Sobre as maçãs e os Dragões
Mary sentiu que realmente seria capaz de se jogar pela janela se não estivesse paralisada com o choque que levara com aquela visão.
- Por que não nos contou que estava namorando um dos bruxos mais ricos e poderosos do mundo? – perguntou sua mãe baixinho no seu ouvido, não em tom de repreensão, mas como alguém que havia sido pega em uma surpresa e estava muito feliz – Eu poderia ter feito algo melhor para servir no jantar.
Mary viu todas as melhores peças de louça postas à mesa, flores e os pratos mais deslumbrantes de carne assada e batatas com molho que sua mãe já havia feito na vida. Tudo especialmente preparado para a presença de alguém importante.
- Mary! – exclamou seu pai, também parecendo imensamente feliz – Que surpresa de natal você nos trouxe esse ano!
Ela lançou um olhar mortal para Doumajyd, que continuou sorrindo satisfeito, e perguntou entre os dentes:
- Posso saber o que está fazendo aqui?
- Conhecendo sua família. – ele encolheu os ombros, como se estivesse falando a coisa mais óbvia do mundo.
- É exatamente isso que eu perguntei! O que está fazendo aqui na MINHA casa com a MINHA família?!
- Por quê? – perguntou ele parecendo confuso – Não é natural eu conhecê-los?
Era muito mais do que inacreditável. Ela não só estava com um problema da escola enfiado dentro da sua casa em plena semana de natal, como também sua família estava tendo uma idéia totalmente errada sobre aquilo e chegando a conclusões absurdas e improváveis.
- Eu posso chamar você de irmão? – perguntou Charles para Doumajyd, achando um máximo ter um bruxo famoso ao seu lado na mesa.
- E por que não? – Doumajyd lhe deu um tapa nas costas que quase fez com que o garoto afundasse seu rosto no prato a sua frente, e riu comentando – Um irmãozinho trouxa... Nunca pensei nisso!
- Eu posso falar em particular com você? – sibilou Mary, tentando se manter calma.
- Agora? – perguntou ele a meio caminho de por uma garfada de batata na boca.
- AGORA!
Os copos sobre a mesa estouraram e todos, menos o líder do D4, ficaram em pé com o susto.
- Eu vou comer a carne assada primeiro! – protestou Doumajyd – Percebe? Ela foi feita pela sua mãe em um forno trouxa!
- Não seja mal educada, Mary! – reclamou sua mãe, limpando os cacos de vidro dos copos e correndo para substituí-los – Vamos jantar primeiro ou a comida vai esfriar! Depois você e o senhor Doumajyd terão tempo para conversarem!
Totalmente sem poder ir contra os argumentos de sua mãe, e não querendo causar conflitos desnecessários, Mary sentou em seu lugar e assistiu, enfurecida, as cenas de um jantar alegre, onde a sua família tratava Doumajyd como um rei e ele agia como tal.
***
- Com sua permissão, senhora Doumajyd. – pediu respeitosamente um bruxo grisalho, que usava vestes pretas, ao entrar no amplo escritório da mansão Doumajyd.
Atrás de uma majestosa mesa de mogno, uma bruxa de meia idade escrevia uma carta em um pergaminho oficial do Ministério. Ela mantinha os cabelos castanhos presos firmemente em um penteado elaborado e usava óculos tão delicados que parecia ser todo feito de cristal. E seu olhar intenso, mesmo estando concentrado no pergaminho, mostrava-se capaz de intimidar até mesmo um sábio bruxo da Primeira Ordem.
- O que foi, Richardson? – perguntou ela impaciente, sem tirar a sua atenção do que estava fazendo.
- É sobre o quebra-cabeça do senhor Christopher.
- O que tem ele?
- A senhora sabe que ele só monta aquele quebra-cabeça quando está preocupado em achar uma solução para algum problema ou quando está satisfeito com algo que planejou.
- Sim.
O bruxo excitou um momento, pensando bem nas palavras que iria usar, e então continuou:
- Bem, o quebra-cabeça está quase todo montado no quarto do senhor Christopher, mas ele não está lá ou em qualquer parte da mansão.
Por um tempo, o bruxo permaneceu calado não ousando ao menos se mexer, enquanto a bruxa analisava o que tinha escrito. Então ela largou a carta, tirou os óculos e ordenou:
- Richardson, investigue o que meu filho está aprontando.
- Sim, senhora. – ele fez uma meia reverência e saiu silenciosamente do escritório.
***
Mary arrastou um Doumajyd um tanto relutante pela rua, procurando por um lugar afastado da sua casa em que eles pudessem conversar. Eles enfim entraram em uma lanchonete não muito longe do bairro dela.
Depois de o deixar em uma mesa, Mary precisou de um tempo no banheiro para chutar a parede e descarregar toda a sua raiva, e assim conseguir falar com o Dragão sem socá-lo novamente. Quando voltou, com emoções totalmente controladas, reparou que não havia mais ninguém no local além de Doumajyd. Este olhava para o cenário anormal repleto de eletricidade, estranho para a sua realidade.
- Onde foi todo mundo? – perguntou ela confusa, sentando na frente dele na mesa.
- Eu os mandei irem para casa.
- Ah, bom, eu... – ela estava a meio caminho de tomar seu suco que pedira quando lembrou que ali não era a escola e as pessoas não o obedeciam cegamente, e quase cuspiu na cara dele – O QUÊ?! VOCÊ USOU MAGIA?!
- Sim. – respondeu ele não entendendo a reação dela. – Você disse que tinha algo importante para falar, então não seria melhor estarmos a sós?
- Não precisava ter feito isso! – ela repreendeu, pegando um lenço no bolso do seu casaco para limpar a bagunça do suco.
