Capítulo VII



Todos já estavam de pé na Toca, esperando pela chegada dos dois “quase” aurores. Rony vigiava a janela como se esperasse um ataque surpresa a qualquer momento. Diante do questionamento feito pela irmã, que não entendia seu comportamento, apenas resmungava:

- Ele não é confiável!

Seu coração só se aliviou quando viu Hermione aparatar no jardim sem Malfoy. Correu para fora e abraçou a noiva, que correspondeu ao entusiasmo do rapaz, apesar das bochechas coradas sem razão aparente.

Eles já se encaminhavam para a porta da cozinha quando o estalido seco de uma aparatação soou atrás do jovem casal. Draco Malfoy finalmente chegara e olhava para Hermione, agora de mãos dadas com o noivo, como se ela fosse uma completa estranha.

Sem esperar convite, tomou o rumo da porta da cozinha, ignorando os outros e entrando sem cerimônia, num jeito típico de um ex-comensal que ainda não respeita “traidores do sangue”.

- Vocês brigaram? – perguntou Rony se divertindo com a situação.

Hermione não respondeu. Apenas sorriu com um meneio de cabeça, que poderia dizer sim ou não, e seguiu com ele para dentro da casa. O pai de Rony já estava na mesa junto aos demais. A superfície estava coberta de mapas.

- Potter adiantou o serviço e conversou com o Weasley “pai”, Granger. E pelo visto, ele vai nos ajudar a acabar com essa palhaçada – falou Draco antes mesmo de dar tempo à jovem para cumprimentar os presentes.

- Sim, Hermione – ajuntou o Sr. Weasley – Eu conheço as lendas e profecias e acredito nessa possibilidade que você e o Sr. Malfoy levantaram. E por isso tomei a liberdade de convocar mais algumas pessoas.

- Quem o senhor chamou? – indagou Hermione se aproximando do futuro sogro.

- Apenas Tonks, Gui e Charlie. Lupin com certeza gostaria de vir, mas amanhã é Lua Cheia e, bem, ele fica incontrolável. Então seremos nove pessoas contra treze. Não precisamos matar ou prender todos, apenas impedir o ritual de acontecer.

- Isso é simples, basta quebrar o espelho – sugeriu Draco, entediado.

- Quebrar o Espelho de Ojesed não é tão simples assim, Malfoy – falou Hermione retomando o tratamento formal que há muito não utilizava com o rapaz e assumindo aquele ar de sabe-tudo que lhe era tão peculiar.

- E por que não? – respondeu o loiro, sentando num banco rústico próximo à porta e cruzando as pernas. Com uma expressão de cinismo nos olhos, apoiou o queixo nas mãos antes de continuar – Vamos, Granger, estou esperando a aula.

Hermione lançou-lhe um olhar magoado e respondeu, no mesmo tom cínico, que ele nunca a vira usar:

- Porque é preciso encarar o Espelho para acertá-lo com qualquer arma branca. E a não ser que sua vida seja perfeita e você tenha exatamente tudo o que sempre quis é que vai conseguir fazer isso sem se deixar persuadir pelas imagens projetadas por ele.

Draco ainda encarou Hermione por alguns segundos, mas logo a idéia do que ele veria se olhasse naquele espelho fez sua arrogância diminuir. Descruzou as pernas, num gesto que poderia ser interpretado como uma trégua entre eles, e perguntou:

- Então, como vamos fazer?

- Eu sugiro que nós apenas recuperemos a Taça e a Lança – disse Harry – Depois pensaremos no que fazer com o Espelho para que não haja futuros problemas.

O plano era simples e fácil, o que para os jovens que haviam passado pelo treinamento de auror significava grandes possibilidades de complicação. No mundo bruxo, quanto mais fácil uma tarefa parecia, mais difícil ela se revelava durante a execução.

