À tarde - as meninas



— Vamos descer pra comer alguma coisa?

— Uh-uhm.

— Eu tenho uns bolos de caldeirão que minha mãe me mandou, você quer?

— Uh-uhm.

— Ahn... quer jogar xadrez de bruxo?

— Uh-uhm.

— Então, vamos terminar a redação da McGonagall?

Lily se cansou de emitir sons negativos com a garganta e resolveu negar somente com a cabeça.

— Ah, vamos lá, você não pretende ficar assim o dia todo, né?!

Silêncio.

Sophie soltou um suspiro chateado.

— Vamos pelo menos escolher nossas roupas pro baile.

— Eu não vou — finalmente disse.

— Só por causa de Severus?!

— Não é “só” — lágrimas começaram a se formar nos cantos de seus olhos —, ele era o meu motivo pra ir lá. Agora, não há mais porque ir...

— Quer dizer que a companhia desta Snape não vale nada, né? Só vale o outro?!

— Você vai estar com Black —

— Não seja por isso — Sophie se levantou e ficou ao lado da porta —, ele pode ficar com os amigos solteirões dele e eu fico com você. Aliás, vou já falar com ele — antes que Lily pudesse dizer alguma coisa, ela deixou o quarto.

A visão de cima da Sala Comunal da Grifinória era muito ampla. De lá, ela conseguia ouvir vozes masculinas conversando: eram James, Sirius, Peter e Remus que – Remus?!
— O que você está fazendo aqui ainda?!

A preocupação subiu-lhe à cabeça e não pôde se controlar. Desceu as escadas às pressas e postou-se à frente dos quatro, a cara amarrada, as mãos na cintura, visivelmente contrariada. Ele deveria estar descansando, seus amigos deveriam estar cuidando dele... suspirou.

Ah, garotos.

— Por que o senhor não foi à enfermaria ainda?

— ... estudar...

— Ah, cala a boca — tentou impedir o namorado de pegar a varinha, mas as palavras de Remus foram mais rápidas.

— Sem... magia... por... favor...

— Mais essa agora?! Acha que está em condições de escolher, é?!

— Não seja grosso, Sirius — a entonação da voz de Sophie era proposital — Vamos, eu lhe ajudo a levá-lo pelos braços. Assim ainda vamos conversando pelo caminho, preciso falar com você.

Depois de encaixarem seus suas mãos cada uma embaixo de um dos braços de Lupin, passaram pelo quadro da Fat Lady e pegaram a passagem secreta que os levaria pelo caminho mais curto até a Ala Hospitalar.

— O quê você tinha pra me falar? — Sirius começou, incerto.

— Ah, bom, é que... ahn, eu sei que você gosta de sair com os meninos, ainda mais em noites de lua cheia, isso é muito importante pra Remus — ela falava muito rápido, atropelando-se em suas palavras —, e eu não queria, de maneira alguma, estragar —

— Fale de uma vez. Por que você não quer ir ao baile?

Desconcertou-se.

— Ah, droga. Eu não consigo te enganar.

— Você é tímida demais pra mentir e boba o suficiente pra achar que pode — ele brincou, levando de volta uma careta da garota — Mas, e então..?

— Não é que eu não queira ir... — recomeçou, olhando para o chão —, mas é que não posso ir mais com você. Lily está mal — acrescentou antes que ele pudesse imaginar qualquer outra coisa — e eu prometi que não a deixaria... Desculpe, mas eu imaginei que não houvesse problemas, você poderia ficar com os garotos e...

Não sabia como continuar a frase.

— Se ela não está bem, leve-a para a Madame Pomfrey, ela cura doenças num piscar de olhos.

— Sirius, Lily não está doente — lançou-lhe um olhar significativo.

— Mas o quê —?

— Desculpe, mas acho que ela não iria gostar de saber que você sabe...

— Hum.

— James — foi tudo o que disse, e ele entendeu.

— Ah.

— Por isso eu pensei em levá-la ao baile, só nós duas, pra ver se ela se anima...

— É...

— Ah, Sirius, por favor, não fique triste, eu —

— Não estou triste, só pensativo — falou, vagaroso — Porque, no seu lugar, acho que faria a mesma coisa.

Ele sorriu. Ela retribuiu.

Depois de deixarem o amigo na enfermaria, voltaram um bem com o outro até a Sala Comunal.


Lily estava sentada na beirada da cama, desgostosa. A cada movimento diferente que Sophie desempenhava com a varinha, um novo penteado se formava em sua cabeça.

— Nem Potter ia gostar desse — resmungou, apontando para os próprios cabelos, que se contorciam para cima em forma de abacaxi.

— Duvido muito, não há nada em você que ele não admire — falou Sophie, no meio de uma risada.

— Essas pessoas que gostam das pessoas erradas...

— Pois é, né? Essas pessoas que gostam das pessoas erradas... — ela repetiu, significativamente.

Lily se impacientou e, com um movimento com a cabeça, desmanchou o penteado.

— Já pensou em dar uma chance a James?

— Está maluca?!

— Ora, ele se derrete todo por você, te trata bem, te respeita... você deveria se importar com quem se importa com você.

— Sophie, eu sei que vocês são amigos, mas não pode negar que ele seja metido.

— Ele só faz isso pra te conquistar...

— De qualquer forma, é nojento!

