º Preciso saber... º



Exausta de tanto esforço mental, finalmente adormeceu. Ao acor¬dar percebeu agoniada que a névoa tinha descido novamente sobre o lugar. Levantou-se e foi até a janela. Lá fora não se via nada e uma calma silenciosa cobria a casa. Só então percebeu que estava tremendo de frio e foi até o ar¬mário à procura da malha escura e do jeans que estava usando no dia do acidente. A Sra. Potter devia tê-los lavado, pois estavam limpos e cheirando a lavanda.
Na mesma gaveta encontrou um conjunto transparente de rou¬pas íntimas. Instintivamente, olhou por baixo dele à procura do sutiã e da calcinha de algodão branco que estava usando no dia do acidente. Cinco minutos mais tarde, completamente vestida e sen¬tindo-se mais normal, escovou os cabelos até que readquirissem o brilho natural e desceu.
A sra. Potter se virou quando ela abriu a porta da cozinha.
- Seu café estará pronto em cinco minutos - disse com uma expressão dura no olhar. - Não imaginei que fosse levantar-se logo.
O relógio da cozinha marcava oito horas.
- Não quero incomodá-la - disse educadamente. - Posso pre¬parar o café se a senhora estiver ocupada.
A sra. Potter lançou-lhe um olhar cínico e encolheu os ombros.
- Sirva-se, então. Há uma jarra de suco de laranja na geladeira.
Lyn notou um grande cesto de ovos sobre a mesa.
- Posso cozinhar um ovo?
- Se quiser...
Lyn abriu algumas portas até encontrar uma panela, depois encheu-a de água e colocou-a no fogo. Retirou um pouco de sal de um pote, misturou-o à água e deu uma olhada para o relógio antes de jogar o ovo sobre a água fervendo.
- O que Harry costuma comer de manhã? - perguntou depois de uma pausa.
- Já comeu - respondeu a sra. Potter, olhando friamente para Lyn. - E já saiu para o estúdio. Se está fazendo tudo isso por causa dele perdeu seu tempo.
Lyn corou.
- Só queria poupar trabalho à senhora. Sei que não me quer aqui, sra. Potter, e me sinto mal por saber que estou dando trabalho. Acho que já estou em condições de voltar para... - sus¬pirou - para onde vivo. - Devo ter uma casa ou um quarto em algum lugar.
- Um apartamento em York - disse a senhora Potter as¬peramente. -Pelo menos é o que Harry diz. Mas, de qualquer ma¬neira, não está mais vivendo lá.
- Não estou mais vivendo lá? Quer dizer que deixei o aparta¬mento?
- Qualquer coisa assim. - Eram mais grunhidos que palavras.
- Devo ter deixado algum endereço lá - disse Lyn, confusa. A sra. Potter sacudiu a cabeça.
- Eles não sabem para onde você foi.
Terminando de cozinhar o ovo, Lyn passou uma grossa camada de manteiga sobre uma fatia de pão caseiro e sentou-se para comer. A sra. Potter serviu-lhe uma xícara de chá escuro e forte, di¬zendo a contragosto:
- Não há café, mas você pode tomar leite, se preferir.
- Chá está ótimo - respondeu.
Enquanto misturava açúcar ao chá pensou que não tinha mais um lar para onde ir. Cortou o pão em pequenos pedaços que foi comendo sem ver. Precisava encontrar um lugar para viver. Onde estariam suas roupas, seu dinheiro? Sim, porque em algum lugar do mundo devia possuir algo mais que a roupa que vestia agora: Não tinha um centavo quando foi encontrada, o que era bem es¬tranho, pois dificilmente alguém iria para um lugar como aquele tão desprevenida. Certamente alguém, em algum lugar, devia estar procurando por ela.
Quando voltou dos seus sonhos percebeu que a sra. Potter a observava. Sorriu gentilmente.
- O chá está uma delícia - disse, pensando que estava forte demais.
- Você colocou açúcar - disse a mãe de Harry.
- É mesmo? - Sorriu. - A senhora acha que eu não devia comer açúcar? Nunca me preocupei muito com o peso, pois acho que o trabalho é suficiente para manter a forma das pessoas.
O rosto da mulher era indecifrável. Levantou-se e foi até a pia lavar alguns pratos. Lyn tirou a mesa e começou a enxugar a louça molhada. Andou de um lado para o outro procurando os lugares onde guardar cada coisa, sentindo uma estranha curiosidade, a res¬peito daquela cozinha: Uma agradável mistura de cheiros enchia o ar: cebolas, ervas, comida e pão.
A neblina cobria as janelas como uma cortina, dando ao lugar uma atmosfera mais acolhedora. Quando a cozinha já estava em ordem, lançou um olhar suplicante à sra. Potter.
- Posso fazer um pouco mais de chá? Com certeza vai precisar assim que o pão estiver pronto. ¬
A sra. Potter olhou-a com incredulidade.
- Por que não? - perguntou com uma expressão estranha. Lyn fez o chá, consciente de que estava sendo observada todo o tempo. Encontrou pires e xícaras limpos, serviu o chá e sentou-se de novo.
Olhando para o relógio, para evitar o olhar duro da outra mu¬lher, disse distraidamente:
- A massa já deverá estar crescida quando terminarmos.
- O quê? - A sra. Potter quase engasgou.
- Está muito quente? - Lyn provou o seu chá. - É, acho que está um pouco quente. Desculpe.
A face da sra. Potter continuava dura e impenetrável. Só o ruído rítmico do relógio quebrava o silêncio pesado que caiu entre elas.
