Distraídos



E foi assim que nos juntamos distraídos
Que no começo tudo é muito divertido
Mas sempre tinha um amigo pra falar
Que o nosso amor nunca foi feito pra durar


Inspira. Expira. Inspira de novo, devagar. Os trapos que uso como camisa estão grudados às feridas, que insistem em não cicatrizar. Não quero me mexer, porque sei que vai doer ainda mais. No entanto, não consigo adormecer e a posição na qual me encontro começa a incomodar.

Já deve ter amanhecido, pois posso escutar que a movimentação está maior do lado de fora da minha cela. Os dementadores estão arrastando o carrinho dos corpos, e se ainda restasse alguma migalha de piedade no meu peito, eu estaria com dó da pobretona traidora do sangue, que agora exibe uma expressão de angústia silenciosa e desesperada. Ela dormiu tanto quanto eu esta noite, ou seja, quase nada. Aproveitei-me da escuridão da cela e, principalmente, do canto onde tenho a minha cama dura de pedra, para observá-la enquanto ela inspecionava o lugar onde estamos. Mania de grifinórios. Precisam se certificar de onde estão para calcular as potenciais chances de fugir. É quase matemática de trouxas. Mas acho que a Weasley não é idiota e está com esse olhar desanimado simplesmente porque percebeu que não há como fugir de Azkaban. Ainda mais quando se trata de uma prisão dominada pelo lado do Lorde das Trevas.

Um cheiro fétido invade minhas narinas quando os guardas passam exatamente em frente à nossa cela, arrastando o pesado e barulhento carrinho. Observo que ele está repleto de corpos daqueles que não resistiram aos maus tratos aplicados como julgamento e punição em Azkaban. A Weasley se vira para o lado, sem fazer barulho. Não consigo enxergar de onde estou, mas posso jurar pela alma de meu avô, Abraxas Malfoy, que ela está vomitando.

- AI!!!

Droga, mil vezes droga! Tentei me apoiar para ver melhor o que a Weasley fazia e a ferida no meu pulso abriu de novo! Droga! Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não pude evitar que grossos pingos de sangue estalassem no chão antes que eu conseguisse pressionar a ferida com o primeiro pedaço de pano sujo que encontrei.

- Não faça isso, Malfoy! – a pobretona se levantou e caminhou até mim, os olhos com um brilho estranhamente determinado. Eu apenas me encolhi mais na cama, o que provocou a erupção de outras feridas menores, e mais alguns resmungos de dor.

- Do que você está falando, Weasley?

- Estou falando desse pano imundo – ela começou, retirando o pano de cima do meu pulso. O sangue voltou a jorrar no breve instante que levou para ela rasgar um pedaço da própria capa e pressionar contra o machucado. – Assim está bem melhor, se você usar esse trapo sujo vai pegar uma infecção.

- Você está achando que vou deixar você... cuidar de mim? – perguntei, puxando de volta o pulso que ela ainda segurava, mas sem retirar o pedaço de pano limpo que ela deixou ali. Ensaiei minha melhor voz de desprezo para continuar – Eu não preciso da sua ajuda, sei muito bem me virar sozinho por aqui. Cheguei primeiro que você, lembra-se?

- Como queira – e ela virou as costas, voltando para o outro canto que ocupava na cela, sentando-se de novo sobre o colchão apodrecido.

Os cabelos dela ondularam de uma maneira bastante rebelde enquanto ela caminhava, o movimento acompanhando os poucos passos firmes e decididos que ela deu dentro daquele cubículo até alcançar o pedaço de chão que tinha tomado como lar.

Eu queria que a Weasley ficasse quieta, que me deixasse em paz como eu estava antes de ela chegar. Mas concluí corretamente que ela não seria capaz de manter a boca fechada. Ela precisava falar, perguntar, questionar, meter o bedelho em tudo o que não lhe interessava. Precisava ser o que sempre foi, uma perfeita grifinória! E eu não estava disposto a falar nada...

- ...E foi assim que eu cheguei aqui, pobretona. A Ordem da Fênix foi incapaz de conseguir me manter protegido no Largo Grimmauld. Quando Snape decidiu, ele simplesmente voltou e me tirou de lá, embora eu não tenha entendido isso muito bem. Primeiro ele parece querer me proteger, depois começo a achar que ele quer mesmo que eu morra. Enfim, está feliz em saber?

A chata da Weasley insistiu tanto nas perguntas que achei melhor responder. Afinal, aquela era uma forma de eu usar minha voz também. Caso contrário, eu tinha certeza que ela enferrujaria e depois desapareceria por conta do longo tempo em que eu permanecia calado. Eu tinha poucas chances de conversar, não só ali em Azkaban, mas também durante o período em que passei como prisioneiro da Ordem da Fênix. Sim, porque eles diziam que estavam me protegendo da fúria do meu próprio Mestre, mas na verdade eu era um troféu de guerra. Era melhor que fosse mantido com todos os olhos possíveis sobre mim. E nada poderia ser mais perfeito aos olhos deles do quem eu permanecer na sede da Ordem da Fênix, naquele momento com um novo fiel do segredo para evitar que fosse invadida pelos Comensais. Pela versão do testa rachada, eles sabiam que Snape realmente havia sido o assassino de Dumbledore. E que eu era um covarde, que merecia apenas compaixão. Eles não iam deixar de cumprir o último desejo do velho gagá: tinham que me proteger. A pobretona continuava falando:

- Mas, e os outros membros da Ordem? E meus pais, irmãos, Hermione... Harry?

Potter. Eu já esperava por isso. Demorou um bom tempo, olha só, quase um dia inteiro para que a pobretona me perguntasse sobre o famoso Potter-Perfeito-herói-do-mundo-bruxo. Acho que ela percebeu, pelo meu olhar de nojo, que eu não gostaria de me lembrar sobre os momentos em que fui obrigado a conviver com o trio maravilha no Largo Grimmauld. Oh, a busca pelas horcruxes! Oh, só assim podemos destruí-lo!, e todo esse blablablá que eu não entendo muito bem. Só sei que o que mais se discutia entre eles eram os meios de destruir essas tais de horcruxes que eu nem ao menos sei o que são. Papo de gente maluca, como só os membros dessa Ordem falida poderiam ser.

- O Potter estava bem, ao que parecia, Weasley. Continua com a testa rachada e a mania de bancar o salvador da bruxidade.

Ri de maneira sarcástica e ela pareceu ignorar a forma como falei. Mas pude ver que ficou apreensiva por eu não saber nada que pudesse confortá-la. Sei muito bem que a Weasley está caidinha de amores pelo Potter Perfeito. Mas algumas das coisas que entreouvi durante o tempo em que fiquei no Largo Grimmauld me dizem que eles não estão mais juntos. De qualquer maneira, seria mesmo impossível sustentar qualquer tipo de relacionamento amoroso durante a guerra que está se armando. Não há tempo para momentos felizes e carinhos fugazes entre casais. Só há tempo para o ódio. O amor perdeu, porque é o lado fraco desta balança. Por mais que insistam em dizer que o amor é o poder e o diferencial, este sentimento só tem enfraquecido a humanidade desde os seus primórdios. Não seria diferente quanto ao mundo bruxo. Qualquer relacionamento que comece durante estes tempos está fadado ao fim. Estes amores não foram feitos para durar.

A pobretona parou de me importunar depois desta resposta. Mas as minhas feridas não. Estou tremendo de frio e acho que devo estar com febre.

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