Consequências e a nova aliada

Consequências e a nova aliada



- Você o beijou?!
Mary quase se engasgou com o doce que estava comendo quando, no dia após a festa de Sharon, contava o que havia acontecido para Vicky:
- Não fala tão alto!
- Que bom! – exclamou Vicky rodando com os vasos de orquídeas arco-íris pela estufa.
- Que bom nada! – Mary torceu o rosto em uma careta – Foi horrível!
- Mas... – Vicky estava confusa – Você não gosta dele?
- Como eu posso gostar dele?! – ela se atrapalhou com a colher e o pote e quase os deixou cair diante da pergunta da amiga.
- Mas... você não disse que gostava do Cavalheiro de Olhos Frios?
- Não foi ele... Ah, foi tão horrível... – lamentou-se ela perdendo todo o seu pouco ânimo só em relembrar da cena.
- Então, quem foi? – Vicky deixou o que estava fazendo e sentou-se ao lado da amiga na mesa, mais curiosa do que o normal.
Mary olhou para os lados, de cabeça baixa, envergonhada só em ter que pronunciar aquele nome quando os fatos ainda estavam tão recentes:
- ... Doumajyd.
- O LÍDER DO D4?!
- VICKY!
- Co-como alguém que te considera uma inimiga pode te beijar? – perguntou Vicky perplexa.


***


- Acho que na verdade ele queria isso! – comentou Nissenson rindo, enquanto fazia a sua jogada no xadrez bruxo.
Ele, MacGilleain e Doumajyd estavam na ala especial do D4, no salão principal. Os dois jogando enquanto o líder descarregava a sua cota de raiva do dia usando dardos e uma foto de Hainault na parede.
- É claro que não! – rugiu o dragão da Sonserina – Foi um acidente idiota!
- Mas você não pode negar que aquilo foi uma cena muito livro de romance, não Chris?
- Acham que eu realmente queria beijar aquela sangue-ruim?!


***


- A probabilidade é muito grande!
Mary Ann e Vicky quase caíram de susto quando a professora Karoline entrou na estufa abrindo as portas de repente, demonstrando que estava ouvindo já há muito tempo a conversa das duas. As garotas se entreolharam e Vicky perguntou:
- Probabilidade do quê?
A professora irrompeu pela sala, dando olhadas rápidas em cada uma das suas plantas, enquanto explanava:
- Aquele que lhe deu seu primeiro beijo é para você seu maior inimigo! A sua vida sem graça ira se transformar em uma aventura romântica repleta de emoções!
- Ah, não... – Mary rui nervosamente, não querendo nem imaginar essa probabilidade.
- O seu primeiro beijo foi roubado pelo homem que você mais odeia! – continuou dramaticamente a professora – E foi justo na frente da pessoa que você mais gosta! – a professora começou a gargalhar de uma forma escandalosa, se divertindo com sua própria imaginação.
- Por que está importunando a Mary? – perguntou Vicky com pena da amiga.
- Mas... – a professora mudou totalmente de atitude, sentando-se na mesa de frente para elas e perguntando sonhadoramente – E como foi?


***


- Não foi o primeiro! – praticamente cuspiu Doumajyd para os amigos.
- Mas, pelo que eu saiba, – disse Nissenson calmamente observando suas possibilidades no tabuleiro – esse foi o seu primeiro beijo.
- Já disse que não!
- Como sempre, o que o Chris faz é diferente dos outros... – comentou MacGilleain enquanto esperava a sua vez de jogar.
- Vocês não sabem tudo sobre mim! – defendeu-se Doumajyd.
- Então quando foi? – desafiou Nissenson o encarando triunfante.
- Ahn?
- Se não foi ontem o seu primeiro beijo, quando foi?
- Ahn... então... – Doumajyd girou o dardo nos dedos, tentando disfarçar o seu esforço em encontrar uma resposta, e então tentou – Esses dias?


