Compreensão
tears stream down your face
(lágrimas escorrem pelo seu rosto)
when you lose something you cannot replace
(quando você perde algo que não pode substituir)
lights will guide you home
(luzes te guiarão até seu lar)
and ignite your bones
(e incendiarão seus ossos)
and I will try to fix you
(e eu vou tentar te consertar)
(Coldplay - Fix you)
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Capítulo 6 - Compreensão
6. Reflita pelos próximos dez minutos sobre todas as vezes em que você a escutou por tempo suficiente para compreender o que se passava com ela. Já está de volta? É o que eu imaginei. Pois então, lembre-se disso na próxima vez em que você conversar com ela: como você espera que ela queira ficar com você, se você nem ao menos tenta entendê-la? Escute, pense, converse. Entender o sexo feminino é uma tarefa complexa, dificilmente alcançada por bruxos que, de fato, se interessam por esse tipo de sexo. Mas entender a sua garota é o mínimo que você pode fazer e, ainda que não o consiga por completo, o esforço será reconhecido e apreciado por ela.
O sol começava a se pôr e o tom alaranjado e rosa do céu envolvia o pequeno chalé com um calor que não existia. De dentro do quarto aquecido pela calefação da casa ninguém imaginaria que o exterior registrava vários graus abaixo de zero ou que a noite de Natal prometia neve.
Ron observava as mudanças no céu do pequeno povoado através da janela de seu quarto na nova casa de Bill e Fleur. As paredes grossas e o vidro vedado pareciam inúteis na tarefa de protegê-lo do frio. Ainda que o vento gelado não entrasse na casa, uma forte sensação de incômodo o acompanhava desde que havia chegado ali, como uma onda de frio que deixava seus pêlos constantemente arrepiados.
Ele mal podia acreditar que o Natal já havia chegado. O que ele sentia como longos anos arrastados, andando sem rumo pelo interior da Inglaterrra em busca de objetos que ele mal conhecia, agora parecia uma memória rápida e distante, parte de um passado curto do qual ele não mais fazia parte.
- E começamos mais uma edição do Potterwatch!
Ron sentou-se na cama, atento ao aparelho de rádio que emitia vozes conhecidas. Desde que chegou ali e tomou conhecimento do programa de rádio, Bill e ele se amontoavam todas as noites ao redor do rádio da cozinha combinando esforços para acertar a palavra chave que liberaria a audição. Bill costumava fazê-lo primeiro, já que era muito bom em adivinhar as senhas, mas esta noite Ron havia sido mais rápido – provavelmente porque Fleur interrompia o marido a todo momento pedindo que ele a ajudasse em algum último detalhe da ceia de Natal.
A atmosfera de casa nova estava especialmente intensa, e Ron acabou deixando a cozinha para ouvir o programa no quarto de hóspedes. Havia algo que o incomodava na pressa caótica em cozinhar um banquete e na alegria esperançosa do jovem casal dominantes em todo o andar de baixo da casa. Talvez porque ele fosse tão incapaz, no momento, de compartilhar daquela felicidade momentânea típica do espírito natalino.
- Eu sou River e, antes de tudo, gostaria de desejar um feliz Natal a todos! – a voz de Lee Jordan transmitiu mais simpatia do que alegria.
- Para todos vocês que não estão sendo perseguidos, torturados ou forçados a obedecer ao mais novo decreto em Hogwarts proibindo shampoos.
- Ou seja, ninguém. Esqueçam o Natal. Vamos falar do que realmente interessa.
- Esses são Rodent e Rolling, que vão colaborar especialmente para o programa de hoje.
Ron havia se erguido da cama antes mesmo que Lee Jordan apresentasse as duas vozes quase idênticas. Era a primeira vez que ouvia os timbres semelhantes de Fred e George no programa. Bill, que costumava lhe trazer notícias dos pais e dos irmãos, não havia comentado nada sobre a participação dos gêmeos.
- Boa noite, Inglaterra! – disse um deles, que Ron suspeitava ser George.
- Boa noite, mundo mágico! Ou o que ainda resta dele – completou a outra voz com um leve tom irônico, que Ron teve quase certeza ser de Fred.
- Boa noite – continuou Lee, num tom mais sério - É muito bom recebê-los aqui hoje, ainda mais num dia como esse. A véspera de Natal está sendo tranqüila para os bruxos - na medida do possível, é claro. Mas não se pode dizer o mesmo dos trouxas.
