O encontro



- James... James! Tudo bem, eu vou.

Ele parou, como se tivesse engolido uma quantidade grande demais de pó, os olhos arregalados e a boca entreaberta. Estávamos na biblioteca. Sirius, Peter e James tinham ido até lá buscar Remus, alegando que tinham planos especiais para ele. Remus apresentava um aspecto cansado enquanto líamos alguns livros sobre Poções para a próxima prova do professor Slughorn. A última lua cheia tinha sido particularmente difícil para o meu amigo lobisomem, e eu estava preocupada com seu desempenho na prova. Por isso, quando ele me pediu para estudarmos, não hesitei em largar o que fazia para acompanhá-lo.

Você tinha abandonado a biblioteca no momento em que me viu por lá. Apenas entrou, pegou alguns livros e saiu, provavelmente para estudar nas masmorras com seus “amigos”. Eu ainda tinha um nó na garganta, e meus olhos constantemente se desviavam dos livros para a porta, até que vi James e os outros Marotos entrarem por ela e pensei:

“Lá se vai a minha noite de estudos”.

James tinha se tornado particularmente insistente depois do dia em que brigamos. Acho que percebeu que o caminho estava totalmente livre para ele. Pressentia que eu me esforçava para esquecer os sentimentos que nutria em relação a você, e tentava se aproveitar desse momento. Não de uma maneira maldosa, pelo contrário. Ele havia mudado a tática, agora tentava ser meu amigo. Mas não que isso o impedisse de, com a aproximação do dia dos namorados, tentar me convidar para ir com ele a Hogsmead. E, naquela noite, eu estava particularmente inclinada a aceitar.

- Hã...? Você disse que... vai? – ele tropeçou nas palavras, enquanto me olhava por detrás das lentes dos óculos de aro grosso, o rosto contorcido na dúvida de não saber se havia escutado certo, ou se seus ouvidos pregavam nele uma peça. Pude ver seus olhos brilharem intensamente, o castanho meio esverdeado ficando ainda mais bonito.

- Sim, James – respondi ao mesmo tempo em que fazia um sinal afirmativo com a cabeça e baixava os olhos para o livro, ligeiramente envergonhada. – Eu vou com você a Hogsmead no dia dos namorados. Agora, pare de me amolar, quero terminar esse exercício antes de me deitar.

- Eu... eu... – James rolou os olhos, e parecia tentar entender o que estava acontecendo. Olhou para Sirius, que deu de ombros e simplesmente sorriu antes de dizer:

- É, Prongs, acho que dessa vez a Lily está falando sério – e deu um tapinha nas costas do amigo – Você conseguiu, cara!

James voltou a me olhar e sorriu de um jeito que eu nunca o havia visto sorrir antes. Era quase como se algo pelo que ele esperou a vida toda estivesse acontecendo naquele momento, e vi a empolgação que sentia quando saiu da biblioteca dizendo:

- Eu te encontro no salão comunal amanhã de manhã! Prometo que você não vai se arrepender, Lily, não vai!

E ele correu, com Peter e Sirius em seu encalço. Sorri com o canto dos lábios, imaginando por que afinal tinha resolvido aceitar a proposta dessa vez. Queria sentir a mesma empolgação que havia lido na expressão de James. Meus olhos continuaram pregados no local por onde ele passara, como se eu ainda conseguisse enxergar o rastro de sentimentos que ele havia deixado. Ele estava feliz. E eu desejava, de todo o coração, estar da mesma forma. Porém, ainda havia uma incômoda lembrança sua em minha mente, que não me deixava sentir aquele momento da mesma forma como James sentia. Eu sabia que ele era uma boa pessoa, e até achava que poderia gostar dele de verdade na época. Mas não como eu gostava de você, isso nunca. Dei-me conta de que, talvez, você fosse para mim uma doença eterna, um mal que eu poderia tentar controlar, mas jamais erradicar. O amor que eu sentia por você era doentio, machucava como um espinho encravado na carne. Eu podia tentar retirá-lo, mas a marca dele estaria sempre ali para me lembrar de tudo o que havia representado.

Senti os olhos de Remus pousados sobre os meus algum tempo depois que você havia saído. Não sei exatamente se haviam se passado um ou cinco minutos quando falei:

- Estou há muito tempo olhando por aquela porta, Remus?