Eles iriam para a Floresta Proibida pela Casa dos Gritos. Já estavam arrumando as coisas para partir quando Draco se aproximou de Hermione por trás. Tocou o ombro da colega e sorriu intimamente ao notar que ela conteve um ligeiro estremecimento.

- Eu preciso ir até em casa. Tenho que avisar minha mãe sobre o que vamos fazer hoje à noite. Volto antes das seis da noite, está bem?

A garota apenas concordou com a cabeça e tentou, em vão, lançar-lhe um sorriso com os olhos. Mas Draco não esperou resposta e saiu da cozinha para aparatar no jardim.

O destino do rapaz foi o quintal de uma casa simples, num bairro residencial e tranqüilo de Londres. Seu tio Ted estava cuidando das bromélias e não conteve uma exclamação de espanto quando viu a capa escura do rapaz rodar a poucos metros dele.

- Draco! Que surpresa! Você não deveria estar na escola?

- Permissão especial. Estou resolvendo um caso e preciso buscar uma coisa que deixei em casa. Minha mãe está?

- Não, sinto muito. Ela e Andrômeda foram às compras.

O jovem loiro alcançou os degraus de madeira que o levariam para o interior da casa. Olhando para as paredes cobertas com um papel estampado tão extravagante quanto sua tia, ele pensou que o lugar já não lhe parecia tão desconfortável assim. Tinha quase aprendido a chamar aquela casa de lar.

Subiu rapidamente para o quarto que ocupava durante os fins de semana e feriados, abriu a porta e procurou, dentro do armário, um cubo de madeira enegrecida e polida com esmero. Na parte posterior, o brasão dos Malfoy entalhado há séculos.

Draco desenhou o brasão com a ponta dos dedos e murmurou:

- Ad confessionem, ad fidem, ad Malfoy.

A caixa emitiu um brilho pálido e esverdeado, denunciando uma abertura. Draco levantou a tampa e observou o seu conteúdo. Era sua caixa de segredos, que ele ganhou do pai quando completou 15 anos.

Ali ele guardou seus maiores tesouros: uma foto da família, seu jogo de talheres de prata que usava quando criança, um lírio já seco e sem perfume colhido do jardim da mansão Malfoy no dia em que eles deixaram a casa. E junto disso tudo, o item mais precioso da caixa: a adaga prateada que herdou do pai.

Guardou o objeto no bolso interno da capa, murmurou a senha novamente e voltou a guardar seus mais preciosos segredos no fundo do armário. Afinal, um Malfoy não poderia demonstrar estar ligado a esse tipo de sentimentalismos.

E sem se preocupar em se despedir do tio, aparatou novamente rumo à Toca.

Quando Draco entrou novamente pela porta da cozinha, a casa estava movimentada e a discussão estava centrada na matriarca dos Weasley, que insistia em não entender por que eles precisavam ir para a Casa dos Gritos um dia antes do ritual.

- Molly, querida – dizia Arthur – É por uma questão de segurança! Se formos antes, chamaremos menos atenção e não levantaremos a suspeita de que sabemos sobre o plano deles. Eu lhe expliquei que o ritual precisa ser interrompido e não apenas impedido.

Draco respirou fundo para conter a irritação que sentia sempre que avistava os cabelos vermelhos de um Weasley e, limpando a garganta para chamar a atenção, ponderou:

- Eu detesto interromper discussões de família, mas conhecendo Bellatrix como conheço, se não formos o quanto antes correremos sérios riscos de ser descobertos. Ela nunca faz nada de última hora. Acredito até que o Espelho já está a meio caminho da Floresta.

Molly olhou surpresa para o rapaz, que parecia sereno mesmo diante da perspectiva de um conflito iminente. Deu um muxoxo, beijou o marido nas bochechas e acompanhou a comitiva até o jardim, vendo cada um desaparecer num rodopio diante de seu olhar apreensivo.