Ron voltou a ser dominado pela sensação incômoda de arrependimento. Segundos após desaparatar ele teve certeza de que havia errado. Por todo o tempo em que precisou despistar e enganar uma gangue de Snatchers pouco inteligentes o arrependimento não só o corroeu como lhe deu forças para se reerguer e fugir. Seus pensamentos lhe davam a certeza de que ele tinha que voltar e consertar o erro. Infelizmente foi tarde demais, e quando ele finalmente retornou ao lugar onde a barraca estava, após horas de procura, não havia mais ninguém lá.
A decisão de não voltar para a Toca, por mais que ele sentisse falta de ver os rostos de seus pais e irmãos, foi rapidamente tomada quando Ron percebeu que ele próprio não suportava se olhar no espelho diante do que havia feito. Sentia vergonha. E tinha certeza de que seria ainda pior ver a decepção também nos olhos de seus parentes.
O dano menor foi ir para Shell Cottage, a casa que Bill e Fleur haviam acabado de adquirir e montar. Bill não o reprimiu e pareceu até entender, em algum nível. O irmão mais velho parecia compreender, ao menos, que Ron já se penalizava o suficiente pelo ocorrido.
- Ao que parece, alguns Comensais da Morte resolveram brincar de Papai Noel – falou Fred.
- O que não deixa de ser uma hipocrisia imensa já que, para início de conversa, essa é uma tradição trouxa – completou George.
- Sim, uma decepção para todos nós que contávamos com o caráter límpido e honorário dos excelentíssimos Comensais.
- Rodent e Rolling, estamos transmitindo para o rádio – a voz de Lee interrompeu, num tom solícito - Usem uma linguagem mais simples, por favor.
- Sem problemas, River.
- Comensais são tão estupidamente idiotas que estão se aproveitando de um costume trouxa para atacá-los.
- Obrigada, senhores – Lee falou – mas não há muito de atual ou novo nesta notícia, eu diria.
- Com certeza, River, todos nós já estamos cansados de saber disso.
O convívio com o mundo mágico fora mais difícil do que Ron imaginou. Uma pequena parte dele chegou a pensar que o calor de uma casa de verdade e três refeições ao dia compensariam, em parte, a certeza do engano que fora sair de perto dos amigos. Mas de nada adiantava usufruir as facilidades da civilização se junto a elas vinham as notícias da guerra e a atmosfera de pânico e terror ainda mais fortes do que em qualquer momento da busca de Harry, Ron e Hermione.
Pela primeira vez, ele ouviu os detalhes sobre o que nascidos-trouxas e traidores do sangue estavam sofrendo. Os “ilegítimos”. Famílias de nascidos-trouxas eram atacadas sob o pretexto de que haviam roubado a magia para seus filhos; estudantes sem pais bruxos eram obrigados a fugir e se esconder. O Ministério se dizia no direito de proclamar inferiores todos aqueles que não participassem da insana política de “Magia é poder”.
Ron temia pelos amigos. Cada vez que ouvia Bill comentando sobre o que tinha acontecido com um amigo nascido-trouxa do trabalho – quanto o torturaram ou onde estava preso – ele sentia uma onda gelada que os cobertores confortáveis e aquecidos que Fleur lhe dera não conseguiam remediar.
Ele se aterrorizava ao imaginar o que poderia acontecer com Hermione. Não suportava saber que não estaria lá para protegê-la, e se desprezava por saber que o culpado por isso era unicamente ele próprio.
- A nova onda da estação natalina, ao que tudo indica, são presentes enfeitiçados entregues a trouxas com a assinatura de ninguém menos que o próprio Papai Noel – continuou George. Seu tom irônico estava carregado de raiva e indignação.
- É verdade – Lee tentava manter o tom sóbrio, mas Ron pôde identificar um pouco de raiva também em sua voz - Os presentes são colocados magicamente sob as árvores de Natal de famílias trouxas.
- Geralmente são achados por crianças, já que só elas realmente acreditam na história do Papai Noel – Fred continuou.
- E vocês podem imaginar que o resultado não é nada condizente com o espírito natalino de alegria e solidariedade – George terminou.
