CAPÍTULO 3




Capítulo 3



-Senhor Parsons, você conhece alguma Belladonna? - perguntou Draco, colocando um livro de Aritmética (se perguntando que troço era esse), no alto de uma estante velha.
-A Donna? Já conheceu a garota? Ela é tão enérgica, não acha?
-E ela trabalha em que?
-Bem, ela ajuda o pai na barbearia. Corta os cabelos das senhoras. Na verdade faz as mais variadas esculturas capilares. – o velho tossiu asmático em um pano manchado. Apoiou-se na estante mais próxima e continuou a tossir encurvado. Draco desceu da escada para ver como o velho estava.
-Senhora Parsons! – ele gritou pedindo ajuda. Ele não era bom em prestar primeiros socorros. Vai que o velho estivesse enfartando...
A mulher apareceu, miúda como sempre, arrastando as pantufas e tirando o avental molhado.
-Velho, tomou seu remédio hoje? – ele sacudiu a cabeça negativamente. A mulher saiu o arrastando pela escada espiralada que dava acesso aos quartos. Draco continuou seu serviço. Pouco se importava com o velho. Se bem que se ele ficasse doente quem cuidaria de tudo? E o seu salário? Ele precisava daquela ninharia para sobreviver.

O sino tocou anunciando que alguém entrava na porta.

-Ah, você de novo? Olá. O Sr. Antonie está? – Draco se virou lentamente, rezando para que não fosse a maldita tagarela. Mesmo com toda a certeza que era ela.
-Quem? – ele perguntou rude, olhando para a figura ruiva à sua frente. Ela estava deslumbrante hoje, assim como ontem quando a conhecera. Vestia um macacão jeans e uma blusa com estampas de rosas vermelhas. E sandálias de couro. Sua expressão era como a de ontem. Lúgrube.
-Ué, o senhor Antonie! – ela olhou para o rosto dele sem um único sinal de compreensão. – O senhor Parsons, sabe quem é? O dono do sebo.
-Ah, ele passou mal e...
-Ele passou mal? Ele tomou os remédios? – ela perguntou aflita, deixando uma pilha de livros sobre o balcão de mogno.
-Não. A senhora Parsons estava brigando com ele por que...
Ela subiu as escadas às pressas, as sandálias de couro não faziam barulhos, mas seus passos ecoavam surdos pelo aposento abafado. Draco voltou a espanar as estantes.
Logo a garota estava de volta. Ela parecia realmente preocupada ao subir, mas agora sua expressão serena voltara. Como sempre, sem sorriso.

-Eu nem falei com você direito, Logan. Como foi o seu dia?
-Empilhar livros não é nada legal, se quer saber.
-Pois eu adoro esse lugar. – ela disse observando-o espanar os livros. Como um elfo doméstico. - Quantos você já leu?
-O que?
-Já escolheu algum desses para ler? – ela perguntou fazendo um gesto amplo com mão. Ele não respondeu. Ela correu os dedos carinhosamente, capa por capa, prateleira por prateleira. Seus olhos corriam junto com a mão e também tocavam macios os papelões coloridos. – Eu já li 108. – disse distante. Draco virou para encará-la, mas ela continuava hipnotizada, imaginando quanto conteúdo se poderia adquirir lendo todos eles.
-Você não leu isso tudo!
-Claro que eu li.
-Então você certamente se lembra do primeiro. – ele falou com a garganta seca.

~Uma fugaz recordação~
Você abre os olhos e não se lembra de nada.


-E por que eu deveria me lembrar? – ela perguntou empertigando-se.
-Você sabe a quantidade exata de livros que já leu e não se lembra do primeiro?
-Eu tenho que ir, Logan. Você sabe onde é a barbearia? – ela perguntou com a mão já na maçaneta manchada.
-Não, mas duvido que seja muito difícil de encontrar.
-Certo, então, caso queira alguém para conversar, ou para te mostrar o povoado, ou mais provavelmente cortar os cabelos, pode me procurar lá.

Ele mais uma vez não respondeu. A garota saiu carregando fúria e alguns ácaros consigo. Draco limitou-se a resmungar.
“Conversar... Cortar os cabelos... Mostrar o povoado! Por Merlin!... aturar esses trouxas...”
Draco olhou para o aposento envolto em penumbra. Uma sombra disforme exigiu sua atenção. A pilha de livros.

Ele precipitou-se pela porta e olhou para o começo da rua. O vermelho que procurava já estava um pouco longe.

-Belladonna! – ele gritou. Baixo, pois sua garganta seca o incomodava. – Belladonna!

Ela parou. Pareceu analisar por um momento antes de virar-se. Mirou a fachada da casa torta próxima ao pântano e encontrou o emissor. Alguns passos foram precisos para que ela ouvisse claramente o que Draco tinha a dizer.

-Você esqueceu seus livros.
-Não são meus. São do Sr. Antonie. Ele me empresta sempre, quase ninguém passa lá, mas esses obtusos não sabem o que estão perdendo. – Draco lhe estendeu a pilha – Ele disse que você os colocava no lugar.
-Ótimo, mais trabalho. – ele disse baixo.
-Deixe de ser ranzinza. Parece um velho.
-Eu sou velho.
-Sei... – ela disse se aproximando, procurando os anos entre as rugas do rosto do rapaz. – Mas duvido que tenha mais de 20. Mas você deveria fazer essa barba. Se você não passar na barbearia hoje à tarde, eu apareço no sebo para tirá-la a força do seu rosto.
-Por que se interessa tanto em tirar a minha barba? Que diferença isso faz na sua vida?
-Eu gosto de deixar as pessoas bonitas. E é sempre bom ajudar as pessoas. Vamos, - ela falou lhe dando um murrinho no braço magro – fica tudo por minha conta. Te espero às três. – falou voltando a se misturar com as carroças e a multidão.
-Vai sonhando... – ele disse. Mal sabendo que ela o ouvira perfeitamente. E que ela soube nesse momento que ele apareceria sim.

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