Lyn afastou a xícara e olhou para o relógio.
- Já podemos pôr o pão no forno - disse, erguendo-se. Olhou pelo visor, abriu a porta dó fomo e sentiu o calor na pele delicada do rosto.
- Nunca usei um fogão como este antes. Como é que se mede a temperatura?
- Pela prática - respondeu a sra. Potter secamente.
- Já está bem aquecido?
A mulher fez um gesto afirmativo. Lyn retirou o pano que cobria as fôrmas e levou-as para o forno. A sra. Potter observava-a atentamente. Olhando para o relógio, Lyn perguntou:
- Quer que a ajude com o almoço agora?
- Ia fazer só uns bifes...
- Onde está a carne? Na geladeira?
- Sim.
Lyn abriu a porta da geladeira e encontrou a carne embrulhada em papel celofane. Depois de lavar e enxugar a carne, cortou-a em fatias e passou-as na farinha. Sentada, a sra. Potter observava-a com ar de curiosa teimosia. Lyn fritou os bifes com desenvoltura, acrescentando fatias de cebola e cenoura cortada.
Enquanto a carne fritava, lavou e cortou os vegetais com gestos seguros de pessoa acostumada a esse trabalho. Sabia exatamente o que fazer, sem necessidade de analisar suas ações. Quando a comida ficou pronta, colocou-a com cuidado numa travessa grande, sempre observada pela sra. Potter.
Enquanto lavava os utensílios que tinha usado, Lyn sentia o olhar hostil da mulher. Envergonhada, perguntou:
- Fiz alguma coisa errada? Deixei de colocar algum tempero? - Os vegetais já estavam descascados e prontos. O que será que es¬tava errado?
- Pode descascar as batatas também? - perguntou a sra. Potter com rispidez.
- Claro! - respondeu Lyn, confusa. Começou a descascar as batatas e só então percebeu o cheiro. - O pão! - Abriu o forno, pegou um pano grosso e retirou as formas repletas de pãezinhos dourados e crescidos. Tirou-os da fôrma e colocou-os num cesto trazido pela sra. Potter. - O cheiro está uma delícia, não é?¬ - Sorriu. - Adoro pão fresco com manteiga.
- Pão com manteiga lhe dá indigestão - resmungou a sra. Potter, levantando-se e dirigindo-se à porta da cozinha. - Te¬nho trabalho para fazer. Gostei da representação, mas agora pre¬ciso continuar meu trabalho.

Representação? Será que a sra. Potter imaginava que ela estava fingindo ser dona de casa? Procurou desviar o rumo dos pensamentos, cobrindo os pães com um pano e terminando de des¬cascar as batatas. Jogou as cascas no lixo, depois lavou e enxugou as fôrmas de pão. A cozinha estava impecável outra vez. Ouviu o ruído do aspirador na sala e perguntou, aproximando-se da porta:
- Posso fazer mais alguma coisa?
- Não é preciso - disse a sra. Potter. - Já fez mais que o suficiente. - Seus lábios se contraíram num sorriso estranho e impiedoso. - Se não tem mais nada para fazer, pode arrumar sua cama.
- Já arrumei quando levantei - respondeu Lyn, surpresa.
- Claro - respondeu a sra. Potter secamente.
Lyn foi até a janela.
- A névoa está desaparecendo, temos sol! - A luz do sol dava um brilho especial à neblina, produzindo filamentos cor de laranja no céu acinzentado. A casa parecia emergir do chão com espantosa solidez.
- Harry pinta mesmo num dia como este? - perguntou, imagi¬nando se ele teria saído para evitar a presença dela.
- Não sei o que ele faz no estúdio - disse a mulher. – Ele nunca me disse e eu nunca perguntei.
- Ele é um bom pintor - O rosto da sra. Potter contraiu-se.
- Quer saber se ganha muito dinheiro? O suficiente para nos manter e a esta casa. Ele não deseja mais do que isso.
Não era isso que Lyn queria saber, mas não fez comentários, sentindo uma profunda hostilidade na voz da mulher. Depois de uma pausa, pediu:
- Por favor, deixe-me fazer alguma coisa. Não estou acostuma¬da a ficar sem trabalhar.
- Não mesmo? - Outra vez o tom seco e incrédulo.
- Tenho certeza de que não - tentou explicar. - Sei que... - ¬fez um gesto, estendendo as mãos pequenas - sei que uso as mãos em algum trabalho. Olhou suplicante para a outra mulher.
- ¬A senhora deve entender. É como se elas pedissem para ser utilizadas.
- Você é mesmo incrível! - comentou a sra. Potter quase com admiração.- Está quase me convencendo, e pensei que eu fosse difícil de ser convencida. Bom, já que está oferecendo, pode fazer uma torta de maçã. Há maçãs no armário.
- Pode deixar. - Lyn voltou à cozinha, procurou as maçãs e os demais ingredientes e começou a preparar a torta.
A sra. Potter entrou quando Lyn a estava colocando no forno. A temperatura já havia,diminuído desde que o pão tinha sido reti¬rado e um cheiro agradável, enchia a cozinha. Lyn virou-se e sorriu.
- E a carne? Vamos recheá-la?
- Harry adora carne recheada - disse a sra. Forrester, obser¬vando Lyn atentamente. - Mas tem que ser bem macia.
- Prefere fazê-la a senhora mesmo? - perguntou Lyn, incerta.
- Não - respondeu a sra. Potter, procurando conter sua satisfação. - A comida fica por sua conta. Vejamos como se sai.
