Criatividade
N/A: Ok, eu sou a primeira a admitir que mereço todos os xingamentos do mundo por ter enrolado tanto. Mas preciso dizer que o último mês foi completamente caótico e eu só conseguia chegar perto do computador para terminar trabalhos finais da faculdade. Felizmente terminei o semestre bem e estou de féééééérias de tudo! E pretendo terminar a fic o mais rápido possível, até porque eu vou viajar e devo ficar um bom tempo sem computador. Mas não temam porque as madrugadas estão aí para isso (qualquer imprevisto eu entro em contato, mas esperem pelo menos o capítulo 11 para logo).
Para todos os pacientes que aguardaram até essa atualização, o meu MUITO OBRIGADA! (não vou responder comentário por comentário porque já faz tanto tempo que ninguém mais lembra o que escreveu, né? haha)
beijos e espero que gostem!
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Capítulo 10 – Criatividade
10. É claro que ninguém pode aprender a ser criativo: é o tipo de coisa que não é de berço, mas de momento. Ainda assim, todos têm essa capacidade (isso mesmo, até você!), só depende de cada um utilizar, ou não, essas idéias. Portanto, aproveite para ser diferente e ousar (ainda que sem exageros, é claro). Pois lembre-se: é seu dever se destacar na multidão, só assim ela o notará.
Era guerra, batalha, expectativa. Estava tensa, assustada, e – apesar de não querer demonstrar – com muito medo. Mas mesmo assim, ela não poderia deixar de reparar.
Era Hogwarts.
E trazia em suas paredes de pedra e armaduras de metal espalhadas por todos os corredores imensos os mesmos cheiros, visões e sensações de antes.
Memórias que nem mesmo a guerra poderia apagar.
Ao final do túnel de pedra que levava de Hog’s Head até a Sala Precisa através do retrato de Ariana Dumbledore, Hermione foi surpreendida pela presença dos colegas. A voz de todos chamando seus nomes, o calor dos abraços com que foram recebidos e a sensação de estar novamente ao redor de pessoas em quem poderia confiar foi inexplicável. Após tantos perigos, Hermione não conseguia sequer medir a importância daquilo pelo qual estavam lutando. Mas sabia que era por todos eles, seus amigos.
Por Hogwarts.
Ouvir Neville contando o estado da escola foi semelhante a ser abatida por uma maldição que crescia progressivamente. A imagem de crianças de onze anos sendo obrigadas a ouvir comensais desfilando horrores sobre trouxas e alunos forçados a produzir a maldição Cruciatus nos próprios colegas apenas aumentara a sede por justiça que alimentava Hermione desde que a garota havia sido torturada por Bellatrix. Ela passou os dedos pela cicatriz em seu pescoço enquanto ouvia Neville e Seamus explicarem o funcionamento da Sala Precisa. Cada vez que o fazia, aumentava a certeza de que havia pelo que lutar.
- É, bem, a comida é uma das cinco exceções da Lei de Gamp da Transfiguração Elementar – disse Ron, ao seu lado, após Seamus explicar que a sala não fornecia alimentos, como fazia com tudo o mais que se precisasse.
Boa parte das pessoas ao redor o encararam com admiração e surpresa. Ela pôde ver que alguns cochicharam entre si, como se confirmassem que aquele ano longe da escola os havia, de fato, mudado. Hermione não reprimiu um pequeno sorriso. Ainda que soubesse a que custo Ron havia aprendido aquela lição, não pôde deixar de admitir que eles realmente não eram mais os mesmos. Ron em especial. Seus olhos traziam marcas fundas do cansaço, as quais ela tinha certeza que também possuía, mas era a expressão saindo das orbes azuis do ruivo que mais estava diferente. Era confiante e determinada, como se tivesse crescido muito mais do que um ano no tempo em que estiveram fora.
Distraída, Hermione quase não percebeu quando ela se aproximou, mas reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
- …e pensou que elas gostam bastante de se lavar, sim – Lavender Brown terminou algum comentário de Seamus sobre banheiros, mas não foi isso que chamou a atenção de Hermione. A voz estava perto dos dois e quando a garota se virou para procurar a loira, viu que Lavender cumprimentava Ron timidamente. Enquanto Ernie Macmillan perguntava algo sobre Gringotes, o ruivo tomou conhecimento da presença da loira, e suas orelhas ficaram imediatamente vermelhas.
