~ E tudo muda



A enxaqueca que assolava a minha cabeça começou logo de manhãzinha quando abri os olhos com dificuldade. Achei estranho levantar sozinha, sem a interrupção que meu pai nunca deixou de fazer para despertar os meus sonhos. A cicatriz que eu tenho até hoje me agoniza, pois a fiz justo nesse dia péssimo em que quebrei um copo sem querer, ao reparar em um bilhete pregado com imã na porta da geladeira. Meu coração acelerou, pois a única que sempre nos deixava recados era a mamãe, e ao perceber que meu pai saíra para comprar pão suspirei aliviada, e não tardei a enfaixar a mão com um pano a fim de estacar o sangue.

- Acordou cedo hoje, filha! – meu pai entrou na cozinha, salpicado de neve – Trouxe o café – pousando as sacolas sobre a mesa.

- Estranho... Você nunca me deixou sozinha.

Ele pareceu analisar a minha frase. Sei bem disso, pois as narinas se dilataram e após ele respirar calmamente resolveu dizer algo:

- Bem, deduzi que você já é grande o suficiente para precisar tanto assim desse velho.

Dei um sorriso sincero. Nunca, nunquinha na minha vida meu pai havia se referido no quanto eu estava desenvolvendo... Muito menos que ele estava ficando velho!

- Ah papai, você sabe muito bem que ainda está na flor da idade – carinhosamente beijei-lhe a bochecha.

- Você se parece tanto com sua mãe... – jamais havíamos mencionado a morte da minha mãe, foi um choque para todos pois ela realmente era querida – Sabe Hermione, ela se sente orgulhosa pela filha que tem! Você é tão responsável e cuida muito bem de mim... Perdoa-me o erro desse velho, mas é difícil admitir que está crescendo – ele tentou segurar, só que em vão, pois no momento seguinte os olhos estavam mais do que marejados.

- Você sabe que mesmo o quanto eu cresça, nunca irei deixar de ser a sua menina! Não seja bobo pai, eu sempre estarei cuidando do senhor – agora éramos duas crianças num abraço sincero, porém repleto de lágrimas que teimavam em cair. Até hoje quando me recordo, uma incrível vontade de abraçá-lo novamente invade os meus sentidos.

- Mione... Mione... Até hoje você possui a incrível capacidade de me fazer feliz! Logo estará fazendo o mesmo com algum namorado, suponho.

Nossa! Chegamos ao ponto certo. Já estava mais do que na hora deu desencalhar. O encarei com o olhar mas sério e pidonho que eu tinha, e resolvi abrir o jogo e contar sobre o Rony.

- É exatamente sobre isso que eu quero falar com você.

Percebi as sobrancelhas muito erguidas, quando eu tomei esse tom de voz sério. Ele puxou uma cadeira e se sentou apoiando os braços sobre a mesa, enquanto as mãos parecem ligeiramente inquietas.

- Estou todo a ouvidos. Então, querida... O que você quer me contar?

- Um-garoto-me-convidou-para-sair! – Eu falei assim mesmo, como se a frase fosse uma palavra só. Ah, o que foi? Eu sei que eu era meio insegura mas você também ficaria assim se fosse a primeira vez à falar num assunto desses com seu pai.

- Bem... – ele pigarreou – Que horas ele vem te buscar? – É. Eu jamais imaginei que seria tão fácil assim. Acho que é comum um pai ser tão legal contigo quando você perde algum ente querido bem próximo, como aconteceu comigo.

- Às oito! – mas meu sorriso se apagou com a frase a seguir.

- E que horas vocês pretendem chegar? Esse horário é perigoso demais pra uma mocinha como você andar na rua!

- Ah papai! Lembre-se do que o senhor disse: Eu estou crescendo, por isso necessita ter mais confiança em mim.

- Tá bem, tá bem! Eu me rendo senhorita Granger. Você venceu... Mas quero conhecer esse garoto, ouviu bem? Não adianta – ele comentou quando eu abri a boca em protesto – Nisso você não pode argumentar!

- Ok! – dei-me por vencida. Afinal, era melhor isso do que não sair.

- Céus! Olha a hora! Ande, ande – ele foi me empurrando até os pés da escada que levava ao meu quarto – Vá se arrumar rápido ou poderá atrasar-se para a aula.

- To indo, to indo... Calma! – ainda estava sorrindo com a conversa lucrativa – Obrigada paizinho – após dar-lhe um beijo na ponta do nariz, subi correndo e pulando de felicidade!

#

O caminho inteiro fui pensando nas conversas com o Harry. Perto dele eu era outra pessoa! Sei lá, nunca imaginei uma Hermione rindo à toa pelas palhaçadas que alguém fazia. Sei que tinha um jeito sério... Ok! eu era extramente careta! Refletindo sobre isso, senti um vazio em meu peito ao lembrar-me de como ele se tornou especial para mim. Onde diabos, o Harry havia se enfiado? Torcia internamente para que ele não tivesse me abandonado.

