Previsivelmente Imprevisível
Ao entrar no quarto, Snape deparara-se com Tom Riddle, sentado sobre sua cama. O garoto olhara-o, os olhos lendo seus pensamentos.
- Severus, o que é isto? – Perguntou Riddle e estendeu-lhe a mão. Snape gelou ao ver um lenço bordado em vermelho e dourado.
- Bom... – Começara vagamente, enquanto sua mente trabalha o mais rápido possível para inventar algo, mas Tom não era qualquer um, ele era alguém que seria grande, mas mais que isso, Tom podia ver através de seus olhos e não importava o que dissesse, ele saberia que não era verdade. – Eu...
- Snape, se você mentira... Terá sérias complicações. – Alertou-o o outro. “Ou eu minto agora, correndo o risco de ser pego, ou digo que menti, e serei pego. É claro e óbvio que vou tentar não ser pego”, concluiu.
- Olhe, Riddle... – Começou, mas fora interrompido por batidas violentas na porta do quarto. Tom olhou com censura. Quem seria? Não, ele não seria tão estúpido assim... Mas Snape não duvidava nenhum pouco da ignorância do garoto Sirius.
Ele andou vagarosamente até a porta, parando defronte a mesma e abriu-a com violência. Uma jovem de cabelos louros-platinados e olhos azuis acinzentados pôde ser vista através da mesma, um sorriso tímido cortava-lhe a face.
- Tom... Tom Riddle? – Indagou nervosa. Nunca vira-os antes, mas... – Lucius pediu-me para chamá-lo. Ele disse ser urgente.
- Urgente? – Repetiu Tom, ainda incrédulo pela audácia de Lucius a interrompê-lo em o que quer que estivesse fazendo. – Por que é urgente? O que aconteceu? – Ele levantou-se e adiantou-se a jovem. – Vamos, diga, Narcisa!
- Eu... Eu... – Repetia a menina. Já ouvira falar de Tom, e sabia que seus “dotes” eram não muito simpáticos. – Eu não sei...
- Ah, está bem! – Disse Tom, a pele clara avermelhando-se de leve pela raiva que sentia. Aqueles malditos grifinórios teriam feito algo mais à sua casa, a Sonserina? “Eles vão me pagar, eu juro. Vão pagar muito caro, muito mesmo!”, pensou irritado, enquanto afastava a jovem do caminho e passava pela porta, literalmente pisando no chão.
Snape teve vontade de agarrar a menina e beijar-lhe, só de agradecimento. Agora teria uma noite de vida a mais para decidir como viver mais uma.
- Bem... Eu já vou indo. – Disse a menina, agora muito rubra. – Boa noite. – E sorriu para ele.
- Boa noite... – Disse, ainda sem prestar muita atenção na jovem. Se prestasse, teria caído aos seus pés, afinal, era ela quem muitos jovens tentavam tirar dos braços débeis de Lucius, os quais ela parecia não querer distanciar-se.
Ela virou-se e passou pela porta, fechando-a atrás de si. Com o baque da porta a ser fechada, Snape despertou. Olhou a sua volta e viu o lenço de Sirius.
- Black maldito! Ele se vai para onde quis e eu me lasco aqui! – Reclamou, irritado, enquanto agarrava o pequeno pedaço de pano. O mesmo lembrava-o o cheiro de Sirius. Tinha um toque de selvageria, algo parecido com cheiro de grama molhada, em meio ao perfume de alguma coisa. Snape arriscaria que era essência de flores, afinal, todos os perfumes são assim. Não? Como ele poderia saber, se nunca tivera um perfume? – Credo. Até parece que eu reconheceria o cheiro daquele... Daquela coisa!
E ele lembrou-se de quando rolaram quase dez degraus escada abaixo. Foi uma situação embaraçosa, desconfortante, mas isso foi o que ele pensou, não o que ele sentiu.
- Céus, eu nunca entendo no que eu devo confiar. Eu sei, mas eu não sei, então como posso saber? Isso está me confundindo ainda mais. Snape, você precisa levar alguns socos para aprender que deve se arriscar mais. Devo? Ah, sei lá... Melhor esquecer isso e pensar num jeito de... – “Enganar Riddle”, pensou. Achara menos preocupante não dizer o que faria para as paredes. Não confiava em nada nem ninguém.
- Eu devo dizer que... Esse lenço é... Talvez eu possa... Ah, eu não faço a mínima idéia do que dizer! Estou ferrado!! – Disse, para logo depois ouvir suas próprias palavras. Soava fraco, soava como um perdedor, que perde antes de lutar, soava como alguém que ele não queria ser. – Não. Eu não estou ferrado. Ele não é melhor que eu. Eu apenas não vou dizer mentira qualquer. Vou dizer que não sei de onde é, o que afinal é verdade, porque não sei de onde saiu. Tenho quase certeza absoluta que veio de Sirius, mas não tenho. O que me resta dizer é que não sei de onde vem, e se ele acredita ou não. Não muda nada, afinal, não fiz nada de errado, eu sei.
