Pré-TB, 2ª etapa
Mary em treinamento
- Errado! – quase chorou o instrutor de piano de Mary – Pela décima vez: não existe essa nota que você insiste em tocar! É tão simples! Basta-
- Não é simples! – retrucou Mary – Estou tentando!
- Comece tudo de novo! – ordenou o instrutor, com um tom que sugeria que ela era incontestavelmente um caso perdido.
Mary respirou fundo, engolindo a vontade de jogar o piano para o alto e acabar com aquelas tentativas frustradas de tocar um instrumento muito além de suas capacidades musicais, e recomeçou a lição. Mas por mais que se esforçasse, seus dedos se embaralhavam e ela acabava pressionando uma tecla antes da hora, ou depois ou uma que não devia.
- Você é muito lerda, Weed! – reclamou Doumajyd, que assistia de uma das poltronas enquanto devorava o lanche de um prato que uma elfa doméstica havia trazido e que originalmente deveria ser para Mary.
- Cala a boca! – retrucou ela pressionando as duas mãos no teclado com raiva.
- Concentre-se, srta. Weed! – pediu o instrutor esfregando o rosto para manter a calma.
- É, concentre-se, idiota! – ajudou Doumajyd.
- É difícil! – explodiu Mary abandonando o seu banco, para desespero do instrutor, indo até Doumajyd e arrancando o prato das mãos dele – Isso é meu!
Ela analisou o sanduíche meio comido, encolheu os ombros e deu uma grande mordida. Praticara o piano durante toda a tarde e estava morrendo de fome.
- Você não merecia! – defendeu-se o dragão – Eu iria mandar fazer um monte de sanduíches para você assim que conseguisse tocar algo minimamente ‘autível’!
- É audível! – corrigiu ela se sentando em um dos sofás e dizendo para o instrutor de boca cheia – Fó um fempo, for favor.
O instrutor balançou a cabeça afirmativamente, não havendo como negar a essa altura e procurando um lugar para ele mesmo descansar.
- Caramba, Weed! É só um piano! – ainda reclamou Doumajyd.
- Duvido que você consiga! – desafiou ela, dando mais uma mordida faminta no sanduíche.
O dragão lhe lançou um olhar mortal, levantou da sua poltrona confortável, tomou o lugar dela no banco em frente ao piano e começou a tocar de uma forma que Mary só tinha visto em filmes.
A garota observou surpresa como ele conseguia tocar tão facilmente e incrivelmente bem.
- E então? – perguntou ele assim que terminou – É tão difícil assim?
O instrutor aplaudiu de pé, quase chorando de alegria.
- Inacreditável... – murmurou Mary, tão chocada que não percebera que seu sanduíche havia caído no chão.
***
- Richardson! Eu quero que continue com o plano contra a família trouxa daquela sangue-ruim! – Anunciou a senhora Doumajyd depois de pensar por um tempo no que poderia fazer para contra-atacar a filha em seu plano para o Totalmente Bruxa.
- Mas, senhora, eles já-
- Limite-se a obedecer, Richardson. – sibilou a bruxa – Não tolerarei que... – mas ela não pode terminar a frase.
No mesmo instante, as portas do escritório se abriram e uma garota passou decidida por elas.
- Eu vou participar do Totalmente Bruxa! – exclamou Sarah Swan sorridente, parando em frente à escrivaninha, cruzando os braços em uma posição de total convencimento – E definitivamente vou ganhar!
A expressão de surpresa da senhora Doumajyd com a entrada repentina da sua aliada foi logo substituída pela de incredibilidade.
- Você? – ela riu – No Totalmente Bruxa?... Nunca irá ganhar!
O sorriso de Sarah desapareceu diante dessa afirmação.
- Eu agradeço por toda a sua ajuda até o momento, srta. Swan. Mas receio que nesse ponto sua força de vontade não será o suficiente.
- Co-como assim?
- Richardson. – chamou a bruxa.
- Sim, senhora?
- Mostre para a srta. Swan onde fica a porta de saída,
- Não! Espera! – pediu Sarah horrorizada quando Richardson fez um sinal para que dois bruxos seguranças entrassem e começassem a arrastá-la para fora – Eu consigo, senhora Doumajyd! Eu posso fazer isso! ME SOLTEM, SEUS IMBECIS! SENHORA DOUMAAAAJYD!!!
E as portas se fecharam, abafando todos os gritos e berros da garota.
A senhora Doumajyd deu um longo suspiro de impaciência e abriu uma gaveta ao seu lado, retirando dela uma esfera.
Logo que a fumaça azulada no seu interior tomou forma, ela cumprimentou:
- Olá, Karina! Há quanto tempo, querida!
- Ah, senhora Doumajyd! – exclamou a pequena figura de uma garota loira dentro da esfera – Como vai?
- Muito bem. Agora melhor por poder falar com você. – a bruxa deu um grande sorriso e continuou, com um tom amável – Karina... o que acha de participar do Totalmente Bruxa? Pelo Christopher?
***
- Quand le train arrive-t-il?
Mary encarou seu instrutor de francês por um tempo.