- Três famílias já foram atacadas na área de Londres e muitas outras ao redor do país – Lee anunciou, o tom noticioso e profissional tentando disfarçar o pesar em sua voz. Ron engoliu em seco; sabia como esse tipo de notícia costumava terminar. – Temos conhecimento de ao menos quatro mortes, entre elas duas crianças. Gostaríamos de pedir um minuto de silêncio por essas vítimas anônimas.
O som do rádio desapareceu por vários segundos, e Ron sentiu como se algo embrulhasse pesadamente em seu estômago. A situação o enojava – saber do que acontecia e, ainda assim, não fazer nada para impedir. Ele quis ir embora, pegar sua varinha e sair às ruas, mesmo que não fosse para encontrar Harry e Hermione, mesmo que fosse apenas para lutar contra as pessoas que causavam esse tipo de violência absurda.
Por várias vezes ele se viu tentado a fazer exatamente isso: encontrar todos os outros, colocar-se à disposição da Ordem. Lutar, ainda que não fosse da maneira que deveria, mas lutar. Enfrentar tudo o que o impedia de ter uma vida normal, tudo que o forçara a se esconder por tanto tempo com Harry e Hermione. Combater o que colocava em risco não só a sua, mas a vida de todos a quem ele amava.
Todas as vezes, no entanto, ele era interrompido pela lembrança de que se ele fizesse isso – abandonasse seu esconderijo, saísse às ruas – jamais poderia voltar a encontrar os amigos. Pelo menos não até que tudo estivesse acabado. E ele não sabia quanto tempo passaria até que o fim chegasse. Ele temia não estar junto dos amigos por tempo demais. A idéia de Hermione enfrentando, sozinha, um caminho tão perigoso era inteiramente apavorante.
- Além do respeito, no entanto, nós queremos pedir mais – a voz de um dos gêmeos interrompeu o silêncio que guiava os pensamentos de Ron.
- Se você tem amigos ou vizinhos trouxas, certifique-se de que eles também não estão recebendo presentes impróprios de velhos barbudos imaginários – uma voz parecida completou e Ron identificou Fred.
- E não aconselhamos atacar Comensais, se você acabar encontrando algum.
- É muito arriscado, nos dias atuais, realizar ações impulsivas contra partidários das trevas – Lee adicionou, como que prestando um serviço.
- Mas há certas coisas que eles nem reparariam, não é verdade? - a voz de Fred tinha um timbre sarcástico que beirava a diversão.
- Afinal, todos nós tropeçamos em pedras às vezes – George adicionou com inocência.
- Ou somos atingidos por folhas ou galhos de árvores.
- Também não há nada de anormal em ser picado por abelhas.
- E vocês sabem que toda essa neve se acumulou nos telhados das casas a ponto de, muitas vezes, cair.
- Ok – Lee interrompeu os gêmeos e Ron tinha certeza de que sua voz reprimia uma risada. - Eu acho que nossos ouvintes já aprenderam o bastante sobre, er…
- Incidentes inocentes do dia-a-dia? – George completou para o outro.
- Exatamente.
- Ficamos felizes em ajudar – disse Fred.
- Esperamos que o Natal de todos seja, pelo menos, calmo – falou George, num tom sincero.
- Trouxa ou bruxo – completou Fred.
- Esses foram Rodent e Rolling, correspondentes por esta noite – Lee se pôs a falar, por fim. - Agradecemos a eles por terem participado e pedimos novamente a todos os bruxos ouvintes deste programa que ajudem os trouxas perto de si. Está terminando mais uma edição do Potterwatch. Esperamos continuar com nossas transmissões diárias, mas se formos forçados a fugir novamente, continuem atentos, pois logo que for possível estaremos de volta no ar. Mantenham-se seguros: mantenham a fé. Boa noite e Feliz Natal!
Ron sabia que aquela não seria uma boa noite e muito menos um bom Natal, mas sentiu-se um pouco mais confortável ao fim do programa. Era bom ouvir as vozes conhecidas. Ele imaginou que Fred e George estariam agora se dirigindo para o jantar de Natal da Toca, provavelmente azarando alguns Comensais no caminho. Ron teve uma estranha visão de um gato sendo atirado no rosto de um vulto negro e não pôde conter um sorriso.
Bill bateu na porta logo em seguida, e seu rosto cheio de cicatrizes apareceu no quarto por meio de uma fresta.