A cada estalo que ecoava na Casa dos Gritos indicando que um dos membros da equipe havia aparatado, uma nuvem de poeira velha subia do chão. O pai de Rony correu até a janela para limpar um pedaço de vidro que lhe permitisse ter uma vista de Hogwarts e da Floresta.

A escuridão já avançava lá fora e quase nada era visível. Algumas poucas luzes evidenciavam que alguns professores de Hogwarts continuavam no castelo. Apesar da presença de bruxos por perto, todos ali sabiam que isso não impediria Bellatrix e seus cúmplices de realizar mais uma tentativa desesperada de trazer Voldemort do inferno.

Harry e Gina já preparavam uma das camas para que os companheiros pudessem descansar durante os intervalos dos plantões. Eles combinaram que a cada duas horas uma nova dupla cuidaria da vigilância da Casa. Bellatrix já deveria saber que Malfoy estava atrás do Espelho, acompanhado pela “sangue-ruim” e o resto da turma do Potter, o que exigia um cuidado extra por parte deles.

Por sorteio, Hermione ficou de vigília junto com Gina no primeiro turno, enquanto Draco acabou ficando com o último, ao lado de Gui. As duas amigas pouco se falaram. Andavam cautelosas, vistoriando os quartos e refazendo os feitiços de alarme que colocaram nas janelas.

As horas passavam lentas, como se o tempo também não quisesse que a hora do ritual chegasse, como se uma intervenção divina estivesse tentando impedir aquela loucura dos últimos comensais.

Os vigias iam trocando os turnos e quando finalmente chegou a vez de Malfoy tomar seu posto ao lado de Gui, Hermione também se levantou. Rony, que havia deitado ao seu lado, dando o braço para a noiva apoiar a cabeça e aconchegando-a com o calor de seu corpo, ressonava tranqüilo, como se tivesse acabado de chegar de um pesado treino de quadribol.

- Hermione, você pode descansar um pouco mais – falou Gui, preocupado com a cunhada.

- Não se preocupe! Eu estou bem, me contento com quatro horas de sono. Além disso, essa ansiedade, essa situação de espera, está me deixando louca!

- Bom, se você quer mesmo ficar acordada, eu vou voltar e descansar mais um pouco. A Lua cheia me deixa esquisito, você sabe.

Ela assentiu com um aceno de cabeça e foi atrás de Draco, que havia parado na janela de um dos quartos. Ele parecia paralisado, olhando através de um vidro sujo, e segurava com muita força um pedaço de pano também sujo, na mão oposta à da varinha.

Hermione pensou em não incomodá-lo e deixar o quarto procurando outra janela para enfeitiçar, mas um suspiro revoltado do loiro a deteve. Ali, emoldurado pelos escombros daquela casa, o rapaz parecia frágil. Era como se tudo o que havia restado de sua habitual arrogância e superioridade de sangue-puro também estivesse em ruínas.

A jovem auror não resistiu e foi ao encontro dele, decidida a fortalecê-lo a todo custo. Era assim e não conseguia negar para si mesma a necessidade que sentia de proteger alguém. Fora assim com Krum, que apesar de famoso ainda se sentia frágil e incapaz de lidar com a fama; era assim com Rony, que apesar de ter conquistado tudo o que sempre quis ainda era inseguro em muitas situações. E seria assim com Malfoy.

Ele, por sua vez, estava tão absorto em seus próprios pensamentos que não notou Hermione se aproximando. Apenas sentiu o leve toque das mãos da moça, entrelaçando os dedos nos seus, sem dizer uma palavra sequer.

Draco não protestou. Deixou o calor daquela pele, temperado com cheiro de flores e frutas, aquecer a sua. Desviando os olhos de seu próprio reflexo projetado no vidro, ele apenas conseguiu falar:

- O bom filho à casa torna!

- O quê? – indagou Hermione em voz baixa, para não acordar os outros e não agredir os sentimentos do rapaz.