- Só uns dois ou três séculos, por aí – respondeu ele, sorrindo cansado e fechando o livro. – Acho que não temos mais que estudar, já é o bastante para mim, Lily. Obrigado pela ajuda.

- Não agradeça! Só espero que você vá bem na prova.

- Lily... – Remus falou, cauteloso, como fazia quando queria me dizer algo sobre você, embora não conversássemos sobre isso desde o fatídico dia na Casa dos Gritos. – Posso te perguntar uma coisa?

- Claro, Remus – eu disse enquanto fingia arrumar o meu material. Na verdade, não queria encará-lo, porque sabia que Remus podia ler meus olhos.

- Por quê?

Eu inspirei profundamente antes de responder:

- Porque eu preciso, Remus. Não é questão de dar uma chance ao James, e sim a mim mesma.

Remus balançou a cabeça, concordando, mas continuou pensativo. Seus olhos castanhos denunciavam que ainda não havia acabado.

- Sabe, Lily... o James gosta muito de você, de verdade, embora ele seja meio atrapalhado com os sentimentos. Não o magoe.

- Eu prometo – engoli em seco antes de continuar – que vou tentar – e deixei que uma lágrima rolasse pelo meu rosto enquanto abaixava para pegar a mochila e me escondia de Remus.

Eu sabia que ele havia percebido, mas, como sempre, foi discreto o bastante para apenas me acompanhar até o salão comunal e me desejar boa noite enquanto subia as escadas para o dormitório dos meninos.

Sentei-me diante da lareira e coloquei os pés sobre a poltrona, abraçando minhas próprias pernas. Sentia as lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto, mas a escuridão me protegia. Eu deveria dormir, sabia disso, pois teria que acordar cedo para o passeio em Hogsmead. Mas também sabia que seria difícil conciliar o sono com tantos sentimentos diferentes passeando pela minha mente e meu coração. Esta sabia que estava agindo corretamente. Tentava pensar nas qualidades de James: um bom jogador de quadribol, inteligente sem ser exatamente um primor, embora o professor Slughorn continuasse dizendo que ele era medíocre nas aulas de Poções, bonito, simpático, divertido e um excelente amigo. Não podia negar que ele tinha amadurecido, e que procurava se controlar nas brincadeiras, até onde eu sabia. Ele merecia o meu crédito. Eu merecia aquela chance. Mas aquele gritava e protestava, martelando as costelas como se quisesse me impedir de prosseguir com aquilo. Meu coração gritava o seu nome com todas as forças, gritava para que eu te procurasse, te impedisse de fazer a besteira para a qual estava caminhando. Ele palpitava, dizendo que eu era a única capaz de te tirar daquela estrada errada, a única que poderia te impedir de viver uma vida de desgraças. O melhor de você era aquilo que nutria por mim, e você o estava matando. Eu não podia deixar você nos matar.

Porém, não tinha forças para sair daquela poltrona e te procurar. Meu orgulho era muito maior do que a vontade do meu coração. Procurei afastar a sua imagem quando me deitei naquela noite, concentrando-me no dia seguinte. Eu sairia com James. Eu aprenderia a te esquecer e viver a minha vida sem você, estava decidida. O problema é que sua imagem nunca me abandonaria, e nós seríamos a nossa própria desgraça no futuro, responsáveis pela morte um do outro. Nosso amor representaria nossa própria ruína.

O dia seguinte amanheceu muito bonito, o céu claro e sem nuvens, apesar do vento do fim do inverno que ainda soprava. Levantei-me mais cedo que as meninas do meu dormitório, mas logo elas já tinham acordado, algumas claramente empolgadas com os encontros para aquele dia, e outras visivelmente emburradas por não terem sido convidadas por ninguém. Mary se achegou para o meu lado enquanto eu trançava os cabelos diante da penteadeira. Minha mente estava longe dali, e assustei-me ligeiramente quando o reflexo dela apareceu junto ao meu no espelho:

- E então, Lily? Parece que você foi convidada por alguém, não é mesmo? – ela se sentou na minha cama, ainda me observando, e senti os olhos das outras garotas do dormitório pousados sobre mim. Mary continuou: - Este ano ninguém me convidou, mas tudo bem. Vou aproveitar o dia para me afogar nos feijõezinhos-de-todos-os-sabores e sapinhos de chocolate da Dedosdemel. Você vai com quem, Lily?

