O lírio negro





- Venha, Sev! Quero te mostrar uma coisa!

Estávamos em férias. O meu primeiro ano em Hogwarts tinha sido uma sucessão de coisas novas e fantásticas que me deixaram pouco tempo para reclamar a sua constante ausência. Como tínhamos aulas de Poções juntos, Grifinória e Sonserina, nós ainda nos encontrávamos uma vez por semana. Era sempre eu quem ia conversar com você, embora você sempre fosse atencioso e solícito comigo. Por várias vezes eu notava o negro dos seus olhos me perseguindo pelos corredores, como uma sentinela solitária. Quando o verde dos meus olhos te encontravam, eu não conseguia conter meu sorriso mais sincero. Você o retribuía com um aceno de cabeça, os lábios retorcidos, como se quisesse esconder a alegria em ser notado. Eu não ligava. Conhecia o seu jeito e sabia que você sorria por dentro todas as vezes em que nos cruzávamos.

Férias significavam verão, tardes no jardim da Praça, e muito mais tempo para passar ao seu lado. E, no primeiro dia, lá estávamos nós, você de novo com suas roupas estranhas e seu corte mal-feito de cabelos. Eu continuava a mesma, saia de colegial com meias coloridas e tênis branco. Éramos sempre opostos, a alegria das cores brilhando em minhas roupas de menina e a sobriedade do cinza, preto e marrom que sempre marcaram seu jeito instrospectivo e misterioso. Talvez fôssemos muito mais Severo e Lily naqueles dias do que durante todo o ano em Hogwarts.

- O que você quer me mostrar, Lily? – você perguntou, enquanto caminhávamos pelas ameias, num lugar mais afastado e isolado do que aquele em que costumávamos brincar.

- É surpresa! – eu disse, um sorriso rasgando nos lábios como se fosse estourar de felicidade. Mesmo com toda uma vida de mistérios que você insistia em representar, eu me deliciava com o fato de conseguir te deixar curioso. Ao menos naquela tarde, o mistério era eu, e não você.

Você sorriu quando eu peguei sua mão e te conduzi por debaixo de uma sebe à esquerda da Praça. Meu coração ribombou de júbilo, e eu perguntei intimamente por que era tão difícil vê-lo sorrir. E esse momento se tornaria ainda mais raro entre nós com o passar do tempo. Não importava. O que eu queria era viver e desfrutar de cada segundo que passávamos juntos. Eu me agarrava aos momentos com você como se soubesse que, muito em breve, eles passariam a não existir.

Atravessamos a sebe e, ao levantar do outro lado, sua expressão pareceu preocupada. Sem entender direito o que acontecia, encarei teus olhos negros como se questionasse, sem palavras, o que havia de errado. O que vi em seu rosto foi preocupação e cuidado e, com delicadeza, como se pedisse permissão em silêncio, você levou a mão ao meu rosto e deslizou os dedos suavamente pela minha pele.

A Terra parou de girar e o mundo se apagou ao seu toque. Não enxergava nada ao nosso redor e sequer podia me lembrar dos motivos que nos conduziram até ali. Só queria que aquele momento percorresse a eternidade e mais um pouco, para que eu não tivesse nunca que me separar de você. Meus lábios se contraíram numa palavra nunca dita, pois foi você quem falou antes:

- Você se cortou num espinho, Lily – e então o encanto se quebrou, seus dedos escorregaram para longe do meu rosto e tudo voltou num turbilhão, o verde, o sol, os piados dos passarinhos e a vida que eu queria parar só para ficar mais tempo ao seu lado. – Um espinho... – você repetiu, como se fosse necessário pedir desculpas pela ousadia de me tocar. E eu querendo dizer que queria prolongar aquele momento para sempre, apenas deixei que as palavras morressem em algum lugar dentro de mim, enquanto me virava e seguia na direção daquilo que eu queria te mostrar.

- É logo ali – eu falei, enquanto você me lançava um olhar enigmático.

Subimos uma pequena elevação coberta de grama, que estalava ao sol quando pisávamos nela. Até que, ao chegar novamente a um local plano, abri meu melhor sorriso para te mostrar aquilo que vinha guardando como um segredo, desde o primeiro dia das férias:

- Olhe, Sev, que lindo!

Um enorme campo de lírios se estendia até onde os olhos podiam ver. Havia flores de todos os tamanhos e cores, mas eram todos lírios. Provavelmente se tratava de alguma plantação particular de um florista qualquer. Eram delicados, suas hastes balançando com o vento, suas folhagens verdes contrastando com o colorido das pétalas, um convite aos insetos para que provassem de um dos mais belos espetáculos da natureza.

Você sorriu de novo, o colorido das flores refletido no negro dos teus olhos, e eu me deixei ficar ali, perdida em tua expressão rara. Eu não sabia por que era tão difícil fazer você sorrir de verdade, com o coração. Nas raras vezes em que se permitia, você o fazia como se fosse algo proibido, motivo de vergonha. Como se ser feliz não fosse algo destinado a você. Era difícil compreender porque eu era alguém de sorriso fácil, ao menos quando se tratava de você.

- E ainda tem mais – eu disse, e peguei de novo a sua mão a fim de te conduzir pela lateral da plantação. – Cuidado para não pisar neles, Sev – eu te adverti, enquanto eu mesma caminhava praticamente na ponta dos pés, saltitando de vez em quando.

O verde dos meus olhos percorriam o mar florido, procurando aquilo que eu queria te mostrar. Quando encontrei, puxei seu braço com mais ímpeto enquanto apontava para uma das coisas mais belas que eu já tinha visto na vida:

- Um lírio negro, Sev! – e eu sabia que eles eram tão raros quanto o teu sorriso.




N/A: A imagem inicial desse capítulo foi um presente da minha sister Amandita, que eu adorei e lógico que tive que postar aqui!

Obrigada, sister! Ficou lindooooo!

Espero que gostem, pessoal!

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