“Se ele tentar ver que o que está escrito nos meus olhos, verá que não estou mentindo, porque não estou, e não terá como me acusar de nada. É quase, quase...”
- Perfeito... – Disse, vaziamente. Não estava mais prestando atenção no plano, pois outra coisa chamou-lhe a atenção. Sobre a cômoda estava o maldito porta-retratos, que começara toda aquela confusão. – Maldito. – Dizia, os olhos refletindo uma luz enlouquecida. Ele caminhara lentamente até a cômoda, os braços trêmulos erguidos no ar, fazendo menção de agarrar o porta-retratos, mas não o fez. Ao invés disso, puxou a varinha de cima da mesma e tocou o porta retratos com ela.
- Incêndio. – Disse, e enquanto a madeira e a foto crepitavam entre as leves chamas, ele observava seu passado esvair-se de si, como algo que corre para longe, e só está vivo nas lembranças de um alguém que já não mais quer lembrar.
***//***
Ele abriu seus olhos lentamente. O que estivera embaçado à sua frente deixou de estar. Ele via o teto do dormitório masculino. As luzes entravam cautelosas pelas fendas das janelas fechadas. Estava ainda muito escuro dentro do quarto, mas ele podia ver que o dia já raiara e que estava, milagrosamente, em hora de acordar, não atrasado.
- Ah, mais que coisa... – Comentou. A preguiça era enorme, e uma angustia invadia-o ligeiramente. Normalmente ele sentia-se extremamente feliz, mas vez em quando, ele acordava misteriosamente vazio. Tudo aquilo de viver a vida em brincadeiras... Teria ele como viver a vida ou ele apenas faria seus jogos até o seu derradeiro fim? Seu destino, ele teria um destino? Buscava respostas. Mais que respostas, buscava sua razão para viver. Ouvira algumas meninas comentando sobre um razão para viver, mas não entendera bem na época. Logo, percebeu o que elas queriam dizer: Amor.
O que era o amor? Para ele, era intenso, selvagem, e momentâneo. Nunca fora duradouro. Ele sentira as garotas, suas emoções, seus corações baterem, mas para ele, foi aquilo, uma vez e nunca mais. Nunca sentira a vontade de acorrentar-se a qualquer uma delas.
Muito pelo contrário, muitas vezes teve de fugir delas. Não aceitavam que ele deixasse-as.
Agora ele compreendia. Os dias eram frios e não havia vontade para continuar vivendo, um rumo, uma risca a seguir. Se tivesse alguma ambição... Mas ele não tinha. Agora, procurava sua razão de existência, a garota que conseguiria acorrentá-lo para todo o sempre, que tenha um amor intenso, selvagem e revigorante, que saiba abraçar com a alma e nutrir com o coração.
Estava acabando de vestir-se quando ouviu as cortinas serem afastadas às suas costas.
- Nossa! – Gritou James. – NOSSA!! – Berrou de novo. – Eu não precisei te acordar, que milagre! REMUS, MILAGRES EXISTEM!!
- Cala a boca, James. – Disse Sirius, ao levantar-se. – Eu já sabia que milagres aconteciam há muito tempo, desde que a Lily aceitou sair com você.
- Isso não teve graça... – Comentou James, sem o que dizer. – Vamos tomar café?
- Vá na frente, eu ainda não terminei de me arrumar.
- Ta. Vamos Remus? – Perguntou ao gritar a cama de Remus.
- Eu já estou pronto. Vamos. – Respondeu o outro. – Até mais, Sirius. A gente se vê.
- ‘Té! – Limitou-se a dizer.
Logo, estava pronto, mas não queria ter aula. Ele sabia que seria o mesmo de ontem. De semana passada. Da retrasada. Não há novidades para ele. Pelo menos era o que acreditava naquele dia. Ele estava tão... Confuso.
- Não sei o que devo fazer... – Dizia para si. – Não sei o que vou fazer sobre tudo. Eu só sei que sempre faço tudo de última hora, mas... Será que isso está certo? Seria tão bom se alguém me indicasse o caminho. Mas para que se nunca sigo as ordens de ninguém? Eu sou um idiota... Mas, eu prometo, hoje eu encontro minha razão de existência. – Concluiu. Logo, um sorriso maroto projetou-se em seus lábios. – E também acabei de encontrar uma desculpa para faltar às aulas! – Disse, ligeiramente feliz. Levantou-se e passou pela porta, a qual conduzia-o ao caminho do destino que ele mesmo escreveria nas páginas vazias do livro de sua alma.