- Olá Hermione, tudo bem com você? – Pára tudo! Não, não podia ser ela. Me virei totalmente desconcertada para aquela voz que eu reconhecia estranhamente bem.

- Parkison? – Estava custando para acreditar.

- Eu mesma! – Ela respondeu feliz.

- Por que você ta falando comigo?

- Só estou tentado ser gentil, afinal, estudamos todo o ensino fundamental juntas, não é mesmo?

Tentei soltar um “é” mas tudo aquilo ainda tentava se encaixar na minha cabeça. Tipo assim... Éramos inimigas mortais desde que nos conhecemos! Nossa, preciso agradecer ao Harry quando encontrá-lo novamente. Mal sabe o coitado que faz milagres.

Enquanto pensava com meus parafusos e teias de aranha, a Pansy se afastou para babar novamente no Draco. Acho que não mencionei ele à vocês, então, irei dizer agora. O Malfoy parecia durão, eu sei, mas fala sério... Todo o colégio desconhece que no ano passado eu o salvei do cachorro da senhora Figg. O danado do bichinho estava açoitando-o contra uma árvore, quando ele tentou roubar umas goiabas do quintal. Mas graças a mim ele saiu ileso da história. Cá entre nós, os cachorros me amam! Mas aquele metido nem pra me agradecer. Saiu todo ligeiro e pomposo, dizendo que podia cuidar daquilo sozinho. Ah podia! Mas deixa pra lá. Passado é passado.

- Mais uma vez atrasada senhorita Granger? Espero que isso não se repita, pois não quero dar uma detenção para a minha melhor aluna.

- Desculpe, professora McGonagall. Prometo que isso não acontecerá novamente!

- Tudo bem então. Sente-se, por favor.

Essa foi por pouco! Imagina a cara do diretor Snape se me visse entrando na sala dele por causa de atrasos. Aquele nariz troncudo era capaz de me espetar, e só em pensar nos cabelos oleosos em frente ao meu rosto, sentia um arrepio asqueroso percorrer minha espinha.

- Hermione! Hermione! – ouvi o Rony chamando-me baixinho ao meu lado. Ele era dois anos mais velho que eu, e mesmo assim estava na minha sala aquele ano. Dessa eu não o absolvia, pois odiava repetentes! Mas tudo bem. Só o perdôo agora porque ele me convidou para sair.

- O que foi? – também havia sussurrado.

- Pega isso... – entregou-me um bilhetinho, no qual a Lilá esticou o pescoço para ver.

Abri o papel e meu coração palpitou ao observar um coraçãozinho minúsculo. Nunca me passaram um bilhetinho tão fofo! Para dizer a verdade, eu nem sequer ganhei um bilhete... Mas isso não vem ao caso. Sorri meio de lado, uma marca registrada minha, e voltei para a minha tarefa de cabeça baixa e um pouco corada, enquanto a Lilá bufava atrás de mim.

- Te vejo às oito! Não vai faltar, viu? – ele gritou já meio distante após eu seguir o caminho rotineiro para casa. Respondi um “pode deixar” cheia de entusiasmo. Estava completamente nas nuvens... Pena que nuvens me lembrava o Harry, e uma imensa saudade me atingiu naquele exato momento.

#

A água escorria quente sobre meu corpo. Fiquei parada embaixo do chuveiro aproveitando o momento para relaxar, pois faltava pouco tempo para o Rony passar pela minha porta e encontrar com meu pai. Sorri tolamente ao recordar no Harry atravessando as paredes e tentando me assustar. Suspirei cansada e encostando na parede, deslizei até o chão enquanto aquele dia perfeito com ele me veio em mente.

Após alguns minutos contemplando a pequena poça que se formava no box, resolvi levantar e tomar um banho decente. Ainda com a toalha enrolada busquei atenciosa uma roupa para o encontro. Meus nervos estavam à flor da pele e parecia que todas que eu experimentava possuía algum defeito.

Balancei a cabeça para espantar pensamente bobos e finalmente encontrei uma roupa que me caísse bem. Vesti a blusinha com a calça jeans batida e em seguida calcei os tênis tentando dar um jeito em alguns cachos rebeldes. Não me dei ao trabalho de colocar maquiagem, porque havia a absoluta certeza que eu não encontraria nenhuma em meu quarto. A campainha tocou, e ouvi claramente o meu pai abrindo a porta. Suspirei de novo e desci as escadas com um casaco amarrado na cintura. Harry invadiu os meus pensamentos como nas vezes anteriores, porque eu desejava muito sair com ele... Apesar de ainda desconhecer esse pequeno detalhe.

- Então você é o Rony? A Mione não parava de falar sobre você e como eu deveria me portar... Mas sabe como são os pais, não é mesmo? Sempre querendo proteger os filhos – Você também tem um parente que te deixa nesse constrangimento total? Não? Sorte sua!


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