Educação



Capítulo 4 – Educação

4. Lembra das velhas palavras mágicas? Não essas em latim em que você claramente pensou agora, mas aquelas outras que lhe renderam castigos, broncas e feitiços da língua presa durante a infância. Sua mãe não mandava você usar da educação à toa, sabe? A vida é uma boa oportunidade para colocar todos os ensinamentos obtidos na infância em prática. Seja educado com a sua garota – o que já deveria parecer óbvio depois da nossa conversa no capítulo dois, mas se você precisa de um livro como este, obviamente você precisa de toda a ajuda que puder conseguir – e ela vai saber que você a valoriza. Nunca se esqueça de que as damas estão sempre em primeiro lugar (ou pelo menos é isso que elas precisam achar).

A figura prateada irradiou ainda mais do que seu intenso brilho claro. Alívio e tranqüilidade de saber que uma batalha – ainda que pequena - estava vencida encheram a sala escura e úmida da casa dos Black assim que a pequena doninha informou, na voz de Arthur Weasley, que todos os convidados do casamento de Fleur e Bill estavam bem.

O coração de Hermione desacelerou e ela pôde finalmente substituir em sua mente a imagem de um Albus Dumbledore macabro se adiantando morbidamente em sua direção. Afastou as memórias melancólicas que se misturavam aos temores presentes para deixar o alívio inflar dentro de si como um balão de ar. Os Weasley estavam bem. Apesar dos Comensais terem tomado o Ministério da Magia, a Ordem da Fênix persistia.

Ron caiu no sofá, com um gemido aliviado, e Hermione pôde sentir quase que fisicamente o peso que ele permitia ir embora. Não houve sequer um momento nas últimas horas em que ela não olhasse para o rosto do garoto; seus cabelos ruivos não conseguiam esconder a preocupação no cenho tenso. Em vários momentos, enquanto andavam pelas ruas sujas de Tottenham Court Road, ela havia alcançado a mão de Ron. Apesar de fria como gelo, sua palma suava.

Ela se juntou ao garoto no sofá; apertou seu braço e confirmou o que aquecia seu peito como o patrono havia feito ao entrar na sala gélida de Grimmauld Place. Tanto para o ruivo ao seu lado quanto para ela própria, sussurrou a alegre sentença que o espectro prateado havia trazido a eles:

- Eles estão bem, eles estão todos bem!

Ron soltou uma risada curta, como se esperasse apenas por aquelas palavras para acreditar no que havia acontecido. Passou seus braços ao redor da garota, que retribuiu, intensificando o aperto no ombro dele. Ela pôde sentir um sussurro aliviado soprar os fios de seu cabelo e chegar até seu pescoço.

- Harry, eu… - Ron começou, e a proximidade da voz do garoto parecia apenas reafirmar a Hermione que tudo estava bem.

- Não é um problema – interrompeu Harry com a voz um pouco fraca. – É a sua família, é claro que você estava preocupado. Eu me sentiria do mesmo jeito. Eu me sinto do mesmo jeito.

Ron continuou a sorrir, as rugas de preocupação desaparecidas de sua testa. Hermione sentia sua boca formar um sorriso apenas por observar o outro. Saber que ele estava ali e que estava bem significava ainda mais do que ela poderia achar.

- Eu não quero ficar sozinha – ela disse – Nós podemos usar os sacos de dormir que eu trouxe e acampar aqui hoje a noite?

- Claro – Ron concordou rapidamente, ao mesmo tempo em que Harry murmurou algo relacionado ao banheiro.

- Ele está bem? – ela perguntou, quando o moreno desapareceu corredor adentro.

- É a pergunta do momento, não é? – Ron deu de ombros, levantando-se do sofá e afastando os móveis da sala para abrir espaço.

- Eu fico preocupada com ele. Nunca sei o que a gente pode fazer para ajudar… - Hermione remexeu a pequena bolsa a procura dos sacos de dormir.

- Estar aqui já é de grande ajuda – o ruivo falou, arrastando uma mesa pesada com um barulho agudo. - No mais, acho que tem coisas que a gente simplesmente não consegue entender.

Hermione esticou os três sacos de dormir por cima do tapete desgastado, pensativa. Ron estava certo. Por mais que tentasse, jamais poderia imaginar metade do que se passava na cabeça de Harry. Ela remexeu novamente no fundo imenso da bolsa frisada.

- Aqui, sua escova de dentes – ela entregou o pequeno objeto para Ron, que a encarou admirado.

- Você realmente pensa em tudo… - ele murmurou com um meio sorriso. Ela sorriu de volta, timidamente. Detestava admitir, mas havia momentos em que um simples sorriso de Ron a fazia esquecer completamente de tudo o mais.