- Potter – respondi, e continuei concentrada nos meus cabelos, mas percebi que Mary tinha arregalado os olhos.

- James Potter?

- E você conhece algum outro Potter, Mary? – olhei para ela sorrindo, embora estivesse ligeiramente irritada pelo modo bobo como ela me olhava.

- Não... mas é que... – ela pareceu hesitar – Achei que você o odiasse, Lily! Bem, era o que parecia, vocês estavam sempre brigando – ela tentou se justificar, provavelmente porque viu o olhar de desaprovação em meu rosto.

- É... talvez eu o odiasse. Mas ele é bonito, não é mesmo? – tentei parecer displicente e dizer algo fútil para que ela não me perturbasse mais. Mas Mary insistiu:

- Ah, Lily, eu conheço você. Não é o tipo de pessoa que sairia com alguém só porque é bonito. Mas, mesmo assim, acho que está certa. Você precisa se divertir. Precisa... esquecer – e minha amiga falou baixinho, como se aquilo fosse um segredo.

Achei que deveria responder algo, mas as palavras fugiram. Olhei para as outras meninas e elas voltaram a se concentrar em seus afazeres, maquiagens, roupas e cabelos, como se não estivessem me observando alguns segundos antes. Franzi a testa. Era tão óbvio? Hogwarts inteira sabia? Ou eu estava apenas imaginando coisas?

Dei de ombros e me sentei-me na cama para colocar os sapatos. Mary se levantou, e sorriu quando eu a olhei, os olhos azuis brilhando intensamente. Eu gostava dela, embora não tivesse dividido meus sentimentos com nenhum amigo, a não ser o próprio Remus:

- Lily, apenas tente relaxar um pouco. Você não precisa ser perfeita o tempo inteiro e James é um cara muito legal. Boa sorte, ok?

Eu sorri de volta. As coisas nunca eram perfeitas para mim. Por mais que eu planejasse, organizasse meticulosamente a minha vida, tudo o que eu conseguia era ser engolida por uma avalanche de eventos inesperados, porque a vida nunca me deixava vivê-la da forma como eu gostaria. O mundo estava sempre dando voltas, e eu simplesmente não podia controlá-lo. Estava além das minhas forças, eu errava e falhava miseravelmente quanto mais tentava.

Desci as escadas e James já me esperava na poltrona próxima da lareira, naquele momento apagada. Estava bonito, num moletom claro que destacava seus cabelos muito pretos e espetados atrás de um jeito engraçado, como se ele tivesse tentando contê-los diante do espelho por um longo tempo, mas depois tivesse desistido, vencido pela rebeldia dos fios. De repente, me vi sorrindo enquanto caminhava até ele.

Provavelmente James escutou o barulho dos meus sapatos, pois se virou antes que eu pudesse alcançá-lo e pôs-se imediatamente de pé ao me ver, a mão nos bolsos da jeans, como se estivesse nervoso. Talvez não tenha sido o barulho dos sapatos, apenas um pressentimento de que eu estivesse chegando. O amor tem dessas coisas. Eu não imaginava o quanto James me amava enquanto o vi sorrir aquele dia, e o que ele estaria disposto a fazer por mim, o quanto ele iria até o fim, diferentemente de você, para me proteger. Naquele momento, não imaginava que dividiria com aquele garoto, que passava a mão nervosamente pelos cabelos, uma existência de luta e amor, e até mesmo um filho abençoado, a coisa mais preciosa de toda a minha curta vida. Naquele momento, estava apenas assustada em entregar minha existência nas mãos de alguém que eu havia evitado por toda uma vida, cega demais para enxergar o que estava diante dos meus olhos enquanto observava apenas você.

- Você está linda! – ele disse, olhando no fundo dos meus olhos por detrás das lentes. – Eu trouxe algo... - e ele colocou as mãos para trás, piscando um olho. – Aqui está!