Hermione chegou a mexer sua mão na direção de Ron, pronta para puxá-lo pelo braço para dizer algo, mas eles foram interrompidos por uma salva de aplausos ensurdecedora. Ron encarou a multidão, desconcertado, e acabou por fazer uma reverência, ainda com a ponta das orelhas escarlates.
- O que vocês estavam procurando? – perguntou Seamus, animado.
Antes que pudesse responder, Harry se movimentou ao seu lado e quase caiu, com os olhos fechados em dor e suor escorrendo de sua testa. Ron o segurou com rapidez enquanto todos murmuravam assustados, e Hermione sentiu o baque gelado da realidade voltando até eles. Voldemort estava perto, precisavam encontrar o Horcrux de Ravenclaw.
- Nós precisamos ir – Harry disse, simplesmente, e Hermione entendeu na hora. Ela soube que Ron fizera o mesmo, pois quando o moreno se ergueu sozinho, ele se aproximou da garota, os dedos roçando sua mão.
Hermione sabia que o “nós” de Harry não envolvia todos os presentes naquele momento, mas Neville estava disposto a ir a luta, assim como o resto das pessoas na sala. Ela não pôde deixar de sentir uma pontada de orgulho ao assistir a cena. Sabia que todos eles carregavam os galeões de ouro da A.D. que ela própria havia encantado, e tinha certeza que muitos apenas estavam reunidos ali por representarem algo maior: Harry e, conseqüentemente, Ron e ela.
Hermione passou a mão mais uma vez sobre a cicatriz em seu pescoço e soube que já havia alcançado muito mais do que imaginava.
Ela também entrelaçou seus dedos na mão de Ron, pendurada junto a sua. Não achou razão para não fazê-lo.
Luna e Dean adentraram a sala através da passagem secreta. Logo depois, Ginny, Fred, George, Lee Jordan e Cho Chang de uma só vez. Eles cumprimentaram Hermione de longe, e Fred avistou a mão da garota entrelaçada a do irmão mais novo - deu uma piscadela expressiva e balançou a cabeça em aprovação lentamente, com um meio sorriso. Hermione sentiu seu rosto esquentar e usou a mão que dava a Ron para tirar o cabelo do rosto, cruzando os braços logo em seguida.
Todos tinham a certeza de que lutariam e de que Harry era a chave final para a vitória. Após o moreno tentar, novamente, fazer com que desistissem da batalha – o que, no momento, parecia impossível -, Ron virou-se abruptamente para os dois.
- Por que eles não podem ajudar? – falou com naturalidade.
- O quê? – disse o outro, confuso.
Ron havia colocado para fora o que se formava na mente de Hermione há minutos. Sabia que Harry temia que os outros se machucassem por sua causa, mas não via por que não utilizar ajuda quando mais precisavam dela. Especialmente porque todos que estavam ali sabiam exatamente o que isso significava – e não fugiam de nada.
- Eles podem ajudar – Ron continuou com a voz baixa, ao seu lado. – Nós não sabemos onde está. E temos que encontrar rápido. Não precisamos dizer a eles que é um Horcrux. - Eu acho que Ron está certo – Hermione adicionou, quando Harry a encarou desconfiado. – Nós nem sabemos o que estamos procurando, nós precisamos deles. Você não precisa fazer tudo sozinho, Harry.
O moreno acatou, ainda que hesitante, e anunciou para o resto da sala que estavam em busca de um objeto de Rowena Ravenclaw. A sugestão de Luna, o diadema perdido, parecia a melhor opção. Se não estivesse desaparecido há séculos, seria algo perfeito para Voldemort. Harry encarou os dois amigos com decepção nos olhos, e Hermione tentou se mostrar animada, ainda que não tenha se saído tão bem.
Hermione não se preocupava apenas com a distância que tinham do próximo Horcrux, mas com o que fariam em seguida – desde que deixaram Gringotes não possuíam mais a espada de Gryffindor, a única coisa capaz de destruir os objetos enfeitiçados. Quando Harry saiu da sala por uma passagem rumo ao castelo, acompanhado de Luna, a multidão se pôs a murmurar; alguns cochichando sobre o garoto, outros conversando entre si, e Fred e George voltaram a contar piadas para entreter os mais próximos.
