Mudança de atitudes



Tudo parecia estar calmo naquela manhã. Mary Ann já havia conseguido sair da sua sala comunal, andar pelos corredores, tomar seu café no Salão Principal e pegar o caminho para a sua primeira aula do dia, quando alguém começou a berrar em algum lugar do castelo:
- A TARJA VERMELHA! SARAH SWAN, A ALUNA TRANSFERIDA, RECEBEU A TARJA VERMELHA!!!
Ainda com a palavra ‘Tarja Vermelha’ ecoando na sua cabeça, Mary sentiu que o chão sumia por debaixo de seus pés.


***


Quando Mary alcançou aos tropeços o Salão Principal, uma roda com todos os alunos da escola já havia sido formada e Sarah estava no meio dela. Todos eles tinham bexigas repletas com algo verde, gosmento e fedido e só aguardavam um sinal. Um aluno gritou ao mesmo tempo em que jogava um balde de água fria na garota, que chorava sem ter como fugir ou se defender, e todos os outros começaram a lançar as bexigas logo em seguida.
Mary empurrou sem dó os que lhe atrapalhavam o caminho e conseguiu chegar ao centro da confusão, onde Sarah já estava caída de joelhos no chão, soluçando e coberta pela gosma verde.
- Sarah! – disse Mary a segurando e olhando com raiva para os colegas que pretendiam começar a segunda rodada de bexiga.
Foi então que ela viu três dragões do D4, Doumajyd, Nissenson e MacGilleain, sentados nas suas poltronas, admirando o espetáculo.
- Tenha um pouco mais de bom senso! – gritou ela diretamente para o líder do D4 – Seu alvo sou eu, não sou?!
- Não se faça de boazinha! – respondeu ele desdenhoso.
- E daí se você é tão rico se é tão idiota! A Sarah não tem nada a ver com isso!
- Você... – ele inclinou a cabeça para o lado como se explicasse uma coisa óbvia – não está enganada?
- Como?
- Quem declarou guerra contra mim foi você, sangue-ruim! Se sua amiguinha recebeu a Tarja Vermelha é sua culpa!
Um das bexigas irrompeu de algum lugar do meio da multidão para acertá-la, mas Mary foi mais rápida em usar a sua varinha, que já estava em punho desde o começo, e se defendeu. A bexiga parou no ar e caiu no chão, na frente do D4.
Todos olharam espantados. A gosma fedida espirrou nos sapatos lustrados de Doumajyd. Este apenas lançou um olhar para o estrago e depois a encarou com desprezo. Sem aviso, todos os alunos que ainda tinham as bexigas começaram a jogá-las nas duas, que defendiam os rostos com os braços e as mãos.
- PAREM!!!
Um silêncio anormal tomou conta de todo o Salão Principal. Quem havia dado a ordem era Doumajyd, que tinha se levantado subitamente da sua confortável poltrona.
Ele encarou todos a sua volta e então as duas encolhidas no chão, também surpresas com aquela reação. Deu três passos e parou na frente de Mary, permanecendo imóvel por um tempo, e ordenou:
- Lamba.
- Ahm? – Mary pestanejou, incrédula com aquela ordem.
- Lamba meus sapatos e eu acabarei com esse jogo.
O restante dos alunos riram e começaram a fazer pressão:
- LAMBE! LAMBE! LAMBE!
Mary olhou para a amiga que ainda chorava, agarrada na manga de seu casaco como se assim pudesse ficar segura. Olhou para todos a sua volta dizendo para que ela obedecesse.
Se submetesse a isso, ela poderia voltar aos seus dias calmos antes de ter socado o nariz do líder do D4?... Sem ainda muita certeza se o que estava fazendo era certo ou errado, Mary começou a se inclinar para obedecer a ordem.
- Você errou! – disse uma voz calma vinda da entrada do Salão Principal.
Todos olharam em volta e então um caminho foi aberto até o centro, por onde surgiu Ryan Hainault.
- Você errou. – repetiu ele falando diretamente com Mary – As horas.
Ela permanece o encarando, confusa e completamente esquecida do que estava prestes a fazer.
- Você esqueceu de contar o tempo de espera na estação até o trem sair e o tempo para chegar da estação de Hogsmeade até o castelo. Ao todo, são oito horas.
Lembrando da resposta que tinha dado a ele na noite anterior e ainda não entendendo, Mary abaixou a cabeça como se fosse culpada de algo e murmurou:
- Desculpa.
Doumajyd lançou um olhar mortal para Hainault e anunciou:
- Parei. – saindo furioso logo sem seguida do salão, e sendo seguido pelos outros dois.
Hainault sorriu para Mary, como se dissesse que ela não precisava agradecer e seguiu os amigos.
Mary retribuiu o sorriso e abraçou Sarah, que ainda soluçava e tremia ao seu lado.