Meu coração saltou: James havia me trazido um lírio... branco. O sorriso quase morreu em meu rosto, e ele percebeu quando perguntou, meio desconfortável:

- Você não gostou? Bem, é que eu pensei que você gostava de lírios, afinal, seu nome é Lily então eu...

- Claro que gostei! – interrompi-o e ele pareceu relaxar, enquanto eu me concentrava em afastar a nítida imagem que se formava em minha mente, um enorme campo cheio de lírios no qual eu tinha passado as tardes observando as nuvens com você. Nas últimas férias, descobri que o grande campo tinha dado lugar a uma fábrica, como se o concreto e as máquinas estivessem recobrindo os nossos sonhos. Mas eu havia prometido que não pensaria em você. Não naquela hora, por isso afastei a lembrança o mais rápido que pude. – Então... vamos, James?

Ele me ofereceu o braço, e tomei-o. Quase podia sentir o pulso acelerado sob a pele. Do braço para a mão foi como um pulo, e percorremos quase em silêncio a estrada que levava a Hogsmead, ele segurando meus dedos apertado e os acariciando delicadamente de tempos em tempos. Eu não me sentia exatamente confortável com ele, mas estava bem, quase aquecida, embora o vento gelado soprasse naquele início de dia. Alguns alunos que caminhavam conosco pela estrada olhavam como se não acreditassem no que viam. Era inusitado demais que, enfim, a estudiosa Lily Evans tivesse aceitado sair com o melhor jogador de quadribol James Potter.

O Madame Puddifoot era o café ideal para os casais de namorados em Hogsmead. Tinha decoração especial para a data: pequenos querubins usando apenas tutus e munidos de arco-e-flechas, do qual saíam coraçõezinhos que pairavam sobre nossas cabeças. Excessivamente romântico. O lugar definitivamente não combinava com James, e notei isso no momento em que pusemos o pé lá, e ele enrubesceu. Antes mesmo que a gorducha Madame Puddifoot, dona do estabelecimento, viesse nos oferecer uma mesa,m falei:

- Não precisamos ficar aqui só porque todos os casais ficam. Vamos dar uma volta, e depois podemos tomar algo no Três Vassouras mesmo.

- Por isso é que você é perfeita, Lily! – James sorriu, e saímos apressados, eu respirando aliviada por não ter que enfrentar aquele clima de casais intensamente apaixonados trocando juras de amor eterno. – Até nisso você consegue ser ótima.

- Sem elogios demais, Potter, senão posso ficar mal-acostumada.

- Potter? – ele disse, franzindo o cenho como se estivesse irritado. Depois, soltou novamente o rosto, num sorriso lindo que fez meus joelhos tremerem ligeiramente. – Será que você não consegue me chamar de James nem quando estamos caminhando de mãos dadas por Hogsmead no dia dos namorados?

- Hummm... vamos ver... James! – eu disse brincalhona. – Talvez se eu treinar um pouco: James, James, James, James...

- Ok! Acho que agora você consegue.

E rimos juntos, a primeira risada que compartilhávamos. Estávamos ligeiramente afastados da movimentação intensa de alunos próximos às lojas, e chegávamos quase às cercas da Casa dos Gritos. James comentou, animado:

- E pensar que as pessoas têm medo de se aproximar daqui porque acham que a casa é mal-assombrada. Será que elas entenderiam se contássemos que são apenas os uivos do Moony, ou eventualmente do Padfoot também? Eles costumam ser muito barulhentos...

Parei diante dele e aproveitei seu sorriso, observando os olhos brilharem e bebendo de sua alegria como seu fosse uma poção capaz de me trazer felicidade. James estava a poucos centímetros de mim e ficou sério de repente quando eu não respondi a brincadeira e passei a observar o contorno de seu rosto. Sua mão ainda segurava a minha, e ele a apertou como se eu pudesse fugir dali. Ele passou a mão pelos meus cabelos, descendo por minhas bochechas repletas de sardas, e eu me deixei fechar os olhos para sentir o toque macio e quente dos dedos que passavam pela minha pele. Meu coração não batia apressado, mas estava quente. Ouvi a voz de James sussurrar bem próxima:

- Lily, eu...

- Não diga, James... Ainda não...