Draco soltou a mão da moça e andou dois passos para longe dela. Balançou a cabeça numa tentativa de organizar idéias e pensamentos que brotavam sem parar dentro de si e se virou, contando um segredo que até então apenas sua tia Andrômeda e sua prima Nymphadora sabiam:

- Eu morei aqui, Granger. No dia da morte do meu pai a Ordem da Fênix trouxe a mim e a minha mãe para cá. Essa capa – disse com muita amargura enquanto balançava o pedaço de pano mofado – era o que ele estava usando quando aquele maldito o virou do avesso. Minha mãe e eu fomos obrigados a ficar nesse... nesse lugar imundo por duas semanas. Relembrando a morte de meu pai, com medo de sermos encontrados.

Hermione o olhava sem saber o que responder. Não queria demonstrar piedade, dó ou qualquer sentimento semelhante, pois sabia que isso deixaria Draco ainda mais irritado. Apenas abaixou a cabeça, sem perder o sonserino de vista e continuou a escutar.

- É irônico, não acha? Que depois de tanto tempo, na única oportunidade que tenho de vingar a morte do meu pai, eu venha parar exatamente no mesmo no qual eu estava no dia de sua morte?

Ele se sentou de qualquer jeito num criado já bem carcomido pelo tempo e pelos cupins, passou as mãos pelos cabelos e respirou fundo, tentando controlar a raiva.

A moça se aproximou dele ainda com cuidado, esperando ele explodir e chamá-la de sangue-ruim, dizer que não precisava dela por perto ou qualquer reação típica de quando ele ficava com raiva. Aliás, ela até preferia vê-lo explodindo e insultando-a, pois isso significava que a raiva logo passaria. Mas aquilo que ele sentia naquele momento era ódio e ela não sabia como ele reagiria. Apenas sentou no parapeito da janela, ao lado do criado em que Malfoy se jogou, e aguardou calada.

- Ao menos, desta vez, você está aqui comigo... – murmurou o loiro, com um sorriso derrotado. Sem dar tempo para que ela respondesse, Draco levantou de súbito e a beijou com a mesma avidez do primeiro beijo em frente à Praça da Realeza.

Pela fresta, Rony, observava a cena, atônito. Queria explodir, amaldiçoar Malfoy, estuporá-lo, gritar com Hermione. Mas nada fez. Ficou olhando o beijo, sentindo sua alma gelar, seu coração deixar de existir.

Havia levantado apenas porque sentiu falta da noiva, que deveria ter permanecido em seus braços até o sol raiar, quando finalmente partiriam para a Floresta por caminhos que só ele, Harry e ela conheciam.

Ouviu barulhos no quarto e, quando chegou, Malfoy já se levantava e tomava o rosto de Hermione entre as mãos, beijando-a como quem conhece bem aqueles lábios.

Não conseguiu compreender sua falta de reação. Decidiu deitar novamente, esperando que tudo não passasse de um pesadelo, que talvez Malfoy tivesse beijado sua irmã ao invés de sua noiva.

Mas Gina estava quieta ali, com a cabeça apoiada no peito de Harry, e as chances de Malfoy ter beijado seu pai, Gui ou Charlie eram muito remotas.

O primeiro raio de sol despontou no horizonte e iluminou a sala, no mesmo instante em que Rony jurava a si mesmo que deixaria o caminho livre para que Hermione ficasse com quem ela quisesse. Ele sabia que ela não aceitaria facilmente romper o noivado. Não por amor a ele, que acreditava inexistente depois da cena que presenciou, mas por consideração a sua família.

Sairia da vida de Hermione de qualquer jeito, e a deixaria ser feliz com o “sangue-puro”. Faria isso com honra. A batalha que aconteceria logo mais se mostrava agora providencial para o ruivo, como uma benção ou mesmo um bálsamo capaz de aliviar aquela dor que, ele sabia, iria atormentá-lo pelo resto do dia, talvez pelo resto da vida.

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