***


Mary Ann correu para a Torre do Desabafo, na esperança de encontrar Hainault por lá. Precisava lhe agradecer de alguma forma. Ele a salvara de cometer o maior erro da sua vida! Por isso, depois de se livrar de toda a gosma e ajudar Sarah a se recompor, a primeira idéia que veio na sua cabeça era que ele poderia estar lá, esperando por ela.
Mas ele não estava. A torre estava tão vazia como sempre fora para ela antes de conhecê-lo.
Sem querer voltar para qualquer aula que teria no momento, Mary sentou-se no chão, escorada da estátua de javali e dedicou aquele momento para pensar.
Hainault era um membro do D4, sempre fora, desde que ela entrara na escola ele sempre estava lá, junto com os outros, assistindo as torturas... apesar dela não lembrar de vê-lo se divertindo, como os outros faziam. Mas, depois desse pouco que descobriu sobre ele, realmente não fazia sentido ele estar sempre junto com aqueles garotos. Ele era totalmente diferente do resto do D4, principalmente do horrível Doumajyd.
Ela cerrou os punhos ao lembrar do líder dos Dragões. Ela nunca fora fã de sentenças como o Beijo do Dementador, mas se havia alguém no mundo que merecesse algo tão terrível quanto aquilo, era o Doumajyd.


***


Doumajyd ficou um bom tempo andando sem rumo pelos corredores do castelo. Ordenou que o resto do D4 o deixasse em paz e bateu em todos os alunos que se atreviam a ficar na sua frente no caminho, inclusive empurrando as meninas.
Quem Hainault pensava que era salvando aquela sangue-ruim Tarja Vermelha daquela maneira?! Aquele Sapo Selvagem estava fazendo o D4 perder todo o sentido que sempre teve e sem um motivo!
Ele parou em uma grande janela e olhou para fora, ainda respirando descompasadamente. Não conseguia parar de pensar em Mary encurralada tentando se decidir naquela fração de segundos se o obedeceria para salvar a amiga ou não. Sentindo raiva de tudo e de si mesmo, ele pegou uma pequena estátua que estava perto da janela e jogou contra ela, quebrando todo o vidro e fazendo o patrimônio da escola se espatifar sete metros abaixo.