Eu pedi, e então ele pousou delicadamente os lábios sobre os meus. Tinha gosto de hortelã, e eu permaneci um tempo reconhecendo aquele sabor. Não eram como os seus lábios, que provocavam em mim uma avalanche de sentimentos, mágoa e amor misturados dentro do coração. Os de James eram calmos, quase como se fossem... certos. Não havia outra palavra para descrevê-los. Quando correspondi o beijo, apenas senti que a vida me mostrava meu novo caminho, bastava que eu o aceitasse. E eu o fazia, mas não sem questionar porque tudo deveria ser daquela forma, diferente daquilo que eu havia imaginado para mim.

E então, minha alma despencou no abismo quando ouvi o timbre que conhecia tão bem:

- Lily? O que é que você... não pode ser... por que você... Potter?

Desprezo. Ódio. Rancor. Abri os olhos e virei imediatamente, congelando por dentro. O calor que sentia com James imediatamente sumiu quando pousei os olhos em você. Senti como se o inverno tivesse voltado, e naquele momento caísse uma furiosa tempestade de neve que me congelava por dentro. Você me encarava, os olhos negros cortados miseravelmente pela dor. O vento soprou mais forte, fazendo as paredes da Casa dos Gritos chiarem, e minha pele se arrepiou, mas eu não sabia se era de frio ou de medo. Seus cabelos voaram e tamparam seu rosto, mas eu podia senti-lo contorcido em agonia.

- O que você está fazendo aqui, Ranhoso? – James falou, furioso e desafiador enquanto segurava minha mão ainda mais forte. - Sai fora, vá procurar seus amigos Comensais! Você não é bem vindo aqui.

- Lily...

Você me chamou, e eu podia sentir seu coração pedindo para que eu voltasse, para que eu te ajudasse a ser alguém melhor. Eu não podia te abandonar, mas você já tinha me abandonado há muito tempo. Eu tentei, mas você não tinha me deixado escolha, e eu não era forte o bastante para lutar contra algo que você considerou a vida inteira muito maior que o nosso amor. Na verdade, eu fiz o que pude por nós, mas o preço exigido por você era alto demais. E, como sempre, você leu meus olhos como se eles fossem transparentes. E meus lábios disseram as palavras que meu coração sangrava em ouvir:

- Vá embora, Severo.

- É isso que você quer? – você perguntou, e eu sequer consegui te olhar. Deixei-me fixar no gelo que derretia das árvores, e era como se a água arrastasse você para longe de mim. Eu tinha começado com boas intenções, e você também. Éramos tão jovens, e tínhamos o mundo pela frente. Quando foi que você se perdeu? Quando foi que nos perdemos de nós mesmos?

- Sim – eu suspirei e apenas respondi, resignada, sentindo James apertar ainda mais forte o enlace entre nossas mãos, quase machucando meus dedos.

- Saiba, então, que a escolha é sua. Adeus.

Você virou as costas, e então tive coragem de subir novamente os meus olhos. Vi sua capa negra farfalhar, o cachecol verde e prata voando com o vento. James parecia ter acordado ao ver você caminhar para longe, e então gritou:

- Aonde você vai? Chorar em algum canto porque a perdeu? Você nunca a teve, Ranhoso! E nunca vai ter, porque é covarde demais!

Não sei exatamente como aconteceu, porque foi tudo muito rápido. Você voltou, e o que li em seu rosto foi puro ódio. Sua mão viajou velozmente, o punho fechado quando o soco acertou o rosto de James, partindo os óculos que ele usava.

- Não... me...chame...de covarde!

Eu gritei, mas no instante seguinte você havia aparatado para longe dali. James xingava, mas eu estava perdida demais para sequer escutá-lo. Eu sabia que, daquele dia em diante, você tomaria definitivamente o seu caminho. E meu coração sangrava por dentro, em desespero. Eu estava machucada. E aquele canto de mim jamais cicatrizaria, mesmo depois de tantos outros ferimentos com os quais a vida me presentearia. Você seria uma marca eterna dentro de mim. E eu apenas murmurei baixinho para o vento:

- Sev...

O lírio branco que James havia me dado foi esquecido em algum canto, recoberto pela neve que descansava sobre a grama e sobre meu coração.

It's all ending
(Está tudo terminando)

I gotta stop pretending who we are...
(Eu parei de fingir quem nós somos...)

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