***//***
Snape sentiu uma leve claridade vinda na direção da porta. Indicava que já era de manhã. Havia adormecido enquanto observava sua vida entre as chamas da morte, a cabeça apoiada nos braços, sobre a cômoda, sentado na cadeira ao canto do quarto.
As cinzas estavam próximo a ele, mas as lembranças estavam tão longe... Mas era assim que tinha de ser. A sua vida não devia ser lembrada, e agora eu não seria mais nada que Severus Snape, futuro professor de Defesa Contra a Arte das Trevas.
- Aula, de novo. Eu... Odeio tudo isso. Mas... – “É melhor ser um robô, do que ser nada... Mesmo que o robô esteja cheio de vazios e nadas,... Não é?” – Melhor ir-me embora logo.
Ele levantou-se e trocou de camisa, pois a sua estivera muito amassada. Escovara os cabelos desajeitadamente e agarrara a mochila, passando pela porta e fechando-a logo em seguida. Não pensaria mais no que foi, e sim no que poderia ser.
Ou pensou que faria assim.
Rumou para fora do Salão Comunal. Ele passava, sentindo-se invisível. Seu terrível fardo fora imortalizado. Ninguém lembraria-se dele, nunca faria algo, a não ser tornar-se um ser humilhante enquanto comparado ao Potter, que tomou gosto por importuná-lo e arruinar sua vida.
Não queria ver nada, nem ninguém. Os flashes de um menino a olhar de longe escombros ainda rodavam por sua cabeça, e ele sentia-se tonto com tudo aquilo. Era nauseante, perturbador, ele não agüentaria por muito mais tempo.
Ao subir as escadas, rumou para o Saguão Principal e passou por ele, direcionando-se aos jardins de Hogwarts, onde ficaria só por toda a manhã.
***//***
Sirius observava o lago por debaixo do carvalho, à beira do mesmo. Encontraria a garota de qualquer jeito, mas conhecia a maioria delas, então cabia-lhe escolher a que o faria mais feliz. O dia estava nublado, densas nuvens impediam o sol de mostrar seu esplendor. Era assim o que tudo significava para ele, uma verdade escondida, bastava descobrir que ferramenta usar para escavar as escorregadias palavras, mas esta era a parte difícil.
Uma brisa suave fazia com que as folhas das árvores movessem-se devagar, num movimento continuo, o lago cintilava ao longe, onde estariam livres as verdades do mundo.
Snape contemplava o lago em sua longitude, a outra margem brilhando como ouro, onde estariam todas as respostas para suas perguntas, sobre as águas tão densas...
Sirius, de súbito, percebera sua presença, não há muitos metros dali, mas o outro parecia numa espécie de transe.
As águas tão densas, escuras, que pareciam ficar mais claras ao distante. Ele queria perguntar para todos e qualquer um suas derradeiras perguntas, mas sabia que não encontraria as respostas tão facilmente. Mas, talvez... Se talvez nadasse até as verdades, elas seriam forçadas a aparecem para ele...
Sirius observava-o.
- Mas que diabos ele está olhando tanto para o lago? – Ouviu-se indagar, mas ouvira-se e pensara novamente sobre o que acabara de dizer. – O que estou dizendo é uma hipocrisia. Eu estava há pouco olhando o lago com tanta intensidade quanto ele... – E ouviu-se de novo, cada vez mais idéias vindo à sua mente. – Será que...? Ele está querendo o mesmo que eu? Ele quer... Respostas?
Seu passado fora assassinado, tudo fora levado de si, e não restava-lhe nada. Mas talvez... Se talvez fosse atrás do que foi, talvez encontra-se mais sobre si, talvez encontrasse sua essência... Não tinha nada o que perder, afinal... Nada pertencia-lhe, nada era só seu, nem sua vida, nem sua história, nem nada, nem ninguém... Atiraria-se aos braços do destino que fora a si guardado, mas perdido... Se tivesse de viver, viveria... Se tivesse de morrer,...
Sirius viu o corpo inerte de Severus a amolecer, como se ele não tivesse controle de si mesmo, ou como se não quisesse ter.
- Mas que raios ele fará? – Disse, ao levantar-se. – Não, ele não pode estar pensando em...
E ele caiu. Snape caiu no lago muito rápido e Sirius quase não teve tempo de ver nada. Barulho de um corpo ao bater contra a água, e de mais um; Um corpo a ser afundado, e outro a nadar para o fundo; Um corpo a perder a consciência, e outro a lutar por aguçá-la; Braços a serem agarrados e outros a agarrarem; E os dois chegaram à superfície.
Sirius puxou-o para junto da beira e empurrou Snape para fora da água, seguindo-o de perto. O jovem não respirava, mas seu coração batia, mesmo que de leve.