Hermione foi até o banheiro entregar a escova de dente de Harry. Chamou o amigo com desconfiança, atenta a qualquer sinal de problemas, mas a resposta curta e a abertura rápida da porta não lhe deixaram muito o que analisar. Ela podia sentir algo de estranho, mas não quis ultrapassar limites. Todos eles haviam passado por momentos de tensão extrema nas últimas horas, ela podia apenas imaginar o quanto era pior para Harry.

Ao voltar para a sala, ela parou repentinamente na porta e abriu a boca em surpresa ao mirar o que acontecia no cômodo escuro. Uma legião de almofadas, dos mais variados tamanhos e cores, atravessava o ar da sala, em direção ao saco de dormir de Hermione. Com a expressão natural, Ron apontava a varinha para o grupo, que então pousou suavemente sobre o saco, cobrindo toda a superfície dele.

- O que foi isso? – ela exclamou.

- Ah, oi – Ron percebeu que ela o observava e sorriu. - Accio almofadas. Útil, não?

- Ah… sim, mas para o que exatamente? – ela pulou os dois outros sacos de dormir e chegou até o que pretendia usar, agora coberto por um mar colorido e alto de estofados.

- Para você dormir.

- Por quê?

- Este saco de dormir é muito duro.

Hermione piscou, incrédula. Atrás dela, a voz de Harry anunciou sua chegada à sala.

- O que foi? – disse o garoto, mirando os dois amigos.

- Nada – Hermione respondeu, e apanhou algumas das almofadas. – Aqui, peguem algumas, vocês dois.

- Não! – Ron respondeu com um o ar polido e determinado. - Damas primeiro.

- Ahn? – ela deixou escapar uma exclamação surpresa e aguda que soou estranha até mesmo à própria Hermione. Ela notou que as orelhas de Ron adquiriram um leve tom de rosa. – Como assim…?

- Só pegue, Hermione, não tem problema – Ron tirou as almofadas das mãos da garota e virou-se para o outro garoto. – Harry?

- Eu não me importo – o moreno abanou as mãos, suprimindo um sorriso divertido, e deitou no saco de dormir mais próximo.

- Então, pronto – o ruivo colocou as almofadas de volta e se dirigiu à porta da sala. – Eu vou no banheiro.

Hermione continuou encarando o saco de dormir volumoso e aconchegante que a aguardava, enquanto Ron desaparecia pelo corredor. Harry deixou escapar uma risada curta, e ela encarou o amigo com a testa ainda franzida.

- O que está acontecendo com ele? – perguntou, sem esconder a confusão.

- Não faço idéia – respondeu o amigo, num tom pouco convincente.

xxx

Ela estava confortável, precisava admitir, mas um possível desconforto estava longe de ser a razão de Hermione ter acordado tantas vezes durante a noite.

A madrugada estava quente, mas ainda assim ela se cobria quase que completamente com o saco de dormir. O pequeno espaço deixado para seu rosto permitia que ela contemplasse a escuridão atordoante da ampla sala da Casa dos Black. Um barulho distante de água pingando se unia ao vento movimentando as folhas do lado de fora e aos eventuais ruídos e estalos que a casa produzia. À sinfonia silenciosa se juntavam o barulho da respiração de Harry e Ron ao seu lado. Ela tentava se atentar apenas a esse último som, ignorando os ruídos que traziam imediatamente a imagem do corpo de Albus Dumbledore se erguendo diante deles de volta a sua mente.

Hermione fechou os olhos, apertando-os com força e tentando impedir que a sensação de correria e pessoas indo de encontro a ela voltasse a tomar conta de seu corpo. Forçou sua mente para não deixar os gritos assustados que tomaram conta do quintal da Toca horas antes invadirem seus ouvidos. Respirou fundo, até que um estalo de madeira quebrou o quase silêncio da casa e ela abriu os olhos repentinamente.

O cabelo ruivo de Ron se mexeu e o barulho da inspiração pesada do garoto fez o coração de Hermione bater numa freqüência um pouco menor. Ela se movimentou no saco de dormir, aumentou a abertura para seu rosto e observou o garoto. O saco de dormir dele estava mais baixo, já que ele não tinha duas camadas de almofadas embaixo de si, mas estava a apenas alguns centímetros do dela. Ele se virou lentamente, com a respiração profunda, até Hermione poder ver seu rosto sardento através da bagunça de cabelos vermelhos. Seus olhos azuis se abriram repentinamente e a encararam, sonolentos.

- Você ainda está acordada? – ele murmurou, e o som de sua voz interrompendo aquele silêncio sombrio foi como se outro patrono tivesse invadido a sala.

- Não sei… acordei há algum tempo e não consigo mais dormir – ela respondeu num sussurro. Ron piscou, como se o sono ainda não lhe permitisse pensar propriamente.

- Hoje não foi exatamente o dia mais tranqüilo e feliz do mês, você devia descansar.

- Eu estou tentando – outro estalo seco de madeira veio da cozinha, e ela se remexeu incomodada – Mas essa casa não está ajudando.