Lyn sentiu-se ferida pelo tom da mulher, que parecia desejar um fracasso, mas deu de ombros e dirigiu-se ao fogão. A carne já estava quase pronta quando Harry entrou pela porta dos fundos, acompanhado de Sam. Lançou um olhar indiferente a LYn, ao con¬trário de Sam, que correu alegremente para ela, abanando o rabo.
- O almoço está pronto? - perguntou Harry à mãe,indo até a pia para lavar as mãos.
- Não vai demorar - respondeu ela secamente.
- A névoa está desaparecendo.
- Estou vendo:
Lyn sentou-se e Sam deitou a cabeça no colo dela, implorando por um carinho atrás das orelhas; sorrindo, acariciou-o e ele suspirou de prazer. Quando ela ergueu os olhos, encontrou o olhar cínico de Harry pousado nela.
- Já estou bem melhor hoje - disse, desviando os olhos. ¬- Talvez amanhã já possa ir para York e voltar a trabalhar. Se não me deixarem recomeçar, preciso encontrar outro trabalho e um lugar para morar.
- Prometi ao médico que ficaria aqui até que recuperasse a memória - disse com voz tensa. - E é aqui que você vai ficar.
- É muita bondade sua - disse tristemente. - Posso trabalhar para pagar os gastos que terá comigo. - Olhou para a sra. Potter, que a examinava com a mesma expressão de desconfiança. – A senhora tem muito trabalho com a casa e precisa de ajuda.
- Não vou recusar - respondeu a sra. Potter.
Harry olhou-a, surpreso:
- Ela entende tanto de trabalhos domésticos quanto Sam. - ¬disse com irritação.
A mãe olhou-o significativamente.
- Ela é mais esperta do que você pensa filho. Conhece muitos truques.
Harry franziu a testa.
- Sobre o que está falando?
Sem dizer uma palavra, Lyn foi até o fogão e levantou as tampas das panelas. A comida estava pronta. Colocou a carne e os vegetais em travessas aquecidas, levando-as para a mesa. Harry observou-a durante todo o tempo e depois sentou-se sem fazer comentários. Lyn sentou-se e comeu um pedaço de carne.
Durante cinco minutos Harry comeu em silêncio, depois cruzou os talheres e ficou esperando que ela erguesse a cabeça. Seu rosto estava cheio de ódio.
- Você fez a comida. - Era mais uma afirmação do que uma pergunta.
- Foi ela mesma - disse a sra. Potter com prazer maldoso. - Não é uma maravilha?
Os olhos de Harry soltavam chispas.
- Sua cadelinha! -disse entre os dentes: - Sabia cozinhar muito bem e não nos disse nada, obrigando minha mãe a servi-la todo o tempo!
A voz de Lyn ficou presa na garganta. Encarou-o, pálida e as¬sustada. Não era de admirar que a sra. Potter não gostasse dela e não a quisesse mais naquela casa. Incrédula, não conseguia abrir a boca para negar aquele absurdo. Por que teria agido assim antes?
- Coma sua comida, querido - disse a srà. Potter. - A sobremesa é seu doce favorito.
Harry empurrou o prato.
- Perdi a fome.
A sra. Potter olhou para Lyn.
- Então traga um pedaço de torta para ele - disse em tom seco.
Lyn obedeceu tristemente. Harry não acreditava no que via uma linda torta dourada, coberta de calda de caramelo, maçãs assadas e passas.
Levantou-se sem dizer uma palavra e saiu batendo a porta. Lyn acompanhou-o com os olhos, trêmula, e acariciou a cabeça de Sam, deitado ao lado dela. Não conseguiu conter as lágrimas. A sra. Potter levantou-se e disse com aspereza:
- Nós duas precisamos de uma boa xícara de chá.


Enquanto tomavam o chá a sra. Potter disse sombriamente:
- Sou uma mulher compreensiva. Concordei que ficasse aqui porque Harry quis bancar o bom samaritano. E, embora achasse que ele a um tolo, não podia recusar acolhida a uma moça doente, mesmo que tenha feito muito mal a ele. Ainda não sei se sua amnésia é real ou não, mas garanto que por baixo de suas atitudes de madame se escondia umà ótima cozinheira. Parece que você vai ficar. Harry é o dono da casa e é ele quem manda. Aceito sua ajuda, se falava mesmo sério.
- Claro que falava ... - disse Lyn com voz insegura. Reuniu toda sua coragem para enfrentar o olhar hostil da mulher e buscou um pouco de apoio em Sam, que continuava com a cabeça pousada sobre seu colo.
- Então está combinado. Não sei que espécie de jogo esteve fazendo, mas vamos começar tudo de novo. Aqui há trabalho sufi¬iente para duas. Tratarei você da mesma maneira que me tratar está claro?
Lyn fez que sim com a cabeça.
- Obrigada. - Baixou os olhos e disse com humildade: - Olhe, sra. Potter, não me lembro do que aconteceu antes... gostaria que acreditasse em mim e me perdoasse por tudo que fiz, ou disse antes.
- Não vamos mais falar nisso. Não gosto de guardar ressenti¬mentos. Disse que vamos começar de novo e é isso que vamos fazer.
- Obrigada - disse Lyn, aliviada.
A sra. Potter se tevantou cornum gemido.
- preciso dar comidas as galinhas. Quer lavar a louça para mim?
- Claro.- Respondeu Lyn satisfeita, começando a tirar mesa.