- Você ouviu? – ele perguntou a Ron.
- Sim – Ron respondeu, já imaginando o que viria. – Você conhece algum trouxa?
- A família da casa ao lado. Fleur e eu vamos até lá conferir se não há nenhuma armadilha. Tudo bem se o jantar atrasar?
- Claro. Vão! – Ron exclamou encorajador. Ele pensou em dizer que iria junto, mas sabia que o irmão acharia arriscado. Ele precisaria decidir se voltaria ou não a procurar Harry e Hermione, ou seria perigoso demais colocar seu rosto à vista.
E Ron ainda não tinha coragem de desistir completamente de localizar os amigos. Não tinha coragem de abandonar Hermione mais uma vez. Ainda que fosse apenas uma possibilidade ínfima e distante dentro de si, não tinha intenção nenhuma de desistir completamente dela.
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Hermione continuou sentada por alguns minutos. Ela não sabia quanto tempo havia se passado, nem se preocupou em contar. Havia algo de confortável em permanecer naquela mesma posição por um longo período – como se aquele instante tivesse se cristalizado e ela não precisasse seguir em frente. Não que aquele momento fosse memorável ou ela desejasse guardá-lo para sempre. Pelo contrário. Ela daria tudo para estar em outro lugar, sentindo qualquer coisa além daquele turbilhão de tristeza e angústia dentro de seu peito. Mas se manter imóvel em relação àquele momento significava não ter que lidar com ele. Não ter que relembrar as razões e imaginar as conseqüências dali em diante.
Ela daria tudo para não precisar fazer isso. Daria tudo para não ter que fazer tudo aquilo sozinha.
Harry havia desaparecido pela porta da barraca e agora vigiava a floresta, armado da varinha de Hermione. Ela sabia que a guarda era apenas uma desculpa para se afastar dela. Por mais que ela sentisse uma pontada de mágoa, entendia o quanto pior havia sido para o garoto enfrentar a cobra de Voldemort e ainda sair com a varinha quebrada.
A visita a Godric’s Hollow foi uma sucessão de perigos e riscos e não trouxe nada além de sofrimento e olheiras ainda mais profundas para Hermione. A decepção a dominava desde que eles haviam aparatado de volta à barraca – ela também havia esperado encontrar algo. A espada de Gryffindor, um Horcrux, respostas ou indícios do caminho que deveriam tomar.
As lágrimas continuavam a escorrer em seu rosto, mas Hermione já não prestava mais atenção a elas. Eram tantos os momentos em que ela chorava ultimamente que as lágrimas pareciam agora velhas companheiras de seus olhos. A cama desarrumada de Harry a remetia diretamente às últimas horas – como ele se contorceu, gritou e suou, envolto em pesadelos. Como ele sofreu e nada que ela fizesse pareceu ajudar. Ela chorou, junto ao amigo.
Ela chorou por saber que estava sozinha.
As lágrimas continuaram a molhar seu rosto após Harry acordar e sair da barraca levando a varinha de Hermione. A conversa com o amigo só fez com que ela se lembrasse novamente do quão sozinha estava. O fato martelou em sua cabeça com a força de algo concreto, real e doloroso. Ele havia ido embora.
“Lembra… lembra do Ron? Quando ele quebrou a varinha dele, batendo o carro? Nunca mais foi a mesma, ele precisou arranjar outra.”
Aquela estava longe de ser a primeira vez que Hermione pensava em Ron desde que ele havia deixado a barraca. Pelo contrário, era mais fácil contar os ínfimos momentos em que ela conseguia tirá-lo de sua mente e não era assombrada por sua ausência. Mas foi a primeira vez em que ela havia lembrado dele sem pensar em tudo o que havia acontecido – sem sentir a mesma dor pesada invadindo seu peito.
Seu nome havia simplesmente escapado de seus lábios, antes que ela pudesse controlar. Rápido e concreto como o momento em que Ron virou as costas para ela e o reflexo alaranjado de seus cabelos desapareceu com um crack.
“Lembra… lembra do Ron?”
Naturalmente, como se nada tivesse acontecido. Como se tudo fosse apenas um pesadelo passageiro e Ron estivesse perto, ouvindo-na, prestes a adentrar pela porta.