- Uma tiara de mais de um século? – comentou Ron, que havia acabado de descobrir o que era, de fato, um diadema. – O que você acha?
Hermione deu voz a seus medos, agora que Harry não estava mais por perto. Preferia sempre comentar suas angústias com Ron antes de incomodar o outro garoto, ainda mais quando ele estava tão claramente tendo que lutar com sua atenção para não deixar Voldemort dominar sua mente.
- Acho que descobrir o que é o Horcrux não é nosso único problema. Como vamos destruí-lo sem a espada? Ainda não conseguimos nem nos livrar da taça!
- Vocês precisavam ver a cara dele quando a neve caiu em cima da careca! – George contava, com a voz nas alturas, sobre os truques que ele e Fred haviam aprontado com comensais durante todo esse tempo. Ginny e os gêmeos se aproximaram para cumprimentar os dois, acompanhados de alguns lufanos mais novos, que observavam os rostos de Fred e George com caras de admiração idênticas, como se fosse uma imensa honra estar tão perto dos dois.
Ginny abraçou Hermione com força e fez o mesmo com o irmão. Ron a mirou com um misto de censura e orgulho.
- Neville me disse o que vocês aprontaram aqui em Hogwarts – ele parou, provavelmente decidindo se a repreendia ou parabenizava. Fred não deixou que ele continuasse, dando um tapa forte nas costas do irmão mais novo e apertando seu ombro com afeição.
- O que Ron quer dizer é: que bom que você arranjou outras distrações além de namorar – disse ele, com uma piscada, recebendo um soco no braço da irmã mais nova. Ele se virou de volta para os alunos da Lufa-Lufa, que esperavam ansiosos a continuação da história.
- Então nós explodimos uma bomba de bosta especial, vocês conhecem?
- É o mais novo produto da nossa loja – completou George, com um sorriso quase comercial. – Ao invés de explodir sujeira, ela solta um gás incolor e inodoro que qualquer um em um raio de
50 metros inala sem perceber.
- E o que ele faz? – perguntou um dos garotos. Fred sorriu maliciosamente.
- Digamos que ela não se chama ‘bomba de bosta’ à toa.
- O comensal correu desesperadamente para o banheiro do pub ao lado – completou George, rindo. – Mesmo com aqueles três gatos atrás dele.
- Foi um bom Natal – suspirou Fred, com um tom nostálgico.
- O banheiro! – exclamou Ron, abruptamente.
Os dois garotos que ouviam as histórias dos gêmeos encararam Ron quase o censurando, como se o repreendessem por ter interrompido. Ginny, Fred e George encararam o irmão intrigados e Hermione exclamou de volta, confusa:
- O quê?
- Fica ali atrás, Ron – falou George, apontando para uma porta de madeira.
- Eu iria logo, imagina como vai ficar a fila quando estiver perto da hora da batalha – completou Fred, num tom conselheiro.
Ron ignorou os irmãos e virou-se para Hermione, com o rosto iluminado.
- O basilisco!
Hermione continuou a encará-lo com a expressão confusa. Ron desistiu e a puxou pelo braço, em direção à porta que dava para o castelo.
- Ron, onde você está indo?
- Ei, se vocês querem um lugar para se agarrar antes de ir para a guerra, é só pedir um armário de vassouras para a sala! – gritou Fred de longe, fazendo metade da multidão da sala se virar para ver o casal atravessando a Room of Requirement de mãos dadas, arrancando exclamações melosas e - Hermione teve certeza -, um som indignado vindo de uma voz irritantemente inconfundível.
- Ron, o que foi? – ela quase gritou, através do barulho.
O ruivo parou repentinamente e fechou os olhos, concentrado.
- A Câmara Secreta, Hermione – ele disse, franzindo a testa.
A garota soltou uma exclamação de entendimento, por fim. Como não pensara nisso antes? Os materiais poderosos que poderiam destruir Horcruxes: lâminas de duende e…
- Presa de basilisco! – ela disse, ao mesmo tempo em que Ron aquiescia fervorosamente e abria
os olhos para encontrar uma velha vassoura em seus pés. – Para quê…?
- Vamos precisar – ele disse, antes de puxá-la pela mão através da portinha que dava em algum lugar do castelo.