- Eu sei – Ron continuou, os olhos já um pouco mais abertos, uma expressão mais desperta. – Me faz quase ter saudade dos roncos do Neville.

Ela percebeu que sorria, e com um bocejo coçou os olhos cansados. Na sua frente, Ron a encarou com atenção. Ele continuou, com a voz ligeiramente hesitante:

- Você está bem, Hermione?

A garota se surpreendeu um pouco. Não era sempre que Ron a encarava com tamanho interesse e cautela ou procurava entendê-la daquela maneira. Ela sentiu um calor confortante crescer dentro de si.

- Eu tive medo hoje – ela murmurou, sem receio.

- Eu também. Mas acabou tudo bem – Ron começou, e então soltou um riso curto e a encarou com o olhar cansado. – Caramba, se a nossa definição de ‘bem’ é o Ministério tomado por Você-sabe-quem e nós três em fuga é porque a coisa chegou a um ponto realmente crítico.

Ela sorriu, apesar de saber que havia algo muito decepcionante e temeroso naquela constatação. Ela preferiu dedicar sua atenção apenas para o som rouco do riso fraco de Ron.

- Acho que é assim que vai ser agora.

- É, as férias devem estar mesmo terminando… - ele murmurou, com um suspiro que deixou transparecer um cansaço profundo, mas seus olhos azuis continuaram atentos na direção de Hermione.

As imagens de todo o dia vieram a sua mente, vívidas como horas atrás. O lince prateado aparecendo no jardim dos Weasley, o anúncio grave de que eles estavam chegando; o único instante em que ela imaginou o que aconteceria e a movimentação seguinte pelo quintal lotado de bruxos e bruxas aparatando e correndo em direções desencontradas. Ela tremeu enquanto andava a passos rápidos pelas mesas do casamento, em busca de Ron. Apenas alguns minutos antes eles estavam dançando juntos no meio do jardim. Ela desejou não ter pedido para sair da pista de dança e por um curto momento imaginou o que poderia ter se passado a Ron enquanto estavam separados.

- Eu tenho medo do que pode acontecer – ela disse, após um momento de silêncio.

Ron a encarou com o olhar grave. Ela percebeu que havia colocado em sua voz uma boa parte do desespero sentido diante das possibilidades sombrias que passeavam em sua mente. Ele esticou o braço e tateou até sua mão encontrar a de Hermione.

- Vai ficar tudo bem no final – ele disse, com uma segurança impressionante e surpreendente. Sua mão apertou a dela e seus dedos se movimentaram levemente sobre a pele lisa da garota. – De um jeito bem melhor do que o nosso ‘bem’ atual, eu quero dizer.

- Você não está com medo? – Hermione falou, admirada pela determinação do outro. Ela sentiu as batidas em seu peito desaceleraram consideravelmente.

- Ah, eu estou aterrorizado – ele murmurou, na mesma voz firme e com uma naturalidade admirável -, mas eu gosto de pensar que depois de tudo que nós enfrentamos, estamos mais que aptos para o serviço.

Ela realmente riu, por um momento, e Harry chegou a se remexer no saco de dormir, a alguns metros de distância. A mão de Ron se mexeu para soltar a de Hermione, mas ela apertou com força o polegar do garoto, antes que ele pudesse movê-la. Eles se encararam em silêncio, por alguns momentos cuja duração ela não conseguiu determinar. Ron voltou a acariciar seus dedos, e ela respirou fundo antes de fechar os olhos.

- Boa noite, Ron.

- Boa noite, Hermione – ele murmurou, e ela experimentou novamente a sensação que somente o brilho aquecido dos patronos costumava lhe trazer, em meio a escuridão.

Ela não soube quanto tempo demorou até que dormisse, ou se Ron o havia feito primeiro. Lembranças passadas e imagens perturbadoras não conseguiram assombrá-la por tempo suficiente para que ela voltasse a abrir os olhos assustados. Mas sua última lembrança antes que deixasse o cansaço dominar sua mente ainda continha o toque aquecido de Ron em sua mão.


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N/A: E espero ter feito justiça a esse momento que para mim é um dos mais bonitos e fortes dos livros. Foi R/H puro e simplesmente apaixonante ler o Harry vendo os amigos quase de mãos dadas.

Obrigada a todos pelos comentáriios! Eles fazem meu dia.

Errata: Uma pequena retratação quanto a Tia Muriel... Não sei o parentesco exato dela, mas uma certeza é que ela é tia-avó do Ron. Eu fiquei de checar isso depois que terminei o capitulo e acabei esquecendo, então... como pseudo-jornalista eu peço desculpas pelo erro, como pseudo-escritora eu digo que é licença artística. :)

Cenas do próximo capítulo: "Eu entendo" sua voz passou por sua garganta como se a rasgasse. Ele não olhou nos olhos da garota antes de se dirigir à saída da barraca. "Você está escolhendo ele."

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Comentários (1)

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