O Salgueiro Lutador



- Potter! Potter!

Eu corria pelo corredor tentando alcançá-lo. Ele estava sozinho, fazendo qualquer brincadeira idiota com aquele pomo de ouro que havia arrancado das mãos de Regulus Black, o irmão de Sirius, no último jogo de quadribol da Grifinória versus Sonserina. Eu estava cansada da forma como James se gabava de tudo, principalmente quando o assunto era quadribol, mas eu precisava falar com ele.

- Ora, ora... Lily! – ele disse, parando para me encarar. Eu torci o nariz antes de censurá-lo, as palavras saindo asperamente por entre os meus lábios:

- Só os meus amigos me chamam de Lily, Potter.

- Então, Lily – ele insistiu – Eu sou muito mais que um amigo, não é mesmo? – James sorriu, deixando o pomo voar ao seu redor, para apanhá-lo em seguida. Eu tentava me controlar para não azará-lo ali mesmo enquanto ele continuava a falar – Mas a que devo sua ilustre visita ao... hum... corredor da ala norte? Resolveu aceitar meu convite para ir a Hogsmead no próximo fim de semana?

- Não, Potter – e respirei fundo antes de prosseguir, as palavras saindo atropeladas – Eu quero saber de Remus, quero saber onde ele está.

James franziu a testa e seus óculos ficaram num ângulo engraçado. Olhar seu rosto me deu vontade de rir, mas continuei impassível, os braços cruzados diante do corpo, metade para assumir uma expressão mais determinada, metade porque o vento que entrava no corredor da ala norte me fazia congelar de frio. Desde a última conversa que eu tive com você, Severo, algumas semanas antes, decidi que precisava saber o que acontecia com Remus. E ninguém melhor que James, um dos grandes amigos dele, para me responder. Além disso, James havia te salvado. Eu custava a acreditar, mas, no fundo, só precisava de uma pequena confirmação para ter certeza de que Remus era mesmo o que você dizia que ele era.

- Remus está doente, Lily. Eu já te disse – e, pela primeira vez na vida, James parecia desconfortável e não tão seguro de si na minha presença.

- Todos os meses na lua cheia? – e eu me vi repetindo o seu argumento, usando exatamente as palavras que você tinha usado para atacar James e seus amigos. Eu não sabia o que me preocupava mais. Talvez a culpa por ter brigado com você me corroesse. Afinal, talvez você pudesse ter razão. Os Marotos não eram santos, mas eu também sabia que eles seriam incapazes de mexer com as Artes das Trevas.

James segurou meu braço com força e me conduziu para longe do corredor abarrotado de estudantes. Eu queria xingá-lo, mas, pela primeira vez, surpreendia-me com as atitudes dele. Seu semblante estava sério e ele praticamente me arrastava para fora do Castelo. Sem dizer nenhuma palavra, percebi que ele me levava para perto do Salgueiro Lutador. Paramos logo abaixo de uma árvore coberta de neve. Não havia muitos estudantes do lado de fora naquele dia frio. O sol de inverno não aquecia e resolvi envolver melhor o meu pescoço com o cachecol. Acho que a única coisa que me mantinha ali era a curiosidade em saber o que James pretendia, afinal. De uma hora para outra, ele se tornou algo próximo do interessante para mim, embora eu não quisesse admitir de fato.

- E então? – perguntei eu, depois de permanecermos um tempo parados, James apenas observando o Salgueiro Lutador ou algo além dele, que eu simplesmente não podia ver. – Você vai me dizer por que me trouxe aqui no meio da neve ou eu serei obrigada a praticar Legilimência em você?

- Não pense que é só o Ranhoso que sabe dessas coisas, Lily – ele falou, e senti meu sangue borbulhar pela ofensa dirigida a você. Quando percebi, já estava te defendendo:

- Não chame o Severo assim!

James deu de ombros e continuou olhando para o Salgueiro Lutador. Eu desviei meus olhos por um instante para encarar o local para onde ele olhava e, no segundo seguinte, James havia desaparecido. Meu coração deu um pulo ao constatar que, no lugar dele, havia um enorme cervo, a galhada ameaçadora virada para o meu lado. Dei alguns passos para trás e observei que havia duas manchas redondas em volta dos olhos do animal. Elas se pareciam muito com as marcas de... óculos?

Meus pensamentos trabalhavam com a velocidade de um turbilhão e comecei a constatar que talvez você estivesse certo. Quem eram os Marotos? O que eles faziam quando Remus desaparecia?

O cervo fez um sinal para que eu montasse em suas costas. Pisquei os olhos lentamente, tentando entender o que significava aquilo. O animal roçou o focinho em minha mão de leve, e era como se ele sorrisse. Foi então que meu cérebro se iluminou: James era um animago! Um cervo normal jamais se comportaria daquela forma, e muito menos me deixaria montar em suas costas como eu o fiz. Eu não tinha idéia do que ele pretendia nem do que encontraríamos pela frente, mas, em meu íntimo, sabia que James não deixaria que nada me machucasse, assim como ele havia feito com você.

