CAPÍTULO 4




Capítulo 4



Draco refazia o caminho inverso ao que fizera há três dias atrás, assim que chegara a Livstarshire. Mas, dessa vez, ele pode “apreciar” melhor o povoado. Apreciar não é bem o termo que eu usaria, mas foi o que ele usou, quando disse para si mesmo “Só depois de três dias nesse fim de mundo é que vou ‘apreciá-lo’.”; então eu também usarei. Pois bem, Draco deu a devida atenção à loja de roupas finas, de onde saiam mocinhas bem vestidas e tagarelas. E também deu a não tão devida atenção ao Armazém do Gómez, a mesma “coisinha bizarra” que o recebeu tão calorosamente. Ironicamente dizendo, pra quem não entende a refinada arte do sarcasmo.
Ah, e já que tocamos nesse assunto devo avisar a vocês, queridos leitores, que o Destino (ou seja, eu mesmo) é muito sarcástico. Portanto, caso queiram continuar a ler esta fantástica história, sugiro que tenham umas aulinhas particulares comigo mesmo, ou com o nosso querido Draco, tão apreciador de ironia quanto eu.
Voltando ao nosso desgraçado protagonista, Draco observou o quanto pode. As carroças carregadas de trigo, os poucos carros que trafegavam nas ruas de pedra quente, o cachorro sarnento sendo enxotado do lixo do açougue. E, claro, sem esquecer-se de olhar atentamente as placas das casinhas bem pintadas, à procura da barbearia, provavelmente a única da cidade.
A placa fora recém pintada. As letras de forma vermelhas formavam as palavras Barbearia Maggot. A fachada do sobrado era simples e em cima da barbearia ficava outro pavimento. Através do vidro, Draco pode ver um senhor de cabelos brancos e bem cortados, obviamente, esculpindo o bigode de uma morsa que aparentava um ser humano. Ou um ser humano que aparentava uma morsa, que seja... Uma velhinha provavelmente preparava café para os clientes, pois o cheiro chegava ondulante e amargo até o outro lado da rua e seu rosto estava envolto em vapor. Ele olhou para a porta aberta, claramente receptiva. Atravessou a pista depois que uma carroça carregada de melões passou e o condutor lhe cumprimentou pegando na aba do chapéu.

~Uma observação sobre nosso desgraçado protagonista~
Ele não é educado.
Ele é bem culto, é verdade, mas quanto à tratar bem as pessoas...
Se torna claro pra vocês que ele não cumprimentou o carroceiro, não?
E partir de hoje vocês também não irão estranhar qualquer malcriação da parte dele, suponho.


-Você veio!
-Parece que sim. – ele falou sem emoção e entrando na barbearia.
-Mamãe, pai, esse é Logan McCready. – ela falou mais alto.

O velho barbeiro limpou a mão suja de espuma nas laterais da calça de flanela. O aperto de mão chegou firme. A senhora enroscou a tampa da garrafa, a colocou numa mesinha bamba e também o cumprimentou com um aperto de mãos. Ofereceu seu café e Draco o recusou prontamente.

-Bom, acho que você pode sentar aqui. – Donna rodou a cadeira giratória. Draco olhou para a espuma que escapava do assento antes de sentar. Percebeu também a estranha coleção de objetos que pendiam de uns pregos fincados na parede. Tesouras, navalha, pentes, um espanador... A garota usou quase todos para reformar a sombra que Draco havia se tornado.

-Sabe do que você tem cor? – ela perguntou num determinado momento.
-Não. – ele disse do seu jeito pouco educado. Brutal.
-De absinto.
-O que?
-Absinto. Nunca tomou um bom cálice de absinto? É verde, um verde bem claro. Desbotado, triste e perigoso.
-Perigoso? Que perigo pode ter uma bebida? – ele perguntou sabichão.
-Só tomando para saber. – ela disse com um sorriso meia boca enquanto passava espuma no rosto encovado e sombrio de Draco.
Ela nunca sorria de verdade. Não um sorriso flamejante, que chegue aos olhos. Só sorrisos de mofa, irônicos, de deboche. Sorrisos cínicos e belos.
Abriu a navalha com as pontas dos dedos rosados e passou a lâmina fosca na palma da mão. Seus dentes da frente moderam o lábio de baixo. A carne empalideceu. A navalha segurada firme e suavemente arrastava os pelos junto com a espuma. Draco arfou quando ela passou a lâmina no seu maxilar.

-Quer saber de mais uma coisa? – ela perguntou quando o silêncio a incomodou.
-Na verdade...
-Na verdade, o que? – perguntou riscando a bochecha dele com a navalha, intimidante.
-Na verdade, eu adoraria.
-Bom... Hum, bem aqui, - disse fazendo pressão com o aço num ponto do pescoço dele, pouco abaixo do osso maxilar – tem uma artéria sua chamada carótida. Ela leva sangue para toda a sua cabeça. – seus olhos brilharam nesse instante. – Seria meio perigoso se essa navalha escapasse, não?

O som foi agudo, desagradável e penetrante. Caiu e escorreu líquido até os pés de Donna. Ela recolheu e fechou a navalha. Estava saciada. Ela viu ele fechar os olhos bem apertados enquanto a navalha riscava o ar. Quando esta caiu no chão foi que ele voltou à sua típica indiferença.

-Eu gostaria mesmo de saber o que se passou pela sua mente agora.
-Se passou “Que brincadeira mais estúpida! Sinceramente”...
-Sinceramente você morreu de medo. Aposto que está suando frio. – ela falou tirando a capa que havia colocado sobre Draco.
-Não pense que por que não estou pagando, Weasley, que pode fazer isso comigo. Eu não lhe cedi esse direito. E se quiser, eu posso vir aqui e jogar esse dinheirinho infeliz na sua cara. Pelo visto você nunca tem sorte mesmo com família. Deve ser uma força magnética que só atrai pobres pra você...
-Ei! Não fala assim comigo! – ela disse se levantando de um sofá creme, onde havia se sentado para o escutar. – Você é que não tem o direito de falar mal de mim na minha casa. Eu não quero seu dinheiro. Sei o quanto se esforçou para conseguir ele. Eu disse que estava lhe fazendo um favor por que gosto de ajudar os outros. Faz bem para os outros mas principalmente para a minha alma. E eu até hoje não entendi essa coisa de “weasley”. E que história é essa de outra família?
-Quanta caridade... Acho que você também está precisando de ajuda. Olha só pro estado dessa barbearia. – ele falou apontando para o teto ligeiramente infiltrado. Estava sob a soleira da porta.
-Sai. – ela disse sem alterar a voz. – Por favor, Logan, eu não quero ter uma briga maior com você. Depois nós conversamos.
-Você quem pensa. – ele disse antes de finalmente sair do recinto. O pai de Donna, que foi o único que restou, olhou rispidamente para a moça, mas ela fez um gesto duro com a mão que com certeza queria dizer “Depois!”.


Mais tarde, quando o sol já não mais aquecia a terra e a luz que iluminava as ruas de Livstarshire era a dos postes, um rapaz trancado num quarto úmido e iluminado apenas à luz de um lampião de querosene, lia um livro. Dicionário e Tesauro Duden Completo.

Carótida s.f. (Anat) Artéria responsável por fornecer o sangue a toda a região da cabeça, sendo de calibre regular e de vital importância.”*



*O nome do dicionário foi retirado do livro A menina que roubava livros. O significado de carótida foi retirado da minha cabecinha graças à uma pequena pesquisa.

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