Atenção



Capítulo 3 - Atenção

3. ATENÇÃO! Essa é a palavra chave para conquistar qualquer garota. Sim, atenção é a palavra, idiota. Aposto que você ainda não havia reparado que atenção é um substantivo, e não uma onomatopéia usada para sinalizar que algo importante está por vir. Pois tente ser mais atento com a sua garota do que você obviamente foi nas aulas de gramática.

Hermione passou as últimas camadas de Poção Alisante em seu cabelo com um sorriso inevitável no rosto. Dificilmente tinha a chance de se arrumar completamente – salto alto e maquiagem nunca foram exatamente sua prioridade -, mas ela admirou sua imagem no espelho com satisfação.

- Ele vai te notar agora, hein? – exclamou o reflexo, com uma piscadela. Hermione ergueu o dedo indicador com um ‘Ssh’ para o próprio rosto sorridente e olhou ao redor do quarto de Ginny para ter certeza de que ninguém havia ouvido.

Ela abotoou a sandália alta e se endireitou em frente ao espelho. O vestido lilás caía delicadamente pelo seu corpo e seus cabelos lisos emanavam um brilho anormalmente forte. Realmente, ele a notaria. Embora ela devesse admitir que essa não fosse uma previsão muito difícil de se fazer. Ron parecia a estar notando com bastante freqüência ultimamente.

- Eu não te vejo reclamar – falou o reflexo, novamente, com a voz alta e decidida. Hermione rolou os olhos e se afastou do espelho, indo até a cômoda e guardando sua varinha na bolsa frisada. Deu uma última olhada no interior do objeto - a imensidão escura que escondia livros, roupas e vidros de poções - e não pôde deixar de abrir um sorriso orgulhoso. Havia demorado até dominar o encantamento completamente, mas o resultado fora bastante satisfatório.

Ela não estava, de fato, reclamando. Mirou o punhado de roupas que havia, alguns minutos atrás, recolhido do quarto de Ron e não deixou de reprimir um suspiro. Esperou profundamente que elas não se mostrassem necessárias tão cedo, mas não pôde ignorar a sensação de que o momento não tardaria a chegar. Era como abusar da sorte, passar tantos dias no aconchego da Toca, deliciando-se com os almoços que a Sra. Weasley preparava - muito provavelmente - para tentar mudar pelo estômago os planos dos três amigos.

Hermione sabia do perigo e da importância do que ela, Harry e Ron se preparavam para fazer. No momento em que Harry anunciara aos dois amigos suas intenções, Hermione teve certeza de que iria acompanhá-lo. Mas não foi o discurso do amigo que a fez manter a opinião quando, algum tempo depois, ela se deixou perder em pensamentos duvidosos, medindo riscos e chances. Um par de olhos azuis mirando-a com surpreendente segurança e carinho foram o suficiente para que ela tivesse a certeza absoluta de que faria tudo para ajudar o melhor amigo na perigosa missão – junto a Ron.

Os últimos dias na companhia desse (de certa maneira) novo Ron - que a encarava com a segurança que ela achara ser sua obrigação possuir e a consolava de tal maneira que a fazia esboçar um sorriso verdadeiro em meio ao choro - haviam sido surpreendentemente necessários para Hermione. Chegar na Toca e abraçar o mundo mágico, depois de tudo o que ele lhe tirava, fora mais difícil do que ela imaginara. A vontade de viajar até os pais e retirar-lhes o feitiço – para que eles não mais a olhassem como uma estranha à porta errada – só foi reprimida após o longo abraço que ela havia, incrédula, recebido de Ron. Todas as dúvidas e medos foram afastados pelo calor de seu corpo, o cheiro cítrico de seus cabelos e a promessa de que ele sempre estaria ali, ao seu lado.

- Fleur, eu já disse que não vou demorar! – o grito de Ginny Weasley, seguido de um muxoxo irritado e o baque de passos firmes, por pouco não fizeram Hermione derrubar a pequena bolsa no chão. – Quanto tempo ela acha que eu levo para pentear o cabelo, por Merlin? Ela ainda nem passou maquiagem!

- As noivas bruxas também não costumam atrasar? – Hermione perguntou, checando uma última vez o conteúdo da bolsa frisada.

- Claro. E ainda falta uma hora para a cerimônia – Ginny parou na frente ao espelho e passou a escova nos longos cabelos ruivos, que brilhavam como os de Hermione – Ela começou a se arrumar há horas, se ela não tomar cuidado vai acabar chegando cedo demais. Você já está pronta?

- Sim – Hermione alisou uma última vez os cabelos compridos, evitando o espelho. – E felizmente não preciso esperar a Fleur, então vou descer.

