Declaração de guerra
- Hoje mesmo expulsaremos aquela garota! – exclamou Doumajyd para os colegas durante a aula de Trato de Criaturas Mágicas, nos terrenos de Hogwarts.
- Está certo disso, Chris? – perguntou MacGilleain para o amigo.
- É a primeira vez que uma garota recebe a Tarja Vermelha. – comentou Nissenson preocupado.
- Não importa. – Doumajyd sorriu de um jeito satisfeito.
Sentado ao pé de uma árvore ao lado deles, Hainault, que lia um livro sem parecer prestar atenção na conversa dos outros três, levantou os olhos e encarou o líder do D4.
***
Ao entrar na sala de poções, Mary Ann percebeu que todo o seu material para a aula havia sumindo, inclusive seu caldeirão. O professor ainda não havia chegado, e todos os seus colegas de classe fecharam um círculo em volta dela, rindo da sua situação. Cerrando os punhos de raiva, Mary deu meia volta e saiu da sala. No meio do caminho encontrou com Sarah, que pediu o que estava acontecendo, mas não obteve nenhuma resposta.
Mary saiu correndo pelos corredores, imaginando onde eles poderiam ter escondido seus materiais. Finalmente encontrou Pirraça, que soltava gargalhadas estridentes olhando por uma janela. Desconfiada ela verificou o que ele olhava e viu que todo o seu material tinha sido jogado nos pátios. Então desceu voando as escadas e saiu pela porta principal do castelo, cruzando toda a sua frente e dando a volta até chegar em uma das paredes laterais, onde estavam suas coisas. Ao começar a juntá-las de uma maneira furiosa, ela ouviu algo e olhou para cima. No mesmo instante, vários papéis e pergaminhos amassados junto com outras coisas caíram sobre sua cabeça, e ela teve que se jogar para o lado para não ser atingida pela lixeira que foi jogada logo em seguida. Da janela, três andares acima, seus colegas de classe davam gargalhadas.
***
Na aula de feitiços, o professor virou-se para explicar algo no quadro e no mesmo momento Mary foi coberta por uma montanha de bolas de papéis. Ela se pôs de pé e gritou:
- PAREM COM ISSO!
O professor virou-se para ela surpreso e pediu para que ela não atrapalhasse a aula. Percebendo que não teria ajuda dos professores, Mary pediu desculpa e voltou a se sentar, enquanto todos davam risadas abafadas.
***
No intervalo, cansada com todas as provocações que estava recebendo para ser expulsa, Mary sentou nas escadas de saída para um dos jardins internos de Hogwarts. Estava totalmente sem forças para pensar em alguma maneira de se livrar daquela situação. Foi quando ela avistou Sarah passando no corredor oposto.
Mary a chamou, mas a amiga se assustou quando ouviu o seu nome e se apressou para sumir de vista.
- Sarah... – sussurrou Mary chocada.
Esse com certeza fora o maior desapontamento que ela teve no dia, já que estava sofrendo tudo aquilo por culpa do descuido da colega.
Ainda estava pensando nisso quando algo gelado foi jogado em sua cabeça e lhe escorreu pelo uniforme.
- Até sua amiga te jogou fora, é? – perguntou uma voz estridente e sarcástica vinda de trás dela.
Era o trio das piores garotas da Sonserina da sua sala, as três segurando baldes vazios nas mãos.
- Você sempre foi um incomodo para todos! – acusou uma delas.
- Uma pessoa feito você estudando na nossa escola?! – disse outra – Suma logo daqui!
- SANGUE-RUIM! – exclamaram as três juntas e foram embora, dando risadinhas contentes de satisfação.
Mary respirou fundo e saiu correndo, para o único lugar que ela podia ir naquele momento: a Torre do Desabafo.
***
- Droga! – ela chutou com força a parede embaixo da janela da torre e continuou chutando conforme gritava – DROGA! DROGA! DROGA!
- Pare com isso... Pode ser?
Mary Ann quase caiu com o susto que levou. Ela olhou para trás e viu o dragão Ryan Hainault, sentado na parede oposta da janela, escorando as costas na estátua de javali.
- Não fique reclamando aqui. – disse ele fechando seu livro e se levantando, indo até o lado dela na janela – ...Então era você mesmo. – disse ele olhando para a paisagem.
- Como? – perguntou Mary ainda abobada com a situação.
- Será que você pode parar de se desestressar aqui também?
- Você... – ela começou meio incerta – tem me ouvido todo esse tempo?