- Ah, o que eu faço? – Perguntava-se Sirius. – Tinha de ser o Snape! Só ele consegue me dar trabalho, mesmo!
Ele apertava as mãos contra o peito de Snape, tentando fazê-lo respirar, mas era em vão. O menino estava longe, muito longe dali, e logo não poderia mais voltar, nunca mais.
- Ah, não acredito...! Não acredito que vou fazer isso! – Disse Sirius. Ele agachou-se rapidamente para próximo da face de Severus, seus lábios tocando nos do menino, soprando-lhe a vida que um dia tentou tirar.
Após alguns segundos, olhos que haviam prometido não mais abrirem-se quebraram a promessa, e o que antes era-lhes confuso parecia claramente escrito à sua frente.
Severus impulsionou seu corpo para frente, sentando-se, o corpo tremia de leve quando a brisa alcançava-lhe. Estava encharcado, ainda atônito a tudo que havia a sua volta.
- SNAPE!! – Berrou Sirius. – O que você pensou em fazer? Hein? HEIN?!!
O outro deu-lhe um olhar de soslaio, penetrante e de censura. Na mesma hora, Sirius calou-se. Não sabia bem o que havia feito, só que havia.
- Não interessa. – Bufou o outro, tendo consciência de estar entre os braços do menino, que ainda segurava-lhe, desatento, pelos ombros.
- Como assim não me interessa? Eu tive que fazer coisas muito “preocupantes” para te salvar e você me vem com essa de ‘não interessa’? – Protestou o jovem. Snape olhou-o, incrédulo, um tanto assustado, um tanto receoso.
- Sirius... O que... Você... Fez? – Perguntou, horrorizado.
- Eu? – Sirius deparou-se com um beco. – Eu... Não fiz nada. Só estava manipulando sua mente para que me contasse a verdade.
Severus olhou de soslaio mais uma vez.
- É mentira.
- Não, não é mentira. Por que você acha que é mentira? – Indagou Sirius, pouco convincente.
- Sir... Black, você já mentiu em minha presença milhões de vezes. Sei muito bem COMO você mente. – Afirmou o outro, firmemente. A brisa começa a tornar-se vento e seus corpos encharcados estavam agora arqueando-se de frio.
- Ah, é? Então COMO eu minto? – Duvidou Sirius. Snape não podia saber como ele mentia.
- Ah, você me cansa. – Comentou o outro. – Seus olhos podem ficar firmes e sérios, e seus lábios podem estar sérios, mas no canto da boca, ainda conservas um meio sorriso, onde guarda a satisfação por poder sair ganhando mesmo quando tem tudo a perder.
- E-ei!! Isso não é verdade! – Disse o outro. Ninguém poderia conhecê-lo mais do que ele mesmo.
- Ah, me poupe disso! – Disse Snape, ao levantar-se de súbito, mas logo arrependeu-se. Estava tonto, muito tonto, tanto que escorara-se na árvore, afim de impedir sua queda.
- Você não parece bem... – Comentou Sirius, tentando não importar-se, mas com um leve, levíssimo tom de consciência pesada.
- Você... Não tem nada a ver... Com isso. – Disse Severus, mais para lá que para cá. A visão ficava embaçada, estranhamente. “Por que hoje? Por que agora? Por que aqui? Por que... Por que eu?!”, perguntou-se. Inconscientemente, seu corpo estava amolecendo, os joelhos dobravam-se e ele não podia fazer nada, a não ser cair, mas não o fez, pois Sirius agarrou-o por debaixo dos braços antes que isso acontecesse.
- Você é muito cabeça dura... – Disse sério. Snape já desmaiara quando Sirius entrou no castelo, levando-o até a enfermaria. Sua sorte foi que os alunos ainda estavam em aula, assim, não haveria muitos encontros constrangedores pelos corredores de Hogwarts. Ele carregava-o com facilidade, no começo. Logo, parecia mais uma guerra que qualquer outra coisa, mas conseguiu completar sua “missão”. Ele bateu na porta com extremo esforço. Um mulher loura de rosto redondo, parecendo uma lua cheia, abriu a porta. Ela sorriu para Sirius, mas quando seus olhos castanhos depararam-se com o menino sobre suas costas, desmanchou o mesmo.
- Venha, rápido. Ponha-o aqui! – Disse, apontando para uma cama próxima à janela. Sirius carregou-o até o mesmo e aliviou o peso no menino na cama. – O que aconteceu?! – Perguntou a mulher, aflita.
- Eu... Ele... Er... Ele... Desmaiou. Ele simplesmente desmaiou! – Disse Sirius. A mulher olhara o jovem, deitado sobre a cama de mau jeito. Sirius pudera ver nos olhos da mulher algo que nunca vira. Algo como... Não lembrava-se da palavra... Era compaixão, sim, era compaixão.