- Não fique tão animada, eu acabei de ver a tia Muriel chegando – Ginny apontou para a porta, que deixava passar o som caótico de várias vozes femininas nos mais variados tons de paranóia.

Hermione não ficou mais tempo para perguntar o que exatamente ela devia temer, mas isso logo se tornou claro quando ela, desviando de buquês e laços espalhados pelo chão, atravessou o corredor em direção à escada. A Sra. Weasley carregava uma caixa de madeira antiga envolta em panos, acompanhada de uma senhora magra e alta que a toda hora apontava para o embrulho e repetia uma série de recomendações.

- E não deixe a tiara nem ligeiramente perto de sangue de dragão. Deve acontecer algum tipo de reação terrível; minha vizinha Ruthie teve a infelicidade de fazer isso e o seu cinzeiro forjado por duendes nunca mais foi o mesmo…

- Ah, Hermione, você está linda! – a garota pôde detectar o alívio na voz da Sra. Wealsey ao avistá-la. – Essa é Muriel, minha irmã.

- Muito prazer – Hermione tentou exalar toda a simpatia que conseguiu enquanto se recuperava de um tropeço em um ramalhete de rosas amarelas.

- Então essa é a nascida trouxa…? – tia Muriel trocou um olhar significativo com a irmã, antes de apertar os óculos finos com os dedos e analisar a garota dos pés à cabeça. – A postura é ruim e os tornozelos um tanto finos…

Hermione franziu o cenho, e a Sra. Weasley a encarou com uma expressão que claramente pedia desculpas.

- Mas com aquele cabelo horroroso, eu imagino que é o Ronald que está conseguindo mais do que merece… - ela soltou os óculos e voltou a encarar a irmã. – E eu não preciso te lembrar dos perfumes, não? Jamais se deve deixar pingar perfume em metal forjado por duende…

As duas continuaram o caminho até o quarto principal, onde Fleur se arrumava. A Sra. Weasley ainda acenou alguns pedidos de desculpas para Hermione, que não reprimiu um sorriso interno ao descer as escadas com pressa.

A sensação de dejá-vù foi uma surpresa um tanto desnorteante. Os orbes azuis de Ron a encontraram, assim que ela chegou à sala de estar, com a mesma expressão de surpreendente arrebatamento que ela percebera três anos atrás, quando havia experimentado a Poção Alisante pela primeira vez e ainda se desequilibrava no salto alto fino. Tanto tempo depois, os riscos de acabar a noite com o pé torcido já haviam diminuído, mas a sensação que o olhar de Ron causava continuou a mesma: o incômodo e agradável frio na barriga, o leve calor invadindo suas bochechas. Apesar da diferença de tratamento nas duas situações - ao invés de muxoxos irritados e passos largos na direção contrária, Ron a havia recebido com um sorriso caloroso e um elogio na ponta da língua -, se Hermione fechasse os olhos, poderia se imaginar aos 14 anos, no Salão Principal de Hogwarts, sem preocupações maiores do que não ter recebido o convite certo para o Yule Ball.

Ela quase se engasgou, portanto, no momento em que ouviu o sotaque carregado e a voz grossa de Viktor Krum interromperem o barulho de risadas que enchia a sala. Pelo silêncio que se seguiu – cortado apenas pelos seus próprios gaguejos, uma exclamação indignada de Ron e risadas abafadas vindas dos gêmeos Weasley -, ela não era a única que recebia o búlgaro experimentando algo próximo do choque.

- Como é que você está aqui? – disse Ron, num tom possivelmente mais alto do que o apropriado.

Era a pergunta que explodia no cérebro de Hermione que, apesar de conseguir memorizar os doze usos do sangue de dragão e os anos em que foram descobertos, jamais havia calculado a probabilidade de encontrar Viktor Krum no casamento de Fleur e Bill Weasley.

- Fleur me convidou – respondeu o búlgaro, erguendo uma sobrancelha.

Havia lógica naquilo, ela tinha certeza. Mas não gastou muito tempo refletindo sobre o assunto; enquanto Harry, transformado em mais um Weasley, indicava o caminho correto ao jogador de quadribol, a preocupação corrente de Hermione era o tom escarlate absurdamente forte que suas bochechas haviam adotado, e ela desejou ter passado uma quantidade mais discreta do blush vermelho vivo de Ginny.

- Esse… carrancudo… - ela conseguiu identificar algumas palavras nos grunhidos que Ron soltou, junto a uma sinfonia de muxoxos audíveis. Suas orelhas estavam tão vermelhas quando o pote de maquiagem da irmã mais nova.

- É búlgaro que você está falando, Ron? – exclamou Fred, com um sorriso divertido.