- Esse novo começo... – disse a mulher.
- Sim?
- Não se aplica a Harry. O que você fez a ele não pode ser esquecido com tanta facilidade.
Lyn sentiu uma pontada no peito. O que teria feito? Engoliu em seco.
- Mas sra. Potter... o que foi que eu fiz?
- Harry não lhe disse?
Lyn sacudiu a cabeça.
- Bem, isso é problema dele – respondeu a mulher – pergunte a ele. – E começou a preparar a comida das galinhas aproveitando as cascas de batata.
Lyn calou-se e começou a lavar a louça, sentindo o cérebro dolorido ao pensar em Harry.
Quando terminou o serviço, a névoa tinha desaparecido completamente e ela foi até a janela admirar a paisagem marrom-vermelha. Sam gania tristimente, arranhando a porta com as unhas.
- Por que não vai dar um passeio com ela? Sugeriu a sra. Potter.
Lyn achou a idéia agradável, chamou Sam e saiu. O cão latia pulava de contentamento na frente dela. Não tinha se afastado muito quando encontrou Harry.
- Onde você pensa que vai?
- Sua mãe sugeriu que eu levasse Sam para um passeio – murmurou confusa.
- Você não conhece bem o lugar, é melhor que eu vá também. – Gritou chamando Sam: - Pare! Sentado! – O cão obedeceu imediatamente, desapontado. – Entre um pouco enquanto pego munha jaqueta.
Lyn acompanhou-o, hesitante. O estúdio de Harry ficava em uma construção baixa, anexa à casa. Por fora tinha a mesma fachade de pedar cinzenta da construção principal. O interior era branco sóbrio, mobilhado com simplicidade. Várias telas pendiam das paredes e sobre uma mesa grande acumulava-se farto material de pintura: pincéis, tintas, crayons, papel, etc. o que será que ele estava pintando atualmente? Notou uma tela sobre um cavalete, de costas para ela, mas não ousou aproximar-se ou fazer perguntas.
Ele cobriu a tela com um pano e foi até a pía lavar as mãos. Lyn olhou em volta curiosa, e sentiu um choque ao deparar com uma pintura de si mesma, nua. Harry perecebeu o ar de espanto e sorriu com sarcasmo.
- Sim, é você mesma, - disse com voz suave. - Bonita pintura, não?
- Eu... eu posei assim? - cada fibra de seu ser protestava contra semelhante idéia.
- Você insistiu – respondeu ele secamente.
- Não! - protestou envergonbada, sacudindo a cabeça com incredulidade – Não acredito... você está mentindo!
Lyn só notou que ele estava ao lado dela quândo sentiu que mãos fortes a agarravam pelos braços e a sacudiam violentamente, o rosto dele era uma máscara de ódio aterrorizante como a névoa fria e cinzenta.
- Não sou um mentiroso! - gritou. - Mesmo que sua aminésia seja real, é impossivel que sua personalidade esteja tão mudada. Não sei se está querendo enganar a mim ou a você mesma, Lyn. Você veio aqui e pediu para posar para mim. Tentei recusar mas você riu e me chamou de antiquado e quadrado.
O espanto e a dor de não conseguir atingir a verdade estamparam-se no rosto dela. A expressão dele tornou-se ainda mais dura.
- Ainda não a conhecia bem naquela época... Claro quê já havia pintado nus antes, mas com você era diferente, ia ser minha esposa. A quem pretende enganar fingindo toda essa timidez agora?
Sentiu institivamente que ele estava dizendo a verdade. Mas como podia ter feito aquilo? Olhou para o corpo claro e esbelto estendido sobre um sofá, para os lábios sensualmente entreabertos, prontos a morder a maçã vermelha e brilhante que prendia displicentemente em uma das mãos. Sentiu-se incrivelmente perdida e desamparada diante daquela Eva despudorada que se oferecia abertamfnte, e desviou o olhar.
Harry libertou-a do pesadelo.
- Se vamos dar um passeio é melhor nos apressarmos – disse com voz tensa.
O rabo felpudo de Sam agitou-se ao vê-los sair. A um assobio de Harry saltou e correu adiante deles. O ar estava cheio do canto alegre dos pássaros e do murmúrio suave da urze batida peló vento. O céu tingia-se de um azul claro, mas ao longe, no horizonte, parecia persistir um brilho cinzento, como se a névoa ainda cobrisse o pantanal.
Caminharam mais ou menos meia hora, parando de vez em quan¬do para procurar Sam que desaparecia atrás dos coelhos. Harry quase não falou, parecendo imerso em seus pensamentos. Lyn ficou contente por aqueles momentos de silêncio, pois os poucos comentários dele eram tão dolorosos quanto um ferro em brasa sobre a pele.
Sam deixou-se cair sobre a grama exausto, e Haay olhou para ela.
- Quer descansar um pouco antes de voltarmos? Não devia ter feito você caminhar tanto em seu primeiro passeio.
- Obrigada. – Sentou-se na grama, agradecida. Pequenas gotas de orvalho ainda brilhavam nas hastes longas das urzes e um cheiro fresco e bom subia da terra úmida. Um calafrio percorreu-lhe a espinha ao sentir que Harry se agachava ao lado dela. Arrancoú uma pequena haste de urze e mordeu-a nervosamente, sentindo um gosto amargo na boca.
- Cansada?
Ela sacudiu a cabeça, espalhando os cabelos negros sobre os ombros.
- Você parece preparada para fugir a qualquer momento. - disse friamente. - Porque não deita e descansa?