***


No outro dia pela manhã, Mary seguiu novamente receosa para o Salão Principal. Agora que ela percebera que o D4 podia facilmente usar as pessoas perto dela para se vingar, ela temia por Vicky e até mesmo pela professora Karoline.
Porém, ao passar por um grupo de alunos do quinto ano que nunca perdiam a oportunidade de zoar com a aluna da Tarja Vermelha, algo inacreditável aconteceu:
- Bom dia, Weed! – disse um deles.
- Se esforce nos estudos hoje! – disse outro.
E o grupo se afastou sorrindo amigavelmente, como se aquele fosse um dia feliz em uma escola feliz e com pessoas bondosas e felizes.
Parada no mesmo lugar, piscando sem entender, Mary quase teve a alma arrancada do corpo quando ouviu as vozes estridentes das meninas da Sonserina vindo de trás dela:
- Mary! Que bom vê-la aqui! – disse uma delas, de cabelo ruivo.
- Estávamos esperando por você! – disse a outra, de cabelos cacheados.
- Sabia que a aquela faixa horrível falando um monte de mentiras sobre você foi tirada do Salão Principal? – disse a terceira, de cabelo loiro.
- ... Aham? – conseguiu resmungar Mary, completamente confusa.
- Venha ver!
E as três a conduziram até o salão, de onde a faixa realmente havia desaparecido e onde mais alunos a cumprimentaram daquele jeito alegre.
- O... o que estão planejando? – resmungou Mary para as meninas, nunca abandonado sua posição defensiva.
- Planejando? – perguntou uma delas surpresa.
- De onde tirou essa idéia absurda? – perguntou outra.
- Somos colegas, não? Temos que ser unidas! – disse a ruiva sorrindo.
Mary limitou a encará-las de uma forma descrente.
- Olha, – começou a loira, que era a líder do trio – realmente não estávamos mostrando o nosso melhor lado para você. Mas estamos arrependidas.
- Sim. – ajudou a ruiva – Não concordamos com tudo o que o D4 faz.
- Acho que eles são bem cruéis às vezes. – confessou outra.
- E para que você acredite em nós, temos algo para você! – disse a líder com um imenso sorriso, lhe mostrando um pergaminho selado. – Amanhã, a Sharon Seymour vai chegar em Hogwarts!
- A Sharon Seymour?! – Mary esqueceu por um momento toda a sua situação e sua mente foi totalmente ocupada pela imagem da sua inspiradora e pelo fato de que ela ia estar ali no castelo.
- Sim! – confirmaram as outras meninas contentes com a reação dela.
- E nós estamos organizando uma festinha de boas vindas para ela. O que acha de participar?
- Sério?
- É claro! A Sharon vai ficar em uma ala especial de Hogwarts, onde há um salão para festa e onde ela irá se hospedar enquanto permanecer aqui. É só apresentar esse pergaminho na entrada que os seguranças a deixarão entrar!
Mary pegou o pergaminho, maravilhada só com a idéia de que poderia conhecer de perto a Sharon Seymour.


***


- Eu acho bom você ir. – disse Vicky quando as duas já haviam terminado o trabalho na estufa e viam a revista com as fotos da Sharon Seymour e uma reportagem falando que ela viria para a Inglaterra, visitar os amigos e a família. – Todos poderão a conhecer melhor nessa festa... E, além disso, você ainda poderá ter alguma oportunidade de ficar mais próxima do seu Cavaleiro de Olhos Frios!
- Será? – Mary suspirou folheando a revista – Não sei se devo confiar naquelas meninas...
- Bom, pelo menos o fato de que a Sharon irá vir para cá está confirmado aí na revista. Ela vai visitar os amigos e parentes e, pelo que eu sei, as famílias do D4 e a dela são bem amigas. Parece que ela cresceu junto com os Dragões...
- Isso assusta, não? – riu Mary tentando imaginar como uma pessoa perfeita como aquela poderia ter crescido junto com aqueles garotos – Ainda bem que ela não foi afetada pela maldade deles.
- E com que roupa você vai?
- Hum, elas falaram que será apenas uma comemoração para alguns convidados de Hogwarts e para antigos alunos que se formaram com ela. Não preciso me preocupar e posso ir com o meu uniforme mesmo.
- Que bom, não? Pensei que fosse algo elegante...