- Aproveite para praticar com seu amigo Vicky, hein? – completou George, com uma risada.

Ron abriu a boca para responder – e provavelmente mandar os dois irmãos para lugares pouco educados -, mas o barulho do que pareceu uma manada de saltos altos deixou o andar superior para dominar por completo a sala de estar.

- O que vocês ainda estão fazendo aqui? – demandou a Sra. Weasley, num tom próximo do limite aconselhável de segurança. Os quatro não hesitaram em tomar o caminho em direção às cadeiras enfileiradas no jardim.

- Vocês podem namorar mais tarde e vocês dois – a voz seca de tia Muriel acompanhou os quatro, e Hermione pôde vê-la segurando os ombros dos gêmeos – não aprontem nada.

Hermione seguiu Ron até a segunda fileira de cadeiras, imaginando de que cor estariam suas bochechas naquele momento. Provavelmente do mesmo tom das orelhas de Ron.

- Ela faz eu me arrepender de realmente não ter aprontado nada – murmurou George, atrás deles, fazendo uma careta.

- Eu sei. Aqueles balões de pó do riso não parecem uma idéia tão ruim agora, né? – completou Fred. Ele acenou para Harry, que apareceu próximo a eles - Hora de sentar, ou a gente vai ser atropelado pela noiva.

A cerimônia foi simples e bonita, como o esperado. Fleur estava estonteante e arrancou exclamações de admiração de praticamente todos os convidados – a própria Hermione se viu distraída pelo brilho dourado que o cabelo da meia Veela emanava. Assim que o pequeno bruxo declarou terminada a cerimônia, os noivos trocaram um beijo e as cadeiras em que os convidados estavam deram lugar a uma espaçosa pista de dança. Uma banda e vários garçons tomaram as rédeas da festa e o jardim se encheu de música e conversas animadas. Hermione seguiu Ron e Harry até a mesa em que Luna Lovegood sentava sozinha, a qual acabou se tornando cenário de uma nova visita de Viktor Krum.

Assim que o búlgaro tomou o lugar de Luna, Ron se mexeu com incômodo na cadeira ao lado. Hermione pôde sentir o sangue voltar às suas bochechas, mas felizmente Viktor não a encarou diretamente. Com o rosto ainda mais carrancudo do que o normal e o olhar mirando o vazio no centro da mesa, ele perguntou:

- Quem é aquele homem de amarrelo?

‘De amarelo’ soava até como um eufemismo diante da intensidade gritante do tom de amarelo nas vestes do pai de Luna. Hermione abriu a boca para responder, mas Ron foi mais rápido.

- Aquele é Xenophilius Lovegood, ele é o pai de uma amiga nossa – seu tom era sério e determinado, e assim continuou quando ele encarou Hermione e adicionou abruptamente: - Vem dançar.

Por um segundo ela apenas piscou, esperando algo – talvez o resto da frase, ou a explicação de uma piada -, mas os olhos azuis de Ron apenas a encararam com uma seriedade acurada. Tão bruscamente quanto ele, ela se ergueu da cadeira e caminhou em direção à lotada pista de dança, seguida de perto pelo ruivo.

Ela chegou até um espaço vazio – o mais longe que pôde de tia Muriel -, e se virou para encarar Ron. Ele ainda trazia o cenho franzido em irritação e olhou algumas vezes por cima do ombro, como que para se certificar de que o búlgaro não os havia seguido.

- Eu não acho que ele tenha vindo ao casamento para nos perseguir, Ron – ela disse, elevando a voz para se fazer ouvir através da música animada.

- Eu sei bem o que ele está fazendo aqui… - o garoto murmurou, ainda com o rosto nervoso, imóvel.

Hermione começou, um tanto timidamente, a balançar os ombros ao ritmo da música, que parecia com uma valsa, mas trazia uma batida um pouco mais acelerada. Após uma olhada rápida para trás, os orbes azuis de Ron pararam abruptamente na garota e se arregalaram em surpresa, como se finalmente percebessem o que trazê-la até ali implicaria.

- Er… com licença - ele se adiantou e, hesitante, tomou uma das mãos de Hermione na sua, puxando a garota para perto e passando o outro braço na sua cintura. O cheiro cítrico agradável e velho conhecido de Hermione emanou mais próximo do que nunca, quando seus corpos se encontraram e sua baixa estatura permitiu que seus olhos se perdessem nos cabelos vermelhos do garoto.

Eles se mexeram timidamente ao ritmo na música, esbarrando nos outros casais mais ousados ao seu redor.

- Dançar não é bem meu forte… - Ron murmurou, quando uma das primas Veelas de Fleur atravessou a pista de dança com passos complexos, guiando um jovem Weasley que tentava acompanhá-la.