- Estou bem assim.
Ele agarrou-a pelos pulsos derrubando-a. Antes que pudesse levantar-se, viu-se presa entre os braços dele.
- Você é como um quebra-cabeças - disse lentamente. – Deve haver um jeito de unir as peças, mas não consigo decifrá-la.
Ela ficou imóvel, sentindo o coração bater violetamente dentro do peito quando Harry lhe tomou uma mecha de cabelo entre os dedos deixando-a cair em seguida.
- Você costumava usar o cabelo preso - disse com indiferença. - Muito sofisticaga e muito chique. Por que agora o deixa solto?
- Não sei como penteava o cabelo antes - disse nervosa. - Deixo solto porque... sei lá... faço isso sem pensar. ..
- Até o perfume dele é diferente – disse aproximando-se para sentir o perfume. - Trocou os perfumes sofisticados pelo sabonete.
- Lavei-os no hospital.
- Ah... - Colocou um punhado de cabelo entre os dentes e ela tremeu como se ele a tivesse agredido. Os olhares se encontra¬ram. Ele soltou o cabelo dela e começou a acaficiar-lhe o rosto com a ponta dos dedos ágeis e finos, percorrendo os ossos da face, o nariz bem feito, as palpebras.
Ela tremeu compulsivamente e fechou os olhos respirando com dificuldade, sentindo que a carícia continuava até o queixo e subia novamente para os lábios entreabertos. Cada toque lhe provocava um tremor sensual, como se ambos estivessem fazendo amor apaixonadamente.
De repente, como se tivesse tomado consciência do que estava fazendo, ele retirou a mão e sisse bruscamente:
- Vamos voltar ou mamãe vai pensar que nos perdemos. – Ajudou-a a levantar-se e assobiou chamando Sam.
Não disseram uma só palavra durante o caminho, como na vinda, mas o silêncio agora era diferente. Nos momentos que estiveram tão próximos na grama, alguma coisa tinha acontecido, embora ela não conseguisse compreender o que havia mudado dentro dela e que a fazia tremer ansiosamente.
A sra. Potter olhou-os com ironia quando entraram na cozinha.
- Gostaram do passeio? – perguntou secamente.
- Sam se divertiu muito – disse Harry – perseguiu seis coelhos e aterrorizou todos os lagartos que encontrou no caminho.
- Vou ajudá-la com a comida. – ofereceu Lyn, percebendo que as panelas já estavam no fogo.
- Obrigada. – respondeu a mulher. – Então prepare uma salada.
- Está bem - disse Lyn, que já estava se acostumando e ia diretamente ao lugar onde as coisas estavam guardadas.
Harry olhou significativamente para a mãe e disse:
- Vou subir para tomat um banho.
A sra. Potter não fez comentários. A noite caía rapidamente e as mariposas começàvama sair de seus esconderijos esvoaçando ruidosamente em torno das janelas.
Quando Harry voltou, o jantar ja estava pronto. Ainda estavâ com os cabelos molhados e usava uma camisa branca, Limpa e fresça.
Sentaram-se todos em silênçio e serviram-se de fatias de presunto cozido, salada e pão. Sam dormia ao lado do dono, rosnando de vez em quando, como se em seus sonhos ainda estivesse caçando coelhos.
- As manhãs costumam ser sempre enevoadas por aqui? - per¬guntou Lyn, para quebrar o silêncio opressivo.
- Geralmente - respondeu a sra. Potter. – Especialmente no outono, quando o dia é ensolarado, à noite cai a névoa.
- A senhora não se sente isolada? Não vi outras casas por aqui.
- A casa mais próxima é a dos Lane - interrompeu Potter, como se estivesse fazendo uma acusação.
- É uma fazenda? - perguntou intrigada pela expressao dele.
A sra. Potter pegou mais uma fatia de pão.
- David Lane é nosso veterinário - disse calmamente. – Vive a uns quinhentos metros da estrada, mas não se vê a casa porque há, um bosque em volta.
_ A senhora deve sentir solidão aqui - comentou, imaginando por que Harry a estaria olhando tão fixamente.
- Estou acostumada - respondeu a mulher com tranqüilidade. – Vivi aqui toda a minha vida. Meu pai tentou aproveitar a terra, mas não teve muito sucesso, por isso vendemos a propriedade depois que meu marido mórreu. - Sorriu tristemente. - Os novos donos criam carneiros, jà que a terra não pode ser aproveitada para a plan¬tação, e mal conseguem o suficiente para viver.
- Deve ser bom viver na mesma casa durante toda a vida ¬- comentou Lyn sonhadoramente. - É um lugar àgradável e acolhedor.
A sra. Potter lançou a Harry um olhar impenetrável.
- É - respondeu friamente.
Harry levantou-se sem dizer uma palavra e saiu batendo a porta.
Lyn ficou tensa. O que será que tinha feito agora? Tinha dito alguma coisa errada? Olhou para a sra. Potter em busca de uma explicação, mas a outra ,disse simplesmente:
- É melhor tirar a mesa.
Lyn levantou-se e começou a trabalhar automaticamente. Enquanto lavavam a louça, a sra. Potter perguntou, inesperadamente:
- Jake disse alguma coisa durante o passeio?
- Não - disse Lyn, sentindo que o sangue lhe subia às faces. - Nada.
- Sei. .. - resmungou ela. Olhou em volta para ver se ainda havia alguma coisa por fazer. - Bom, terminamos por hoje. Por que não vai para a cama, menina? Você trabalhou muito é parece cansada. Aqui costumamos deitar cedo e levantar cedo.