Aos saltos, o cervo abriu caminho entre as ameias e se aproximou do Salgueiro Lutador. Fechei os olhos, sentindo o vento rachar os meus lábios, e esperei ser atingida por algum galho furioso da árvore. Mas o golpe não veio. Senti o ar ficar mais pesado, e a escuridão nos envolveu. Abri novamente os olhos e pisquei algumas vezes para me acostumar ao novo ambiente: estávamos numa espécie de túnel, logo abaixo do Salgueiro, as raízes da árvore visíveis no teto. Uma passagem se estendia à direita, iluminada por vários archotes de luz amarelada. Observei as paredes toscas de terra do túnel, arranhadas em muitos locais por unhas gigantescas que seriam capazes de abrir buracos mortais na pele de um homem. Franzi a testa enquanto olhava.

Foi quando percebi que o cervo estava parado, provavelmente esperando que eu desmontasse de suas costas. Saltei e retirei a varinha do meio das vestes. Assustei-me ao ouvir alguma coisa se arrastando velozmente pelo chão, mas logo percebi que se tratava apenas de um gorducho rato. O cervo começou a trotar, os cascos ecoando pelas paredes do túnel enquanto caminhávamos. O rato era mais veloz, sumindo por alguns momentos na escuridão e depois retornando, como se quisesse nos apressar. A galhada do cervo se enroscava no teto e fazia com que ele tivesse que andar com a cabeça ligeiramente abaixada.

Um latido rouco se fez ouvir depois de um tempo em que percorríamos o longo corredor mal iluminado. Assustada, suspendi a varinha, segurando-a com mais firmeza, o coração ribombando no peito e a respiração alterada. Eu sabia que uma fera vivia ali. James tinha salvado você dela, mas parecia querer que eu a conhecesse antes de me salvar também. Havia uma constante sensação desagradável em meu estômago enquanto eu caminhava, cada barulho no túnel multiplicado em centenas de vezes por um eco macabro. Então, em questão de segundos, presenciei uma das cenas mais impressionantes da minha vida até aquele momento: um enorme cachorro preto apareceu numa curva do corredor e se transformou, diante de meus olhos estupefatos, em Sirius Black.

- Prongs! O que é que a Evans está fazendo aqui? – e Sirius tinha a expressão tão séria quanto a de James antes de ele se transformar. Quando olhei para trás, surpreendi-me novamente. O cervo e o rato tinham dado lugar a James e Peter Pettigrew.

- Eu sabia que ela viria, mais dia, menos dia – Peter sorriu, a saliência dos dentes me lembrando absurdamente o rato que ele há pouco fora. – Prongs pediu a minha ajuda para barrar o Salgueiro Lutador, Padfoot!

- Cale a boca, Wormtail! – Sirius disse, com um certo desprezo na voz, e se virou novamente para James, sem sequer me dirigir a palavra. Ele não parecia o mesmo Sirius brincalhão e sempre metido em alguma confusão que eu conhecia. Seu rosto demonstrava cansaço e preocupação quando ele falou – Moony não vai gostar de saber disso.

- Acho que Moony é muito mais amigo dela do que nós somos. Afinal, eles estudam sempre juntos – disse James, ainda olhando para Sirius de uma maneira séria que chegava a me assustar. – Como ele está?

- Está se recuperando... – disse Sirius, e me pareceu que ele era invadido por uma profunda tristeza. – As últimas noites não foram nada agradáveis. Parece que os sintomas têm piorado conforme ele vai ficando mais velho.

- Devo desculpas por não ter estado aqui – James falou, enquanto remexia os bolsos da própria capa. – De qualquer forma, apanhei algo para vocês – e retirou o pomo de ouro de dentro das vestes, o pequeno objeto dourado batendo freneticamente as asinhas, como se quisesse escapar na menor oportunidade.

- Regulus? – Sirius perguntou, um sorriso maroto brincando nos lábios. Peter batia palmas, entusiasmado.

- Sim!

E naquele momento os olhos de James brilharam intensamente. Não pude deixar de pensar em você enquanto ele descrevia cada detalhe do jogo e de como o irmão mais novo de Sirius tinha caído da vassoura e deixado o pomo para ele. Mas eu não estava mais ali. O brilho dos olhos de James me fazia lembrar das inúmeras vezes em que eu mergulhei em seus olhos negros, que brilhavam muito mais intensos quando você estava diante de um desafio, uma poção particularmente difícil ou um problema de Aritmancia que me parecia sem solução. Eu me recordava ali, debaixo da terra e tão longe de você, das noites em que o brilho das estrelas se refletia em seus olhos antes de você os fechar e procurar meus lábios.