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Ron havia passado quase a noite toda em claro. Quando Bill voltou da casa dos vizinhos trouxas e o chamou para jantar, algumas horas após ter saído com a esposa, ele fingiu estar dormindo. Não se sentia com ânimo o suficiente para a época; por mais tumultuosos que fossem aqueles tempos, ainda era véspera de Natal e ele era um hóspede na casa do irmão. Ron preferiu escapar do jantar a se comportar com falso conforto na atmosfera alegre e amorosa protagonizada pelos jovens recém casados.
Fugiu, novamente. Quão típico.
Ele se remexeu na cama, incomodado. Havia tentando descansar durante a noite, mas sua mente não parava de dar lugar aos mais diversos pensamentos, vozes e lembranças. Suas tentativas de dormir haviam sido frustradas por uma repetição do pesadelo que o assombrava desde que chegara a Shell Cottage: estava sempre na floresta onde havia deixado os amigos e a mesma chuva forte encharcava suas roupas. Via Hermione por trás da folhagem espessa, e ela chamava por ele até ser interrompida por um flash de luz verde. Ron sempre acordava nesse momento, geralmente tão encharcado de suor que demorava até entender se estava ou não sob a chuva da floresta.
O sol já estava nascendo e Ron se sentou na cama. O rádio na mesa de cabeceira continuava a irradiar um repertório de animadas músicas de Natal que havia durado boa parte da noite. Ainda que a alegria excedida das canções o irritasse um pouco, Ron manteve o aparelho ligado num volume baixo. O barulho o distraía, evitava que os pensamentos angustiantes o dominassem por completo.
Ele se adiantou para desligar o rádio e descer até a cozinha para, por fim, comer alguma coisa. Seu estômago começava a sentir a falta da ceia de Natal e demonstrar isso. Mas antes que seus dedos tocassem no botão redondo do aparelho, um segundo som se misturou à versão agitada de “Noite Feliz”.
A voz lhe parecia familiar, e por um momento Ron achou que uma nova edição do Potterwatch estivesse começando. Ele mal pôde constatar o quanto isso era absurdo – era preciso dizer a senha e sintonizar a estação correta para captar a transmissão do programa – quando conseguiu distinguir, junto da música, o som nítido de uma frase completa:
- Lembra… lembra do Ron?
Seu coração deu um salto e suas entranhas ignoraram por um momento as reivindicações por comida para se embrulharem fortemente. Por um instante, Ron não acreditou no que havia acabado de acontecer, e apenas segurou o aparelho de rádio em suas mãos, olhando inutilmente para o alto-falante do qual continuava a sair a versão estilizada de “Noite Feliz”.
No entanto, ele tinha certeza de que algo realmente havia acontecido. Nada mais explicava o calor em seu peito e a sensação de prazer e tranqüilidade que havia tomado conta de si assim que ouvira àquela voz dizer seu nome.
Somente Hermione era capaz de produzir esse efeito nele.
Ron analisou cada centímetro do rádio em busca de qualquer explicação para o ocorrido. Suas mãos tateavam o aparelho quase cegamente, seu corpo dominado pela euforia e esperança renovadas de uma maneira que ele não experimentava há dias.
- Quando ele quebrou a varinha dele, batendo o carro? Nunca mais foi a mesma, ele precisou arranjar outra.
A mesma voz feminina voltou a falar, e Ron entendeu, por fim, que o som não vinha do aparelho de rádio. Com as mãos tremendo e a familiaridade da voz de Hermione ecoando em seus ouvidos, ele tirou do bolso o Deluminador que Dumbledore havia lhe deixado. O pequeno objeto repousou quieto em sua mão.
O som de seu nome ressoou em sua mente, numa freqüência alta cuja intensidade impedia Ron de pensar em qualquer coisa que não fosse a certeza de que o momento que ele tanto esperava havia chegado. Ele não sabia explicar porque ou como, mas sabia que conseguiria chegar até os amigos de alguma maneira.
Sabia que Hermione estava chamando por ele e não pretendia hesitar nem um segundo antes de ir até ela.
Ele clicou o Deluminador quase que por reflexo. Imediatamente as luzes de seu quarto desapareceram – apesar do sol nascente, o ambiente escureceu consideravelmente. Ron pulou da cama e foi até a janela, de onde vinha uma claridade anormal. No quintal de trás da casa, no meio do jardim, estava um círculo luminoso, emanando o brilho idêntico ao de uma chave de portal prestes a viajar até seu destino final.