“Que estranho... É como se ela ficasse triste por alguém que nem conhece. Eu não sou capaz de sentir isso...”, pensou, deprimido. “Será que só importo-me comigo mesmo? Será que não tem nenhum pouco de algo que preste em mim?”.
- Minha nossa! Esse menino está encharcado! – Bradou a mulher, e virou-se a Sirius.
- Ele caiu no lago. – Explicou.
- Como assim ‘caiu no lago’? Aquele lago é muito fundo! E essas roupas estão... Argh! – A mulher remexia os bolsos de Severus encontrou o dito lenço, mas estranhara, afinal, o brasão em sua capa era da sonserina, mas as cores do lenço eram as da Grifinória. Ela virou-se a Sirius, desconfiada. – Vocês brigaram?
- Er... Não. Eu não briguei com ninguém. – Disse.
- Se você não brigou com ninguém, então por que está rindo? – Perguntou a mulher. Sirius ficara atônito ao perceber que no canto dos lábios nascia um sorriso.
“Seus olhos podem ficar firmes e sérios, e seus lábios podem estar sérios, mas no canto da boca, ainda conservas um meio sorriso, onde guarda a satisfação por poder sair ganhando mesmo quando tem tudo a perder”.
- Eu... – Dizia ainda incrédulo. “Eu sou tão... Desprezível”.
- Deixe disso, menino, e me ajude aqui. Tome, isto deve ser seu. – E entregou-lhe o lenço. Sirius olhou-o, ainda absorto em pensamentos, confuso. Seria tão transparente, tão previsível, que qualquer um imaginaria o que ele faria? O que fazia? E por quê? – Vamos, me ajude a levantá-lo!
- Sim... – Ele guardou o lenço no bolso da calça, distraidamente. Adiantou-se ao lado da cama e levou o tronco de Snape, para que a enfermeira pudesse trocar sua camisa, a fim de que o menino não ficasse doente. Sirius olhara Snape, os olhos semi cerrados, a expressão indiferente no rosto.
“Eu sou um... Animal. Quantas vezes menti à frente dele? E das pessoas? E quantas vezes me aproveitei de situações para jogar a culpa em outros? Não posso me denominar um animal... Pobres animais. Eu penso... James tem Lily, Remus, Peter, todos têm um destino definido, mas... E quanto a mim? O que eu farei? Para que eu sirvo, afinal, além de ser um fardo para os que me cercam? Eu...”
- Estou falando com você! – Chamou a madame, irritada. Ele balançou a cabeça, afastando os pensamentos. – Eu vou buscar algumas roupas limpas no armário do terceiro andar. Fique aqui. – Ela virou-se e saiu marchando pela porta, fechando-a atrás de si.
- Agora o dia parece até um pouco mais escuro... – Comentou Sirius, pensando alto. – Em breve o verão chega, depois o outono e logo o ano estará acabando... E eu vou ser... Eu vou ser nada. – Concluía aflito. – O que eu sei fazer? O que vou pensar? Quem...? Quem eu vou... Tornar-me?
- Precisa pensar muito para responder, Sirius? – Indagou a voz já conhecida de Severus Snape às suas costas. Sirius virou-se, indiferente.
- Sim, eu preciso pensar, e muito, para responder, Severus.
- Não me chame pelo primeiro nome. – Bufou o outro.
- Você me chamou primeiro. – Respondeu Sirius.
- Chamo-o do que quiser. – Bradou Snape. Sirius riu, não de divertimento, mas de vergonha. – O que foi, Sirius?
- Ah, parecemos dois meninos de primário, Severus. – Disse, e virou-se à janela. – Queria ser.
- O que? – Snape olhava-o sem mover a cabeça, de modo que seus olhos seguiam os movimentos do rapaz.
- Um garoto de primário! – Respondeu. Snape surpreendeu-se com a resposta.
- E por quê? – Perguntou, curioso.
- Porque eu teria mais tempo... E uma outra chance de não ser alguém... Bem... De não ser alguém como eu. – Disse, fitando o céu azul de lá de fora.
- E por que você não gosta de quem é? – Perguntou Snape. Não era por curiosidade, porque não contentava-se com o que exatamente era, mas ele queria saber as respostas de outros para encontrar as suas.
- Porque... Porque eu não fui alguém de verdade. Eu... Desperdicei meu tempo fazendo com que as pessoas me notassem pelo o que eu sou, mas só por fora, porque nunca... Eu nunca... Nunca TIVE ninguém... – Disse Sirius, mas ao ouvir suas palavras, corou de leve. Por que diabos contava o que nunca dissera nem mesmo a James para Severus?!
- Besteira... – Bufou Snape. Sirius virou-se para ele tão rápido que, por reflexo, Severus atirou os braços para trás e derrubou um vaso de flores de cima da mesa, mas não teve tempo de olhá-lo, porque Sirius segurava-o firme pelo pescoço, debruçando-se sobre a cama.