- Quand le train arrive-t-il? – repetiu ele, um pouco mais devagar.
Mary deu um sorriso amarelo e tentou espiar as suas anotações.
- Où allez-vous? – ele tentou mudar a pergunta.
- Éééé...
- Est-ce que vous comprenez? – perguntou ele revirando os olhos.
- Na verdade eu compreendo... um pouco. – admitiu ela – Mas para responder...
- Em francês! – rosnou Doumajyd, sentando ao lado dela e fechando o caderno de anotações para que ela não pudesse buscar socorro.
- Pardon...Je... ne... com-comprends... pas. – disse ela com muito sofrimento, trincando os dentes com a vontade de jogar uma maldição imperdoável no dragão.
- Parlez-vous anglais? – perguntou Doumajyd sério.
- ...Je ne... sais... pas. – respondeu ela, não entendendo a pergunta e buscando um meio fácil de se livrar dela, dizendo que não sabia.
- Não brinca? – riu Doumajyd e então falou com o instrutor – Professor, o que acha? Devemos ensinar inglês para ela primeiro?
O instrutor riu também e Mary sentiu as orelhas arderem com a força que fazia para se conter e não socar o dragão.
***
Mary se jogou na cama de qualquer jeito, sem nem ao menos trocar de roupa ou tirar os calçados. Estava exausta, tanto fisicamente quanto mentalmente. E essa exaustão estava se repetindo dia após dia, desde que começara a treinar.
Somente naquele dia ela teve aula de culinária mágica, história avançada da magia, costumes da sociedade mágica, economia mágica, piano, francês, xadrez bruxo e runas antigas. A sua rotina se resumia a estudar, treinar, estudar e às vezes respirar, pois precisava aprender compactamente um pouco sobre tudo o mais rápido possível.
Porém, o mais estressante de tudo não eram as aulas, as instruções, os próprios instrutores ou a sua incapacidade total e óbvia em muitas daquelas coisas. Mas um certo dragão que insistia em matar aulas de Hogwarts para ficar o dia inteiro com ela, apontando e ridicularizando abertamente seus erros... e sendo absurdamente bom em tudo o que ela não conseguia fazer.
Naquele dia, sua paciência com ele estava a ponto de alcançar seu limite máximo, quando Doumajyd decidiu que ela já havia feito muito e que poderia ir descansar. Sem esperar que ele sequer terminasse o seu discurso sobre como ela teria que se esforçar muito mais no dia seguinte se quisesse ter uma chance real no Totalmente Bruxa, ela saiu para o seu quarto, bocejando e arrastando os pés.
- Weed! – ela ouviu Doumajyd bater na porta e chamar – Está dormindo?!
- Estoooou... – respondeu ela, mas tão fraco que o dragão não seria capaz de ouvir.
- Se esforce mais amanhã, idiota! – resmungou ele para a porta, deixando transparecer um tom de preocupação, e saiu.
Mary respirou fundo e a última coisa que ela pensou, antes de adormecer profundamente, foi que Doumajyd era um grande imbecil.
***
Andar e tentar ao mesmo tempo equilibrar um livro na cabeça sempre pareceu algo extremamente engraçado para Mary. Mas, quando quem estava embaixo do livro era ela mesma, seu conceito sobre o assunto mudava totalmente.
Enquanto tentava dar os passos seguindo a sua instrutora de etiqueta, ela se repreendia mentalmente por nunca ter dado ouvidos para a sua mãe e seus professores quando esses avisavam que sua postura estava errada. Era muito difícil equilibrar o livro, olhar diretamente para frente, manter a coluna certa e andar de uma forma graciosa pela sala, tudo ao mesmo tempo. O máximo que ela tinha conseguido eram dar seis passos até o livro cair... E a presença de Doumajyd, observanto e rindo das suas tentativas fracassadas, contribuíam somente para deixá-la nervosa e irritada.
Na sua trigésima tentativa, quando o livro caíra logo no segundo passo, a instrutora não agüentou permanecer calada:
- Você não tem o básico! Sua postura é ruim e o livro vai continuar caindo!
Mary pegou o livro no chão, já se sentindo tonta por não agüentar mais fazer aquilo.
- Mais uma vez! – pediu a instrutora, cruzando os braços e não parecendo nada amigável.
Ela fez como fora pedido e novamente o livro caiu. Isso foi demais para Mary, que desabou no chão também, de joelhos e com a cabeça já latejando.
- Droga! – rosnou Doumajyd – Você realmente não consegue fazer nada, Weed!
Sem forças para socar o dragão, como era a sua vontade, Mary limitou-se a rosnar também, levantando-se com esforço:
- NÃO TEM COMO EU SER BOA EM TUDO LOGO DE CARA! – e saiu correndo, batendo a porta da sala com toda a força que conseguiu, deixando para trás um dragão furioso.
Christinne teria que perdoá-la por fugir assim, mas o que ela mais precisava agora era de um tempo, e ficar o mais longe possível de tudo aquilo. Longe dos instrutores cruéis, das aulas e de Doumajyd.
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