- Obrigada, acho que vou seguir seu conselho - disse Lyn, grata pela bondade que sentiu na voz da mulher.. – Boa noite¬. - disse com um sorriso nervosa.
- Quer uma bolsa de água quente? Geralmente faz muito frio à noite.
- Obrigada - disse Lyn, virando-se parâ pôr a chaleira no fogo, mas a mulher disse bruscamente:
- Pode deixar que eu mesma esquento, vá deitar que daqui a pouco levo a bolsa para você.
Lyn subiu para tomar um banho, vestiu a camisola quentinha e enfiou-se debaixo das cobertas. Alguns minutos mais tarde, entrou Harry trazendo o bolsa de água quente.
Não esperava que ele viesse e agradeceu timidamente, com os olhos baixos.
- Você parece uma garotinha com essa roupa. – disse num tom brincalhão, sentando-se na cama segurando-lhe o queixo para que olhasse para ele. - Quando olho para você penso num espelho que distorce as imagens... não consigo descobrir o que é real em você, Lyn. - Os dedos dele se contrairam em torno do pescoço dela. ¬- Pare de brincar comigo, pelo amor de Deus!
- Não estou brincando – negou vivamente, constrangida pelo olhar de aço que se fixava nela.
Os olhos dele brilharam de raiva.
- Não? Foi muito clara quando disse o que pensava de mim na última discursão.
- O que foi que eu disse? - perguntou, ansiosa.
A expressão dele tornou-se selvagem.
- Quer realmente que eu repita? Nãó acredito que tenha se esquecido.
- Não me, lembro, acredite - murmurou com uma voz insegura, suplicante.
Ele murmurou alguma coisa ininteligível e se levantou.
- Isso não importa mais, Lyn.
Ela estendeu a mão e segurou o braço dele. ¬
- Harry, desculpe-me. Seja lá o que for que eu tenha dito, desculpe-me.
- Desculpa-la? Meu Deus, jamais conheci uma pessoa tão cínica quanto você! - Devorava-a com o olhar. - Mesmo com essa cami¬sola discreta você é sensual e sabe muito bem disso. Qual é o problema? Está sentindo seu orgulho ferido porque recusei o que me ofereceu tão abertamente?
Chocada e surpresa, deu um grito assustado quando ele tornoú a sentar-se na cama e segurou-a com mãos de ferro. Lutou para afastar-se daquele olhar de ódio:
- Se foi para isso que voltou, não vou desapontá-la – disse cruelmente, inclinando-se e beijando-a com violência, obrigando-a a aceitar àquela exploração dos sentidos. Durante alguns momentos tentou lutar, afastar a cabeça, mas a força do ódio dele foi maior e forçou-a a ficar imóvel, de olhos fechados, impotente ante a pressão hostil de seus lábios. A medida em que ela se aquietava, o beijo dele foi se suavizando. Abraçou-a com mais força, ternamente, e uma sensàção de encantamento tomou conta dela. Murmurando, incoerentemente, entreabriu os lábios e envolveo-o com os braços.
Quando ele finalmente se afastou, ela continuou de olhos fechados, repirando depressa, sentindo uma estranha vibração pelo corpo todo.
Lentamente, foi abrindo as pálpebras e olhou para ele com, as pu¬pilas dilatadas e um brilho febril nos olhos felinos.
Harry afastou-a com violência e saiu do quarto, deixando-a trêmula e incrédula.
Ela levou muito tempo para dormir naquela noite, pois seus pensamentos giravam num turbilhão confuso. O que será que havia feito e dito de tão grave para provocar nele toda aquela revolta? Será que Harry ainda pensava que a amnésia era fingida? Evitou cuidadosamente pensar nos próprios sentimentos, era mais fácil esquecer tudo o que havia acontecido, toda a emoção que o beijo dele provocara nela.
A manhã seguinte foi muito semelhante à anterior - levantou cedo, desceu para a cozinha e ajudou a sra. Potter com o traba¬lho doméstico, sentindo que as ações se tornavam cada vez mais fáceis e naturais.
- Vou lhe dizer uma coisa - comentou a mulher. - Você é muito trabalhadora e sabe o que está fazendo. É difícil entender as pessoas. Para ser franca, não gostava muito de você quando veio pela primeira vez. Passava todo o dia à toa, lendo revistas, fazendo as unhas, torcendo o nariz toda vez que eu pedia para enxugar a louça para mim. Agora é uma moça diferente. - Riu, satisfeita. - ¬Essa amnésia fez muito bem a você, menina!
Lyn sentiu-se constrangida, A imagem que faziam dela não era nada agradável.
- Talvez eu tenha dupla personalidade - comentou, meio brincando, meio sério.
- É isso mesmo! - concordou a sra. Potter, animada. - ¬Nem imagina como mudou! Usava roupas tão exageradas, pintura tão carregada... parecia até uma... - interrompeu-se e fez uma careta. - Bom, você sabe o que quero dizer,
Ela sabia e pensou na quantidade de cosméticos que tinha encontrado no banheiro, todos muito escuros e totalmente em desacordo com a personalidade dela. O mesmo acontecia com as roupas. Eram excessivamente ousadas e coloridas, Não gostava de nenhu¬ma delas, mas também não podia continuar usando todos os dias a mesma calça comprida e a mesma malha.