- Não é besteira! – Dizia, perturbado. – Você não sabe de nada! NADA! – Ele descontrolava-se.
- Parece, Sirius, que você ainda não perdeu o jeito de descarregar seus problemas em cima de mim... – Disse Severus, perdendo o ar. Sirius soltou-o quase de imediato, ainda debruçando-se sobre a cama, olhando nos olhos de Snape, um tanto irritado.
- É mesmo, Severus? Então, o que você sabe sobre isso? – Perguntou Sirius, afastando-se lentamente, como um animal que espreita a presa.
- Ah, Sirius, Sirius, sou eu quem não sabe? – Snape olhou-o, ainda indiferente.
- Como assim? – O outro confundira-se.
- Eu aprendi que, não importa em quantos pedaços meu coração está partido, o mundo não pára para que eu o conserte. – Concluiu Snape. A porta fora aberta e por ela a madame voltara.
- Ah, você já acordou? – Indagou, sem esperar pela resposta. - Tome, aqui estão vestes limpas. Vista-se. – Ela virou a Sirius. – E você... Já deve ir. – Disse secamente. Sirius e Severus entreolharam-se e Sirius passou por eles, atravessando o recinto e saindo pela porta.
- Agora, comece de novo, por favor. O que aconteceu? – Perguntou a mulher, dando-lhe um olhar penetrante.
- Eu...
***//***
Sirius descia as escadas, sem rumo. Não sabia que horas eram, mas os corredores já estavam cheios de alunos, que passavam despercebidos por Sirius, cujo estava absorto em pensamentos.
“Isso é muito estranho. Sev... Snape não me pareceu tão repulsivo quanto parecia nas últimas trezentas e sessenta e sete vezes que o vi esse último semestre. E ele... Ah, eu não entendo como alguém pode me conhecer mais que eu mesmo. Eu devo ser muito espontâneo. Aposto que todo mundo que já me viu mentir sabe sobre os meus lábios. Vou tirar a prova”.
- Ah, James, eu não acredito! – Dizia Remus, debochado. – Você está caído pela Lily, mas eu acho que a palavra não é bem ‘caído’...
- É ‘tombando’! – Terminou Sirius, enquanto os três, James, Remus e Peter, passavam por ele.
- Sirius, onde você estava?! – Indagou Remus, surpreso. O outro deu-lhe um olhar maroto.
- Nem pergunte... – Disse. Os outros três entreolharam-se e decidiram seguir o conselho.
- Vai às próximas aulas? – Perguntou Peter.
- Hum... Claro. – Disse. Ele iria às aulas, mas com o ânimo de sempre, ou seja, dormiria em todas.
- Vamos almoçar! – Disse James, animadamente, a primeira vez do dia, afinal, era a hora do almoço.
Eles seguiam até o Salão Principal, quando Sirius puxou James para um canto, longe das outras pessoas.
- Ai, Sirius! O que foi? – Perguntou, desajeitado, enquanto tropeçava em seus pés e tentava não se estatelar no chão ao mesmo tempo.
- Me disseram que eu minto sempre igual e que dá pra saber quando eu estou mentindo e quando não estou. Você acha que é verdade? – Perguntou Sirius.
- O que? Você, previsível? Não, claro que não! Você é o cara mais desmiolado que já conheci! Jamais saberei o que passa em sua cabeça, cara! Fica calmo. – Disse James. – Quem te disse isso?
“Essa é a hora! Agora ele vai saber que eu não estou falando a verdade!”.
- Foi uma garota muito irritante da lufa-lufa. – Ele disse, e seu peculiar sorriso no canto dos lábios lá estava, mostrando-se, pouco definido, mas ele sabia que James poderia vê-lo, afinal, era seu melhor amigo.
- Ah... Deve ser uma menina bem idiota e que nem te conhece. Eu sei do que estou falando, Sirius. Não esquenta, cara. – Disse e já virava-se para a porta do Salão Principal. – Vem, vamos almoçar!
- Vai na frente, eu... Já vou. – Disse, confuso.
“Não, tem algo errado. Não pode ser. Eu menti... E ele não percebeu, mas quando menti para Severus, ele percebeu. Como pode isso? Como? Não faz sentido... Bom, talvez faça. Mas eu ainda não sei...”. Distraidamente pusera suas mãos nos bolsos, o que fazia quando ficava nervoso. Sentira algo no bolso direito da calça e puxou o objeto, deixando à mostra o lenço nas cores vermelha e dourada.