***


Mary e Vicky estavam voltando para dentro do castelo, depois de terem conseguido despistar a professora Karoline. Mary segurava o lenço que Hainault havia lhe dado, devidamente lavado e limpo, pronto para ser devolvido.
- Aaaaah... – ela suspirou segurando o lenço com as duas mãos na sua frente – Não posso mais ir para a Torre do Desabafo!
- Mas essa não é uma boa oportunidade? – tentou ajudar Vicky – E se você se declarasse?! – ela fez uma pose de menina romântica, com os olhos brilhantes ao falar com o seu amado, e usou uma voz meiga – Mesmo tendo acontecido aquele lamentável fato, é de você que eu gosto! Eu só tenho olhos para você, Hainault!
- Eu não vou dizer uma coisa dessas! – disse Mary impaciente – Primeiro... ele já tem a Sharon.
- Mas, dizendo o que você sente, – começou Vicky voltando ao normal, usando um tom sério – mesmo tendo uma pequena chance, não seria melhor?
Mary olhou novamente para o lenço e suspirou mais uma vez:
- É...


***


- Não me falem do Ryan! – alertou Doumajyd lançando um dardo certeiro no rosto do dragão da foto.
- Não fica assim, Chris! – pediu MacGilleain, fazendo pouco da teimosia do amigo – Perdoa ele.
- Só se ele pedir desculpas antes!
- Você diz isso, mas quando o Ryan não está, fica perdido, nervoso e resmungando. – ajudou Nissenson.
- Nada a ver! – o líder jogou mais um dardo, dessa vez errando – Não faz diferença nenhuma ele estar aqui ou não!


***


- Não arraste tanto as coisas e vá fazer as pazes com o Christopher. – aconselhou Sharon para Hainault, enquanto eles voltavam de um passeio até Hogsmeade.
- Ultimamente ele tem estado insuportável. – confessou Hainault.
- Talvez ele esteja com problemas com a mãe.
- Mas o que mais me deixou com raiva foram as coisas rudes que ele lhe disse.
- ...Você não ficou com ciúmes naquela hora? – Sharon tentou desviar o assunto.
- Como?
- Eu entendo porque você gosta dela. – comentou Sharon – Mary tem força para não desistir, mesmo não tendo ninguém para apoiá-la. Ela é muito sincera, não? Nem eu ouso me comparar...


***


- Chris! Chris! – chamou MacGilleain pelo amigo indicando para que desse uma olhada no Salão Principal abaixo deles – Olha quem está vindo!
Doumajyd, procurando não demonstrar interesse, olhou. Mary entrou no salão junto com uma aluna do quinto ano e agora estava indo para a mesa da sua casa.
- Por que não vai lá falar com ela? – sugeriu Nissenson e recitou solenemente – Um encontro, uma única chance.
- Nem morto! – respondeu Doumajyd voltando para a sua poltrona.
MacGilleain e Nissenson riram e voltaram as suas atenções para o jogo, enquanto Doumajyd espiava pelo canto dos olhos Mary Ann passar por debaixo da ala.


***


Quando entraram no castelo, Hainault e Sharon ainda discutiam sobre o que tinha acontecido:
- Você precisa olhar a sua volta, Ryan. E assim poder viver com o coração aberto e fazer o que pensa.
- Hum... – resmungou Hainault, voltando totalmente ao seu jeito indiferente de sempre, muito longe daquele garoto alegre de um dia antes, e murmurou – Você sabe dos meus sentimentos e fala deles como se fossem brincadeiras.
Sharon o encarou calada, demonstrando que sabia que era em parte culpada e em parte inocente por aquilo.
- Você sabe, não? – continuou ele – O que é viver de ‘coração aberto’?... Eu não sei o que isso significa! – e sem dar oportunidade para ela falar, ele saiu andando apressado, com a intenção de deixá-la para trás.
Porém ela o seguiu, não pretendo deixar que ele encerrasse a discussão daquela maneira.


***


Mary Ann estava voltando para a sua sala comunal. Os murmúrios sobre ela e o que tinha acontecido na noite anterior ainda eram a fofoca vigente no Salão Principal, o que lhe atrapalhou e muito o seu jantar. Perdendo todo o apetite, decidiu voltar de uma vez para o seu quarto. Já tinha discutido muito o assunto para um dia só e tudo o que queria era dormir.
Porém quase ao final do corredor onde estava, viu alguém passar apressado e reconheceu os cabelos dourados de Hainault. Sem pensar duas vezes ela acelerou seu passo, segurando o lenço com força dentro do bolso do casaco e tentando conter um sorriso de felicidade. Mas antes que tivesse avançado todo o caminho, Sharon passou também, chamando por ele.
Mary seguiu cautelosa até a esquina do corredor e espiou, já planejando mentalmente uma desculpa caso fosse percebida. Foi quando ouviu Sharon gritar para ele.