— Mais nojento do que te chamar de sangue-ruim..?

— Eu – ele – ah... deixa quieto — desistiu de discutir ao sentir o nó apertado na garganta.

Não podia evitar, e as lágrimas caíram mais uma vez.

— Eu não quero te deixar triste, só quero que veja a verdade. Lily... vamos... ah, por Merlim, não fique assim!

— Sabe — soluçou —, eu só queria que... pelo menos... ele não me odiasse...

Com um giro da varinha de Sophie, as ondas do cabelo de Lily se delinearam e caíram macias sobre seus ombros, como algodão.

— A cor do seu cabelo combina com o vermelhinho do seu nariz, veja — a amiga lhe estendeu um espelho, rindo — Olha, garanto que nunca mais vou conseguir deixar seu cabelo assim, nem em sonho. Que tal aproveitamos ele hoje à noite..?

Não tinha vontade de se ver, mas não pôde deixar de fitar seu próprio reflexo. Não, aqueles olhos e aquele nariz inchados de choro não lhe pertenciam.

Ah, se ao menos ele pudesse vê-la... ela o faria mudar de idéia.

— Ok, acho que podemos ir.

Lily sorriu o mesmo sorriso de triunfo da amiga.

Ele a veria, e iria mudar de idéia.


Seus corações pulsavam no mesmo ritmo dos violinos enquanto desciam as escadarias principais, rumo ao Salão Principal de Hogwarts. Sophie vestia-se de roxo escuro e tinha parte dos cabelos presos para trás; Lily manteve-se com os cabelos soltos, suas cores combinando agora com suas vestes cor de vinho. As duas andavam de mãos dadas entre a multidão, desviando-se do grande número de solteiros desprezados de última hora.

— Lily, vamos por aqui — Sophie a puxou de súbito para a direita —. Não quero encontrar com Gilderoy.

— Quem?

— Gilderoy Lockhart, o maluco da Lufa-Lufa. Não pára de sorrir. Parece que foi hoje que descobriu pra que serve a pasta de dentes —

— Slughorn! — exclamou, interrompendo a amiga e levando-a novamente para o lado daonde virem — Por favor, vamos voltar, não quero ter que participar de mais uma daquelas reuniões...

— Mas —

— AI!

Lily sentiu algo se chocar com ela com força, e se assustou quando, ao virar-se, se deparou com o vazio às suas costas.

— O que foi? — Sophie lhe perguntou, segurando-a pelos braços.

Ela foi até o local do acidente, passou a mão pelo ar, olhou para os lados. Nada. Sentiu o estômago afundar-se frio de susto e desconfiança.

— Eu – alguma coisa bateu em mim. Mas...

— Haha, será que foi a mão invisível de Severus que não quer que você vá ao baile sem ele? — Sophie riu da cara da amiga, mas logo depois parou ao encontrar seu olhar de desagrado. Inventou uma desculpa qualquer para mudar de assunto — Vamos, eu gosto dessa música que está tocando.

Voltaram a seguir o fluxo de alunos. Entraram.

O Salão Principal não era o mesmo de todas as manhãs. As quatro mesas das casas haviam sido substituídas por várias outras mesinhas redondas, cobertas por uma fina toalha de cetim prateado. Elas se agrupavam numa semi-circunferência, liberando o meio para uma modesta pista de dança e para o quarteto de cordas, responsável pela belíssima música de câmara.

A mesa dos professores e seus ocupantes de sempre, contudo, permaneciam na mesma posição, daonde tinham uma clara visão do recinto. Do teto, magicamente pendia uma grande cortina, que cobria toda uma parede: lá estava estampado o semblante sereno de Albus Dumbledore, o aniversariante da noite.

O diretor, no entanto, não transmitia tanta formalidade quanto sua figura. Dançava animadamente com Minerva McGonagall, rindo e se divertindo entre seus alunos.

Afinal, não é todo o dia que se faz setenta anos.


As garotas não chegaram a sentar.

— Ah, Sophie, não acho que isso vá dar certo...

— Vamos ficar só um pouco, tenho certeza que daqui a pouco você se anima —

— Ah, não, acho que vou dar uma saidinha, tomar um pouco de ar...

Antes que a bruxa pudesse lhe convencer do contrário, Lily Evans retrocedeu em seu caminho e saiu do castelo, longe de tudo e de todos que lhe pudessem lembrar do triste e embaraçoso episódio que vivera de manhã. Do lado de fora, a brisa soprava fresca e silenciosa, passando por ela como se levasse todo o seu peso das costas.

Mas a escuridão... ah, a escuridão lembrava o negro dos olhos de Severus, e por isso o peso a derrubou, em dobro.

— Lily, é perigoso ficar fora do castelo esses dias... e está tudo tão escuro...

A amiga lhe alcançou nos jardins.

— É, tão escuro...

— Por favor, vamos voltar...

— Não, aqui é mais próximo que posso estar dele...

— Só podemos estar perto de Comensais da Morte por aqui, vai. Vamos entrar.

— Eu até posso vê-lo...

Entretida em sentimentos, ela se perdeu. Resolveu não dar atenção aos pedidos da amiga e se desligou. Fora de ar, ela vagamente apontou para a figura que se movia à sua frente.

— Severus..?

Aflita, Sophie Snape puxou-a e correu em direção ao irmão, ao Salgueiro Lutador.

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