Depois do almoço divertia-se dando comida às galinhas, vendo¬-as correr como loucas pelo galinheiro, quando notou que um carro se aproximava. Um jovem alto e bonito desceu e cumprimentou-a alegremente:
- Lyn! Não sabia que tinha voltado! Teria vindo antes, se sou¬besse. - Sorriu, com os olhos brilhantes... - Lyn. Parece muito ocupada. - Finalmente conseguiram convencê-la a trabalhar na casa?
- Gosto do trabalho - respondeu, constrangida com o olhar pousado sobre ela.
Ele riu.
- Ora vamos, Lyn, por que essa timidez? Harry está por perto?
-Não.
Para sua surpresa, ele a envolveu pela cintura e atraiu-a para perto de si, tentando beijá-Ia. Ela afastou o rosto, com raiva.
- Pare com isso! Solte-me! – Empurrou-o com força, deixando-o perplexo.
- O que é que há com você? - O rosto jovem ficou sério,¬ - Que foi que fiz de errado?
- Não tem o direito de me beijar! – explodiu ela.
- Não tenho o direito! - estava incrédulo e furioso. - Não foi isso que disse da outra vez que estive aqui. Tentou me provocar até me deixar louco e sabe muito bem disso!
Encarou-o, horrorizada.
- Eu... estava noiva de Harry.
- Isso não fazia muita diferença para você - disse com agressividade.
O rosto dela ficou vermelho de vergonha.
- Deixei que me beijasse... mesmo estando noiva de Harry? - perguntou com voz quase inaudível.
- Sabe perfeitamente que sim - exclamou com raiva. – Por que agora ficou toda cheiâ de dengos?
Ela não conseguiu responder. Como podia ter encorajado aquele homem a beijá-la se nunca o tinha visto antes? Estava horrorizada com o que acabava de ouvir e todo seu ser se revoltava com a idéia de ter tido uma aventura com um homem, estando noiva de outro. Será que Harry sabia? Será que era por isso que a odiava tanto?
- Está bem, esqueça - resmungou irritado, percebendo que não ia obter resposta. Virou-se e entrou na casa sem dizer mais nada. Lyn ficou ali parada, olhando para as galinhas como se elas pudessem dar alguma explicação.
Quando ergueu os olhos viu a figura alta de Harry aparecer na porta do estúdio. Achou que ele podia ter visto tudo e sentiu vontade de fugir.
Estava usando uma camisa azul e velhos jeans que se ajustavam a ele como uma segunda pele, realçando os músculos fortes das pernas, seus olhos cinzentos a observavam com intensidade.
- Quer dizer que David não está mais nas suas boas graças? – perguntou com sarcasmo.
- David? - repetiu sem entender.
-David Lane - respondeu friamente. - Nosso veterinário. - Ela suspirou, sentindo-se completamente desamparada.
- Não me lembro dele.
- Mas ele parece lembrar muito bem de você... - Harry sorriu com desdém.
Ela desviou os olhos, corando.
- Então você viu...
- Vi e ouvi tudo - disse asperamente.
Uma enorme depressão apoderou-se dela. Sabia que ele não ia acreditar em nada que dissesse, mas falou mesmo assim.
- Não me lembro de nada do que aconteceu antes do acidente, Harry, porém acho que já é tempo de saber a verdade. O que acon¬teceu? Preciso saber. Aparentemente, estávamos noivos, mas parece que as coisas não iam muito bem entre nós. Não consigo imaginar que um dia estivemos apaixonados um pelo outro.
Os olhos dele eram dois pedaços de gelo.
- Como é que chegou a esta conclusão? - perguntou com ironia.
- Harry, por favor, conte-me o que aconteceu! - implorou.
- Aconteceu, David - respondeu Harry secamente.
Ela respirou fundo. Esperava por isso, mas a confirmação foi dolorosa. Tinha preferido David a Harry? Vendo o homem viril e atraente parado diante dela, não podia acreditar.
- Quer dizer que eu estava envolvida com David?
- Entre outros - disse cinicamente.
- Outros? - O rosto dela revelava uma incredulidade horrorizada. Caiu um pesado silêncio entre eles, suplicava a Harry com o olhar que desmentisse tudo que havia dito. Por fim conseguiu ar¬ticular algumas palavras:
- Quantos outros?
- Perdi a conta.
Ela deu um passo para trás, como se estivesse sido atingida por um tapa, ele estendeu os braços e segurou-a para que não caísse.
- Venha sentar-se um pouco no estúdio – disse bruscamente. - É melhor afastar-se de David por enquanto.
Levou-a para dentro do estúdio e fez com que se sentasse em um antigo sofá de veludo vermelho.
- Coloque a cabeça entre os joelhos. Você parece que vai desmaiar.
Ela baixou a cabeça, obediente, e ficou nessa posição durante alguns minutos, até que ele voltou com um copo de água misturada com licor. Lyn bebeu e fez uma careta.
- Detesto licor. – Entregando o copo a ele, sacudiu a cabeça desconsoladamente. - Eu precisava saber a verdade - murmurou. - Quantos outros choques esperam por mim? Harry, preciso saber de tudo, será mais fácil receber o impacto todo de uma vez só.
Ouvindo o ruído de um carro, lá fora, Harry foi até a janela e olhou para ela por cima dos ombros.
- David está indo embora - disse. - Vem dar uma olhada em Sam de vez em quando.
- Conte-me, por favor – implorou.
- Não é fácil, Lyn. Nós nos conhecemos quando fui ver uma exposição na galeria onde você trabalhava. Sorriu para mim e convidei-a para jantar. Depois disso começamos a nos ver várias vezes por semana. Você entendia muito de arte, era muito bonita e parecia gostar da minha companhia. Logo a pedi em casamento.