- Esse lenço... Eu não lembro de tê-lo pego hoje... – Disse, mas lembrou-se do momento na enfermaria. – Esse lenço... Ele estava com o Severus... Mas... Por quê? – Lembrou-se do dia anterior, quando atirara-se para dentro do armário do rapaz. Batera no fundo e escorregara pela parede, caindo no chão, em meio a um amontoado de roupas velhas e outras diversidades que coisas estranhas do menino. O lenço estivera em seu bolso e poderia muito bem ter caído. – Mas... Ele teria queimado, destruído ou qualquer coisa assim para se proteger, não? Que estranho... Ele... Ele guardou o lenço... Por quê?
Sirius confundia-se cada vez mais. Enlouqueceria dali a pouco. Seu maior inimigo de vida sabia lê-lo, mas isso não fazia sentido... Pelo menos, não muito.
- Talvez eu o odeie por ser... Igual a mim? Não, não é isso... Eu... Eu não o odeio... Não, eu odeio sim! – Disse para si. Quando ouviu suas próprias palavras, passou os dedos sobre o canto dos lábios. – Não sei... Eu não sei se estou mentindo... Nem eu sei... Mas... Mas ele sabe. Ele... Sabe.
Ele caminhou vagamente até o Salão Principal, tentando afastar os pensamentos. Talvez ele estivesse errado todo esse tempo, talvez não tivesse sequer um motivo para odiá-lo... E por tantos... Por tantos anos o perseguiu... Não queria pensar mais nisso.
Ao longe, pôde ver James e os outros, almoçando. Rumou até onde eles estavam sentados.
- Oi, gente! Eu cheguei! – Anunciou-se jovial.
- Claro. Quem mais anunciaria sua própria chegada? – Comentou James, divertido.
- Ah, eu lá sei? Tem um monte de gente maluca por aí... – Disse Sirius. Sentou-se e puxou um prato para si, servindo-se de uma espécie de ave e batatas.
- Ah, Sirius... Ei, gente, quais são as aulas de tarde? – Perguntou James, enquanto levava a comida à boca.
- Hum... Se eu não me engano, são Defesa Contra a Arte das Trevas e Feitiços. – Disse Lupin, pensativo.
- A aula de Defesa Contra a Arte das Trevas é com que casa mesmo?
- Hum... É... Acho que é Corvinal. – Concluiu Lupin.
- E a de Feitiços?
- É... Sonserina, eu acho. Não tenho certeza.
- Claro que tem, Remus. Você está sempre certo. – Disse Sirius. Remus olhou-o com uma cara de quem não entendeu. – Ah, falando nisso, como você sabia o número do quarto do Snape? – Perguntou curioso. Há horas que pensava nisso, mas sua cabeça estava tão lotada...
- Ah, foi simples. Eu estava na biblioteca outro dia e tinha um grupo suspeito atrás de algumas estantes e ouvi um certo plano deles de fazerem uma visita ao nosso amigo Snape numa noite, no quarto dele, para dar-lhe o que merece.
- Ah ta... – Disse Sirius vagamente. Depois, “caiu-lhe a ficha”. – Remus, você fica espionando o que as pessoas falam na biblioteca?!!
- Não, não é nada isso... – Disse corando de leve.
- Que menino curioso... – Disse uma voz feminina às suas costas. Era Lily. – Sabia que a curiosidade matou o gato, Remus?
- Certamente eu não sou o gato. Eu sou o lobo. – Disse.
- Hum... O Aluado é um “lobo-mau” – Debochou James.
- Você já achou a chapeuzinho, lobão? – Indagou Sirius.
A esse ponto, Remus fervilhava, o rosto muito vermelho. Estava quase néon.
- Ah, Remus, não diga que você se acha um lobo-feio? – Perguntou Lily. James estava sentindo uma pontada de inveja de toda a atenção que Remus recebia de SUA namorada. – Tem várias meninas no colégio que fariam de tudo para serem as suas ‘chapeuzinhos’.
- Ah, gente, eu tenho que ir... Quero fazer umas coisas antes das aulas da tarde. – Disse Remus, ainda vermelho, ao checar o relógio, já de pé.
- Fugindo? Ah, Remus, a chapeuzinho que foge do lobo-mau, não o contrário. – Disse James.
- Eu não estou fugindo... – Disse Remus, sério. Os outros entreolharam-se.
- Ah, então é agora que as ‘chapeuzinhos’ podem agir? – Perguntou Sirius.
- Lily, é melhor correr e avisar para as suas amigas não perderem tempo! – Alertou James. – Aluado é um garoto muito namoradeiro!
James, Sirius, Lily e Peter, que estivera assistindo até agora, riram. Sabiam que Remus tinha medo de se envolver com as pessoas porque achava que era diferente, mas era uma tolice, porque muitas das amigas de Lily já confessaram o que sentiam pelo louro à menina, mas nunca disseram nada ao jovem.