***


- Ryan! Espera! Eu ainda não falei tudo!... Eu decidi voltar para a França!
Ele parou com a última coisa que ela falara e ela também. Mantendo uma certa distância dele, e respirando fundo, a bruxa declarou:
- Dessa vez, para sempre!
Ele a encarou, como se Sharon estivesse dizendo um absurdo e ela continuou, decidida:
- Quero viver com meus próprios pés! Com minha própria força! Para realizar o meu sonho, vou desistir do meu nome! Não serei mais uma herdeira Seymour! Serei eu mesma sendo uma pessoa comum e com ideais de vida!
- Treinou essas frases em casa? – perguntou Hainault sarcasticamente, sem esconder seu desprezo, e continuou o seu caminho.
Sharon permaneceu um tempo ainda no mesmo lugar, o observando se afastar e então deu meia volta e saiu da mesma maneira que ele.
Mary se espremeu contra a parede para que não fosse notada pela modelo quando ela passasse.


***


Sarah não estava mais aparecendo nas aulas do sexto ano ou muito menos nas refeições no Salão Principal, e os colegas de classe de Mary não estavam deixando isso passar desapercebido. Toda hora a lembravam que aquilo era culpa dela e que a aluna transferida iria acabar saindo da escola. E Mary, decidida a acabar com isso, foi até a enfermaria, onde a garota se escondera nos últimos dias.
Lá, Sarah era tratada como uma princesa. Pela primeira vez, Mary Ann a viu como ela realmente era: uma bruxa rica, herdeira de um nome poderoso e uma imensa fortuna. Amiga ou não de uma sangue-ruim, Sarah era alguém que a escola considerava quase como um bem precioso.
A disposição dela estavam vários doces e flores, e haviam alguns livros de romance empilhados ao seu lado. Ela provavelmente não desperdiçara o seu tempo dormindo ou se lamentando pelo que aconteceu.
Ao ver Mary sendo guiada pela enfermeira, Sarah não demonstrou estar feliz. Pelo contrário, ela parecia zangada, e procurava olhar para um lado oposto.
- O que foi? Está brava por que eu demorei muito para vir visitar você? Já vou avisando que não foi bem culpa minha. Eu tive vários problemas e-
- Eu sei que você teve problemas! – disse ela cruzando os braços.
- Então... – Mary sentou em um banco ao lado dela.
Sarah permaneceu calada, mas Mary percebeu que ele se segurava ao máximo para não dizer algo, ou melhor, perguntar algo.
- ...Não quer saber desses problemas? – perguntou Mary já imaginando o que ela queria saber.
Sarah olhou fixamente para uma parte amassada do lençol branco da sua cama e disse, como se não tivesse nenhum interesse:
- É verdade que você beijou o Doumajyd?
Mary a encarou, tentando prever a reação que ela teria. A garota estava traumatizada e fugindo desde que recebera a Tarja Vermelha. Saber que sua única amiga, e apoio dentro da escola, estava de alguma forma ligada a quem lhe havia causado todo esse trauma era realmente um choque.
- Eu... – começou Mary – Foi um acidente! Foi o mais puro dos acidentes!
- Então você beijou mesmo! – ela se escondeu debaixo das suas cobertas e não disse mais nada.
- Sarah?... Sarah?!... Ok! Se você prefere ficar zangada pelo resto da vida comigo por que acha que eu estou confabulando com o inimigo, tudo bem! – disse Mary se levantando para ir embora, mas parou nos pés da cama e ainda disse antes de sair – Você acreditando ou não, vou sempre ser sua amiga e ajudar sempre que você precisar! Melhoras!