Ela baixou os olhos, o coração batendo loucamente.
- Estávamos apaixonados?
Ele deu uma gargalhada.
- Durante algum tempo fiquei impressionado com sua beleza, Lyn. Como eu tinha muito trabalho no estúdio e pouco tempo para ir a York, achei que seria uma boa idéia que viesse para cá. Você concordou e ficamos noivos.
Sentiu uma pontada no coração ao pensar que ele tinha estado apaixonado por ela e que ela tinha jogado fora uma charice preciosa como aquela. Que tola tinha sido!
- Fiz sua pintura já na primeira semana. Fiquei surpreso quan¬do me disse que já havia posado antes, mas como era um esplêndido modelo, não hesitei. - Encolheu os ombros. - Só que eu tinha outros trabalhos para terminar e não me sobrava muito tempo para vê-la durante o dia. Minha mãe me contou que você saía com David para nadar ou passear de carro, mas não me importei muito porque parecia uma amizade inocente. Um dia vim mais cedo para vê-la e mamãe disse que você e David estavam passeando pelo campo. Foi aí que descobri como é que vocês se divertiam. Trocamos palavras muito ofensivas, enquanto David observava tudo, desconcer¬tado. Pedi-lhe que fosse embora, mas não o condenei, porque per¬cebi que espécie de mulher você era. Em vez de envergonhar-se, parecia orgulhosa do que havia feito. Então, a mandei embora. Você arrumou suas coisas e partiu, dizendo que depois mandaria buscar o resto. Quando foi embora, mamãe me contou que pessoa preguiçosa e egoísta você era. Ela ficou feliz com o fim do noivado.
- Outros, você disse - murmurou com voz rouca. - Havia outros?
- Fiquei sabendo de tudo durante nossa discussão - disse Harry com amargura. - A lista que você enumerou me deixou tonto. Mais tarde minha mãe me contou que outros homens além de David tinham ido buscá-la em casa.
- Então mentiu ao médico dizendo que éramos noivos - co¬mentou, curiosa. - Achei estranho... você pareceu tão agressivo quando me encontrou...
- Portei-me com muita consideração - disse Harry com voz tensa. - Você me disse coisas muito ofensivas da última vez que nos vimos. - Havia um brilho de aço nos olhos dele. - Aparente¬mente ficou ofendida porque eu não quis ir para a cama como você e insinuou que eu era impotente.
- Não! - sussurrou com voz trêmula, cobrindo os ouvidos com as mãos. - Não diga mais nada, Harry, é horrível ouvir essas coisas sórdidas! Não posso acreditar... Não posso ter feito todas essas coisas!
- Mas fez - disse Harry agressivamente, fazendo-a sentir-se a última das criaturas.
Ela se virou para sair, mas ele se colocou diante da porta, olhan¬do-a de uma maneira que a deixou petrificada.
- No dia em que a encontrei com David, senti apenas nojo por sua devassidão e sua vaidade. E depois que se foi, tirei-a da cabeça com facilidade, Lyn. Toda vez que olhava para seu retrato pensava quê, sem saber, havia retratado sua mente doentia. Quando a en¬contrei vagando pelo pântano, a única coisa que senti foi irritação pelo problema que me trazia. - Seu rosto era uma máscara de hostilidade.
- Senti isso - murmurou ela. - Que você ficou irritado por se ver envolvido com meu problema.
Ele começou a aproximar-se, olhando fixamente para os lábios rosados dela. instintivamente Lyn se afastou, mas Harry continuou se aproximando inexoravelmente. Como nos movimentos de uma dança, ela foi se afastando, trêmula até que sentiu a parede contra as costas.
Harry inclinou-se sobre ela, prendendo seu rosto entre as mãos fortes.
- Harry, por favor... - suplicou. A tensão se transformando quase numa dor física.
- Por favor o quê, Lyn? - murmurou com desprezo. - Sabe que você é uma grande atriz? Olhando-se para esses seus olhos suaves pode-se jurar que é inocente como uma criança. Você é pe¬rigosa, não percebe? Apesar de tudo que sei a seu respeito, apesar de tudo que me fez, às vezes quase chego a me convencer de que está mesmo mudada. - Com a mão direita acariciou-lhe os cabelos, a nuca, as orelhas e a curva suave do pescoço.
Ela prendeu a respiração, incapaz de se mover. Com os olhos em chamas ele tocou os lábios entreabertos dela.
- Quero que tire a roupa e pose para mim outra vez, Lyn.
- Solte-me, Harry, por favor! - pediu, sabendo que a intenção dele era insultá-la. - Não diga mais nada.
Harry inflamou-se ainda mais.
- Não quero soltá-lá, Lyn. Já a repeli uma vez, mas você voltou, não voltou? Agora vou aceitar o que me ofereceu uma vez...

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Gnt desculpe pelos erros, mais eu to digitando a fic rapido, ai tem uns erros, entao perdoa..
proximo cap umas explicaçoes melhores..
a mioneee vai aparece no final da fic.. ela ja apareceu e mtaa gnt nos coments tao certas..!!
mais vo deixa a imaginçao d vcs voarem.. vcs leitores sao mto bons..!!
obrigada todos, por tudo e pelos coments.. e por lerem.. isso ja é mto importante..!!
proximo cap eu vo agradece a kada um..
e q essa semana eu tive 2 provas todo dia.. ai fico corrido..
obrigada e abraços a todossss!

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