Era arriscado, perigoso e havia sempre a possibilidade de ser uma armadilha. Ainda assim, Ron nunca teve tanta certeza de algo em sua vida. Jamais soube com tanta convicção o que precisava fazer.
Quase com a mesma certeza com que sempre soubera que seu lugar era ao lado de Hermione.
Suas mãos tremiam enquanto suas pernas trabalhavam quase que mecanicamente. Ron abriu sua mochila, que repousava ao lado da porta desde que chegara em Shell Cottage, como que antecipando aquele momento. Para dentro dela empurrou algumas roupas que se espalhavam pelo quarto, sua escova de dentes, sua foto com Harry e Hermione que a mãe havia lhe dado durante as férias e ele carregava desde então. Estava prestes a sair pela porta, quando percebeu que ainda estava de pijamas.
Bufando de impaciência, trocou de roupas o mais rápido que pôde, guardou os pijamas na mochila e desceu correndo as escadas da casa. Passou rapidamente pela cozinha, apanhando um pedaço de pão e uma garrafa de suco de abóbora e comeu com pressa, enquanto rabiscava um bilhete para Bill, explicando parcialmente o que pretendia fazer.
Quando chegou ao quintal da casa, a esfera brilhante continuava a iluminar os arbustos e flores, imóvel. Seu brilho azulado era cativante, demorou alguns segundos até que Ron percebesse que ele permanecia imóvel admirando a luz, envolvido por sua atmosfera tranqüila e calorosa.
Ele se aproximou, cauteloso, da luz. Ela não só parecia segura – quanto mais perto chegava, mais certeza Ron tinha de que ela era incapaz de causar qualquer tipo de mal. Uma sensação de segurança e coragem crescia dentro de si a cada passo que dava. À centímetros da esfera luminosa, Ron não teve dúvida. Esticou o braço e tocou levemente a luz azulada.
Imediatamente, a luminosidade se expandiu, envolvendo Ron completamente. Sua visão foi dominada pela claridade, mas, curiosamente, seus olhos não se sensibilizaram. Ele manteve os orbes azuis mais abertos do que nunca, cego pelo brilho forte, mas com a visão perfeita do que deveria fazer.
Seu corpo estava envolvido por um calor conhecido e delicioso. O brilho trazia consigo sensações que ele há muito tempo não conhecia: esperança, conforto, uma certeza incondicional de que tudo daria certo. Trazia consigo aromas e sons pelos quais ele ansiava há semanas: o cheiro adocicado dos cabelos armados de Hermione e o som de sua risada sincera e despreocupada.
Ron fechou os olhos e não precisou visualizar seu destino; o calor lhe passava a confiança necessária de que chegaria aonde queria. Apertou os dedos em volta da varinha, ao mesmo tempo em que sua boca se entreabria num sorriso que ele achou não ser mais capaz de produzir, e ele sentiu seu corpo se comprimir através do espaço.
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N/A: Esse capítulo ficou um pouco maior, mas é que às vezes essas coisas tomam vida.
Por que, vocês se perguntam, Fred e George aparecem nessa edição de Potterwatch sendo que, no cap. 22 de DH, Lee Jordan diz que é a primeira vez que Rapier/Fred participa? Por que a autora é uma maníaca pelos gêmeos e quer aproveitar o Fred em vida enquanto pode? Ora, mas é claro que não. É porque Fred e George, na verdade, participaram pela primeira vez do programa na véspera de Natal. Mas suas vozes idênticas entregavam muito, e fazer isso se tornou muito arriscado. Então, no dia em que Ron, Harry e Hermione ouvem o programa na barraca, Fred participa do programa pela segunda vez mas, para disfarçar, troca de pseudônimo: de Rodent para Rapier.
Viram? Faz todo o sentido do mundo. É esse tipo de informação que se encontra nas entrelinhas dos livros, ao contrário do que muitos dos nossos outros amigos shippers afirmam.
Cenas do próximo capítulo: “Hermione sempre se surpreendera com a capacidade que a simples visão dele tinha de afetá-la. Fosse para alegrá-la, tranqüilizá-la, irritá-la ou fazê-la sofrer. No momento em que ela o viu de volta à barraca, ela se sentiu tomada por uma poderosa combinação de todas as opções anteriores.”
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