- Bom, pessoal, eu também tenho uma coisa a fazer antes das aulas da tarde. Vejo vocês na aula! – Disse Sirius, que levantou-se e rumou para fora do Salão Principal. James sentiu vontade de fazer com que Peter também tivesse algo para fazer, mas como ele não tinha, não deu para ele conversar direito com Lily, mas mesmo assim, o horário de almoço foi o melhor do dia, pelo menos para ele.
***//***
Severus andava pelos corredores. A enfermeira fizera-lhe dizer montes e montes de mentiras. Agora, tudo misturava-se com a verdade e ele já não entendia mais nada.
Lá estava muito quieto e vazio. O horário de almoço esvaziava quase que por completo toda Hogwarts. Ele queria estar lá também, mas fora quase que trancado dentro da enfermaria até explicar tudo muitíssimo bem explicado.
Fechara os olhos, sem parar de andar. Estava calmo, inacreditavelmente calmo, como não estivera há dias. Mesmo que confuso, sentia-se em paz.
- Severus! – Alguém chamou-lhe. Aquela voz era...
- Sirius? – Indagou, incrédulo. O que ele fazia ali e agora?!!
- Sim, sou eu. Bem, acho... Eu queria te fazer uma pergunta. – Disse. – Por que guardou isso? – E ele mostrou-lhe o lenço.
- Porque eu devolveria. Queria que eu ficasse com isso?!!
- Não, eu quero dizer, por que não queimou, destruiu ou sei lá o que?
- Boa pergunta... Mas acho que isso não faz diferença agora, faz? – Respondeu. Examinava o menino. Por que queria saber o motivo de não ter destruído o lenço? Para ele era tão... Indiferente. Ou não? Ou fizera de propósito? Mas... Para que o faria?
- E... Severus, você acha que eu sou previsível, mesmo?
- Hum... Acho, sim. Por quê? – Ele ainda não entendia o motivo do menino bombardeá-lo com perguntas.
- E por que eu sou previsível? – Ele aproximou-se de Snape, as expressões confusas.
- Não seja estúpido. Pessoas previsíveis são as que fazem coisas relativamente iguais, mas sempre do mesmo jeito, com as mesmas idéias... E por que cargas d’água você está me perguntando isso? – O garoto estava cansado de responder aquelas perguntas sem sentido.
- Então, o que vou fazer agora? – Perguntou sério, um tanto irritado. Severus examinou-o bem no fundo de seus olhos e não viu nenhuma resposta coerente.
- Eu... Não vejo nada.
- Não sou tão previsível assim, não é, Sevie? – Ele parecia um pouco fora de si. Uma outra pessoa, mas em soma, não era muito diferente do antigo Sirius, só havia trancafiado seus ser a sete chaves, e Snape tentava lê-lo, decifrá-lo, mas não obtivera resultados.
- É mesmo, Sirius? Então, o que é que você vai fazer? – Perguntou, desafiando o outro.
- Quer mesmo saber? – Indagou o outro, um sorriso cortando-lhe a face. Antes que Snape pudesse deduzir o que aquele sorriso significava, o garoto puxou-o para si, e levou até para detrás de uma estátua, os corpos colaram-se e Sirius pressionou seus lábios contra os do outro, sua língua pedindo passagem ao outro. Severus, que fora pego de surpresa, não pudera fazer nada para impedi-lo. Era uma loucura, era mais que errado, era mais que terrível... Era... Era... Não, não podia ser, simplesmente não podia ser... Mas era, era sim... Não, ele não achava aquilo divertido, nem maravilhoso, nem nada, além de algo que não deveria estar acontecendo.
Com uma força quase que sobrenatural, Snape afastou Sirius de si, que arfava um tanto, mas timidamente. Nem mesmo ele acreditava no que tinha feito. Os dois olhavam-se, Snape surpreso, muito, muito surpreso, e Sirius tímido, envergonhado.
Palavras faltavam-lhe. Os olhares encontravam-se, mas o que diriam?
Snape não encontrava nada na sua mente que lembrava-lhe uma situação como aquela. Absolutamente nada. Não sabia como lidar com aquilo, nunca SONHARA com aquilo, nunca. Restou-lhe uma solução:
Severus virou-se e caminhou para longe de Sirius, até que começou a correr.
“Não, isso não pode estar acontecendo comigo, isso não está acontecendo comigo! NÃO ESTÁ ACONTECENDO COMIGO!!!”, pensava Snape. Nunca, em toda a sua existência pensou em... Em... Não, Sirius? Não, nunca!
Sirius não conseguia acreditar no que fizera, mas parece tão... Tão natural... Era o que ele queria... Não, não era, não. Não poderia ser, fora apenas... Apenas impulso. É, impulso.
E ele rumou para o Salão Comunal da Grifinória, envergonhado de si mesmo.
Continua...
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