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Hermione não lembrava de ter visto Ron tão decidido antes. Com o cenho franzido, ele não soltou a mão da garota por um segundo enquanto eles atravessavam os corredores da escola até o banheiro da Murta-que-geme, no segundo andar. Sem uma capa da invisibilidade, os dois precisaram se esgueirar pelos cantos do castelo, fugindo de qualquer sombra ameaçadora ou movimento próximo. A porta, que abria em qualquer lugar do castelo sem explicitar qual seria, havia deixado-os perto da sala da professora Minerva Mcgonagall, que Hermione lembrava ser no terceiro andar. Em pouco tempo entravam no banheiro escuro e visivelmente abandonado.
- Quem está aí? – uma voz esganiçada e fina surgiu, assim que Ron fechou a porta atrás deles.
- Está tudo bem, Murta. Somos nós – Ron disse, sem muita atenção. O fantasma da garota saiu de trás de um dos cubículos, fungando. Ela arregalou os olhos quando reconheceu Ron e demorou o olhar em Hermione.
- Onde está o amigo de vocês? – ela falou, com a voz fina.
- Ocupado – Ron respondeu, soltando a mão de Hermione. Abaixou-se e analisou o fundo de cada uma das pias, parando em uma delas.
- Ah. Você quer entrar lá de novo? – disse Murta, ficando séria.
- Mais alguém tem entrado lá ultimamente, Murta? – Hermione perguntou, com educação. Sabia que a fantasma tinha o temperamento delicado.
- Não – ela falou, e sua voz começou a ficar mais aguda. – Ninguém mais usa esse banheiro. Parece que agora as pessoas tem ainda mais medo… da Murta…
Ela começou a chorar, soltando um lamento fino. Ron rolou os olhos e se ajoelhou no chão em frente a uma das pias. Hermione ainda tentou acalmar a fantasma, mas ela flutuou em direção a um dos cubículos e desapareceu com um barulho de água.
- Hogwarts já deve estar insuportável, a última coisa que as pessoas precisam é agüentar os gemidos dela – Ron disse, acendendo a varinha e iluminando um dos canos que ligava a pia à parede.
- O que você está fazendo? – Hermione se ajoelhou ao seu lado, e pôde ver que havia uma pequena cobra esculpida no cano de ferro.
- Aqui é a entrada para a Câmara Secreta. O problema é que… - ela distinguiu, através do escuro, que suas orelhas estavam ficando vermelhas. – É preciso falar Parseltongue para abrir.
Hermione soltou uma exclamação de surpresa. Olhou para Ron, confusa.
- Então precisamos do Harry?
- Calma – disse Ron, fechando os olhos. Ele não parecia confortável, e suas orelhas confirmavam isso.
Ela abriu a boca para falar algo, mas achou melhor esperar mais um pouco. Queria atirar a Ron que haviam perdido tempo indo até ali, mas não entendia como ele, que havia pensado em tudo, não lembrara daquele detalhe.
Ron sussurrou algo baixo e sibilante. Nada aconteceu. Ele falou novamente, mudando um pouco a entonação. Hermione deixou escapar um ruído indignado, e as orelhas do garoto beiraram a cor de seus cabelos.
Ele não pretendia falar Parseltongue... pretendia?
- Ron, não seja…
Um estrondo a interrompeu antes que terminasse a frase, porém. Após um sussurro particularmente firme, a pia começou a afundar na parede, e os dois se ergueram rapidamente, afastando-se da grande abertura que surgiu.
Hermione se adiantou para analisar a escuridão em que o recém-surgido túnel se perdia, e virou-se para Ron com o rosto surpreso.
- Como você fez isso?
Ron suspirou.
- Sempre esse tom de surpresa – ele disse, quase se divertindo, e montou na vassoura, fazendo sinal para que Hermione fizesse o mesmo.
Ela hesitou.
- Eu sei que você não gosta de voar, mas é isso ou queda livre de alguns metros – ele disse, esticando uma mão para a garota.
Ela aceitou a mão e subiu na vassoura atrás do garoto. Ele guiou a mão dela até sua cintura, e ela não pensou duas vezes antes de abraçá-lo com firmeza.
- Ok, se segura. E acenda a varinha – ele disse, antes de tomar impulso e levantar vôo por dentro do cano espaçoso e profundo.
Hermione mal teve tempo de dizer o feitiço e iluminar a passagem, mas soltou um grito e se agarrou a Ron com uma força que não mensurou. O túnel era tão íngreme que descer por ele era como cair livremente. Ela apertou o rosto nas costas de Ron e fechou os olhos. Seus gritos foram abafados pelo casaco do outro, mas ela ainda foi capaz de identificar algumas palavras que dificilmente usaria em situações normais.