- Sabia que é a primeira vez que visito uma família trouxa e pobre? – anunciou ele empolgado, como um menino que pela primeira vez ia ao zoológico.
- Sabe, – começou ela trincando os dentes para não xingá-lo – a maneira como a minha família vê as coisas é totalmente diferente da sua. Por isso, você vir assim, de surpresa, na minha casa é completamente... Está me ouvindo?
Ela reparou que ele olhava fixamente para a sua mão, então percebeu que o lenço que usava era o que Hainault havia lhe dado.
- Isso é do Ryan, não?
Mary não respondeu o óbvio e apertou o lenço na mão.
- Você não devolveu para ele?
- É... – começou ela, mas não pôde falar o ‘não consegui’.
Doumajyd levantou do seu lugar, parecendo muito agitado e perguntou, se escorando no balcão perto da mesa.
- Você... você gosta do Ryan? Mesmo ele tendo ido atrás da Sharon?
- Não é isso, eu... – ela parou pestanejando, pensando no que estava dizendo e o encarou – Não é da sua conta!
- Como não é da minha conta?! – perguntou ela incrédulo.
- Não é!
Ele bufou e olhou para os lados tentando encontrar as palavras para continuar:
- O Ryan... gosta muito de maçãs.
Mary não entendeu onde ele queria chegar com aquilo e permaneceu calada, para ele se explicar.
- Ryan sempre adorou maçãs, desde pequeno. Mas mesmo depois de crescido, ele continuava as ralando para comê-las. Ele não sabia comer maçã com casca e usava colher como um bebê! Era irritante!... Eu tentava mostrar para ele como que um homem deveria comer maçãs, mas ele nunca me dava ouvidos, e eu odiava isso... Então eu disse uma coisa para ele...
- ... O quê?
- Eu... eu inventei uma mentira para tentar fazê-lo parar de comer maçãs raladas. Eu disse que Simon tinha contado que maçãs sem cascas aumentavam a probabilidade de uma pessoa ficar careca.
- ... e ele acreditou em algo estúpido como isso?
- Ele tinha medo de ficar careca como o pai! E depois disso, ele nunca mais comeu as maçãs! Resumindo: eu tirei dele uma das coisas que ele mais amava no mundo... Mas foi sem querer! – ele apressou-se em se defender – Não achei que ele pararia de comê-las por causa disso!
- Então é por isso que aquele dia na estação... Ok, entendi isso. Mas o que essa história de maçãs tem haver com o que estávamos falando?
- Em outras palavras, eu tenho uma divida muito grande com o Ryan.
- Basicamente se sente culpado, não?
- Enfim... se você estiver apaixonada por ele, eu não vou cometer o mesmo erro de novo!
Ela o encarou, processando o que ele falara e então disse:
- E... e se eu realmente gostei dele? Não importa! Ele sempre gostou da Sharon, não? Ele não olharia para mais ninguém além dela!
Doumajyd voltou a sentar-se à mesa, mas dessa vez apoiando os braços nela, para poder falar mais de perto com Mary:
- Se você realmente se apaixonar por mim-
- Ei!
- Se você se apaixonar, – disse ele de novo para que a intromissão dela não quebrasse o efeito do que ele iria dizer – o Ryan vai se apaixonar por você.
- Ahn? Por que isso aconteceria? – perguntou ela perplexa.
- Por que você é a garota que eu coloquei acima de todas as outras, não é óbvio?
Mary ficou completamente sem nada para dizer diante daquela declaração, principalmente por quem a estar fazendo ser justo o ilustríssimo senhor Christopher Doumajyd. Por isso ela não reparou que lá fora, atrás de uma cerca, sua família espiava a cena contente.
***
Depois de Doumajyd finalmente ter ido embora, Mary voltou para casa pensando em tudo o que ouvira. Ele estava realmente falando sério com ela. Ela não fazia idéia de quando isso começara a acontecer, de quando o ditador de Hogwarts se apaixonara por ela. Até então, era algo que soava totalmente absurdo, mas agora...
- Mary!
Ela quase tropeçou e caiu de cara na calçada quando sua mãe pulou de algum lugar a frente dela e fechou seu caminho.
- Mãe?! O que faz... Pai? Charles?
Os outros dois apareceram também, parecendo muito felizes.
- Muito bem, Mary! – exclamou seu pai contente – Eu esperava que você fosse arranjar um bom partido mágico em Hogwarts, mas pegar justo o melhor? Essa é minha garota!
- É sério que os Doumajyd têm negócios até na América? – perguntou Charles empolgado – Eles devem ser imensamente ricos!
- Se você se casar com ele, – começou sua mãe sonhadoramente – poderemos comprar uma casa maior! Quem sabe em Hogsmeade!
- Mãe!
- E eu vou poder comprar um monte de jogos! – Charles arregalou os olhos, pela primeira vez pensando nas possibilidades – Acho que Doumajyd iria gostar de jogar também!
- Nós seriamos ricos também! – disse seu pai perdido em pensamentos, mas com os olhos brilhando.
- Pai!
- Não deixe ele escapar, Mary! – ordenou sua mãe autoritariamente – Nunca vamos ter uma chance igual na vida!
- Ricos! Ricos! Ricos – cantarolava Charles e seu pai.
- Querem parar! – Mary continuou o seu caminho, deixando sua família ainda comentando sobre seu futuro para trás.
Então ela pensou em Doumajyd falando que ela era a garota que ele havia colocado acima de todas as outras, e parou.
- Sabe... – ela virou para eles novamente e cruzando os braços anunciou – Eu continuo achando que Christopher Doumajyd é realmente um grande idiota! – e voltou a andar furiosa em direção a sua casa.
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