- Evans? Evans! – Sirius chamava, e fui obrigada a parar de pensar em você e voltar para aquele horrível túnel escavado na terra. – Acho que a gente já pode entrar.

Olhei para o fim do corredor, que terminava numa pequena elevação um pouco mais clara. Ao adentrar o local, percebi que estávamos numa espécie de construção abandonada. As paredes estavam descascadas, havia móveis quebrados e arranhados por toda parte. As janelas estavam fechadas com tábuas, deixando passar alguns finos raios do sol de inverno que brilhava lá fora. Olhando rapidamente pela fresta da janela, consegui divisar o povoado de Hogsmead, e conclui que devíamos estar na Casa dos Gritos. Um arrepio gelado percorreu minha espinha. Enquanto seguia os garotos por um corredor cheio de portas, reparei nas marcas e arranhões que se multiplicavam pelas paredes. Um borrão vermelho intenso me chamou a atenção e perguntei, assustada:

- Isso é...

- Sangue.

Remus apareceu de repente de uma das portas no fim do corredor. James começou a explicar por que havia me trazido, mas eu sequer conseguia prestar atenção. Remus estava num estado lastimável, as roupas rotas, os olhos profundamente marcados por olheiras, as mãos e unhas cobertas de sujeira e o rosto completamente arranhado. Ele se aproximou de mim sem sequer responder para James, os olhos castanhos fixos nos meus. Então, parou ao meu lado e observou a parede, na qual o sangue ainda vivo brotava como se fosse água, formando estranhos desenhos que enchiam minha mente de cenas assustadoras e me deixavam com um nó na garganta.

- E o pior é que eu não me lembro de nada quando estou assim, Lily... transformado – disse Remus, depois que tínhamos nos instalado num dos quartos da mansão abandonada. Ele estava sentado num velho colchão embolorado que cobria uma cama de estrado de ferro, parcialmente destruída. Nós estávamos em volta dele, em cadeiras de madeira bambas. Ele inspirou profundamente, parecendo acometido por alguma dor física, e continuou – É mais forte do que eu. Eu posso machucar. Eu posso ferir. Eu posso matar. Ou pior ainda: dar a alguém uma maldita vida amaldiçoada, exatamente como a minha.

Levei minha mão ao rosto arranhado dele e, instintivamente, Remus se contraiu. Enquanto isso, James explicava como eles haviam se tornado animagos ilegais para ajudar Remus durante as transformações, e a forma como os lobisomens não podiam amaldiçoar animais. Eu não conseguia deixar de encarar a figura frágil daquele não mais que menino, de cabelos e olhos castanhos e semblante esgotado. Não pude me conter ao perguntar:

- Mas... como? Como foi que aconteceu isso com você?

James parou de falar. O ar ficou pesado enquanto eu esperava que Remus dissesse alguma coisa. Sua voz veio rouca, como se fosse difícil extrair aquela lembrança que tanto o machucava:

- Fenrir Greyback... um lobisomem especialista em crianças. Ele as morde e amaldiçoa por prazer. Dizem que foi recrutado por Aquele-que-não-deve-ser-nomeado.

- Artes das Trevas... – eu murmurei, revoltada. E então a adrenalina que corria em meu sangue fez com que eu me levantasse da cadeira bruscamente antes de continuar – Precisamos lutar contra elas! E rápido! Isso não é justo, Remus! Não é justo!

Sem saber direito o que fazia, eu corri. Corri para longe daquela casa, para longe da figura eternamente marcada de Remus, para longe da animagia de seus amigos, que se mostravam capazes de qualquer coisa para tornar seus dias menos tristes. Eu precisava encontrar você, precisava dizer o quanto era perigoso, o quanto as Artes das Trevas poderiam te afastar cada vez mais de mim. Porque, ao ver Remus naquela situação, tudo o que tive certeza foi que eu queria lutar contra aquilo. Eu jamais estaria do lado negro da força. E não podia deixar que você estivesse.

O corredor parecia não ter mais fim, e eu não me importava com a maneira ofegante como respirava. Passei pelo Salgueiro Lutador ainda paralisado e não parei de correr até alcançar o Castelo. Busquei as masmorras sem sequer saber direito onde ficava a sala comunal da Sonserina. Mas o destino gostava de brincar comigo e lá estava você, no fim das escadas, sua capa negra farfalhando ao caminhar, seus cabelos compridos balançando nas costas enquanto mantinha a cabeça ligeiramente abaixada. Seus braços carregavam livros e frascos de poções, mas eu não pensei duas vezes quando me atirei neles, o rosto coberto de lágrimas. O barulho de vidro quebrado e líquido se espalhando pelo chão foi a única trilha sonora que me permiti escutar enquanto pousava meus lábios sobre os seus e te apertava junto ao peito, como se pudesse evitar que você se perdesse para sempre de mim.

E nosso beijo tinha gosto de lágrimas... E doía.

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