Quando, após o que pareceram quilômetros de distância, a vassoura pairou no ar e seus pés voltaram a pisar em algo sólido, Hermione não se importou de que fosse uma superfície repleta de esqueletos podres de animais. Pulou da vassoura como se sua vida dependesse disso e continuou respirando aceleradamente. Ron fazia força para não rir.
- Você disse metros! – ela exclamou, sentindo que suas pernas ainda tremiam.
Ron ergueu os ombros, num pedido de desculpa.
- É como tirar um curativo. Melhor não sofrer por antecipação e fazer de uma vez – ele disse num tom próximo da risada mas, ao mirar o rosto nervoso da garota, desviou os olhos e tentou se manter indiferente. – Eu não sabia que você conhecia tantos palavrões, Hermione.
Ela soltou um bufo de irritação e pediu a Ron que fizesse algo que ainda não havia dito em seu monólogo na descida pelo cano. Ele apenas riu. Hermione deu de ombros e apontou a varinha para o único caminho possível, indicando que ele fosse na frente. Ron não hesitou, acendeu sua própria varinha e se adiantou pelo túnel.
Andaram por alguns metros através de uma passagem úmida e escura, Hermione cada vez mais próxima de Ron. Um cheiro fraco de podridão parecia permear cada centímetro do túnel. Ela não queria dar o braço a torcer, mas a escuridão atrás de si e o barulho de esqueletos sendo quebrados a cada passo a deixaram profundamente desconfortável. Por fim, o garoto se adiantou e segurou a mão dela, mantendo-a logo atrás de si. Hermione agradeceu silenciosamente.
Eles não ousaram dizer nada, até que a garota soltou uma exclamação de susto, atentando para uma enorme pele de cobra que atravessava a passagem. Com alguns metros de comprimento, a pele gasta tinha um aspecto quase plástico.
- Estamos chegando – murmurou Ron, sem parar de andar. Após alguns passos, depararam-se com um monte de pedras empilhadas que impediam a passagem por quase toda a largura do túnel. Havia um pequeno espaço livre, por onde eles atravessaram com dificuldade.
O cheiro aumentou, e a certeza de que estavam próximos da Câmara Secreta em si parecia se aproximar junto ao fedor que sentiam. Logo atravessaram uma passagem aberta e puderam ver, escondida na escuridão, a estátua de Salazar Slytherin. Um enorme vulto negro estava esticado no chão abaixo dela.
- Está lá – disse Ron, parando.
- É mesmo um basilisco? - Hermione não reprimiu um sussurro admirado. – Deve ser o último do mundo mágico.
- Que bom que temos um exemplar bem no porão do castelo, então, né? – disse Ron, irônico. – Ou você vai querer começar uma Frente de Proteção às Cobras Gigantes?
- Não seja idiota – ela disse, antes de se dirigir até o animal morto, lentamente. Ron a seguiu de perto.
Hermione se abaixou e analisou a grande besta tampando o nariz com a mão. Os olhos amarelos estavam contorcidos e cobertos em um sangue seco e duro. A boca estava entreaberta, deixando à mostra as presas enormes. Havia insetos saindo de algumas cavidades do animal, e não demorou até que a garota se sentisse enjoada com a cena.
- Vamos logo – Ron falou com a voz abafada pela manga do casaco que cobria seu nariz, provavelmente sentindo o mesmo.
Hermione usou a varinha para cortar algumas presas do animal e fazê-las flutuar até a passagem por onde haviam chegado na Câmara, completamente infestada pelo cheiro insuportável do cadáver.
Depois de passarem pela barreira de pedras, onde o cheiro já se tornava menos perceptível, Hermione largou as presas no chão e Ron se virou para ela.
- Tente destruir a taça – ele disse, abrindo a capa e tirando de lá o pequeno objeto dourado.
Ele reluziu as varinhas acesas, sua superfície lisa brilhando elegantemente, como se não se importasse com o destino próximo.
- É algum tipo de gesto cavalheiro novo? – Hermione exclamou. Por alguma razão, os reflexos brilhosos da taça a deixavam desconfortável. – Por que eu?