***


Ela seguiu seu caminho com passos furiosos. Não havia motivo para Sarah ficar daquela maneira já que tudo não passara de um acidente. Na sua indignação com a amiga, Mary acabou indo sem pensar para o Salão Principal. Ao se deparar com as imensas portas, ela tentou lembrar-se de como chegara ali e para qual aula ela deveria estar indo naquele exato momento. Era transfiguração, na ala norte no castelo, há pelo menos dez minutos de corrida dali. Se ela se apressasse talvez...
A sineta tocara.
- Droga! – ela saiu correndo e quase escalou pelos degraus da escadaria principal – Eu posso falar que... posso falar que... – ela tentava arranjar qualquer desculpa, mesmo que não fosse aceita pela professora, mesmo que ela levasse uma advertência ou algum castigo – Eu posso falar que a professora Karoline pediu minha ajuda urgen AAAHHH! – ela bateu em alguém em uma esquina de corredor.
- NÃO SABE OLHAR POR ONDE ANDA, IDIOTA?! – berrou Doumajyd caído no chão, mas mudou de tom assim quem viu quem o tinha derrubado – Weed?!
Agradecendo imensamente por essas pequenas surpresas que a força que rege o universo preparava cada vez mais frequentemente para ela esse ano, Mary Ann se levantou para continuar o mais depressa possível o seu caminho. Mas Doumajyd se pôs de pé em um pulo e a fechou:
- Por que está matando aula?
- Você também está matando aula! – ela deu a volta por ele e continuou andando.
- Eu estava indo assistir aula agora! – defendeu-se ele a seguindo.
- Que bom para você! – respondeu ela rispidamente acelerando o passo.
- ESPERA! – ele correu e novamente fechou o caminho dela.
- O que foi?! – rosnou Mary, tentando demonstrar que não estava nada a fim de ficar mais atrasada por causa dele.
- Aquela vez... – ele começou e parou, coçando a nuca e pensando bem no que iria falar – Aquela vez que você me beijou-
- Eu beijei?! – protestou ela incrédula.
- Você se apaixonou por mim, não? – disse ele de uma vez.
- AHN?! – se ela soubesse como lançar uma maldição imperdoável, ele com certeza não estaria mais respirando depois daquilo – Você é idiota?! Eu te odeio!
Como se não tivesse ouvido o que ela dissera, ele anunciou:
- Vamos, eu levo você para a sua aula e não terá problemas com o professor! – ele agarrou o braço dela e começou a arrastá-la pelo corredor.
- ME LARGA! – ela chutou a canela dele e voltou correndo pela mesma direção que tinha vindo.
- ESPERA! WEED! – ele a seguiu chamando.
- NÃÃÃOOO!
Ela quase voou escadas abaixou e entrou correndo no Salão Principal, mas ao passar pela porta percebeu que havia alguém lá. Então, antes de conseguir parar da sua corrida desembalada para pedir ajuda, ela ouviu esse alguém gritar:
- NÃO SEJA TÃO CONVENCIDO, CHRIS!
E Mary virou bem a tempo de ver Doumajyd rolando pelo chão.
Na porta estava parada uma mulher alta, com cabelos encaracolados e um broche oficial do Ministério da Magia preso nas vestes, que lhe parecia estranhamente familiar. Ela ainda estava com o punho no ar, e foi assim que Mary percebeu que Doumajyd havia levado um soco da estranha.
- Mentira... – ela conseguiu balbuciar diante da cena.
O dragão, ainda caído no chão e segurando o lado do rosto em que apanhara, gritou, não em tom de raiva, mas em tom de protesto:
- Doeu, Christy!
Como resposta, ele recebeu um chute, não tão violento como o soco, mas como se fosse uma repreensão:
- Obedeça pelo menos a sua irmã!
- Ir-irmã?! – surpreendeu-se Mary, olhando de um para o outro e percebendo as semelhanças.
Voltando-se para ela sorrindo, a mulher se aproximou. Ela não era tão deslumbrante quanto a Sharon Seymour, e se Mary tivesse que escolher uma única palavra para descrevê-la, usaria ‘poderosa’.
- Olá! Meu irmãozinho estava incomodando você?
Mary a encarou pestanejando, sem saber o que falar. Então se lembrou dos retratos que vira no escritório da mansão Doumajyd, quando estava perdida lá, e tentou sorrir, não sabendo o que poderia lhe acontecer dali por diante.

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