- O que vale é a intenção – Hermione falou, num tom baixo – Além do mais, eu acho que já faz alguns anos que você me deve uma dança.

Talvez fosse o cheiro aconchegante que a envolvia, ou o fato de Ron ter acabado de demonstrar ciúmes do búlgaro mais velho, sem ao menos tentar disfarçar, mas Hermione se sentia numa confortável situação para conversar com o garoto sobre coisas que normalmente fariam suas bochechas corarem e sua fala sumir. Talvez as três garrafas de cerveja amanteigada que ela já havia tomado também tivessem uma parcela de culpa.

- Er… - a música deu uma guinada agitada e ele acabou pisando em alguns dedos de Hermione – Desculpe. Quer dizer… por isso também. Mas eu não tenho dançado muito nesses últimos anos. – Ela pôde sentir o ardor emanando das orelhas do garoto, a alguns centímetros de distância de seu rosto.

- Ah – ela exclamou, mais rápido do que pretendia – pelo que eu me lembre, você andou dançando bastante.

Não foi tanto uma pisada, dessa vez, mas um tropeço que quase arrancou a sandália do pé de Hermione. Ron continuou, no entanto, a seguir os passos da música, ainda que sua mão tivesse começado a suar.

- Você andou fazendo sua parte na… dança, também, pelo que eu sei-

- Dá licença, mas o quê? – ela elevou o tom de voz e ergueu o rosto para encarar Ron, afastando seu corpo, mas mantendo sua mão na dele e o braço em seus ombros.

- Eu quero dizer… - ele entreabriu a boca, incerto, e balbuciou sons incoerentes - o Krum e aquele baile… pelo que eu vi vocês dançaram até tarde…

- Você não viu nada! – ela havia parado de dançar completamente agora, e encarou Ron com o cenho franzido. – O que é mais do que eu posso dizer de você e aquela…

- Hermione, eu acho melhor a gente falar de outra coisa… - havia preocupação e desconforto nos olhos dele, mas Hermione não se importou. Continuou a encará-lo com o rosto impassível, um peso em seu peito se tornando cada vez mais incômodo.

- Eu não acho. Eu acho que você tem muita coragem para tentar jogar na minha cara o que eu fiz ou deixei de fazer como o Viktor…

- E o que foi que você fez com o Vicky, então? – lá estavam as faíscas nervosas irradiando dos orbes azul-claro que a encaravam. O tom de voz de Ron a lembrou novamente a noite em que ela gritara em sua direção que ele não deveria tratá-la como um último recurso.

- Nada que te interesse! – seu tom elevado também não ficava nem um pouco atrás do utilizado três anos antes. Ela não se importou quando algumas pessoas que dançavam ao seu redor começaram a lançar olhares furtivos para os dois. - E nada que você não tenha feito com a Lavender no meio da Sala Comunal para todo mundo ver - eu, inclusive.

O olhar de Ron perdeu o teor irritado e acusador, e o ruivo apenas a encarou com a expressão lívida, como se a estivesse olhando pela primeira vez em um longo tempo. Talvez ele houvesse notado as lágrimas que começavam a aparecer no canto dos olhos dela. Sem palavras, ele voltou a abraçar a cintura de Hermione, aproximando novamente seu rosto dos cabelos castanhos da garota, e pôs-se a se movimentar ao ritmo da música. Só então ela percebeu que a canção havia mudado para uma melodia calma.

Ela permitiu que seus olhos se fechassem e apertou a testa para que nenhuma das lágrimas insistisse em cair. Respirou fundo e, através da batida lenta da música, pôde distinguir a voz de Ron em seu ouvido.

- Me desculpe – seu murmúrio trazia um pouco do que ela própria tentava conter com as lágrimas. Hermione deixou que uma delas escapasse pelo canto do olho, e retribuiu o aperto em sua mão direita.


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N/A: Ah, sim, meus reflexos falam. Os da Jo também, se você for atento, mas ela parou de usar esse artifício lá pelo terceiro ano. Eu, pelo contrário, adoro fazer as imagens do espelho encherem o saco dos personagens como uma consciência irritante.

Esse teve um tamanho decente, né? Daqui pra frente a idéia é todos serem assim. Espero que tenham gostado dessa cena. Eu simplesmente surtei quando vi o Krum aparecendo no livro e a dança com o Ron foi o que marcou o início da sucessão INTERMINÁVEL de momentos R/Hs em DH. Uma salva de palmas para a Jo!

Cenas do próximo capítulo: Grimmauld Place 12, um ataque de cavalheirismo e mãos se encontrando...

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