- Sinto muito, mas essa torre é meu local. Eu gosto daqui e não quero que você me atrapalhe.
Sem opção já que se tratava de um D4, ela concordou com um aceno de cabeça e se virou para sair, mas no mesmo instante ele falou:
- Mas parece que é você quem está com problemas, não?
E então ele saiu, sem dizer mais nada, deixando uma Mary confusa para trás.
Um tempo depois, mais animada por pelo menos uma pessoa a ter ajudado naquele dia, mesmo sendo um dragão, ela voltou para o seu dormitório.
Porém, no caminho, alguém estava observando atentamente seus passos.
***
- Aquela garota não parece estar atingida! O que está havendo?! – perguntou Doumajyd segurando um aluno do sexto ano suspenso no ar pela gola das vestes.
- Desculpe, Doumajyd! Amanhã, com certeza, vamos conseguir fazer com que ela saia! – respondeu o garoto apavorado.
- É bom mesmo! – disse ele soltando o aluno com violência no chão e voltando para a sua sala comunal, gritando com qualquer um que se atrevesse a ficar no seu caminho.
***
- Não é melhor você pedir uma transferência? – perguntou Vicky preocupada, quando as duas estavam trabalhando na estufa, único lugar onde Mary teria alguns momentos de paz.
- Mas...
- Eu acho que está na hora de considerar. – disse a professora Karoline entrando na estufa, carregando dois grandes vasos com plantas amarelas e vermelhas. – Os professores foram alertados para não ajudar uma certa aluna problema. Essas pessoas têm muita influência, Mary, é melhor tomar cuidado com o que faz!
A professora largou os vasos em cima de uma mesa e tirou as grossas luvas de couro de dragão.
- Uma vez eu tive um namorado idealista. – começou ela, pegando um regador e dando água para algumas plantas em um canto da estufa – Ele se atreveu a ir contra pessoas poderosas e desapareceu misteriosamente.
- Sério? – perguntou Vicky interessada.
- Sim, era pessoas que participavam do grupo dos Comensais da Morte, um antigo grupo de bruxos das trevas. – a professora virou subitamente para Mary e exclamou – É melhor tomar cuidado, querida! Pessoas poderosas e com influência são capazes de fazer qualquer coisa com insetos que as atormentam!
Mary engoliu em seco, não querendo nem imaginar como seria enfrentar mais um dia daquilo.
***
Receosa, Mary abriu a sua caixa onde deveriam estar seus vermes para a aula de Trato de Criaturas Mágicas. Mas ao invés dos bichos gosmentos, várias cobras com asas voaram nela. No mesmo instante todos os outros alunos saíram correndo, gritando e criando tumulto na aula. Na confusão, três alunos a agarraram, lhe tamparam a boca para que ela não pedisse socorro, e a arrastaram com eles.
Levaram-na para dentro do castelo e a empurraram escadas acima até a torre de astronomia, vazia naquele momento.
Ela mordeu a mão que lhe tampava a boca e conseguiu começar a falar:
- O que – mas no mesmo instante foi jogada com violência no chão.
Teve seus braços e pernas presos e lhe rasgaram o casaco do uniforme.
- PAREM COM ISSO! ME LARGUEM! – ela lutava para tentar se livrar, mas era só uma contra três, e tudo o que podia fazer era gritar apavorada – ME LARGUEM!
- O que estão fazendo? – perguntou uma voz calma do outro lado da torre.
Os quatro olharam naquela direção e lá estava Ryan Hainault, deitado em um dos bancos, com um livro lhe cobrindo o rosto. Calmamente, ele retirou o livro e olhou para eles dizendo como se fosse apenas um comentário aleatório:
- Deixem ela ir.
- Mas eu tenho que – tentou replicar um dos garotos.
- Já falei para deixarem ela ir! – ele levantou do banco e começou a andar na direção deles, não mudando de expressão ou o seu tom de voz, mas definitivamente sendo ameaçador como só um dragão poderia ser.
Sem outra opção, os garotos obedeceram ao membro do D4 e saíram, deixando Mary largada no chão.
Hainault puxou uma cadeira para perto dela e a colocou em um lugar de onde ele poderia olhar para fora. Enquanto isso ela se levantou do chão, ainda tremendo e não conseguindo ficar de pé. Tinha gasto todas as suas forças em tentar se livrar dos garotos e sentia que não poderia fazer mais nada no momento além de uma coisa: chorar.