- Eu já destruí o medalhão – Ron disse, e uma sombra incômoda pareceu passar por seus olhos. – Acho que agora deve ser você.
Ele pegou uma das presas e se aproximou de Hermione. Colocou a taça no chão e estendeu o dente amarelo para a garota, que o recebeu vagarosamente. O brilho da taça já estava tão intenso que parecia próprio do objeto.
- E o que te faz pensar que eu não sou cavalheiro? – exclamou Ron, interrompendo os pensamentos de Hermione. Ela se virou para ele, sentindo-se de volta à realidade. Rolou os olhos.
- Quase sete anos – ela disse, e se ajoelhou no chão de pedra, para ter mais firmeza na hora de atingir a taça. Ron fez o mesmo ao seu lado, ainda que se mantivesse um pouco distante. Ele erguia a varinha acesa entre Hermione e o Horcrux, e ela entregou sua própria para que ele segurasse.
A escuridão do túnel era densa. Hermione via apenas sua calça surrada apoiada no chão gelado, a presa em suas mãos e o brilho cintilante da taça de ouro. A respiração de Ron seguia suave atrás de si.
Ela ergueu a presa com as duas mãos, colocando-a acima do objeto. Tentou mirar a arma, mas parecia, de fato, mais inteligente fixar os olhos no alvo. O brilho da taça era de uma intensidade tão forte que logo não foi possível ver apenas as duas esferas de luz que as varinhas emitiam.
Toda a superfície da pequena taça parecia tomada por um brilho dourado maravilhoso, que nem mesmo o ouro mais puro parecia capaz de produzir. Apesar de quase cegá-la, Hermione mal conseguia piscar ao olhar o objeto.
- Hermione, destrua logo – a voz de Ron, próxima de seu ouvido, soou preocupada e com pressa. Mas Hermione não via por que precisava fazê-lo tão rapidamente. Aquela visão era tão bonita.
Ela aproximou o rosto da taça, ainda mantendo as mãos erguidas. O brilho parecia se intensificar a cada momento. Quanto mais se aproximava do objeto, mais distante da escuridão e do frio ela parecia estar. O cheiro podre do corpo do animal desapareceu, dando lugar a um aroma leve e cítrico. Seu corpo não mais estava tomado pelo frio do túnel úmido, mas parecia envolto no calor da luz.
- Hermione – disse Ron. A voz soou distante e fria, como se fizesse parte de outra realidade. – Hermione, destrua a taça agora!
Mas não lhe parecia coerente obedecer a uma voz que viesse de um lugar tão ruim como aquele ambiente gélido, infestado pelo cheiro de podridão, ao invés da luz bonita e calorosa emitida pela taça. Hermione sentiu o fulgor dourado chegar aos seus olhos com tamanha intensidade que ela se viu impossibilitada de piscar. Lentamente, começou a baixar as mãos.
- Hermione, não! – Ron gritou alarmado, aproximando-se dela. – Não deixe que ele faça isso!
Um segundo depois, a luz das varinhas se apagou, mas o brilho da taça não se extinguiu. Hermione continuou com os olhos vidrados no objeto, ouvindo a voz de Ron atrás de si, mas sem realmente entender o que ele falava. Uma nuvem do mesmo brilho dourado se formou acima da taça, e em segundos ela pôde distinguir, em meio à fumaça cintilante, um rosto conhecido. Hermione precisou arregalar os olhos com força para o reconhecer – quanto mais o fazia, mais nítido ficava a face e o brilho. Era Ron. Impossível não identificar aquele nariz avantajado e os pontos de ouro que ela sabia serem sardas.
- Como vai destruir a única chance de sairmos daqui? – disse o rosto, com uma voz grossa e ameaçadora, que em nada lembrava a de Ron. – Você sabe disso. Só você sabe disso. Como sempre.
Hermione arregalou os olhos - quanto mais o fazia, melhor percebia a expressão de Ron, mais forte ficava o cheiro cítrico que invadia suas narinas. Barulhos distantes ainda chegavam aos seus ouvidos e podia distinguir a sensação efêmera de alguém tentando puxar seus ombros, mas desistiu de identificá-la. Do contrário, não conseguiria mais ver o brilho dourado do rosto e da taça diante de si.
- Como você vai explicar se cometer um erro desse? – o rosto de Ron se contorceu numa expressão de desdenho quase maligna. – Botar tudo a perder? Você acha realmente que alguém vai gostar do você se não souber o que fazer?