***


Na estação de Hogsmeade, MacGilleain e Nissenson estavam azarando jovens bruxas desprevenidas que esperavam pelo próximo trem enquanto Hainault e Doumajyd estavam sentados no banco esperando, um o mais longe possível do outro. Hainault conferindo as horas no grande relógio da estação a todo o momento.
- Por que vocês estão tão longe um do outro? – perguntou Nissenson sentando no meio dos dois, depois de ter se cansado de cantar as bruxas.
- Por nada. – respondeu Doumajyd de mau humor.
- Por nada? – perguntou MacGilleain também se juntando a eles no banco – Vamos nos alegrar mais!
- Ela já deve estar chegando. – comentou Nissenson para Hainault – Está feliz, não está? Sorria!
- Afinal, ontem você nem dormir! – riu-se MacGilleain.
- Calem a boca! – disse ele sorrindo e voltando a consultar o relógio.
- Ela está atrasada. – comentou Doumajyd.
E no mesmo instante, o trem surgiu adiante, soltando suas repolhudas nuvens de fumaça no ar frio de quase inverno. Os quatro ficaram imediatamente de pé e esperaram até o trem parar apitando e os passageiros começarem a descer. Hainault olhava ansioso para todas as cabines, tentando achar o rosto familiar. Logo encontrou o que procurava e se embrenhou entre os outros passageiros.
Uma mulher alta, com longos cabelos castanhos, olhos claros e um sorriso enorme, vestindo um casaco de peles, desembarcou. Assim que avistou Hainault ela acenou e correu para ele, com sua bagagem levitando atrás dela:
- Voltei! – anunciou quando, em quase um pulo, abraçou apertado Hainault – Que saudades!
- Sharon! – Hainault, muito longe do aluno quieto e indiferente que costumava ser, retribuiu o abraço animadamente.
- Fazia tanto tempo que não nos víamos! – disse ela o largando e olhando bem para ele – Você se tornou um rapaz bonito!
- Eu queria muito te ver! – exclamou ele.
- Eu também! – disse ela com um imenso sorriso.
Ele foi para abraçá-la novamente, mas ela não percebeu a intenção dele por que avistara os outros e correu para cumprimentá-los:
- Quanto tempo! Estou de volta finalmente!
Ela cumprimentou MacGilleain e Nissenson entre muitos abraços, beijos estralados e várias perguntas de ‘tudo bem?’. Hainault continuou a observando, deixando transparecer toda a sua alegria por estar ali.
- Quanto tempo. – cumprimentou Doumajyd, o último a se aproximar, com as mãos no bolso das vestes e na sua típica pose de líder do D4, mas sorrindo como os outros.
- Esteve bem, Christopher? – perguntou ela o abraçando.
- Lógico. – respondeu ele alegremente.
- Alguma coisa em você mudou. – disse Sharon o examinando – Aconteceu alguma coisa?
- Nada. – ele respondeu olhando imediatamente para os outros, como se dissesse para eles não fazerem brincadeiras a respeito do que estava acontecendo nos últimos dias.
- Mas e você, Sharon?! – Nissenson tentou mudar de assunto – Está muito mais bonita do que sempre foi!
- Os franceses não largavam do seu pé, não? – brincou MacGilleain.
- Mais ou menos. – disse ela parecendo se divertir como nunca estando ali e podendo conversar com eles – E você, Ryan? Arranjou uma namorada?
Ele a encarou por um tempo e respondeu, perdendo um pouco do seu ânimo com a chegada dela:
- Não.
- Isso não pode! – exclamou ela verificando onde sua bagagem estava – Você tem que se apaixonar para poder brilhar com mais intensidade!
- Francamente, quem está brilhando é você. – comentou ele com um tom de amargura – saindo em todas aquelas revistas daquela forma.
- Ryan, a Sharon ficou famosa. – Nissenson sabiamente interviu na conversa quando percebeu o rumo que o amigo estava dando a ela – Não precisa exagerar.
- Não estou exagerando. Eu só acho que ela... não precisava aparecer com tão pouca roupa daquele jeito. – ele a encarou e murmurou de cabeça baixa, como se fosse um menino pequeno tendo que confessar o motivo da sua implicância com algo – Sharon não é uma dessas modelos baratas.
A bruxa soltou uma gargalhada alegre e disse, parecendo muito feliz:
- Como sempre, continua se preocupando comigo, não? Adoro esse seu lado! – ela o abraçou mais uma vez – Estava com saudades disso também!

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