- O Pirraça – começou Hainault sem olhar para ela – resolveu usar aquela torre para pintar as cartas do baralho que ele roubou da professora de adivinhação... Achei que aqui seria um lugar calmo...
Tentando ao máximo conter os soluços que queriam sair aos montes, Mary respirou fundo e murmurou:
- Obrigada.
Hainault olhou diretamente para ela, e Mary pela primeira vez olhava sem nenhum rancor para aqueles olhos azuis.
- Não me entenda mal, ok? – pediu ele – Eu só não acho certo eles chegarem a esse extremo.
E sem dizer mais nada, ele levantou-se e saiu da sala.
***
Na sala comunal da Sonserina, os garotos que atacaram Mary se encolhiam diante de Doumajyd, e este quase soltava fogo pela boca enquanto esbravejava:
- O RYAN O QUÊ?!
- Não pudemos fazer nada! – disse um deles tremendo – Ele nos mandou parar!
- E desde quando o Ryan manda mais do que eu?! – perguntou o líder do D4 dando um soco no estômago do garoto e o empurrando para longe.
Então ele se virou para os outros dois, que se encolheram, e ordenou:
- Chamem o Simon o Adam agora!
Sem perder tempo os dois correram para obedecer, aliviados por fugirem do castigo por não terem cumprido a outra ordem.
***
- Mas isso já não é demais, Chris? – perguntou Nissenson quando o D4, menos Hainault, estavam reunidos na ala especial para eles no Salão Principal.
Essa ala ficava em um nível superior do resto do salão, e havia sido construída para o uso exclusivo deles, logo que entraram para Hogwarts.
- Eu também não aprovaria isso! – anunciou MacGilleain.
- Se ela não sair, o jogo não acaba! – rosnou Doumajyd, batendo o punho com raiva na mesa – E não podemos desistir!
Os outros dois se entreolharam preocupados.
***
Mary Ann foi acordada tarde da noite por uma coruja batendo na janela do seu quarto. Era a mesma coruja que do outro dia, e trazia o mesmo embrulho. Mary pulou da cama e abriu a janela para pegar a entrega. E, no mesmo instante em que concluiu o seu trabalho, a coruja foi embora.
Era a mesma caixa, que Mary tinha devolvido através de uma coruja de Hogwarts, e havia outro bilhete.
Desculpe por ter comido seus doces outro dia. Sai com uns amigos hoje de amanhã e comprei dos mesmos com o meu dinheiro. Estou com saudades! Faça muitos abracadabras por mim, ok?!
Charles.
Ela sorriu e se sentiu quente por dentro. Seu irmão lhe mandando algo era extremamente raro, e mais raro ainda era ele gastar o seu precioso dinheiro para revistas em quadrinhos e saídas de finais de semana com algo caro como aqueles doces para ela.
Quando Mary estava em casa, via de perto o tanto que Charles trabalhava, em qualquer lugar que pudesse, para conseguir comprar coisas para ele sem ter que recorrer aos seus pais. E o motivo muito maior dele tentar cobrir ao máximo suas próprias despesas, era para que os pais pudessem comprar para ela os materiais caros exigidos por Hogwarts, coisa que ela fingia não perceber para ele não ficar constrangido.
Sentindo um orgulho enorme do seu irmão e uma sensação de felicidade que a fazia esquecer de tudo o que tinha sofrido naquele dia, ela guardou a caixa ao lado da cama. No outro dia, os comeria no café e sentiria forças para agüentar o que quer que fosse que o D4 estivesse planejando contra ela.
***
No café da manhã, Mary Ann abriu a sua caixa contente. Gostaria imensamente de dividir aqueles doces com Vicky, mas alertara a amiga a não ficar perto dela em algum lugar além das estufas, para que ela não fosse prejudicada também. Mesmo Vicky sendo contra abandonar a amiga, Mary conseguiu convencê-la de que seria mais fácil de lidar com o D4 sozinha.
Ela experimentou o primeiro doce e sentiu como se fosse a primeira vez que provava aquele sabor que adorava. Na verdade, era realmente a primeira vez que alguém além de seu pai lhe dava seus doces preferidos.
- O que é isso? Uma tentativa de mostrar que possui algo de valor?
Mary gelou ao ouvir a voz sarcástica ao seu lado.
- Nunca irá conseguir chegar ao nível de qualquer um dessa escola comendo doces caros. – riu Doumajyd.
Ela não levantou a cabeça e não se moveu, permaneceu calada no seu lugar na mesa da Grifinória.