Ela apertou a presa em seus dedos, mas seus braços estavam lentamente abaixando. O rosto sorria e balançava a cabeça positivamente.
- Isso mesmo – ele disse, com um tipo de crueldade satisfeita. – Por que mais você acha que eu ainda estou do seu lado? Você nunca vai servir para nada se não souber o que fazer.
Hermione estava prestes a largar os braços sobre o chão, para deixar que a taça lhe dissesse o que precisava fazer para saírem dali com segurança – para viverem para sempre em segurança.
Se havia como, se ela podia fazer com que acertasse o suficiente para aquele rosto de nariz grande e sardas espalhadas por toda a pele não desaparecesse, então… precisaria obedecê-lo.
- Hermione, não! – uma voz soou distante, quase imperceptível, mas não tanto quanto antes. – Nós vamos sair daqui, não se preocupe!
O rosto dourado continuou a encará-la como se não houvesse mais nada ao redor deles. Seu sorriso satisfeito parecia ser o maior grau de aprovação que ela já ganhara na vida.
- Hermione, pára! – a voz de Ron, de um outro Ron, não aquele rosto cor de ouro e decidido à sua frente, ecoou mais forte em seus ouvidos. O brilho emitido pela taça pareceu diminuir um pouco e Hermione piscou, pela primeira vez após o que pareceram horas. – Não escute ele, eu estou aqui! Você não precisa saber tudo!
Ela piscou mais uma vez. O brilho dourado pareceu nitidamente mais fraco e o sorriso do rosto estava sendo substituído por uma expressão de raiva e medo.
- Não! Hermione, não seja idiota – o rosto mexia os olhos incomodamente, de um lado para o outro, nitidamente assustado. - É a sua chance de acertar e proteger a todos! Se eles morrerem, se eu morrer, será tudo culpa sua. E eu nunca vou te perdoar!
- Pára! – a voz do outro Ron também estava assustada, mas era um outro tipo de medo. Era vulnerável, e beirava o sofrimento. - Não é verdade!
Ela pôde distinguir, finalmente, as mãos de Ron segurando suas costas. O rosto dele estava apoiado em seu pescoço, sua respiração aquecendo sua nuca. Ele estava ofegante, como se o calor da taça lhe privasse do ar puro.
- Hermione, destrua a taça! – dessa vez ela ouviu perfeitamente, colado ao seu ouvido, o apelo do garoto. Sem pensar, fechou os olhos e ergueu os braços. As vozes do rosto dourado de Ron se tornaram rugidos, que se confundiam às palavras do verdadeiro Ron, atrás de si. – Anda, Hermione, não dê ouvidos a ele.
À confusão de ruídos ensurdecedores somou-se a seu próprio grito, quando foi tomada pelo vento e o calor que a taça emanou quando foi atingida pela presa do basilisco. Um grito apavorante saiu do Horcrux antes que ele desaparecesse e a escuridão voltasse a dominar o túnel.
Hermione não abriu os olhos. O silêncio tomou conta da passagem de pedra, interrompido apenas pelos pingos da água que escorria pelas paredes e a respiração ofegante de ambos. Logo ela se deixou dominar pelos soluços.
As mãos de Ron tiraram a presa de basilisco, a qual Hermione ainda se agarrava sem nem perceber, e ele largou-a lentamente no chão com um baque surdo. Então segurou os braços dela e passou os ombros ao seu redor. Passou os dedos suavemente pelos seus cabelos, deitando o rosto dela em seu ombro. Ainda de olhos fechados, ela sentiu lábios roçarem levemente pelo canto de sua boca e sua bochecha, e então um sussurro aquecer seu ouvido.
- Está tudo bem. Você foi ótima.
Ela deixou que algumas lágrimas caíssem nos ombros de Ron. E não precisou abrir os olhos para saber que tudo estava, de fato, bem. Pelo menos naquele instante, o cheiro cítrico e leve que emanava dos cabelos que roçavam em seu rosto lhe informava isso. E era real.
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Cenas do próximo capítulo: Tão repentinamente quanto os elfos domésticos surgiram em sua mente, no entanto, eles desapareceram por completo, dando lugar a uma confusão de sentimentos, pensamentos e dúvidas que Ron não tentou acompanhar racionalmente.
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