso não chegasse a ser necessariamente algo tão grave – acabava por me afetar. Eu busquei alguma resposta, tentei manter uma postura arrogante, mas o choque e indignação só me fizeram gaguejar algo incompreensível, enquanto você me encarava com algo que me parecia decepção.
E eu me senti pequeno e débil. Um fraco que dependia absurdamente de algo que não passava de uma fantasia. Aquém das
expectativas de meus pais, das minhas próprias expectativas.
Naquela noite você partira para nunca mais voltar. Assim como Andrômeda, você escolhera o seu destino e este não estava escrito nas estrelas.
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