- ESTÁ ME OUVINDO, DROGA?! – ele agarrou a caixa e a jogou no chão com força, fazendo com que ela se desmontasse e os doces rolassem para todos os lados.
Todos no salão pararam o que estavam fazendo e olharam abertamente o que estava acontecendo.
Boquiaberta, Mary saiu do seu lugar e se ajoelhou no chão diante do estrago. Pensamentos sobre seu irmão lhe mandando algo que estava nos limites das suas possibilidades só para se desculpar de algo que ele fez, e pensamentos de sua mãe lhe mostrando com orgulho e carinho a sua caixa que ganhara de presente de casamento, passaram diante dos olhos de Mary. Ela sentiu algo gigante começando a borbulhar dentro dela.
Ainda não contente com o que havia feito, Doumajyd pisou em um dos doces na frente de Mary, que estourou e acabou espalhando o recheio de geléia em seu calçado.
- Vou precisar comprar sapatos novos. – lamentou-se ele rindo – Simon! Adam! Ryan! Vamos nessa! Tenho treino agora!
- Espera!
Doumajyd, que havia dado somente três passos, parou rindo e balançando a cabeça, incrédulo com o que ouvira:
- Como?
Mary o encarava, ainda de joelhos no chão, com um ódio que ia muito além de qualquer outro que já sentira na vida.
- Falou comigo, sangue-ruim?
Ela se pôs em pé e disse:
- Eu não me importo se você é herdeiro de alguma coisa ou tem alguma influência! Você é um pirralho que nunca ganhou dinheiro por conta própria!
Nissenson e MacGilleain, que tinham parado a meio caminho de seguirem Doumajyd, olhavam admirados para uma cena inédita dentro da história do D4. Pela primeira vez, alguém estava enfrentando Christopher Doumajyd. Hainault permanecia na sua inabalável pose de tranqüilidade, apenas observando.
Mary puxou as mangas das suas vestes e afastou um pé do outro, em uma pose típica de lutador, com os punhos no ar. Doumajyd permanecia imóvel, apenas olhando para aquela baixinha na sua frente com um misto de divertimento e descrença.
Mary deu três pulinhos e berrou:
- NÃO SEJA TÃO CONVENCIDO!!! – e avançando com toda a sua força, acertando um soco no nariz de Doumajyd, que o fez rodar sobre os próprios pés e cair desnorteado no chão.
- Você passou de todos os limites possíveis e eu não vou mais fugir! – anunciou Mary ameaçadoramente – Isso é uma declaração de guerra! ME ENFRENTE SE TIVER CORAJEM!!!
Todo o salão permaneceu em silêncio absoluto. Mary olhou para o todos a sua volta, como se esperando que alguém fosse dizer algo contra ela. Então viu Hainault sorrindo de leve, revelando que aprovava totalmente o que presenciara.
Então ela levantou o rosto, deixando vir a tona todo o orgulho que sempre teve e que manteve guardado para poder passar despercebida por esses anos em Hogwarts. Lançou um último olhar mortal para Doumajyd, um do mesmo estilo que ele costumava lançar para intimidar os outros, pegou os pedaços da caixa de sua mãe no chão e saiu dignamente do Salão Principal.
Ao passar por todos aqueles alunos que ainda pareciam não acreditar no que acabaram de presenciar, Mary pensou consigo mesma: ‘Eu fiz algo grande hoje... só de pensar nas conseqüências que posso sofrer a partir de agora, chego a ficar com medo. Mas eu nunca vou desistir! Mesmo se me odiarem ou baterem! Eu vou ser como uma erva daninha aqui em Hogwarts e todo mundo vai ficar sabendo disso!’
***
No dia seguinte, Mary levantou cedo, decidida, como nunca estivera antes, a ser ela mesma. Não seria mais adaptável e passível diante dos podres daquela escola, mesmo se aquilo significasse a sua expulsão.
Ela consertou o seu casaco rasgado orgulhosamente como uma nascida trouxa, com linha e agulha, sem ajuda de magia. Prendeu o cabelo firmemente nas típicas duas tranças e desceu para a sala comunal, ainda vazia àquela hora. Antes de enfrentar o Salão Principal no café da manhã, ela queria respirar o ar gelado na sua torre, e assim ficar totalmente preparada para o qualquer coisa que aquele dragão ditador estivesse lhe preparando como vingança.
Esse era o seu plano ao passar pelo quadro da mulher gorda, mas assim que ela pisou no corredor, tudo ficou escuro.
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